Heron, era esse o nome da entidade que assustava o povoado caiçara de Pouso da Cajaíba, com pouco mais de 200 habitantes.
Foi o que conseguimos saber após poucos minutos bebendo no Bar do Nael, diante da praia, o sol se pondo, eu, Dani, Szegeri, Stê, Capitão, Simone e Roberta, todos com copos de cerveja na mão com exceção da Roberta que não largava o pandeiro de couro. Estava anoitecendo e Nael acendia velas em todas as mesas apesar de apenas duas estarem ocupadas, a nossa e uma mais ao fundo do bar, sob a choupana, onde dois caboclos secavam um litro de marafo contando histórias de arrepiar. O que dava ao Bar um aspecto ligeiramente soturno, a igreja de há décadas com a porta semi-aberta ao lado, amendoeiras frondosas farfalhando ao vento, e suspendemos a roda de samba por decisão do Szegeri, atentíssimo à conversa dos malandros.
Fomos nos inteirando de tudo, ouvidos direcionados como sonares à mesa do fundo, e ficamos sabendo que em noite de lua cheia é que Heron faz das suas. Nos fundos do Bar, o SESC, que a ortografia de Pouso demonstrava numa placa de madeira escrita à tinta vermelha e preta ser o "Sentro Espírita da Sociedade de Cajaíba". Comandado pelo Pai Carvalho, caboclo nascido há 93 anos em Pouso, o SESC andava meio caído, disseram os malandros durante a conversa, desde que Heron se manifestara num domingo de Páscoa, fazendo com que seu cavalo ficasse de quatro, pedisse cenouras, chocolate, esculhambasse todo o trabalho preparado para as batidas dos tambores e dissesse ser, vejam vocês, um coelho.
Daquele dia em diante, Heron fazia aparições nas noites de lua cheia - como a daquele dia - e uma especial, em grande estilo, no domingo de Páscoa. E estávamos num sábado, Sábado de Aleluia, e os caboclos que ali bebiam não escondiam o pânico que os assaltava.
Eu e Szegeri nos aproximamos da mesa e fizemos que gostaríamos de sentar. Os dois, quase que ao mesmo tempo, afastaram-se um pouco de seus bancos abrindo espaço pra nós, pediram mais dois copos ao Nael e nos serviram. Mesuras de bêbados, apertos de mãos, e se apresentaram, Clementino e Jesus, esses os nomes dos pescadores.
Estávamos os dois curiosíssimos e torpedeamos Clementino e Jesus de perguntas sobre Heron. Dani, no paliteiro, Stê no prato e faca, Capitão na cuíca, Simone no ovinho e Roberta no pandeiro faziam o samba que o Szegeri tentara impedir: "Benguelê... benguelê... benguelê ô mamãe Simba, benguelê...".
Jesus crispou-se à mesa. Revirou os olhos, pôs as mãos pra trás, levantou-se, os olhos tomaram estranhíssimas formas orientais, e passou a gritar por cenoura, no que foi atendido prontamente pelo Nael, que a trouxe em rodelas, num prato de obrigação decorado com folhas de bananeira. Eu e Szegeri, brancos, tremendo diante do espetáculo grotesco, éramos a antítese da mesa ao lado, de onde agora vinha o som do jongo "Atraca, atraca".
Clementino pediu silêncio à mesa e gritou por Pai Carvalho que não tardou. Nisso, Dani, Stê, Capitão e Simone voltaram a beber de costas para nós, os olhos de esguelha obervando o lufa-lufa nos fundos do bar. Roberta, pandeiro na mão, estacada com os pés enterrados na areia, não escondia o medo.
Heron (ou Jesus, como queiram), aproximou-se de Roberta, deu-lhe uns passes, e disse... "Mizifia... (ahhhh....)... minha doceira portentosa... (ahhhhhhhhhhhh...)... Heron quer chocolate, mizifia...".
Se conheciam, os dois.
Pai Carvalho sorriu, chamou Roberta num canto, lhe ofereceu as instalações do SESC para que preparasse um brigadeiro para Heron, a essa altura já fora do corpo de Jesus, que suava estendido na areia com a respiração ofegante.
Heron voltaria, disse Pai Carvalho, no dia seguinte, Domingo de Páscoa, para saborear o docinho que seria posto na mata, em troca do quê, contou-nos também, não assustaria o povoado caiçara.
Em razão dos fatos, partimos todos no domingo pela manhã, na primeira traineira, com medo ainda, mas sem sabermos de onde, meu Deus, de onde?, Roberta conhece Heron. Tão logo eu saiba, Szegeri ficou de investigar, lhes conto.
Até.
Foi o que conseguimos saber após poucos minutos bebendo no Bar do Nael, diante da praia, o sol se pondo, eu, Dani, Szegeri, Stê, Capitão, Simone e Roberta, todos com copos de cerveja na mão com exceção da Roberta que não largava o pandeiro de couro. Estava anoitecendo e Nael acendia velas em todas as mesas apesar de apenas duas estarem ocupadas, a nossa e uma mais ao fundo do bar, sob a choupana, onde dois caboclos secavam um litro de marafo contando histórias de arrepiar. O que dava ao Bar um aspecto ligeiramente soturno, a igreja de há décadas com a porta semi-aberta ao lado, amendoeiras frondosas farfalhando ao vento, e suspendemos a roda de samba por decisão do Szegeri, atentíssimo à conversa dos malandros.
Fomos nos inteirando de tudo, ouvidos direcionados como sonares à mesa do fundo, e ficamos sabendo que em noite de lua cheia é que Heron faz das suas. Nos fundos do Bar, o SESC, que a ortografia de Pouso demonstrava numa placa de madeira escrita à tinta vermelha e preta ser o "Sentro Espírita da Sociedade de Cajaíba". Comandado pelo Pai Carvalho, caboclo nascido há 93 anos em Pouso, o SESC andava meio caído, disseram os malandros durante a conversa, desde que Heron se manifestara num domingo de Páscoa, fazendo com que seu cavalo ficasse de quatro, pedisse cenouras, chocolate, esculhambasse todo o trabalho preparado para as batidas dos tambores e dissesse ser, vejam vocês, um coelho.
Daquele dia em diante, Heron fazia aparições nas noites de lua cheia - como a daquele dia - e uma especial, em grande estilo, no domingo de Páscoa. E estávamos num sábado, Sábado de Aleluia, e os caboclos que ali bebiam não escondiam o pânico que os assaltava.
Eu e Szegeri nos aproximamos da mesa e fizemos que gostaríamos de sentar. Os dois, quase que ao mesmo tempo, afastaram-se um pouco de seus bancos abrindo espaço pra nós, pediram mais dois copos ao Nael e nos serviram. Mesuras de bêbados, apertos de mãos, e se apresentaram, Clementino e Jesus, esses os nomes dos pescadores.
Estávamos os dois curiosíssimos e torpedeamos Clementino e Jesus de perguntas sobre Heron. Dani, no paliteiro, Stê no prato e faca, Capitão na cuíca, Simone no ovinho e Roberta no pandeiro faziam o samba que o Szegeri tentara impedir: "Benguelê... benguelê... benguelê ô mamãe Simba, benguelê...".
Jesus crispou-se à mesa. Revirou os olhos, pôs as mãos pra trás, levantou-se, os olhos tomaram estranhíssimas formas orientais, e passou a gritar por cenoura, no que foi atendido prontamente pelo Nael, que a trouxe em rodelas, num prato de obrigação decorado com folhas de bananeira. Eu e Szegeri, brancos, tremendo diante do espetáculo grotesco, éramos a antítese da mesa ao lado, de onde agora vinha o som do jongo "Atraca, atraca".
Clementino pediu silêncio à mesa e gritou por Pai Carvalho que não tardou. Nisso, Dani, Stê, Capitão e Simone voltaram a beber de costas para nós, os olhos de esguelha obervando o lufa-lufa nos fundos do bar. Roberta, pandeiro na mão, estacada com os pés enterrados na areia, não escondia o medo.
Heron (ou Jesus, como queiram), aproximou-se de Roberta, deu-lhe uns passes, e disse... "Mizifia... (ahhhh....)... minha doceira portentosa... (ahhhhhhhhhhhh...)... Heron quer chocolate, mizifia...".
Se conheciam, os dois.
Pai Carvalho sorriu, chamou Roberta num canto, lhe ofereceu as instalações do SESC para que preparasse um brigadeiro para Heron, a essa altura já fora do corpo de Jesus, que suava estendido na areia com a respiração ofegante.
Heron voltaria, disse Pai Carvalho, no dia seguinte, Domingo de Páscoa, para saborear o docinho que seria posto na mata, em troca do quê, contou-nos também, não assustaria o povoado caiçara.
Em razão dos fatos, partimos todos no domingo pela manhã, na primeira traineira, com medo ainda, mas sem sabermos de onde, meu Deus, de onde?, Roberta conhece Heron. Tão logo eu saiba, Szegeri ficou de investigar, lhes conto.
Até.