31.5.04

PIADAS REAIS AO VIVO

Doces figuras, na foto de autoria do Cachorro, o maior fotógrafo que conheço pessoalmente, eu em nova fase capilar e Dani (a foto estava publicada no antigo Buteco). Não é exatamente publicada atendendo ao pedido do leitor Fábio Machado que sugeriu a publicação de fotos das mulheres citadas aqui. Como na medida do possível pretendo resguardar a imagem dessas moças de quem não tenho autorização para isso, segue essa, minha com a mulher que me ensinou a sorrir e a quem persegui durante mais de dez anos, já que com ela não terei problema algum. Fica então registrado o sorriso-maracanã para ilustrar esse texto que irá contar algumas piadas que presenciei pessoalmente, todas com testemunhas.

É preciso dizer, antes, que Dani é coordenadora de um curso de inglês.

PIADA 01: Essa é conhecidíssima, mas vale a pena contar de novo. Fui a São Paulo com a Dani, no início de 2000, visitar a Bia, doce amiga que mora por lá. Telefonei para o bom Szegeri com a intenção de marcar um encontro para bebermos e para que pudéssemos, eu e Dani, conhecer Railídia, sua mulher. À época. Marcamos um ponto de encontro onde eles passariam de carro. Entramos no carro e eu parti para as apresentações. "Fernando, essa é Dani, Dani, esse é meu irmão Szegeri". Beijinhos trocados. Virei-me em direção à Railídia no banco do carona. Deu-me um branco e não lembrei-me de seu nome. Ficou no ar, assim: "Dani, e essa é a (...)". Ela, simpaticíssima como sempre, percebendo minha gafe, estende o rosto pra Dani e manda: "Rai-lídia", assim, bem pausadamente. E a Dani, de voleio: "Hi, Dani". Depois de 10 minutos rolando de rir dentro do carro, seguimos pra porranca.

PIADA 02: Ainda da Dani. Ela estava no Estephanio´s e dirigiu-se ao Toninho, o piloto da cozinha: "Toninho, querido, prepara um caldinho de feijão pra mim?". Bem, o Toninho fala mal o português, e mandou de volta: "A senhora quer com tudo? Torresmo, salsinha, alho?". E Dani: "Whatever". Ele entrou na cozinha e saiu de lá, logo depois, com o caldinho coberto por grossa camada de orégano.

PIADA 03: Encontro Dani no centro da cidade no fim da tarde de uma sexta-feira. Encostamos no balcão de um pé-sujo na Rua do Carmo e ela disse ao camarada do lado de dentro: "Moço, quero beber algo fortinho... não quero cerveja...". Ele manda de volta: "Capirinha, batida, capivodka...". E a bilíngue diz: "Kind of". A pérola: "Desculpe, senhora, só temos Smirnoff e Orloff.".

PIADA 04: Essa é da Lelê, minha queridíssima Letícia, morena-mulata de sorriso arrebatador, garantia de alegria quando está presente, mas que deu, nesse epsiódio, uma de loura em matéria de piadas no imaginário popular. Lelê me convocara para ajudar na organização de seu aniversário cujo tema seria "buteco". Ela queria de tudo um pouco: jiló, tremoços, caldinho de feijão, pernil assado, carne assada e afins do mesmo gênero. Fomos ao supermercado e durante as compras ela diz: "Ai, Edu, o que você acha de comprarmos ovos de codorna?". E eu: "Lelê, já tenho tanta coisa pra fazer, tanto trabalho pela frente, acho que não ´tô´ a fim de cozinhar dúzias e dúzias de ovos de codorna...". A inacreditável resposta mandada depois de segundos de espantoso silêncio: "A codorna não põe aqueles ovos já prontos?". Nem consegui responder.

PIADA 05: Última de hoje (vocês não têm noção da quantidade que tenho guardada para contar aos poucos), essa de sábado, no RioScenarium, na Lapa, durante o aniversário do Miguel Salgado. A atração da noite foi o excelente conjunto Pau da Braúna. Bebíamos animadamente durante o show, eu, Dani, Dalton, Alê, Lelê, Manguaça, Buba, Lu, uma pá de gente. Alê, copo de gim tônica numa das mãos, cigarro aceso na outra, vira-se pra mim apontando pro palco com o copo e lança: "Edu, qual deles é o Paulo Braúna?".

Fecha o pano.

Até.

29.5.04

E O BUTECO ABRIU DE NOVO (e recado para dois leitores)

Doces figuras, não havia previsão para abrir esta semana. Betinha, como contei em 24 de maio, foi a última a vir ao Buteco do Edu, na sexta-feira da semana passada. Ocorre que ontem, também sexta-feira, quando cheguei do trabalho, por volta das 20h, encontrei Dani, Pierre e Arthur sentados à mesa com uma Original à frente. Foi, na mesma medida, uma surpresa e um presente.

Primeiro porque são raríssimas as vezes em que chego em casa depois da Dani, que trabalha, é preciso dizer, muito mais que eu. E encontrá-la, com aquele sorriso-maracanã em minha direção, é quase fatal.

Arthur e Pierre trabalham com ela. O primeiro é um belo praça, caladão, na dele, mas quando pega do violão vira um pequeno monstro. Tirando os profissionais, eu nunca vi alguém, por exemplo, tocar Guinga com tamanha maestria. E tem uma namorada, a quem ainda não conheço, que, é ele quem conta, o transforma num aprendiz quando manda Guinga & Aldir, tocando a cantando. Ou seja, para brevíssimo estou tratando de convidá-los para uma noitada no buteco que promete.

O segundo, Pierre já é conhecidíssimo, depois que publiquei emocionado relato de meu afogamento, quando ele salvou-me a vida. O texto chama-se FERIADO DE PÁSCOA.

Mais que conhecido, é saudado pelos que me querem bem (são poucos, eu sei, mas são fiéis) como um verdadeiro herói, embora ele, muito modesta e humildemente, recuse o título alegando exagero de minha parte (Szegeri, querido, exijo seu comentário sobre o fato, você que nadava a naufragava a meu lado, a fim de que não restem dúvidas sobre o mérito do cara).

Impossível não lembrar do dia em que vovó, depois de ter lido o relato da quase-tragédia, conheceu Pierre pessoalmente, lá no Estephanio´s. Olhos marejados, as mãos trêmulas, tomou das mãos do malandro e as beijava agradecendo pela salvação de seu neto mais velho. Pierre, que estava ligeiramente alcoolizado, não respeitou a brancura dos cabelos de vovó e mandou na lata: "Mentira dele, eu não o salvei porra nenhuma". E dessa vez foi vovó que foi salva pela Dani, que tratou de consertar o estrago causado pelo simples "porra" solto assim tão de perto.

Também é um belo praça. Melhor: mais que um praça, o cara é uma cidadela. Dono de uma integridade visível pros que têm olhos de ver, é tomado de uma ira santa toda vez que presencia uma injustiça e isso é, convenhamos, você que me conhece, a minha cara. Mais uma bela aquisição que a vida me deu. E é teimoso como uma paca, outra característica eduardiana.

Ontem mesmo, pouco depois do Arthur ter partido, quando ficamos só os três derrubando Originais noite adentro, Pierre tornou a falar do assunto eximindo-se de qualquer mérito no episódio. Calibradíssimo, subi na cadeira e fiz comovente discurso exaltando as três pessoas pelas quais nutro gratidão eterna (pela ordem dos gestos): Mauro Rebelo, Mariana Blanc e ele próprio, Pierre.

Fui pouco gentil quando o fiz jurar nunca mais desconstruir minha versão dos fatos, mas acho que o convenci. Tanto que, salvo engano, o percebi também ligeiramente emocionado com a fúria, a voracidade e a veracidade de meu pronunciamento feito de improviso.

Um grande sujeito, sem sombra de dúvida (Szegeri, exijo seu comentário de novo: alguma vez você soube de uma bola-fora minha nessas avaliações pessoais? Obrigado, querido. É lindo vê-lo como colaborador espontâneo da OPINIÃO).

E já que falamos em buteco, mais precisamento no Buteco do Edu, tentei resistir mas não segurei a onda.

Quero responder a dois leitores que se manifestaram no espaço destinado à voz dos mesmos, dando palpites sobre MEU buteco. Vamos lá. O primeiro:

"Edu, não há chance nenhuma de um simples mortal ir ao buteco? Porque você não cria um sorteio para os que querem visitá-lo? Gostaria muito de poder conhecer pelo menos o canapé comentado, seria uma forma de premiar os fãs do gênero e seus leitores. Fica a sugestão. Roberto Romualdo - enviado em 25/5/2004 07:30:00"

Que bom, Roberto Romualdo, que a sugestão fica. Mas que fique com você já que dela não farei uso. Que fique bastante claro: não há nenhuma chance de você vir a meu buteco. Simples mortais, e eu sou um deles, estão sempre por aqui. Mas não creio que esse adjetivo se aplique a você, sinceramente. Se você quer conhecer "muito" o Canapé do Léo sugiro que você vá a São Paulo e, no Bar Léo, prove do mesmo. Não chega aos pés do que é servido aqui, mas vai dar pro gasto. Pra finalizar: não tenho a menor intenção de transformar essa revista numa espécie de programa de auditório para premiar quem quer que seja. Um grande abraço. Se você é mesmo fã do gênero e meu leitor, compreenda meu estilo e não fique magoado.

O segundo:

"Afinal de contas (e de uma vez por todas): o botequim é na sua casa, certo, Eduardo? Por que você não pensa seriamente na proposta do Roberto Romualdo? Seria uma forma de podermos trocar, você não acha? E você poderia conhecer mais de perto os leitores e leitoras de seu blog. Adriano Santos - enviado em 27/5/2004 15:12:00"

Adriano, você está certo e, ao contrário da grande maioria dos brasileiros, fato comprovado por inúmeras pesquisas, tem capacidade para interpretar textos. O buteco é na minha casa. Quanto a pensar seriamente na proposta do Roberto Romualdo, francamente, lendo minha resposta a ele você será capaz, usando desse seu talento, de entender que não pretendo minimamente pensar, que dirá seriamente, em sua (dele) proposta pífia. E não, eu não acho que trazê-los ao meu buteco seja uma forma de "podermos trocar". Trocar o quê, cara pálida? Não entendi e de verdade não quero entender, por favor, nem se dê ao trabalho de explicar. Pra finalizar, eu não tenho um blog, tenho uma revista. E os leitores a quem eu quero conhecer, obrigado pela sugestão, eu acabo conhecendo. Obrigado, querido.

Até.

27.5.04

DOIS MESES, UMA BELA MARCA

Doces figuras, é sem nenhum tempo para escrever e com muita satisfação que segue essa pequena nota apenas para marcar a passagem dos primeiros dois meses de vida da OPINIÃO, que foi ao "ar" em 24 de março de 2004. Mais de 3.000 visitas me parece um belo número. Obrigado a todos vocês, aos que espalharam e divulgaram o endereço. Amanhã, havendo tempo, escrevo mais e respondo a esses dois gênios que estão sugerindo visitas a meu buteco. Segure-me, Szegeri!

Até.

24.5.04

MAIS SOBRE O BUTECO E OUTRAS NOTAS

Doces figuras, o Buteco do Edu abriu na sexta-feira passada, com garbo, pra receber, mais uma vez, a Betinha.

Mesmo com conjuntivite, Betinha jogou bonito.

Eu, ela e Dani entramos em campo às 21h.

Cervejas Original abriram a partida, e amendoim, azeitonas calabresa e finíssimas fatias de presunto parma escoltaram as louras. Abrimos, logo depois, uma garrafa de espumante, servida com fatias de pão aquecidas no forno com queijo de cabra fresco, temperado com pimenta do reino e ervas. Os gemidos de prazer foram ouvidos na vizinhança e o interfone não parou, com gente querendo saber se poderia participar da orgia enogastronômica. Todos foram barrados. As oportunidades para conhecer o buteco, confesso, são raras, escassas e perdê-las pode ser fatal.

A Fumaça, por exemplo: estava escalada para a partida da sexta-feira passada, mas um imprevisto a impediu de comparecer. Perdeu, devo confessar publicamente, uma oportunidade ímpar de degustar o que há de melhor em matéria de serviço. E como os convites são raros, escassos, e atendem a um rodízio estabelecido pelo dono do buteco, sabe-se lá quando a moçoila irá voltar a ser escalada.

Voltando ao menu. Após as torradas com queijo de cabra e o espumante, o chef fez chegar à mesa um "risotto alla zaferano", um autêntico risoto de açafrão, devidamente escoltado por uma garrafa de vinho tinto nacional da melhor qualidade. Mais gemidos, e a partida estendeu-se até às 3h da manhã, quando Dani, depois de isolar o quarto de hóspedes para evitar a propagação da conjuntivite, acomodou a Betinha.

Buteco completo é isso. O cliente come, bebe, regala-se e ainda dorme no mesmo ambiente, sem se preocupar com táxi, direção e com a volta pra casa. Dito isso, faço questão de mensurar a proporção que vem tomando o buteco.

Ontem, no Estephanio´s, quando Celsinho apareceu depois de longa ausência, estavam Vidal, a Lenda, Flavinho, Dalton, Dedeco. Flavinho, com justificado orgulho, contava para os demais presentes, sem conseguir esconder a baba que lhe escorria do canto da boca enquanto discursava, baba de apetite aberto, imagino, as qualidades do buteco.

Os adjetivos empregados para o Canapé do Léo: inigualável, insuperável, aparência estética impecável, e outras verdades, devo confessar, que geravam na platéia insuspeitada inveja.

Celsinho pediu a palavra e de copo em riste gritou: "Corroboro tudo!". Uma mentira, já que o malandro ainda não esteve no buteco. Mas isso dá uma dimensão exata da cobiça pelo convite.

Dedeco e Marquinho são os próximos da lista. Pra fechar a nota do dia ainda sob o mesmo tema: um sujeito comparece com a mulher num buteco que freqüento. Senta-se à mesa e eu do balcão, bebendo com o dono, observo. Chama o garçom e pede duas doses de Fogosa, uma cachaça de Salinas, MG. Brinda com a mulher e dá o primeiro gole. Dirige-se ensandecido ao balcão com os dois copos e diz ao dono: "Francamente. Isso não é cachaça. Está aguada.". Senti o clima do otário.

O dono, muito solícito, entrega a ele a carta de cachaças da casa e pede ao freguês, literalmente, que escolha outra. Ele aponta pra Rochinha e pede duas doses, voltando cheio de pose pra mesa.

Tasca um beijo na mulher e o garçom lhe serve duas doses da mesma cachaça, a Fogosa. Eu, de cotovelo no balcão, acompanhando a performance do canastrão. Leva o copo ao nariz. Sorri pra mulher, que o imita. Dá o primeiro gole. Levanta, súbito, e volta ao dono do bar. Estende-lhe a mão e diz: "Agora sim, companheiro. Isso é uma verdadeira cachaça!".

Até.

18.5.04

O PRESENTE

Doces figuras, na foto, de autoria de Miguel Salgado, da esquerda pra direita, o bom Szegeri, Buba, eu e Fefê, na 28 de Setembro, na terça-feira de Carnaval, em 2004 (a foto estava no antigo BUTECO).

Buba, como vocês poderão perceber, está trajando um uniforme verde de enfermeiro. Buba é componente da bateria da G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, a escola que, como uma posseira, invadiu meu latifúndio à esquerda do peito, outrora ocupado pela vermelho e branco da Tijuca, mas que, há anos, comandada por um truculento fazendeiro (pra ser gentil), perdeu espaço pra azul e branco. Te amo, Isabel.

E eis que o Salgueiro e a Vila dividem, hoje, minha alma carnavalesca.

É preciso dizer, para que faça mais sentido o que vou contar, que Buba não estava exatamente fantasiado. Na tarde daquele dia nascia Dhaffiny, sua quarta filha, e Buba fugira do hospital logo após o parto para não deixar órfã a bateria de outra de suas paixões, a escola do bairro mais cantado do Brasil, que desfilaria naquela noite. Buba é parceiro caído de pára-quedas em minha vida. O conheci há exatos quatro anos durante os ensaios do bloco "Segura Pra Não Cair".

Ano após ano, lá estava Buba na bateria do bloco, sempre com um sorriso e um coração que, como disse o Szegeri, não cabem no pouco mais de metro e meio de altura do moleque. Uma semana após esse dia da foto, Buba apareceu no Estephanio´s e, entre tímido e sem jeito, deu-me a notícia: seríamos, eu e Dani, padrinhos da pequena Dhaffiny. Pra quê?

Chorando como um recém-nascido, liguei pra Dani e pro Szegeri a fim de dar a notícia.

Armamos, semanas depois, um "chá de beber" no quintal da casa da sogra do Buba, entre o Morro dos Macacos e o Pau da Bandeira, em Vila Isabel, quando preparei 10 quilos de lentilha carneada pra que os amigos comparecessem munidos de fraldas pra pequena.

A festa foi linda, muita gente no pedaço, e eu chorei tanto naquele dia, emocionadíssimo, e as fotos da Betinha atestam meu estado deplorável, olhos vermelhos e nariz fungando, e no fim tudo valeu a pena porque mais de 500 fraldas foram nosso primeiro presente. Mas não é a esse presente que me refiro no título.

O primeiro presente foi conhecer o cara. O bom Szegeri não há de permitir que eu exagere. É um dos maiores corações que já conheci. Não houve, de lá pra cá, um único encontro com Buba sem que eu tivesse sido presenteado pelo malandro. Várias camisas da azul e branco, duas de malha e uma de gala, um CD que é um primor com mais de 15 sambas-enredo da Vila gravado ao vivo (o Szegeri também ganhou), uma feijoada completa oferecida em sua casa a mim e ao Szegeri, a quem o Buba ama deslavadamente, e o último que, seguramente, está entre os grandes presentes que já recebi na vida. Estivemos, eu e Dani, no último domingo, em sua casa, também entre os Macacos e o Pau da Bandeira, com mais um casal. É preciso dizer a principal razão pela qual os levamos. O cara não é do Rio. É de Campinas. Estava, há uma semana, hospedado na casa da amiga. Na véspera perguntei: "O que você já conhece do Rio?". E ele: "O Leblon.". Eu: "Mais o quê?". "Nada, só o Leblon. O Jobi, o Bracarense, tudo lá.". "Pois amanhã, então, levando-se em conta que é seu último dia na cidade, você vai conhecer uma de minhas afilhadas, em Vila Isabel, na subida do Morro dos Macacos, pra você sair daqui, pelo menos, conhecendo dois extremos.".

Convite aceito, partimos pra lá, depois de anunciados na véspera e convidados pra um almoço.

Presentes o Buba, a Lu, sua mulher, Stephanny, a filha mais velha, Dhaffiny, a caçula (as outras duas não moram com ele), dona Gil, a sogra e a Shirley, uma vizinha. Cerveja, frango a passarinho rolando e Buba me chama num canto: "Finalmente fui chamado pra trabalhar na COMLURB!". Buba aguardava a convocação desde janeiro. "Porra, vamos brindar!", disse eu já sendo contido. "Não, não... Não fala nada não... quero fazer surpresa, quero chegar vestido de gari na sexta-feira".

Como o cara já está acostumado comigo, chorei sem pudor e liguei imediatamente pro Szegeri que fungava do outro lado da linha depois de saber da beleza do lance.

E pouco antes de irmos embora, depois do strogonoff de frango, Buba me diz: "Toma aqui, Edu, presente pra você. Eu fui campeão na Sapucaí com tudo isso.".

E me entregou uma caixa, as duas baquetas e a correia que prende o instrumento ao corpo, onde escreveu: "De Buba para meu compadre Eduardo, Vila Campeã 2004".

Alaguei a casa do cara e partimos.

Eu acho que o Roberto gostou mais de Vila Isabel do que do Leblon.

Música de fundo, de Moacyr Luz e Martinho da Vila: "No meio da quadra tão familiar, bebi, fiz amigos e cantei...".

Até.

16.5.04

SHOW DE BOLA DE DOIS ANFITRIÕES

Doces figuras, já disse, repito e direi sempre que puder: uma das melhores coisas é ser recebido por gente com talento para receber, gente diametralmente oposta ao Marco de Oswaldo Cruz no quesito em extinção da educação, simpatia, generosidade e gratidão.

Atendendo a comovente e dramático convite do Comandante, alcunha de Wlader Dutra Miranda, encarei, na tarde de sexta-feira, 120km de estrada em direção à minha mui amada cidade de Volta Redonda.

O mote, uma pequena reunião de amigos na casa do Walter Motta e de sua companheira Cléo.

Walter Motta é amigo do Comandante desde quando a CSN era apenas um sonho do Getúlio. E, sendo amigo do Comandante, é meu chapa. Topei o convite e lá cheguei às 16h.

Mantendo uma tradição de há séculos, Comandante me aguardava num buteco.

Efusivos abraços e um estaladíssimo beijo de meu velho sogro anunciavam um final de semana de surpresas. Partimos pra sauna. Vocês hão de se recordar, já contei isso aqui mesmo na OPINIÃO ("Dois cracaços distantes, por enquanto") (OPINIÃO é o antigo nome do BUTECO) que o Comandante exerce um poder sobre a cidade que impressiona.

Ele fez questão de me dizer que a sauna do Clube Laranjal, do qual é Sócio Remido Número Um, não funciona na sexta-feira. Mas que naquela sexta, funcionaria. Um pedido bastou, se vocês me entendem.

Saindo da sauna, perfeita como nem na Turquia ou na Finlândia, sentamos no bar do Clube.

Conta de R$16,00 paga pelo Comandante que nãoi admitiu um centavo meu. De lá partimos pra casa do Walter, latas de cerveja, garrafas de vinho e de novo não me foi permitido contribuir com uma latinha sequer.

A casa do Walter é magnífica. Churrasqueira, fogão e forno à lenha, centenas de bromélias, um pé de laranjeira, um freezer horizontal lotado de cerveja, garrafões de cachaça de alambique, e nossa chegada foi triunfal.

O Comandante é exageradíssimo, não tenho dúvidas. Não desconfio o que fala de mim, o Comandante, mas devem ser de tal magnitude suas histórias, que sou tratado, para meu espanto, como uma celebridade.

Walter, um sujeito boa-praça, enorme, sorriso franco, me recebeu de pé e aos gritos: "Meu guru! Meu guru!", e disso isso branindo um calhamaço de papel com todos os textos publicados aqui.

Comandante rindo muito, senti o cheiro da pólvora.

Sentei-me, depois de cumprimentar a todos, e em segundos me foram servidos canapés, porções de costelinha, doses de cachaça, os presentes todos olhando pra mim como se eu fosse a Juliana Paes. E Comandante rindo muito.

Um dos presentes, Luizão, logo depois, sacou o violão e começou o rosário de sambas das décadas de 20, 30, 40, muito Noel Rosa, e comecei a sacar tudo sobre o que o "Comando" conta.

Um gritava: "Edu, você que é um dos bambas de Vila Isabel, canta aquela...". Comandante rindo muito.

Pouco depois outro manda: "Eduardo, meu compadre, você que manda no Salgueiro...".

Comandante rolando atrás de uma pilastra. Depois da quarta dose de cachaça, quinta garrafa de cerveja, peguei do violão e desfiei meu repertório curtíssimo. Senti-me como o João Gilberto.

Um silêncio no quintal, até o carvão da churrasqueira deixou de queimar pra me ouvir.

Eu, constrangidíssimo, devolvi o violão ao Luizão e lá ficamos até o Walter dizer-me no ouvido: "Não levanto mais daqui. Vou cair.".

Os destaques absolutos da noite: o carinho do Walter e da Cléo, o pintado na brasa que foi preparado por um delegado, o tamborim do Eduardo, um cabra porreta na percussão, e o amplo e vasto conhecimento de sambas-enredo do Santiago.

De lá partimos, eu e o Comandante, pra outro buteco.

A conta de R$48,00 foi paga novamente por ele que ameaçou-me com uma faca quando eu disse que pagaria aquela despesa.

Frase lapidar dele: "Eu pagaria dez vezes o valor dessa conta só para tê-lo aqui comigo esta noite.".

Um craque, um craque.

No sábado pela manhã, às 11h, já estávamos de volta ao Laranjal, mesa de quatro, eu, Comandante, Décio e Bitencourt.

Muita cerveja, salaminho, provolone, azeitonas, palmito fatiado, conta paga pelo "Comando" que serviu-me, ainda, antes de minha partida, uma dobradinha de responsa em sua casa.

É preciso dizer que no sábado pela manhã o Szegeri me telefonou. Passei o telefone pro Comandante que o convidou, formalmente, para uma ida à Volta Redonda na companhia de seu pai, o Zé Szegeri, deixando muito próxima a concretização desse meu desejo de vê-los juntos, jogando no mesmo time, no mesmo campo, eu na arquibancada acompanhando os lances que só os cabeça-branca podem e sabem construir.

Até.

13.5.04

RESPONDENDO AOS LEITORES

Doces figuras, diz a regra dos blogs que o editor deve responder aos seus leitores valendo-se do espaço aqui chamado "fale alguma coisa". Como isso aqui não é um blog, termo que rejeito com veemência, é uma revista, vou responder a alguns por aqui mesmo.

Szegeri, querido, fiquei felicíssimo ao saber que você me perdoou pela ausência durante nosso papo no balcão do Bar do Léo. Mas, como você mesmo gentilmente relata, creio que valeu a pena. O clone tem sido elogiadíssimo. Quanto a seu pedido para que gele meia-dúzia de Originais a fim de lhe esperar, não poderei atendê-lo. Nunca há menos de 12 garrafas em minha Brastemp. Beijo.

Caio, lingote de ouro foi algo que comi num buteco de um amigo em Minas Gerais. Trata-se de fatias finíssimas de bacon, tostadas pacientemente numa frigideira, em sua própria gordura, até que ganhem a cor do ouro. Vão para um papel absorvente a fim de que percam o excesso de óleo, esfriam, e estão prontos os lingotes de ouro, excelente acompanhamento para cachaça e cerveja. Que lindo esse momento "Ana Maria Braga" do OPINIÃO.

Pedro Mariano, você está autorizadíssimo a espalhar o poema para o Fefê. Cite, por favor, a fonte, o autor e o homenageado. Obrigado pelos imerecidos elogios.

Claudine Rivera e Thainá Fontana, Fefê ficou sensibilizado com os elogios de vocês mas não me autorizou a fornecer nem telefone nem email. A maluca que lhe ocupa a vida, nesse momento, também não. E é melhor não discutir. A moça é capoeira e sabe cuidar do patrimônio. Beijo.

Renato Duncan, penso que você está exagerando em sua proposta. Não creio que ninguém porá música nos versos. O Marco de Oswaldo Cruz, ainda que quisesse, eu não permitiria em razão de sua famosa ausência de educação. E o Moacyr Luz, um de meus compositores prediletos, não fala mais comigo. Rixa política. Se o Szegeri quiser, ele é bom nisso, tem minha carta branca desde já. Obrigado.

Marília Calheiros, fiquei lisonjeado com seu comentário. Muitíssimo obrigado, um beijo carinhoso.

Betinha, o "puta que pariu" que abre seu elogio tem sua carinha. Autêntica, intensa, verdadeira. E você sabe que o Fefê merecia. Beijo grande.

É isso. Vou ao trabalho, em novíssima fase capilar. Cabelos curtos, rosto liso. Nem a Pimenta, minha doce e fiel cocker-spaniel, me reconheceu.

Até.

11.5.04

E DANI DISSE: FAÇA-SE O BUTECO

Doces figuras, moro desde meados do ano 2000, pouco depois da tentativa frustrada de algumas vacas que tentaram, sem êxito, destruir meu pasto, com a Dani, a mulher com quem aprendi a sorrir e a quem persegui por longos anos, num mui humilde chatô encravado na Tijuca.

O apartamento tinha dois quartos, banheiro social, cozinha, área de serviço, quarto e banheiro de empregada. Após reforma apocalíptica entre novembro e dezembro do ano passado, passou a ter dois quartos, banheiro social, cozinha zero quilômetro, o quarto de serviço transformado em lavanderia, o banheiro de empregada reformado e a área de serviço transformada em um buteco. Autêntico.

Dani, pretendendo com isso, sabiamente, manter-me mais em casa, deu um banho nas pernósticas e pernósticos que ocupam as “CasaCor” da vida.

Atentem para o cenário.

Um janelão que nos permite ver o céu, vista arejada. Uma Árvore da Felicidade, duas jibóias gigantescas que começam a lamber as paredes verdejando o ambiente, uma mesa original de buteco, pés de ferro, base de madeira e tampo de mármore, cadeiras em volta dela, um quadro de autoria do Mello Menezes desenhado numa toalha do Bar Lagoa, uma bolacha imensa da Original, que nunca falta, um quadro comemorando um dos campeonatos do Flamengo e outro, de autoria do Lan, com o time dos sonhos do rubro-negro.

Uma prateleira que sustenta uma bromélia, outra com cachaças, bolachas de várias marcas de cerveja, um filtro de barro que vovó nos deu, um balde lindo da Bohemia dado pela Guerreira e pela Maria Paula, e por enquanto é só.

Há ainda, em andamento, projetos que porão a imagem de São Judas Tadeu com a bandeira do mais querido no alto de tudo, mais algumas plantas, enfim, detalhes, que as mulheres são especialistas em fomentá-los.

Sem modéstia, que nunca foi o meu forte, não há, entre os 50 bares citados no Guia Rio Botequim 2004, nenhum que chegue perto da força que o buteco daqui de casa imprime aos poucos e seletos freqüentadores.

Já passaram por ele, pela ordem: Fefê, que o inaugurou comigo (e que é, de longe, o mais assíduo), Guerreira, Maria Paula, Betinha, Vidal, Gláucia, Fernando Szegeri e Flavinho. Ontem, por exemplo, Fefê e Flavinho aqui estiveram para deleite de ambos, tenho certeza, pois testemunhei os gemidos de prazer etílico-gastronômico de ambos a noite inteira. Chegaram, os dois juntos, às 21h45min. Saíram às 4h30min. Eis a íntegra da nota fiscal:

01 garrafa inteira de Red Label
½ garrafa de Black Label
02 Originais
01 porção de lombinho canadense com salsinha e limão
02 porções de amendoim
01 Canapé do Léo (Szegeri, exijo seu comentário sobre ele)
01 peça inteira da patinho fatiado no sal grosso e acompanhado de salsinha
01 porção de lingotes de ouro

A escoltar a noite, dois puro habanos trazidos, gentilmente, pelo Fefê.

Flavinho compareceu com a garrafa de Red Label, devidamente morta antes das 2h. Flavinho, diga-se de passagem, agindo assim como um polido e educado londrino, telefonou-me hoje pela manhã para agradecer penhoradamente pelo brilho da noite e pela excelência do buteco.

Estão agendadas, para muito breve, as visitas de Betinha e Fumaça num dia, Dedeco e Marquinho em outro.

O buteco comporta apenas quatro pessoas: eu, Dani e mais dois felizardos.

Mas falei do buteco para contar-lhes agora uma história verídica que entrou para os anais do Estephanio´s (o segundo melhor bar da cidade) ocorrida no domingo passado, 09 de maio, graças a uma tirada rápida e certeira do Fefê, uma sacada de craque.

Mesa de sete: eu, Dani, Fefê, Dalton, Alê, Guerreira e Marco. O propósito do encontro foi continuar comemorando o aniversário do Fefê e o do Marco, namorado italiano da Guerreira que chegara naquela manhã ao Rio de Janeiro para visita de sete dias, ambos de 09 de maio.

Dalton, que já bebia uma cachaça, propôs a todos, devidamente calibrados, um brinde com branquinha.

Marco, curiosíssimo, pergunta do que se trata.

Eu, misturando italiano, português e inglês, expliquei.

Proposta aceita, vieram à mesa quatro doses, pra mim, pro Fefê, pro Dalton e pro Marco.

Era Seleta, de Salinas. Marco virou o copo numa velocidade absurda e desdenhou: “Acqua per bambino..., acqua per bambino...”.

Os seis olhos, meus, do Fefê e do Dalton se cruzaram. Mais quatro doses, dessa vez da Rochinha Ouro 5 Anos, de Barra Mansa. Marco repete o gesto e manda de novo, aquele riso de Monalisa estampado no rosto: “Acqua per bambino... acqua per bambino...”.

Fefê foi ficando puto.

Sugeriu a Fogosa, de Salinas de novo. Forte, encapetada, para tentar tirar a pose do italiano.

As quatro doses à mesa e Marco, sem nenhum pudor, soltou sonora gargalhada para depois dizer: “Acqua per bambino!”.

Enquanto maquinávamos, os três nativos, sobre o próximo rótulo, percebemos Marco mudo e paralisado como uma escultura de Michelangelo.

Cancelamos a operação.

Marco foi perdendo a cor e seu único movimento, a essa altura, era um leve e repetido gesto de roçar a língua no lábio superior.

De repente, num gesto feroz, Marco levanta-se, leva a mão à boca e grita: “Il bagno!, il bagno!”.

Guerreira corre com o cara pro banheiro e de lá saem os dois, dez minutos depois, Marco lívido, pálido.

Sentam-se à mesa e Fefê manda de prima: “Cachaça: 2 reais. Cachaça envelhecida: 4 reais. Italiano tirando onda com a nossa cara vomitando: não tem preço.”.

Até.

7.5.04

33 ANOS DE VIDA

Doces figuras, meu dia hoje anuncia-se assoberbadíssimo.

Como eu não sou tonto de passar sábado e domingo diante do monitor, já me basta a semana útil, e como no domingo, 09 de maio, Fefê faz aniversário, vai de hoje minha modesta homenagem a ele que é uma das grandes paixões da minha vida.

Tive muita sorte de tê-lo como irmão, tendo chegado dois anos depois de mim, ele que é a obra-prima de Isaac e Mariazinha.

Mais do que meu irmão siamês, encho a boca orgulhoso para dizer que trata-se, de longe, de meu melhor amigo e, ainda, meu Confrade, com quem divido as mesas dos butecos que a S.E.M.P.R.E. (Sociedade Edificante Multicultural dos Prazeres e Rituais Etílicos) ocupa religiosamente uma vez por mês.

A foto que ilustra o texto, de minha autoria, tem a marca do cara: o sorriso mais-que-escancarado que já derrubou, e ainda derruba, um exército de malucas.

Fefê divide comigo, com religiosa freqüência, tudo o que amamos: a devoção à cerveja e à cachaça, o apreço pelos charutos, o vício do cigarro, a paixão pelo futebol, tudo amálgama dos nossos permanentes encontros, quando brindamos, sempre, à vida e à graça de sermos, literal e profundamente, irmãos.

Há as mulheres, também, que sem elas, nos disse o Poeta, a gente não vive. Mulheres que, não custa dizer, não dividimos. Imitando deslavadamente o bom Szegeri, segue "Declaração de Amor para Fefê":

"Sendo eu Flamengo até a alma,
tendo o sangue negro
a bombear o coração vermelho,
preciso de um cigarro e muito calma
pra escrever, depois de alguns ensaios
diante do espelho,
uma frase capaz de lhe fazer compreender
a dimensão do amor que me une a você,
meu irmão siamês.
E vou escrever uma única vez:
por você sou vascaíno.

Por mais que o tempo passe
insisto em vê-lo como um menino,
mas o menino sou
eu a idolatrar o irmão que é meu maior tesouro,
num movimento e num impasse inexplicável do tempo,
que dobra as datas e me faz ter nascido depois
do seu primeiro chôro.

Entre nós dois,
pactos de sangue,
cumplicidade,
cinzeiros cheios,
muita cerveja,
olhos marejados,
samba, mulheres e futebol.

Torço permanentemente para que a Vida,
a tal senhora por vezes desatenta,
atenda minha reza estúpida
que pede para que eu jamais lhe sinta a falta.

Passarei, como os craques passam,
de passagem,
deixando com você, como homenagem,
meu coração calejado, na colina mais alta,
devidamente marcado
pela Cruz de Malta."

Até.

6.5.04

111 ANOS DE VIDA

Doces figuras, eis um retrato perfeito de autoria do Luciano Durinho. Para os que não me conhecem pessoalmente, eu. Eu com um copo de Antarctica e um Carlton na mão, duas companhias inseparáveis.

Levanto, então, um brinde à memória da mais doce das criaturas, que completa hoje 111 anos. Mathilde Monteiro de Barros, minha bisavó, minha Bia, como a chamava, mãe de Mathilde, minha avó que recentemente fez 80 anos e avó de Maria, minha mãe amada.

As três, já disse isso por escrito a elas, formam a Fragilíssima Trindade que me sustenta.

Em 17 de dezembro de 1982, tinha eu 13 anos de idade, a Bia dormiu e nunca mais a vi. Mas jamais deixei de senti-la, como vocês poderão atestar lendo o que escrevi para mamãe há alguns anos.

"Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1997.

Mãe:

Eis a letra do "doente", que com a música fica ainda mais lancinante, falando dos netos, de seu avô, de sua infância em Paquetá:

"Na primeira febre a minha febre e quem é quem pedindo proteção?
Ponho a mão na testa do meu neto e é meu avô que está estendendo a mão.
Nessa comunhão dos três, eu sou avô do meu avô,
ele é o menino ali e ri das confusões que o Grande Amor pode fazer:
é um milagre essa multiplicação de mãos e febres por buscar ternura
e então com medo de morrer a Fragilíssima Trindade jura:
ficaremos sempre assim por perto
e quando meu neto tiver neto
uma febre unindo o que passou dirá pro Tempo: oi, meu avô...
É por aí: um piano em Debussy, o morcego e o sapoti na Praia dos Coqueiros...
o avô sou eu numa bicicleta: de canelas finas, mexe com as meninas...
Explode a trovoada, a chuva canta e a enxurrada leva todos nós,
fracionados sim, mas fusionados rumo ao delta, à queda, ao fim, à foz.
E uma vez que voltaremos
numa febre que menino-avô terei
até o Filósofo sorri: - "É o mesmo rio. Eu me enganei."

E aí, eu ouvindo isso hoje em casa, recém chegado do trabalho, pus-me a chorar compulsivamente entre delírios e princípio de febre, que quase me enlouqueceram, sozinho que eu estava, num primeiro momento sem qualquer razão aparente.

E alimentando a "doença" que me faz cada vez mais diferente, e que faz com que eu me sinta cada vez mais distante do padrão de normalidade que acredito que assola os que me cercam, ouvi a tal faixa outras tantas vezes.

Até que me veio, nítida, a lembrança da Bia, o cheiro da Bia, o cheiro de talco e de lavanda, de hortelã e de pão-bóia, de paralelepípedo molhado de chuva, o som das tempestades que caíam sobre a telha azul e branca que cobria os carros na vila, a sensação da primeira punheta proibida entre os azulejos amarelos do banheiro daquela casa folheando a revista que trazia Adele Fátima quase nua, a sensação de proteção que a reza que ela fazia me dava, a sensação do tato, minhas mãos em busca do papo molenga que pendia do queixo e dos braços, da pele mais macia, e revivi o sorriso mais bonito que jamais vi, o sorriso daquela mulher que é a mais forte presença da minha infância, que é a fase, estou cada vez mais certo disso, que sedimenta o caráter, que forma o homem, que sustenta o homem, que faz do homem um homem, que apronta o homem, que dá sustento pro resto da vida.

E pensei tanto, e lembrei tanto da Pidoca, tive tanta saudade, e maldisse tanto a estupidez da vida, e reneguei bem mais de quinhentas vezes a existência pela crueza que é a morte, e maldisse os deuses que a levaram há quinze anos, eu tão moleque ainda, e engoli tanta lágrima, e solucei tanto, e minhas mãos tremiam tanto, e minha febre "aquarentou", e tive tanta raiva pelo fato de não tê-la comigo ainda hoje em carne e osso, e tive tanta dor por não ter tido a chance de apresentá-la a meus amigos, e disse tantas vezes à cachorrinha que ela ia adorar a minha Bia, e apaguei todas as luzes da casa, e sentei-me na cadeira que já foi dela, nu, na posição de feto, que recém-nascido recebeu o colo mais cheiroso que jamais esqueci, que por fim, depois de tantas tentativas vãs, consegui falar com a neta da avó mais doce que já existiu.

Refeita a Trindade, fragilíssima já que sujeita ao sumiço aleatório que nos seqüestra sem aviso e nos leva ao nada que desconhecemos e que tentamos explicar das formas mais delirantes possíveis, fiquei mais calmo diante do milagre da ressurreição que o Amor, imortal posto que é chama, é capaz de tornar concreta.

Fiquei mais calmo porque entendi que nós é que somos capazes de tornar a Trindade eterna.

E acendi as luzes da casa, e acendi os refletores sobre as árvores que me vigiam noite e dia, e preparei um uísque, e acendi um cigarro, e ri quando tive pigarro, busquei à toa pastilhas Garoto que não tenho em casa, fiz carinho no pote de prata que foi dela sobre a mesa de canto da sala, e a senti nos feixes de luz na mata, a senti presente em mim, dentro de mim, e nem tentei ficar buscando explicações pra presenças intangíveis, muito menos quis acreditar em mediunidade, em alma, em espírito presente, já que eram por demais concretas as sensações em mim, em mim, em mim.

Era eu o elemento. Eu não era meio de nada, instrumento de nada, veículo de nada.

Aconteceu mesmo aquilo tudo. Em mim. Dentro de mim.

E disse ao pote, às árvores, à luz, e disse ao espelho que atestava a cor dos meus olhos: "Oi, minha Bia..., tô com saudade."

O "doente" a que me refiro na carta é Aldir, autor da letra reproduzida, pra música de Cristóvão Bastos e gravada no disco "Novos Traços", de Clarisse.

Um murro de emoções que me derrubou. Hoje, mais de 21 anos depois de sua partida, mais de 6 anos depois de ter enviado essa carta pra mamãe, reitero cada uma de minhas palavras. Ainda me dói sua saudade e ainda me é lancinantemente comovente encontrar mamãe e vovó juntas.

Até.