31.5.05

AEROPORTO INTERNACIONAL

Acabo de chegar do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o velho Galeão. Fui com Dani receber a Raquel, há mais de 5 anos fora do Brasil, mãe do Alfredinho, nosso afilhado número 03 (a Raquel e o Alfredo, pais do menino, nomearam a Dani como madrinha, mas não a mim como padrinho, cargo que exerço à força e não discuto sobre o assunto).

É preciso que eu lhes diga que ingressar num aeroporto, pra mim, é uma experiência semelhante ao ingresso numa câmara mortuária, experiência impossível para um vivo, mas é como sinto o troço. Embicar o carro diante da cancela do estacionamento já basta para que eu veja o funcionário que me estende o tíquete como um São Pedro na porta do céu. Dali em diante nada mais me é real.

E como estamos com viagem marcada para 16 de junho, rumo à Europa, a experiência de hoje foi sofrível, angustiante, nada motivadora. Eu tenho visões estranhíssimas, e todo mundo andando pelo aeroporto tem, eu juro que vejo, algodões nas narinas. Um cheiro de éter me inebria, embora não haja éter nos aeroportos, dizem os sãos. Motoristas de táxi, fazendo alvoroço à saída do desembarque, são coveiros nítidos.

E há uma implacável diferença que me distancia da Dani. Ela é uma excitada criança naquele ambiente. Sorri, dá pulinhos, e hoje ficou a me dizer no ouvido, "daqui a pouco somos nós, meu amor", e eu quase-desmaiva, sendo salvo pelo bravo Comandante, também presente.

Mas vamos aos fatos. A turba de umas vinte pessoas, pai, mãe, irmã, tios, tias, amigos e amigas, esperava a Raquel com bandeirolas amarelas, flores numa cesta imensa, uma expectativa de final de Copa do Mundo. Chegamos todos às 8h30min para a espera do vôo marcado para 8h35min. E Raquel só apareceu às 10h15min. As pessoas sorriam entre si, cantavam musiquinhas compostas na hora, choravam de uma alegria inexprimível, e eu, soturno como se fosse um condenado, num canto, pensando na nossa viagem de 13h de duração daqui a pouco mais de 15 dias.

Tenham certeza de que de hoje até a data fatídica eu serei um ninguém. Um autômato. Nada me animará. Dani, coitada, tenta me sacudir dizendo, "A Guerreira vai!, a Fumaça vai!, o Fefê vai!, o Mauro vai!", e nada converte o quadro trágico que vivo. Ainda no domingo, diante de um Mauro também excitado fazendo planos de viagem com a Dani (aliás, se viagem fosse uma quase boa seria espontânea, não requereria tantos planos, metas, discussões que se estendem por semanas inteiras etc etc etc), eu cravei-lhe os lábios nos lóbulos e disse, "Não fique feliz por mim, Mauro, depois dessa viagem tenha certeza de que você rejeitará minha companhia até mesmo para um passeio para Petrópolis".

Aos crentes, mesmo não tendo certeza da eficácia da coisa, peço que rezem por mim. Aos sacanas, imploro que evitem piadinhas de todo gênero. Aos fóbicos como eu, a solidariedade.

Até.

30.5.05

NO CLUBE RENASCENÇA

Sábado, 48h depois da nossa performance espetacular, Augusto e eu marcamos novo encontro no Clube Renascença, no Andaraí, dessa vez com a presença da Dani, para a roda de samba que vem sendo armada pela numerosa e talentosa família de ninguém menos que Zeca Pagodinho. E eu senti-me um paulista na área. Todos os "obas", todos os "olás", todos os acenos de mão, todos os abraços e todos os tapinhas nas costas eram dirigidos ao Augusto.

E o Augusto apresentou-me, naquela oportunidade, ao Zé Sérgio, figura que tem marcado presença franciscana no Conexão Irajá, batendo um bolão nos comentários.

Falei no Conexão Irajá e não é possível não tecer brevíssimo comentário sobre o Szegeri, meu implacável Otto. Contei-lhes que durante a epopéia de quinta-feira, mantendo uma tradição estranhíssima, bati o telefone umas 30 vezes pro Szegeri. E não me lembro de nenhum de nossos diálogos, se é que houve diálogos. Mas recebi doce email do Szegeri na sexta-feira do seguinte teor: "Edu, você pode me ligar sempre que quiser, mas evite interromper minhas cópulas dezenas de vezes num intervalo de poucas horas". Morreu ali a minha sexta-feira. Apaguei o telefone do meu Otto de minha agenda e jurei nunca mais incomodá-lo.

Mas como ia dizendo, apresentou-me, o Augusto, o Zé Sérgio. Figuraça. Saudou-me com um "amigos de infância, amigos de infância!" que me embriagou antes do primeiro gole. Foram chegando a Guerreira, o Dedeco, a Kaká, a Fumaça e a Sumatra, sua prima. O samba comendo solto, a feijoada fumegando na extensa mesa, a cerveja vindo nevada à mesa, até que o Zé Sérgio - são 16h - me disse com a mão no ombro e a boca colada ao meu ouvido: "Estou numa alegria intensa... minha mulher conseguiu convites para um ballet hoje à noite em Niterói. Carmen. Do Bizet.". E pôs-se a chorar que dava pena.

Vejam vocês do que é capaz uma mulher. O Zé estava iluminadíssimo naquela mesa. Bebia cachaça e cerveja, intercalando os goles, cantando os sambas, ensaiando uns passos, e a cada 5 minutos chegava a boca perto de meu ouvido e repetia "Edu... ballet... tudo o que eu queria pra hoje à noite...". E chorava.

Quanto mais a tarde avançava, mais a ira do Zé crescia, e ele dirigia impropérios divertidíssimos... "Edu... o que eu tenho a ver com a vagabunda da Carmen? Tô muito mais pra Xerém do que pra Espanha...", e chorava mais, guinchava mais e sua imagem era de uma melancolia com pernas, braços, olhos azuis e cabeça branca.

É preciso dizer que todos à mesa faziam sinais com os indicadores apontando para os pulsos como quem diz "olha a hora! olha a hora!", e a Guerreira cantava e dançava "Habanera" como uma espanhola de Madrid, Augusto, com a toalha da mesa, cantava "Toreador" enquanto a Dani brincava de touro diante de um Zé em desespero.

Sete e meia da noite e os olhos do Zé eram duas postas de sangue e lágrima ao despedir-se. Saiu em passos curtos, a cabeça baixa, os braços pendendo como os de um símio, rumo à Niterói, de táxi.

Mandou-me simpático email no domingo contando detalhes da viagem: parou na Leopoldina pra comer um X-Tudo, na rodoviária pra tomar uma média de café, no pedágio pra comprar biscoitos de polvilho, e na porta do Teatro Municipal, onde traçou quatro churrasquinhos com farofa e molho à campanha.

Contou-me mais: fora expulso por seguranças do Teatro quando, ainda no primeiro ato, diante da performance da Companhia de Ballet de Niterói durante o prelúdio, gritou alucinado "dancem o miudinho, porra, o miudinho!".

Detalhe final: o Zé cravou em minha lapela uma medalha imaginária quando disse antes de partir, "Edu, gostei de você por que você não vale rigorosamente nada.". Nesse momento pensei em ligar pro Szegeri para lhe contar do encontro, mas diante do juramento, desisti.

Até.

27.5.05

E O AUGUSTO VEIO AO BUTECO


E eis que o Augusto, aquele que, recentemente, foi vítima de minha olímpica e feroz amnésia (relembrem aqui), esteve ontem, quinta-feira, no Buteco do Edu, em minha casa.

Como a foto atesta, recebi o bardo com autênticos canapés do Bar Léo, tesouro que me foi apresentado pelo bom Szegeri, e algumas casco-escuro de Brahma e de Original. Dani teria de passar o dia fazendo umas traduções, e nossa idéia, minha e do Augusto, era a de passar o dia mantendo algumas tradições.

Havíamos marcado para 12h30min o início dos trabalhos. Quando Augusto bateu a campainha às 12h10min, eu pensei: "O malandro está com sede. Não vai prestar.". E não prestou. Acompanhem.

Ficamos de papo no buteco, desfrutando da companhia da mulher que me ensinou a sorrir, até às 14h. E como eu pretendia tentar repetir a mesa do Bar do Giba, em São Paulo, quando o Szegeri convocou o Augusto e o Capitão para bebermos juntos, bati o telefone pra Betinha e Flavinho e pro Dedeco. Marcamos às 14h30min no Bar Brasil, na Lapa.

Antes, fui apresentar o Augusto pro Joaquim, dono do Rio-Brasília, buteco que fica a poucos metros de casa. Bebemos uma Brahma de pé, no balcão, Augusto pediu uma (não é um engano numérico) fatia de carne assada, despedimo-nos do bom Joaquim e rumamos pra Lapa de táxi.

Betinha, Flavinho e Dedeco já nos aguardavam no Bar Brasil. E as caldeiretas vinham à mesa em velocidade de fundista. Costeleta de porco, bolo de carne, muito papo furado, risadas à sorrelfa, e às 16h, quando as portas começaram a se fechar, partimos, sem o Dedeco, pro Bar Getúlio.

Fomos recebidos pelo Baiano. Várias tulipas, músculo à Moacyr Luz, mais papo, o barco já estava adernando. Isso era visível. E previsível que nada iria nos conter.

Pequena pausa para esclarecer que uma Betinha determinada decretou, ainda no Bar Brasil, que o Augusto nada pagaria. Nada.

E deu-me aquela típica coceira de telefone. Bati o celular pro Szegeri apenas para dizer isso: "Szegeri, vou passar o telefone pro Augusto. Pergunte a ele quanto ele gastou até agora.". Um samaritano Szegeri atendeu meu esdrúxulo pedido eis que ouvi Augusto gritando "Porra nenhuma, eles não estão me deixando pagar nada!" (e eu liguei pro Szegeri todas as vezes que as contas iam sendo fechadas nos bares, para a mesmíssima pergunta).

Conta fechada no Bar Getúlio e Augusto gritou de pé (o Augusto é enorme, seu grito fez tremerem os vidros dos janelões do Palácio do Catete): "Quero ir pro Picote! Picote!".

Fomos. Camarões vinham à mesa escoltados por mais chope. Camarões e mais alguma coisa que a memória obnubila. E Flavinho e Betinha requereram uma esticada em sua casa, no Flamengo, ali pertinho. Fomos a pé (o trajeto seria feito em condições normais em 10 minutos; levamos quase uma hora).

O simpático casal serviu-nos de Erdinger, uma cerveja fortíssima, que era tudo o que não precisávamos. E mais cerveja. E mais cerveja. E Betinha pediu pizza, coitada, e o Augusto comeu até a embalagem de papelão elogiando o tempero diferente, peculiar, mas gostosíssimo.

Despedimo-nos dos dois. E rumamos pro Estephanio´s, onde chegamos depois de instruir, por gestos, o motorista de táxi. Mais chope. Mais chope. Cachorro, com pena, pediu um táxi, empurrou-nos para o banco de trás e saltamos diante do meu edifício, que parecia a Torre de Pisa sob minha ótica.

Dani armou uma barraca pro Augusto na sala, já que trabalhava, ainda, nas traduções. A pobrezinha precisou traduzir o que falávamos (contou-me isso hoje pela manhã) e fui pro quarto, onde desabei (desabei mas fui acordado algumas vezes pelo ronco tremendo, seguido de assovios desafinados, do Augusto).

Agora, vejam que cena, vejam que cena!

Às oito estava de pé. Fui à cozinha. E Augusto estava diante do tanque esfregando colchão, lençol, coberta, fronha.

Golfou olimpicamente, não se recordava quando.

Uma quinta-feira homérica. Fizemos bonito. Augusto partiu, rumo a Niterói, por volta das 10h, quando eu tomei o caminho da Pittbul Gym (vejam que nome bonito para uma academia).

A julgar pelos planos de hoje, eu, Dani, Guerreira e Fumaça vamos ver o Moacyr Luz e o Água de Moringa em Copacabana, suar na esteira tudo o que consumi ontem foi prudente. Amanhã, lá estarei eu de novo, ganhando massa, perdendo gordura e tentando manter a forma.

Que final!

Até.



Posted by Hello

26.5.05

A RESSACA DO BATISTA

Bem, o Batista dormiu em minha casa, como lhes contei ontem. O que eu não sei se lhes contei ainda é que o Batista está casado. E pela segunda vez. E não temo enganar-me se lhes disser, de público, que está casado pela segunda vez apenas por enquanto, já que antevejo o terceiro casamento do Batista não muito longe. Do jeito que está sua cabeça, do jeito que está seu casamento, o bolo vai desandar.

Para ser mais honesto, o Batista não dormiu na minha casa. O Batista continuou a beber em minha companhia. Com uma diferença fundamental: para cada dose que eu servia a mim, o Batista bebia três. E ouvi, madrugada adentro, um Batista já quase-rouco lendo e relendo o bilhete de Dirce, cada hora com uma entonação. Ele foi de uma ênfase de Brizola, de uma fúria de Carlos Lacerda, de um lamento viniciano, e chorava dentro do uísque que deu-me dó.

E eu falei em dó e preciso lhes contar que dentro do motel o Batista foi um pungente e pesaroso homem. Contou-me que a entrada de Dirce no quarto, quando ele esbofeteava uma Linda que pedia mais, foi digna de filme do Tarantino. Uma patada na porta e um grito de "parem!" ouvido por todos os fregueses do Palácio do Rei fez de Dirce o centro das atenções naquele quarto (que fedia, contou-me o Batista). Ela sentou-se à beira da cama e com as mãos em seu tornozelo (Batista estava nu, de meias Lupo pretas, apenas), chorando como criança perdida na praia, disse: "Vocês dois me fizeram sofrer. Você, Linda, sua vaca (e os olhos de Dirce perfuravam as duas contas de esmeralda da irmã, mas com as mãos ainda no tornozelo de Batista), jamais teve o cuidado de ser discreta. Gritava, berrava, urrava, gemia como cadela de rua no cio a provocar os vira-latas de todo um bairro, enquanto restava a mim a masturbação doentia que quase me aleijou. Você, gostoso (e os olhinhos tomaram a direção do ventre do Batista), você suava que chegava a umedecer as paredes mofadas do meu quarto. Eu lhe ouvia a respiração ofegante, ouvia os sons dos tapas que morriam na face limpa dessa vagabunda, e chamava o cabo de minha escova de cabelos de Batista, chamava o vidro de Neutrox de Batista, mordia meus dedos, a quem eu chamava de Batista, e somente aquela noite, na garagem do seu prédio, pude perceber o quanto essa desqualificada era feliz, sem nunca ter se dado conta disso. Falava-me mal de você. Criticava seu corpo, tinha nojo de seu bafo, tinha medo, veja como ela é estúpida, Batista!, de seus ataques com essas mãos imensas (e cravou as unhas sobre a mão de Batista), confessou-me jamais ter gozado durante aqueles anos todos."

Disse isso e abriu a bolsa de onde tirou algemas, cordas, uma toalha de rosto preta, e um Batista assustado deixou-se algemar, amarrado à cama e com a toalha enterrada na boca.

Uma Dirce inteira, "Palácio do Rei é o caralho, eu sou a rainha dessa porra", esbofeteou a irmã, misturando suas lágrimas às lágrimas dela, ensopando o lençol bege, encardido e visivelmente mal lavado, e arrancou o vestido ordinário de Linda, e passou a mordê-la, com ódio, a amassar-lhe os seios de mármore (Linda é branca como uma nórdica), a beliscar os bicos rosados e ásperos com requinte das marmorras da ditadura, e chamava a irmã de Batista, e obrigava a irmã a chamá-la de Batista, numa satisfação que somente ela entendia, só parando quando percebeu que Linda estava vermelha, com a pele salpicada de placas que denunciavam seu inédito orgasmo, ofegante, cansada, com um sorriso típico na boca. E cuspiu-lhe nos olhos verdes ainda marejados, e quando Linda, com as costinhas da mão, limpou o escarro santo, riu lembrando de seu gesto idêntico na garagem.

E virou-se pra ele, Batista, e a essa altura eu tremia sentado na poltrona diante daquele Batista narrador, e cuspiu-lhe também na cara. E o beijou na boca, misturando língua, saliva, o algodão da toalha e sangue (Dirce sempre teve sangramentos tremendos, tipo hemoptise nas gengivas).

Pediu desculpas à irmã, que apenas disse, "claro, mana, eu te entendo... e obrigada por hoje.".

Levantou-se, pôs um bilhete no bolso de sua camisa pendurada num desses cabides de laca, e disse, "Leia depois, meu amor. Vou procurá-lo dentro de uma semana, quando tudo estará mais calmo para você.".

Tomaram banhos juntas, Linda e Dirce.

Batista, nu, de meias e amarrado, só ouvia as gargalhadas e sentia um intenso cheiro de maconha vindo do banheiro.

E bebemos até umas nove da manhã, quando meu telefone gritou.

Era a mulher de Batista.

"Sim, querida, ele está aqui. Passamos a noite jogando pôquer. Quer falar com ele?".

Batista, abanando as mãos (é um italiano, o Batista, um italiano usando as mãos), pediu-me silêncio, disse algo que eu não compreendi e despediu-se de mim com olheiras de carcereiro. Disse apenas "vou pro inferno, Edu, ela está a me esperar e eu não consigo parar de pensar nas meninas".

Vejam isso. "As meninas".

Um romântico, o Batista.

Até.

25.5.05

A AVENTURA DO BATISTA

É preciso que vocês se recordem que o Batista namorava a Linda, que morava com sua irmã, Dirce e com sua mãe Emilinha, uma viúva de hábitos conservadores que namorava o Cauby, Juiz de Direito (mais tarde, para desabamento moral da família, descobriu-se que Cauby não era sequer formado em Direito). Moravam na Tijuca. E é preciso ter em mente que graças aos bons modos de Batista, Emilinha permitia que os namorados dormissem juntos, sob seu teto, e que o quarto de Linda ficava ao lado do quarto de Dirce, que, mais nova, não tinha o privilégio de ter o namorado em sua companhia durante as noites. E que Batista e Linda arrulhavam à noite para desespero de Dirce, que valia-se das mãos, dos cabos de escova, dos vidros de Neutrox, para satisfazer seus voluptuosos desejos. Até que um dia, já lhes contei a história, muitos anos depois, Dirce, que guardava em si um ódio insano da irmã, fomentado por inveja em estado bruto, foi até o edifício onde Batista morava para engoli-lo por inteiro e arrefecer o desejo tremendo que guardara por longos e áridos anos.

Linda era baixíssima e loura, mãos e pés à forma de biscuits de porcelana, nariz mínimo, olhos verdes como esmeralda, e Dirce uma morena quase-potra. Quadris fartos, e Cauby sempre dizia ao vê-la sair do banho enrolada numa toalha, "vai dar uma boa parideira", seios mais-que-protuberantes, bocas sempre em posição de dê-me-um-beijo, as duas não guardavam semelhança alguma, e agora, anos depois, Batista era a única coisa de comum que havia entre elas. E o jogo que Dirce impunha ao Batista deixava meu doce amigo numa sinuca de bico (outra antiqüíssima expressão).

Depois de nosso encontro no Chamego do Papai, Batista fez-me tormentosa pergunta que resolvi num estalo, e tenho que lhes confessar que o que eu pretendia, apenas, era enredo. O Batista era um folhetim e eu não pretendia deixar escapar a possibilidade de assistir aos capítulos que se desenhavam em minha mente. Batista bateu o telefone pra Dirce e recebeu instruções depois modificadas à noite, quando tornou a esperá-lo no sofazinho de couro na portaria de seu edifício. E deu-se o pânico em meu amigo.

Na véspera do aniversário de Dirce, às oito da manhã, meu telefone gritou. Era um Batista atônito na linha. E convocou-me, sem chance alguma de recusa, para um chopinho no Roquinha. O Roquinha fica próximo à Praça Saens Pena, numa esquina, serve um honesto chope e uns sanduíches cortados à francesa que são uma das obsessões gastronômicas do Batista. Quando apontei na esquina, perto das dez horas, repetiu-se a cena e o gesto do Chamego do Papai: Batista deu um salto à mesa, derrubou seu chope e gritou-me o nome como se eu não estivesse a poucos metros dele, fazendo gestos com as mãos num "venha cá, venha cá" de náufrago em mar bravio.

Contou-me tudo. Havia marcado com Linda para aquela tarde, às quatro horas, no Palácio do Rei, um motel abjeto na Rua Hadock Lobo. E Dirce chegaria às quatro e meia, quando, segundo instruções da perversa, Linda estaria sendo espancada de maneira covarde. Batista não compreendia por que obedecia cegamente as instruções de Dirce, mas estava numa excitação de pré-adolescente.

Impressionante como eu era, apenas, o macaco de auditório. Só o Batista falava. E por dentro eu aplaudia, tomava obsessivas notas de tudo, e o Batista bebia industrialmente, e os pãezinhos eram pedidos e repostos de forma velocíssima, e já passava das duas quando eu lhe pedi que parasse. Aquilo não iria dar certo. Batista estava enrolando a língua, paguei a conta - caríssima, mas eu me sentia comprando um roteiro por pouco dinheiro - e eu decidi ficar bebendo no Columbia, um bar pé-sujo bem diante do Palácio do Rei. Tomamos um táxi, saltamos diante do Columbia, despedi-me de um ansioso Batista que só atravessou a rua depois de virar, num só gole, um Fogo Paulista e de dizer-me um sem-sentido "reze por mim".

Vi quando Linda chegou. Vi quando Dirce chegou. E preciso dizer que cometi uma inconfidência espetacular. De pé no balcão do Columbia, fui contando a um, a outro, o que se passava dentro do Palácio do Rei. Não sei se vocês compreendem como se passam as relações num buteco. Mas em coisa de meia-hora não havia outro assunto na esquina de Afonso Pena com Hadock Lobo que não aquele. Eu contava os detalhes sórdidos, a turba se dividia em pró-Linda, em pró-Dirce, e havia os fanáticos pela bravura do Batista, os que invejavam o Batista, os que pensavam num movimento insurgente a invadir o motel para acompanhar tudo de muito perto, no que fomos contidos pelo gerente do Palácio do Rei que tomava uma batida de limão no horário do lanche.

Nove da noite saem de mãos dadas, Linda e Dirce.

E nada do Batista.

Antes de entrarem no táxi, Dirce jogou-me um beijinho e os mais afoitos nem conseguiram alcançá-las. Batista apareceu mais de quarenta minutos depois.

Foi tratado como herói de guerra pelos frequentadores. Foi um tal de um querer pagar a cerveja dele, outro oferecendo moela, e Batista apenas sorria, dava autógrafos, posava para fotografias com os mais incovenientes, quando ele pediu silêncio e começou (antes eu fui obrigado a lhe contar sobre minhas inconfidências agudas):

"Gente... broxei. E assisti as duas irmãs num amor lésbico feérico. O dantesco, Edu, o dantesco, minha gente, é que as duas se chamaram de Batista, uma a outra, o tempo inteiro. Não me foi dada a chance sequer da recuperação. Me amarraram à cama. Fui solto por uma camareira a quem comi, a contragosto. E o bilhete, Edu... o bilhete que me deixaram no bolso da camisa... vou ler, vou ler...".

Havia um silêncio no Columbia assombroso. Fila tripla de carros na Hadock Lobo. Guardas municipais, policiais militares, a assistência estava tensa.

"Batista: durante anos amei seus gemidos e tive ódio dos gritos secos de minha irmã, mas era esse o fundo musical de meu gôzo solitário naquele quarto que cheirava a mim. Quando o engoli, recentemente, pude sentir o gosto acre da minha solidão estúpida, daquelas noites que ainda doem em mim. Hoje, vê-lo ali, inerte, diante da nossa explosão de prazer, retrocedi no tempo. E enquanto mordia minha irmã e a via gemer de dor e de prazer, pedindo mais, senti-me poderosa, inteira, dona da situação, forte e verdadeira como jamais fui. Quero lhe dizer que odeio Linda com todas as minhas forças. Mas tê-la feito minha, hoje, tê-lo feito um passivo, hoje, ah, Batista, isso foi indizível. Com carinho, Dirce."

Não se entendia nada. Mas os aplausos foram ensurdecedores e contínuos.

Entrei num táxi com um Batista triste. Confessou-me estar amando as irmãs. Mais Dirce que Linda, disse-me ainda.

Não a julgava mais uma louca. Compreendia sua sanidade, amava aquela sanidade, queria mais.

Batista, pobre Batista.

Pediu-me guarida em minha casa. Temia ver uma das duas sentadinhas com aqueles olhos de desejo no sofá de couro do hall dos elevadores.

Até.

24.5.05

MAIS SOBRE O BATISTA

Prosseguindo, a pedidos, a saga do Batista, quero lhes contar que quando terminou de contar sua história, uma festa de "ohs" e "ahs" tomou o balcão do Chamego de assalto. Batista fazia cruzes com os indicadores, frente e verso, dando beijinhos nos próprios dedos dizendo "juro, juro que é verdade", para meu delírio visual atestando a implacável antigüidade do Batista, eis que ninguém mais faz juramentos valendo-se desse gesto (e se você sabe do que estou falando, você também é um antigo).

Saímos do Chamego, eu e o Batista, às nove da noite, e é preciso lhes dizer que ninguém, rigorosamente ninguém entrou no salão do restaurante.

Agora que escrevi esse ninguém, ninguém... lembrei-me de uma coisa impressionante que quero dividir com vocês. Eu era bem menino e havia um anúncio na televisão onde um senhor, com um chapéu ridículo, gritava "ninguém, ninguém, ninguém segura o Khalil" (só muito tempo depois vim a saber que ele se referia aos preços da loja Khalil M. Gebara).

Mas eu assistia ao anúncio e tinha um pânico olímpico do velho. E uma dúvida impressionante me achatava e me tomava minutos após o reclame: quem, meu Deus, quem é o Khalil? Ou o quê, o quê é Khalil? E eu tentava me tomar de coragem e dizia pra mim mesmo que um dia eu haveria de segurar o Khalil para desmentir aquele idiota. Vejam que coisa.

Mas voltando. Saímos a pé do Chamego do Papai, atravessamos a Presidente Antônio Carlos, entramos pela Erasmo Braga e o Batista parou de repente, cravou as duas mãos sobre meus ombros e me disse com olhos de medo: "Edu, você acha que eu devo propôr um menàge às duas?".

E eu disse: "Mas é óbvio que sim, Batista, indubitavelmente!".

E o Batista dirigiu-se a um orelhão. Pediu-me um cartão emprestado e fez um sinal com mão como quem diz, "vá, vá, afaste-se um pouco, dê-me licença...".

Encostei num poste e fiquei obervando o Batista conversando ao telefone. Fino como o Zé Colméia, Batista coçava o saco ostensivamente enquanto falava, deixando claro o nível de excitação do papo. Contei uns bons 10 minutos. E veio o Batista com um sorriso translúcido: "A Dirce topou, a Dirce topou!, mas pediu-me que falasse eu mesmo com a Linda.".

Contou-me mais. Dirce, como se vê uma perversa de deixar Laplanche sem explicações, pretendia ver Batista espancando sua irmã de forma virulenta. E tinha idéias assombrosas, macabras mesmo, e Batista parecia um arrependido pelo convite.

Despedimo-nos no ponto do ônibus, tomei o 239 e ele o 415.

Bateu-me o telefone no dia seguinte cedíssimo.

Dirce o aguardava no mesmíssimo sofá na portaria de seu suntuoso edifício, e foi Batista, dessa vez, quem a tomou pelas mãos para levá-la até a garagem. Mas a moça cruzou os braços, encostou a boquinha em seu ouvido e disse-lhe baixinho: "Querido, tem de ser amanhã, véspera do meu aniversário. Ligue assim que chegar em casa pra vaca da minha irmã. Não diga que eu vou. Mudei de idéia. Eu apareço de surpresa no quarto do motel. Vamos combinar direitinho, você deixará a porta destrancada. Quando eu começar a ouvir os gritos de dor daquela estúpida eu entro.".

Batista contou-me que nem dormiu. Ligou pra Linda. E amanhã lhes conto como seguiu-se o enredo.

Até.

23.5.05

UM CASAMENTO MEMORÁVEL

Vamos deixar um pouco de lado as histórias do Batista - que são muitas, muitas!, vocês não fazem idéia - para que eu possa lhe contar lances de um casamento. Lances reais, realíssimos, eu estava lá e posso lhes atestar que tudo o que lhes contar é rigorosamente verdadeiro, não cabendo em mim a pecha de exagerado, usualmente merecida, mas não dessa vez. Foi na semana passada.

Cerimônia civil, apenas. No playground de um edifício grã-fino em Copacabana. Não vou lhes dizer o nome dos noivos para evitar constrangimentos. Foi numa sexta-feira. Às sete da noite. Construam, a partir daqui, o cenário.

Estão construindo? Edifício grã-fino. Copacabana. Sete da noite. Um calor senegalês.

Pois bem. Mantendo a tradição da Tijuca, chegamos eu e Dani às sete da noite em ponto. Estávamos com fome e a promessa de um bufet de primeiríssima nos fez não atrasar um mísero segundo, é sempre assim para quem é da Tijuca. Devo dizer que a Dani não é da Tijuca, mas de Volta Redonda. Ocorre que o que diferencia Volta Redonda da Tijuca é apenas o ar siderúrgico, no todo somos rigorosamente iguais.

Vamos ao cenário que encontramos. Ah, ia me esquecendo de lhes contar que a Dani é a madrinha. E fundamental esclarecer que eu não sou o padrinho. Sou apenas um fotógrafo, cargo que aceitei após um pleito do noivo formulado por email. Não, não foi por email. O noivo bateu o telefone pra mim e eu disse sim, aceito.

No playground, apenas o noivo, o DJ, os garçons e a responsável pelo bufet presentes às sete da noite. Recebeu-nos o noivo com um efusivo "eu sabia que vocês seriam os primeiros!", atestando a força das tradições tijucanas. E fui ao banheiro. Fiz meu primeiro xixi da noite, dei descarga, pus-me diante da pia, ejetei sabão líquido nas mãos e abri a torneira. E nada de água. Senti-me o próprio Peter Sellers. Limpei o sabão com toalha de papel, mas dali em diante eu tive uma certeza bíblica: a festa seria um furdunço sem igual.

E foi. Vejamos.

Quando saí do banheiro (eu levei uns 15 minutos tentando encontrar, de quatro, o registro da água) o salão estava lotado. O noivo pra mim: "A Dra. Vitória está atrasada.". Pronto. Não sei se vocês conhecem a Dra. Vitória. Juíza de Paz, casou o Borba Gato, celebrou o casamento de Pero Vaz de Caminha, foi madrinha de batismo do Chacrinha e é de uma antigüidade visual espantosa. E tem como característica atrasar-se ferozmente para seus compromissos. Eu previa uma tragédia alcoólica, vocês hão de entender.

Proseco e uísque brotavam das bandejas como água da fonte numa estância hidromineral. Eu, fotografando, ia devagar com o BlackLabel, e percebia as pessoas bebendo como se estivessem com uma sede de dias.

Passo pela noiva: "Edu, vá servir-se... os convidados estão meio tímidos..., me dê esse help.". Eu preciso dizer que ainda não havia visto a mesa. Se a tivesse visto, estaria já, àquela altura, afrontado, já que perco o controle nessas ocasiões. Fui à mesa. E a cena.

Como javalis na savana, os convidados correram em fúria etíope em diração à mesa. Toda a elegância se esfumava. O relógio já marcava oito horas. E nem sinal da Dra. Vitória.

Volto à noiva, já descalça e coçando um calo nítido e resplandecente: "Meus pés estão doendo... obrigado pelo help... viu como era timidez?".

Dani, Guerreira, Maria Paula e Giulia, já nitidamente alteradas, dançavam ciranda em torno da gangorra do playground, e minha previsão estava se realizando.

Nove horas.

Entra um sujeito mais suado que o Idi Amim Dadá num verão de Uganda.

O noivo: "Chegou o secretário da Dra. Vitória. Ela vai se atrasar um pouco.".

A rodinha de ciranda agora acontecia em volta dos balanços, e num dos balanços, a noiva, descalça e com as solas dos pés negras como a pele do secretário da Juíza. Disse-me a noiva: "Edu, dá um help aqui pra mim e empurra o balanço?".

Voltei os olhos para a mesa do bufet. Eu só via garfos, facas, mãos, braços e cotovelos num movimento frenético, como se escavassem a mesa (os canapés estavam sendo repostos mas nada dava conta da fome coletiva). A responsável pelo bufet suava como égua na reta final atropelando a barbada.

O noivo: "Edu, dez horas.". Disse isso e riu. Riu por que estava bêbado de forma olímpica. Aproxima-se o secretário da Dra. Vitória: "Senhor, com licença... neste estado a Juíza não lhe casará...". O noivo virou o proseco num só gole, arrotou e disse apenas "Foda-se".

Dez e meia. E eis que surge a Dra. Vitória. Um convidado, com os botões da camisa abertos e a gravata enlaçada na testa, gritou: "Porra, a Hebe foi convidada?". Houve um guincho coletivo, madrinhas e padrinhos esgarçavam a pele de tanto rir, a noiva calçou-se, o noivo cambaleante tomou-lhe pelas mãos e a cerimônia vai começar.

Um silêncio de São João Batista no dois de novembro pesou no recinto.

A Juíza, já com a toga azul-turquesa: "Por favor, senhores, vamos pôr os copos e as taças sobre a mesa... estamos iniciando um ato jurídico perfeito.".

O sujeito com a camisa aberta e a gravata na cabeça, de voleio: "Ato jurídico perfeito é a puta que te pariu... perfeito seria se fosse às oito horas.".

A Juíza pigarreou, assistiu atônita uma série de tim-tins pela felicidade do noivos - os garçons prosseguiam servindo bebida aos convidados -, fez que não ouviu o gracejo e começou: "Hoje estamos assistindo a uma união...".

O mesmo cara: "Cala a boca, vaca! Eles já moram juntos há muito tempo...".

Mais guinchos. A mãe do noivo e o pai da noiva choravam abraçados (eu acho que de desespero).

Maria Paula e Dani, madrinhas, lado a lado, jogavam cama-de-gato com uma fita de presente e os respectivos padrinhos, purrinha. A Juíza: "... estamos assistindo a uma união entre dois seres humanos que...".

O malandro: "Puta merda, meritríssima... é óóóóóóóbvio que são seres humanos, animal!!!!! Onde é que tu se formou?".

A Guerreira galopava em volta da mesinha que fazia o papel de altar gritando "burra, tãtãtã, burra, tãtãtã, burra..." com uma taça de proseco em cada mão...

A Juíza fechou a cara. Seu secretário tomou a pastinha de veludo vinho sobre a mesa com a certidão e ameaçaram sair. Um outro padrinho, cujo sugestivo apelido é AR-15, dando uma de Flavinho, sacou de uma pistola e forçou Dra. Vitória a celebrar o casamento, o que ela fez em segundos, tomando a assinatura dos noivos e dos padrinhos (eu li, eu li! uma assinatura onde se via Pato Donald escrito). Antes de partir pela porta dos fundos, a Juíza foi atacada pelo pai da noiva, num pescoção, que pedia, sem êxito, para que ela celebrasse o casamento de seu filho com uma das madrinhas, "uma morena de encher os olhos", como repetiu-me durante toda a noite.

Um detalhe: os amigos do noivo, por engano, pintaram, penduram latas, puseram barbantes coloridos, espuma de barbear e purpurina no carro.

Da Juíza, não do noivo.

A essa altura da festa, os condôminos, incitados pela síndica, vaiavam a festa das janelas, numa delícia sonora impressionante.

Guerreira, louquinha por doces, comeu por engano os bonequinhos de massa comestível que enfeitavam o bolo, e vomitou, pouco depois, sobre a mesa de som do DJ que, revoltado, sentou o pau no funk o resto da noite. Guerreira aprontou outra: um dos convidados usava um colar ortopédico. Pensando tratar-se de um enfeite, Guerreira atracou-se com o sujeito em determinada altura e tentou, e o pior que com êxito, arrancar o aparelho do pescoço do coitado. E galopou em fúria eqüina com aquilo pendurado em seu pescoço gritando, "Gente, olhem minhas rédeas, olhem minhas rédeas!".

A festa foi até às sete da manhã, quando noivo e noiva partiram para excitante lua-de-mel no Caribe.

Até.

20.5.05

E EU ENCONTREI O BATISTA

A vida é a arte do encontro. É mesmo. Saibam que poucos dias depois de lhes ter contado a história verídica envolvendo um amigo, o Batista, e sua ex-cunhada, a Dirce, irmã de Linda, estava eu saindo do Tribunal de Justiça e deparei-me com ele, o Batista, bebendo um chope numa churrascaria pré-histórica diante do Fórum, chamada "Chamego do Papai". Vejam a antigüidade do Batista. O "Chamego do Papai" é daqueles restaurantes que vivem "à mosca". Não me corrijam. Não quis dizer "às moscas". Como explica o Baiano, o troço é tão vazio, tão vazio, que apenas uma mísera mosca dá os ares da graça. Os garçons são tristes, suas roupas são puídas, suas gravatas-borboleta há muito perderam o dom do vôo, e um estalar de dedos faz com que os seis garçons arranquem em cavalgadas vigorosas em direção ao cliente, invariavelmente o único do dia. E há, no "Chamego", um balcão horroroso que dá pra rua, onde o Batista bebia seu chope sozinho.

Mal saí do prédio do Tribunal, e os olhos do Batista me capturaram enquanto uma mão nervosa me acenava um "vem cá" desesperado.

Não nos víamos há uns bons meses. Depois das perguntas de praxe, contei a Batista sobre minha inconfidência. E o Batista foi, dali em diante, um ser eletrizante. De olhos fechados, repetiu-me ponto a ponto a história, interrompendo apenas para pedir mais chope, apenas pra ele. Eu estava trabalhando, fui de água mineral sem gás.

Rimos muito, contei-lhe do acerto do meu relato, foi quando ele disse, "há mais, há mais, há mais, ainda não lhe contei tudo!".

Dei-lhe uns tapinhas nos ombros, pedi mais chope por minha conta e disse-lhe olhando dentro dos olhos: "Conte-me tudo, Batista. Timtim por timtim." (quando falei "tintim por tintim" estava pronto o quadro velho que representávamos. As novas gerações nunca disseram o "timtim por tintim", e aquilo dito no balcão do "Chamego" era um gesto todo jurássico)

Dias depois do ousado gesto, Batista recebe em seu consultório uma carta, aparentemente anônima, já que apenas o destinatário vinha preenchido. Batista foi à recepção no horário do almoço, pegou da espátula de platina que havia comprado em Paris, abriu cuidadosamente o envelope e deu de cara com a carta:

"Batista:

Foi bom demais. Esperei longos anos por aquele momento. Vinguei-me de minha irmã, a quem odeio insanamente.

Mas preciso saber uma coisa e peço-te que não me negues a resposta como peço-te, mais, que sejas franco como jamais em toda tua vida.

Quem faz melhor, Batista? Qual de nós duas? Responda-me para a Caixa Postal abaixo discriminada, em no máximo 24h. Não posso suportar tal ansiedade.

Tua, sempre tua,

Dirce"


Batista desmarcou todos os compromissos da tarde. Tirou o jaleco, trocou os sapatos brancos por outros, também de couro, mas pretos, lavou o rosto vigorosamente diante da pia do banheiro com água gelada, penteou-se, pôs perfume e desceu. Foi aos Correios, passando antes por uma papelaria onde comprou um envelope e um cartão. No próprio balcão da papelaria escreveu sua resposta, preencheu os dados, e postou sua carta, registrada e com aviso de recebimento.

A essa altura, Batista estava no décimo chope, eu na terceira garrafinha d´água.

Instalara-se, no balcão do "Chamego" um clima de comício. Todos os garçons, os cozinheiros, o gerente (com um aspecto de empalhado), acompanhavam o enredo com tensão de final de Copa de Mundo.

Contou-me ele, Batista, que sua resposta fora política, algo assim:

"Dirce,

muitos anos separam a performance de tua irmã da tua, aquela noite, em minha garagem. Temo não ter os elementos necessários para satisfazer tua curiosidade. Mas foi bom, creia. Foi muito bom.

B."


Batista pediu o décimo-terceiro chope e foi ao banheiro, não sem antes dizer, "há mais, há mais, esperem, esperem!".

O bate-boca estava efervescente quando Batista voltou. Apostas sendo feitas sobre o final da história, discussões sobre a veracidade do relato, um troço.

Batista deu um vigoroso gole na caldeireta, deixando um bigodinho branco de espuma sob o nariz.

Deu-se que, três dias depois de sua resposta, Batista chega em casa de uma festa, já bem tarde. O porteiro o recebe sorrindo e faz um espichar de nariz em direção ao hall dos elvadores.

E Batista dá com as duas, Linda e Dirce, sentadas no sofá. As duas o arrastam para a garagem, e para a mesma pilastra, "que perversão, que perversão!", ele gritava.

Vendaram seus olhos. Abriram-lhe a calça. E as duas puseram-se a revezar, imaginava ele, enquanto apenas Dirce perguntava..."essa agora, quem foi?"... "fala, Batista... agora... qual de nós duas?".

Batista fartou-se. Uma, apenas, bebeu-lhe por inteiro. Logo depois, ainda vendado, Batista disse..."Foi Linda... quem engoliu foi Linda!... Mas a melhor mesmo - Batista chegara bêbado da festa - foi Dirce...".

Não havia sido.

Dirce retirou-lhe a venda dos olhos e deu com a cena. Linda filmando tudo, a uns 3 metros de distância, e Dirce ajoelhada, ligeiramente suja, ainda, limpando a boquinha com as costas da mão, virando-se pra irmã, dizendo... "Viu, vaca? Não te disse que foi verdade?"

Até.

19.5.05

METROSSEXUAIS

Lá na Conexão Irajá, eu levantei, fazendo tabelinha com o Szegeri e com o Fernando Toledo, na segunda-feira, uma bola em defesa da nova política do Caderno B, do JB, que contratou, de uma só vez, Aldir Blanc, Fritz Utzeri, Fausto Wolff, Ziraldo, trazendo à tona, novamente, esses craques, dentre outros, que, por terem estrito compromisso com a verdade e a ética, estavam afastados há muito da grande imprensa, muito mais chegada aos que são obscuros em ambas as matérias.

Mas há no JB, aos domingos, uma revista que nem pra fazer fogueira serve. A Revista Domingo. Mais que um lixo, é um repositório de futilidades, imbecilidades, idiotices, salvando-se um ou outro colaborador. Não lhe darei os nomes, minha intenção aqui é apenas bater.

E vejam vocês que deparei-me, um domingo desses, com uma matéria sobre os metrossexuais.

Espantei-me já diante do título. Eu, 36 anos, tijucano com raízes a metros e metros de profundidade alcançando o leito do Maracanã, meu rio, jamais ouvira falar naquela palavra. Eu estava na praia, acabo de lembrar. E sozinho.

Comprei uma lata de cerveja, acendi um cigarro, e pus-me a ler.

Vamos destacar o corpo da matéria, que definia os metrossexuais (antes preciso dizer que depois de ler as definições e a matéria, comprei outra lata de cerveja, acendi outro cigarro, descartei a revista e pus-me a chorar diante da constatação de minha condição de antigo):

"Como reconhecer um metrossexual

1. O metrossexual vive nas metrópoles (daí o nome). Pode ser encontrado em lojas de grife, academias de ginástica, salões de cabeleireiro, bares da moda e eventos fashion.

2. Eles adoram se enfeitar e usam maquiagem. Uns pintam as unhas, outros preferem passar lápis de olho. Os mais ousados usam também blush e rímel.

3. Desprovidos de plumagem, eles apelam para as roupas de marca. Adoram grifes como Armani e Versace. Os mais descolados também são ávidos freqüentadores de brechó.

4. Corajosos, eles se submetem a qualquer tortura em troca da boa aparência. Seja malhar horas a fio ou encarar cera quente para se livrar dos pêlos do peito.

5. O metrossexual é antes de tudo um narcisista. Se tiver dificuldade de encontrá-lo numa multidão, dispare o flash de uma câmera. Basta reparar em quem faz pose."

Primeira impressão que eu tive: a Laura de Vison é metrossexual. Não, não... ela usa plumas. Daí fiquei em delírio, coisa comuníssima em mim, fazendo um bate-bola interno.

Depois cheguei à conclusão que os metrossexuais (uns imbecis definiam-se assim, com orgulho, no curso da matéria) são uns otários na pior acepção da palavra. Dizia, ainda, a futilíssima reportagem, que os metrossexuais fazem um sucesso absurdo com as mulheres (nesse momento meu desespero atingiu uma intensidade indizível).

Lembrei de um amigo meu, Serginho, apelidado "Serginho Cinco Minutos" por uma única razão: onde chega, reboca a melhor mulher do pedaço em menos de cinco minutos. Grosso feito casco, dono de oficina mecânica, avesso ao uso de esmalte nas unhas, lápis de olho e congêneres, faz um puta sucesso com a mulherada. Lembrei do Fefê, outro vassalo, hoje quietinho no colo da Brinco, mas sempre um causador de furor nas moças à sua volta, sem usar perfume, sem usar desodorante, sempre com a barba por fazer e usando roupas compradas nas lojas onde tudo custa R$1,99. Lembrei do meu Otto na íntegra, obeso, peludo, cachaceiro, também avesso ao rímel e ao blush, também sossegado no colo da Stê, mas sempre capaz de apaixonar moças de todos os cantos do país. Por fim, lembrei de mim mesmo. Se jamais fiz o sucesso numérico dos três que citei, tenho também a dizer que nunca me faltaram mulheres, sem que eu tenha me valido de qualquer subterfúgio metrossexual.

Lembrei de alguns amigos gays, ou homoafetivos, como sugere a cartilha do governo, tão babaca quanto a Revista Domingo. Vivem felizes, mas não usam rímel, não usam blush, não pintam as unhas, não contornam os olhos com lápis da Coty.

Porra!, eu gritava pra dentro na praia, que espécie de gente é essa que se define como metrossexual? Que mulheres se encantam por eles? É gente que se enxerga como um vaso a procurar uma planta para dar-lhe algum sentido diante de terceiros. Não comem ninguém (perdão pela grossura, não há outro termo viável). São fúteis, podres, vazios, inúteis.

E salve a tribo dos vassalos. Salve Márcio Branco, Vidal, Aldir, Fausto, Marcão, Serginho, Fefê, Szegeri, papai, André Menezes, Flavinho do Cachambi, Cristiano, Sérgio Barreto, Cícero, Fabinho (que deve ter dado pulos no túmulo se soube da matéria, ele que era um celerado em matéria de mulheres), meu saudoso irmão Marco Aurélio, Zé Renato, Leozinho, Celsinho, Leonardo Huguenin, Fernando Toledo, e toda a cambada que vive, que pensa, que é feliz e que come gente (perdão de novo) sem precisar valer-se desses modismos estúpidos que - é isso que me dá um medo tremendo - são capazes de destruir toda uma geração que se deixa levar por essas opiniões estúpidas veiculadas pela imprensa nojenta e sem compromisso algum com a felicidade do ser humano.

Até.

18.5.05

AS DORES DA BETINHA, OS MÉTODOS DO FLAVINHO

Pode parecer intencional, mas não é.

Contei-lhes da hérnia do Szegeri, do maxilar da Banana e eis que hoje quero lhes dizer sobre as dores intestinais da Betinha, amiga querida, musa do meu Otto na íntegra, companheira fiel do Flavinho.

A doce Betinha, dia desses, acordou com uma víbora dentro de si, como diria Nelson Rodrigues.

Pequena pausa.

A Betinha é parente direta do Nelson, vejam que bonito. Nas dores e nas queimações reside o parentesco hoje, vivíssimo, como uma marca a atestar a autenticidade de sua linhagem.

Buscopan, leitinho morno, massagens de leve em busca do alívio, e nada. Um Edifício Andorinha ardia e fazia sofrer a Betinha.

Uns dois ou três telefonemas apontaram o nome do Dr. Penteado - eu juro que é verdade, juro que não é plágio, juro que não é o Pentado, tremendo gozador, personagem do Aldir em "Porta de Tinturaria" - como o bamba da área. E marcou-se a consulta.

Flavinho, egresso do Cachambi, macho cascudo, decidiu acompanhar Betinha à consulta. "Mulher minha" - disse-me ele - "não se consulta com homem nenhum sem minha presença".

Resignada, sem ter conseguido desviar Flavinho de sua intenção, Betinha fez-se presente no consultório na hora marcada.

O consultório era um troço. Recepção com carpete alto, sofás em couro, paredes com xadrez no estilo britânico, luzes indiretas dando um tom intimista ao local de trabalho do Dr. Penteado, e sentaram-se os dois, lado a lado, aguardando o chamado.

Flavinho, expert na área de investigações, havia posto, autorizado, um microfone sensibilíssimo dentro da bolsa Louis Vuitton de Betinha para acompanhar a consulta da recepção, já que fizera parte do trato a companhia ao consultório sem a necessidade de entrarem juntos na sala do médico.

Flavinho gastara, no cartão de crédito, quase R$2.000,00 num aparelho de escuta ambiental, ativada por voz, em formato de cartão de visita, que viabiliza largo espectro de operações, que permite ser portado para o interior de qualquer ambiente dentro de pequena bolsa porta-cartões e colocada, naturalmente, em cima de uma mesa, por exemplo, podendo ainda ser facilmente ocultada em estruturas, objetos, mobiliário, tendo em vista seu formato "flat", que, evidentemente, facilita sua ocultação. A escuta é ativada por voz, ou seja, transmite apenas em função da presença de sinal sonoro dentro da faixa de freqüência da voz humana no ambiente onde se encontrar, o que eleva a autonomia do aparelho, em freqüência UHF, com três opções de canais, com alimentação à bateria de lítio 3 volts, com autonomia de 40 horas de operação ativada por voz, medindo 5,5 x 8,6 x 0,7cm e pesando 28 gramas.

E veio o Dr. Penteado à porta chamá-la.

Flavinho ergueu-se, estendeu a mão, disse um boa tarde rude e sentou-se ajeitando o fone de ouvido.

Achara o Dr. Penteado um pulha, assim, de cara. Uns 50 anos, alto, em forma, grisalho, gumex à sorrelfa, barba feitíssima, um garda-pó alvíssimo, e ele antevia merdas.

Percebeu quando o cartão de visita fora pousado na mesa. Mas uma interferência não prevista no manual de instruções do equipamento impedia o acompanhamento do diálogo. E o Flavinho suava, enterrava mais forte o fone em seu pavilhão auricular, e nada.

Deu-se que num determinado momento ele ouviu apenas um "querida, então dispa-se.".

Soube depois, quando já era tarde, que o Penteado dissera, "querida, então... dispepsia.".

Flavinho sacou da pistola, deu cinco ou seis tiros pro alto, destruiu uma gravura inglesa retratando uma cena de caça de perdizes, invadiu o consultório, tomou Betinha pelas mãos e acertou um direto no pincinê do gastro.

Está marcada para quinta-feira um endoscopia. E mudou-se o trato. Flavinho ajudará, inclusive, a segurar o gastrofibroscópio o tempo inteiro.

Até.

17.5.05

HOJE É DIA DE MAMÃE

Não há mesmo como evitar, maio é o mês das guinchadas e dos impulsos involuntários em direção ao Passado. Dia 27 de abril o processo começa, quando faço anos; no dia 06 de maio foi minha Bia quem me causou o arremesso; no dia 09 de maio Fefê agarrou-me pelas mãos e me levou pra longe; e hoje, 17 de maio, é mamãe quem me conduz. E no dia 22, domingo que vem, papai e mamãe, comemorando 37 anos de casamento, lá vou eu de novo...

Pequena pausa.

Sexta-feira fui com a Dani ao FarUp, comemorar o aniversário de uma amiga. E havia música ao vivo, com uma competente banda de ingleses. E o vocalista, depois de anunciar uma homenagem ao pai, morto há dias em Londres, sacou "Georgia On My Mind" da cartola. E eu, que estava de pé, no balcão, na segunda dose de Red Label, fui um nostálgico de olhos marejados lembrando do primeiro encontro de Isaac e Mariazinha. Por razões totalmente desconhecidas, tenho certeza de que foi ouvindo "Georgia On My Mind" que papai cravou os olhos em mamãe e decidiu lutar por ela, no que teve êxito. Mamãe descia umas escadas de mogno, em caracol, na Rua Mariz e Barros, e Isaac, de smoking, deixou cair o copo de Cuba Libre quando deu de cara com as coxas morenas de mamãe. Eis aí, numa cena, a razão da minha nostalgia de sexta-feira.

Vai daí que hoje mamãe faz anos. E vai daí que eu, do Buteco, abro uma Möet & Chandon Ponsardin em homenagem à minha velha (se eu abrir uma cerveja estará maculada a homenagem, eis que mamãe é uma mulher cada vez mais chique, cada vez mais elegante, cada vez mais grã-fina).

Mas houve um dia, houve um único dia, quero lhes contar, que mamãe foi a barraqueira em polvorosa. Um professor de matemática, e eu estou com uns 12 anos, pediu um quilo de alfafa ao diretor da escola, que, de pé na porta, assistia aquele patético aluno desorientado diante do quadro-negro sem conseguir resolver a equação proposta. Foi de voleio. Dirigi-me ao diretor e disse que eu queria apenas um cafezinho, a alfafa seria pra ele, professor.

Fui suspenso, expulso de sala, mandado de volta pra casa.

Diante de meu relato, mamãe tomou-me pelas mãos, voltamos ao colégio e invadimos a sala do diretor.

Avelar, sisudo, explicou tudo à mamãe. E no desfecho... "Sinceramente, a senhora não deu educação a seu filho?"

Mamãe, com a classe do Nilton Santos, que completou 80 anos ontem: "Dei. Dei sim, senhor. Inclusive a orientação para que ele respondesse à altura quando cavalos lhe faltassem com o respeito. E vá pra puta que o pariu!"

Linda, minha mãe.

16.5.05

O MAXILAR DA BANANA

Contei-lhes há uns dias sobre a hérnia do Szegeri. E hoje quero lhes contar sobre o maxilar da Banana.

A Banana, para que eu possa refrescar a memória dos que já a conhecem e para que eu possa apresentá-la aos que dela nunca ouviram falar, é, das amigas que a Dani me apresentou, a minha preferida. Somos antagônica e radicalmente diferentes, mas a Banana é divertidíssima, e encontrá-la é sempre uma oportunidade para desopilar o fígado. Eu sou o catavento, a Banana é o girassol, e aí está uma definição perfeita.

A Banana tem um pequeno probleminha, e soube disso há dias, pela Dani. É que bati o celular pra ela na sexta-feira. E ela atendeu: "Hã?!... Hã!... Hã...".

Eu esperando o "alô" tradicional e um "hã" soturno invadia meu ouvido. Não passamos disso. Eu perguntei se estava tudo bem, se ela podia falar, e nada, só um "hã" intercalado por ofegantes respirações. Tomei-me de pânico. Bati o telefone pra Dani, que preocupou-se, como era de se esperar.

E ao chegar em casa, à noite, Dani me passa o relato enquanto rolava no chão de rir.

Eu interrompera uma reunião da Banana, alta executiva de uma multinacional. Banana, seu diretor, o vice-presidente da empresa e mais ninguém. Banana expondo o planejamento para o segundo semestre desse ano, táticas agressivas, planos de ações, quando seu maxilar, que há anos mantinha-se no lugar, despenca.

Imaginem a cena! Imaginem a cena!

Banana, enquanto esperava uma resposta de seu diretor, com os cotovelos apoiados na mesa de mármore, atendeu-me. E não conseguia passar do "hã" que me afligia.

Fez sinal com a mão que ia ao toalete - eis outra diferença fundamental entre nós, Banana nunca vai ao banheiro - e diante do espelho, com seu salto agulha, passou a quicar num pé só a fim de encaixar o maxilar. Assombrados, o diretor e o vice-presidente tentavam adivinhar a razão daquele som de bate-estacas dentro do banheiro, ritmado, ininterrupto, até que, num golpe, volta-lhe o queixo ao lugar devido. E volta a Banana à mesa de reunião.

E não falou-se no assunto.

E Dani contou-me mais: quando conheceu seu parceiro, cujo nome omitirei por razões éticas, é outro que ocupa altíssimo cargo n´outra multinacional, Banana bebeu demais e partiram, ambos, para um motel de primeira em São Conrado. Diante da performance espetacular do cara, Banana disse, tacinha de champagne na mão, que aquele furor todo a deixara de queixo caído.

O cara, gaúcho, sem compreender a expressão - de queixo caído - disse um "é mesmo, guria?", e Banana emendou, "quer ver?". Ao dizer que sim, nuzão, fumando um recostado no travesseiro, Banana vai ao toalete e quica furiosamente, dessa vez pra despencar o maxilar.

E volta ao quarto, à meia-luz, com o queixinho, ó, dependurado, na altura dos bicos dos seios.

Cravou-se, ali, a paixão fulminante. Moram juntos hoje, no Leblon - onde mais poderia morar a Banana? - e ele vira-e-mexe diz, orgulhoso... "olha... ela me ama praca... queixo caído por mim."

Até.

13.5.05

MARCÃO, UM GOL DE PLACA


O Marcão, impoluta figura que reside em São Paulo, personagem da já clássica história passada no banheiro do Alcazar, quando um calor de rachar massacrava-nos à mesa e o Marcão refugiou-se para beber no banheiro, onde fazia um frio polar graças a um defeito no ar-condicionado, é um frasista de mão cheia.

Quando, uma vez, eu em São Paulo, avisei ao Marcão que na véspera havia bebido onze doses de Seleta no Ó do Borogodó, recebi de volta: "Porra, Edu, doze doses de Seleta? Meu, nem que fosse laranja!".

E soube ontem, pelo Otto, que o Marcão, no sábado passado, assistindo a um show do Bandeira Brasil (na foto) no SESC, em São Paulo, já bêbado, mandou babando: "Porra, depois da quinta dose a gente não sabe mais se quem está cantando é o Bandeira Brasil ou a Leci Brandão".

Gênio! Gênio!

Sugiro aos amigos que, encontrando o Szegeri, peçam a ele que represente os dois momentos. Szegeri, que imita o Môa tão perfeitamente quanto imita o Marcão, é, às vezes, mais Marcão que o próprio.

Até.

Posted by Hello

E AGORA? (parte II)


Na vã tentativa de animar minha desolada pessoa, a semanas de uma viagem de muitas horas atravessando um oceano, o Mauro enviou-me a imagem acima, de Cinque Terre, um passeio já tramado com a Dani, que, segundo ele, é imperdível . Era t-u-d-o- o que eu queria. Torrar milhares de euros para conhecer a Rocinha Italiana.

Até.

Posted by Hello

E AGORA?

Serei breve, brevíssimo, e escrevo hoje apenas em respeito aos meus poucos mas fiéis leitores, e para manter a regularidade, de segunda a sexta-feira, que o Buteco vem conseguindo imprimir.

Mas sou, desde ontem, um sujeito à beira de um ataque de nervos.

Recebi em casa, ontem, para jantar, meu irmãozinho Mauro, o que salvou a vida do Fefê na França, e nem ânimo tenho para lhes repetir a história (perdão aos que de nada sabem, conto outro dia de novo).

Enquanto cozinhava, eu mesmo derretia diante do fogão ouvindo Mauro e Dani cabalando na sala.

Eu, um fóbico olímpico, incorrigível, soube, assim mesmo, quase-sem-querer, que estou indo em junho para a Itália, com direito a uma visitinha rápida (meu deus...) a Amsterdam.

Se uma ida à Barra me enjoa, se um passeio a Petrópolis ou Teresópolis significam suores e tremores, ir à Europa... façam idéia.

Tive vertigens e pude ver a colher de pau que mexia o risotto que eu preparava transformar-se num padre que rezava a extrema-unção diante de mim.

Sabe-se lá o que serei de hoje em diante. Recebi a incumbência de comprar euros, verificar passaportes, checar a meteorologia pela internet, comprar passagens, ou seja, tudo o que eu sempre quis na vida.

Otto, por favor. Preciso vê-lo antes de partir. Com a Iara. Railídia, Mariana, Raquel, Ana, Lu, Magali, quero meus curumins por uns dias.

Até.

12.5.05

EU NÃO RESISTO AOS BOTEQUINS MAIS VAGABUNDOS...


O jornal O Globo de hoje dá conta do fechamento de mais um pé-sujo na cidade, em Ipanema, atribuindo isso, a tal nota, à proliferação de butecos-elegantes como o Devassa, o Belmonte, o Informal e outros do mesmo gênero. E a nota está certíssima.

Vejam bem. Eu, Fernando Szegeri e Fernando Toledo estamos, modéstia à parte, batendo um bolão no Conexão Irajá sobre o assunto.

Ontem mesmo reuniu-se a Sociedade Edificante Multicultural dos Prazeres e Rituais Etílicos, a S.E.M.P.R.E., Confraria da qual faço parte, num pé-sujo e cascudo na Tijuca, bairro por enquanto livre das pragas já citadas. Um encontro, quero dizer, glorioso. Notem que peça!, que peça!, o letreiro que anuncia as bebidas do buteco. Nada mais carioca, nada mais a nossa cara, nada mais a nossa tradição. Eu, que faço côro com Moacyr Luz e Aldir Blanc para gritar que não resisto aos botequins mais vagundos, vivi uma noite de delícias butiquinescas, impossíveis nos salões arquitetados pelos investidores - não são donos de buteco! - que derramam matrizes e filiais pela cidade afora de suas criações nojentas.

Estavam lá, no tal buteco, na Rua Barão de Mesquita, os aposentados trôpegos com cigarros no canto da boca, escarrando e tossindo a plenos pulmões, os taxistas jogando porrinha e apostando garrafas de casco-escuro, policiais na reserva contando suas histórias mentirosas, uma senhora que tem cadeira cativa no buteco puxando assunto conosco, cartazes anunciando rifas de salaminho, de queijo-bola, de cestas básicas, resultados do jogo do bicho pregados a cuspe nos azulejos, e nada disso, rigorosamente nada disso é factível dentro de um Belmonte, de um Devassa, de um Informal, bares onde todos são pose, apenas pose.

Como bem disse o Toledão, nós, que cariocas somos, intransitivamente (que craque! que craque!), precisamos, como postura mesmo, negar uma visita que seja a esses pseudo-templos da carioquice. Quero dizer que isso é plausível, sim, em São Paulo, por exemplo, onde parece ter nascido, com o Pirajá, essa idéia monstruosa de higienizar o buteco. Não que não haja em São Paulo - há, porque o Otto levou-me a catedrais vagabundas na matéria - bons butecos; mas vá lá, haver em São Paulo um buteco temático é compreensível. Aqui, nunca.

E vêm os investidores do Belmonte, do Devassa, do Informal (repetirei seus nomes como ladainha para destilar minha repulsa), dizer em matérias pagas na imprensa, que está mudando o conceito de botequim no Rio de Janeiro.

Uma vírgula!

É preciso que haja resistência - se a palavra lhes soa antiga, nada posso fazer - para manter vivos os botequins mais vagabundos. Eu mesmo, que ando devagar em matéria de cerveja, não deixo de fazer meus pedidos de engradados no Rio-Brasília, buteco vagabundo ao lado de casa. Não deixo de comprar meu cigarro e beber meu destilado, vez por outra, noutro pé-sujo cujo nome nem sei, na outra esquina.

Nesse ponto, brilha a Tijuca. Dizem os investidores que não abrem filiais por aqui em razão da violência.

Uma vírgula, de novo.

Não abrem por que o tijucano bebedor prefere o cotovelo no balcão, o banheiro apertado, os tira-gostos expostos, os erros de português nos avisos de parede, os personagens permanentes, e rejeitam mesinhas enfeitadas, banheiros com sabonete líquido e papel absorvente de primeira linha, preços nas alturas e mauricinhos e patricinhas fazendo, quero repetir, pose, apenas pose.

Que seja assim, por todo o Rio. Amém.

Até.

Posted by Hello

11.5.05

CUNHADOS, CUNHADAS, E UM CASO REAL

Vou interromper, por ora, os arremessos ao Passado. E vou falar do Presente. Se bem que, para dar sentido ao que vou lançar por aqui, terei de falar de fatos ocorridos, sem, com isso, arremessar-me para lá. Eu lhes contei, recentemente, que estou devorando novamente a obra completa do Nelson Rodrigues. E o último livro que li foi "A Cabra Vadia", onde Palhares, o canalha, vira e mexe aparece.

Já que falei no último livro que li, quero falar-lhes sobre o livro que estou lendo, "Na Toca dos Leões", do Fernando Morais, pela editora Planeta, que antes mesmo do fim quero recomendar. O livro acaba de ser cassado por uma liminar judicial requerida por Ronaldo Caiado, canalha também. Aliás, por uma liminar inédita, que não se limitou a determinar o recolhimento dos livros das prateleiras, mas também calou, expressamente, o autor e os editores, que estão proibidos de qualquer manifestação sobre a censura que sofreram. Ainda não cheguei no ponto em que Ronaldo Caiado é citado, mas como sou passionalíssimo (razão pela qual jamais poderia ser, como queria mamãe, Juiz de Direito), sei que a censura é absurda e que Caiado não merecia acolhida no Judiciário. Corram, pois, antes que os tentáculos judiciais suguem a obra das livrarias.

Volto ao Palhares. Vamos à definição do Nelson: "Portanto, convém descrever aqui, em rápidas pinceladas, a sua torva figura. Imaginem vocês que, certo dia, o Palhares cruza com a cunhada no corredor. Era uma menina de dezessete anos, quase noiva. Um homem de bem passa por uma cunhada e nada acontece. Há, de parte a parte, um ´oba´ imaculado e nada mais. E que fez o Palhares? (o novo leitor deve estar numa dessas curiosidades mortais). Eis o fato: - o Palhares atraca a menina e atira-lhe um beijo ao pescoço. Era o canalha. E aí está, num simples lance, toda a sua biografia."

E por que, perguntarão vocês, estou a falar do Palhares? Simplesmente porque o assunto, cunhados e cunhadas, sempre me fascinou. Sempre. Já fui, inclusive, sem qualquer fundamento, e não convém entrar em maiores detalhes, eis que sempre limitei-me aos "obas" imaculados com minhas cunhadas e cunhados ao longo da vida (e estou a falar dos namoros, dos casamentos etc etc etc), vítima de acusações torpes de ser um canalha. Mas jamais o fui, ao menos nesse quesito, como diria o Jorge Perlingeiro.

Mas quero lhes contar de uma Palhares. Isso, isso. Tomemos Palhares como uma definição, como um adjetivo, como um carimbo a atestar a condição de outrem. Não darei nomes a fim de evitar confusões hediondas. Mas vamos aos fatos.

Estava eu no colégio, ainda, com 15, 16 anos. Um colega de turma, um bonitão olímpico, namorava. Vou chamá-lo de Batista. E namorava Linda, que tinha uma irmã chamada Dirce. Ah, os nomes, não se esqueçam, são todos fictícios.

E Batista e Linda estudavam juntos. E moravam perto. E Batista não saía da casa de Linda. E dormia, vários dias na semana, na casa de Linda. Linda e Dirce moravam com a mãe, a quem chamarei de Emilinha, viúva, que por sua vez tinha um namorado, Juiz de Direito, a quem chamarei Cauby. E os jantares na casa de Emilinha, aos quais freqüentemente eu ia como convidado de Linda, eram uma delícia visual e auditiva (a comida era horrível). Cauby jantava sempre de chapéu, e aquilo chocava-me pelo que tinha de antigo e de grosseiro. Cauby numa cabeceira, Emilinha na outra, a mesa retangular austera, Batista e Linda à direita de Cauby, eu e Dirce à direita de Emilinha (construam a cena, construam a cena!). Batista conquistara a confiança absoluta de Emilinha e passara a dormir no mesmo quarto com Linda, como já contei. Um detalhe fundamental para que se compreenda tudo, é que o quarto de Dirce ficava colado ao da irmã.

Como éramos bem garotos ainda, fazia parte da conversa no dia seguinte o relato do dia anterior, em datalhes. E o Batista sempre foi um ourives com as palavras. Descrevia a noite anterior com riqueza de detalhes, as posições, os gritos que ele tentava sem sucesso abafar enterrando o travesseiro na boquinha de Linda, e eu, desde aquele tempo um obcecado pela relações de cunhados e cunhadas, ficava a imaginar as insônias de Dirce, 3 anos mais nova que Linda, sem o passaporte concedido para ter o namorado durante as noites em seu quarto. E Batista revelou-me, algumas vezes, que ouvira gemidos e grunhidos vindos do quarto ao lado, sem dar importância ao fato e eu o inquiria sempre, e a resposta era a mesma. Eles, Batista e Dirce, não passavam de "obas" imaculados.

Vai daí que o romance durou 4 longos anos. E ingressamos na faculdade, e Linda casou-se (ficamos sabendo), e Batista já estava de namorada nova, e nunca mais vimos Dirce.

Uns bons anos depois, diria eu que uns 5 ou 6 anos depois do término da relação de Batista e Linda, saímos, eu e Batista, para um chope na Barra da Tijuca, quando a Barra da Tijuca ainda tinha bares e ainda não era essa Miami odiosa que é hoje. E bebíamos, bebíamos, e jogávamos conversa fora (acabo de me lembrar que saímos aquela noite para afogar a fossa de Batista, que terminara um namoro na véspera), quando Dirce surgiu à mesa. Cumprimentou-nos, de pé (nem a convidamos para sentar), disse um "oba" imaculado para cada um de nós e confesso que não me recordo se falamos sobre ela ou mesmo sobre aquele tempo.

Mas o bom mesmo foi o telefonema de Batista no dia seguinte. Anotem a cena.

Saímos da Barra por volta das 2h da manhã. Subimos e descemos o Alto da Boa Vista em direção à Tijuca. Deixei o Batista em casa e esperei ele entrar no prédio, acenos, e fui pra casa.

Bem, o Batista entra em seu suntuoso prédio. O porteiro lhe avisa que uma moça o espera no hall. E Batista estaca diante da imagem de Dirce estirada no sofá, trôpega e com a fala arrastada. Antes de dar o primeiro pio, Dirce toma-lhe as mãos e o arrasta para a garagem. Posiciona-o atrás de uma pilastra. Abaixa-lhe as calças. E Dirce tem Batista dentro de si, pela boca, por longos minutos. Encerra-se o ato. É Dirce quem suspende as calças de Batista, quem fecha os botões da calça, quem aperta o cinto. Diante dele, boca a boca quase, enxuga os lábios com as costas da mão e manda: "Batista... sofri por 4 anos ouvindo gritos, gemidos, declarações de amor... esperei mais 6 anos, sem que com isso esquecesse de você, a quem sempre desejei com fúria doentia. Eu precisava, entendeu?, eu precisava disso para me vingar daquela vaca a quem sempre invejei."

Mais não disse.

Era a Palhares que floria ali. Batista ainda tentou convencer-me de que ela era louca, que ele havia permitido aquilo por que, sabe né?, Edu..., não dava pra dispensar.

E eu a defendi com unhas e dentes, já que sempre percebera em seu olhar o desejo, a volúpia, a inveja. Não tinha nada de louca, a pobre Dirce. Nada. Era sã, tadinha.

Até.

10.5.05

GUERREIRA, UMA PEQUENA HOMENAGEM


Já que estou, desde 6 de maio, sexta-feira passada, dando galopes em direção ao Passado, provocado a princípio pelas saudades da minha Bia, pelo aniversário do Fefê e, hoje, graças a um email novamente enviado por mamãe, que mais uma vez torno público, e já que se aproxima o aniversário de uma pessoa muitíssimo querida, que se não me provoca arremessos tão truculentos até mesmo porque temos poucos anos de convívio, me traz pra muito perto quadros que assisti e que permanecem em mim, hoje o Buteco ergue os copos à Guerreira.

Primeiro, o email de mamãe:

Edu querido, chorei!!! Que lindo o que escreveu! Essas coisas de bemquerença fazem bem pra gente!! Ter irmão devia ser isso! Encontrar um cúmplice capaz de nem fazer perguntas para ter respostas. Beijos mis.

Que beleza! Mamãe, filha única, incapaz, por isso, de viver a graça do convívio com um irmão, tem, deve ser tão bom quanto, a sorte de uma outra graça que é a de ter gerado dois siameses. E que moderna, minha mãe, mandando beijos mis!, que moderna! Ontem mesmo falei sobre sua elegância, seu grã-finismo, seus modos cada vez mais chiques.

E falar em elegância é lembrar da Guerreira, que ilustra o Buteco hoje. Vejam que capa de Elle! Vejam que elegância! Guerreira, que faz anos no domingo, quando o Buteco não abre, recebe meu carinho por aqui no dia de hoje. Segundo papai, homem de opiniões insuspeitas, a mulher mais elegante e chique depois de mamãe (que também, se ele disser o contrário, coitado...). Segundo os que têm o privilégio do convívio estreito, de um carinho e uma atenção comoventes. Tem a casa mais cheirosa, mais arrumada, os caprichos mais evidentes, tornando sua companhia um prazer quase-indizível. Mas se estava eu a falar dos arremessos, tenho de lhes contar para onde vou nesse momento.

Estou na Farme de Amoedo, com a Dani, bebendo num buteco em frente ao Cardiotrauma, onde esperávamos a Guerreira, que acompanhava a mãe, que estava internada. E a Guerreira surgiu da porta do hospital e atravessou a rua ao nosso encontro naquele passo-a-passo que só as elegantes têm. E sentou-se conosco. E não disse palavra.

Mas seus olhos tinham, eu vi!, eu vi!, e ali eu fui um capaz de lhe compreender a alma, as saudades do pai e o pânico de perder a mãe - que está vivíssima, alvíssaras! - e seus olhos tinham as cores do medo com as tonalidades da esperança, e ficamos, eu e Dani, a lhe acarinhar as mãos geladas que vez por outra iam enxugar as lágrimas, e sem dizer palavra.

Nasceu ali, é preciso que eu confesse isso a ela agora, ou melhor, sedimentou-se ali a minha mais profunda admiração. O sujeito que não tem uma quase-devoção pelos pais - e isso provavelmente é fruto da minha devoção confessa por Isaac e Mariazinha - é um desalmado. E foi um brevíssimo encontro, mas um encontro capaz de tornar a Guerreira uma de minhas preferidas.

Já contei que a Guerreira dirige com a suavidade do leite condensado a escorrer pela colher de sopa, já relatei sobre seus inexplicáveis galopes pelos bares, quando bebe, mas é um galope de puro-sangue, mas não havia contado, ainda, sobre esse episódio, gravado em mim a ferro, fogo, dor e solidariedade.

Por uma dessas ironias, não estarei aqui no dia de seu aniversário. Mas ela sabe - o Otto, por exemplo, é um que sabe dessa mágica que domino - que estarei com ela. Como a festa é à fantasia, estarei ali, como um fantasma, sem ser visto, a lhe dizer do meu carinho e da minha gratidão.

Dirão vocês: gratidão por que?

Ora, pra bom entendedor, meia palavra basta. Aprendi com mamãe a semear as gratidões, e as cenas que vivemos, os momentos que vivemos, os lances que testemunhamos, quando bons, ficam em nós pra sempre e por todo o sempre. Naquele dia, ali, na Farme, sem dizer palavra alguma, Guerreira escreveu uma página dourada no meu livro.

Saúde, minha Guerreira. E meu amor.

Até.

Posted by Hello

9.5.05

FEFÊ É GOIABADA-CASCÃO

Ontem estive com o Fefê para o almoço do dia das mães. E sem querer, eu sei, e justamente num momento em que eu ainda me recuperava do arremesso para 1971, como contei aqui na sexta-feira, ele lança a frase no instante da sobremesa: "Pra mim, a melhor sobremesa do mundo é goiabada com queijo, três talos de queijo amarelo de cada lado, formando um sanduíche com a goiabada, cascão de preferência, no meio".

É preciso dizer que isso foi dito logo após mamãe, chiquérrima, e cada vez mais chique, e cada vez mais grã-fina, oferecer dois tipos de doces, Clementine´s Pudin e uma mousse de goiabada com creme de leite, ambas quentes. Ao chegarem à mesa os doces, papai grunhiu que doce quente não era possível nem tolerável. E Fefê, que as comeu, ambas, soltou a frase depois da última colherada.

O Fefê é a antítese do grã-finismo da mamãe. E quando mandou na lata a frase puríssima, lá estava eu de novo, de short, jogando botão com ele na vila da São Francisco Xavier 84. Enquanto eu engasgava com o pudim, muito amargo, com uma raspa de casca de laranja entalada no esôfago, via-me diante daquele moleque, sempre mais bonito que eu, já, desde garoto, arregimentando um exército de loucas que marchavam em sua direção.

Fefê hoje faz anos, e o dia é, pra mim, mais um dia de atropelos espetaculares. Razão pela qual gravo, novamente, a oração que hoje rezo com o fervor de um pai de filho único, assim mesmo, num ritmo de quem está engasgado ainda com a casca da laranja e com um puta dum cisco no olho: "Sendo eu Flamengo até a alma, tendo o sangue negro a bombear o coração vermelho, preciso de um cigarro e muito calma pra escrever, depois de alguns ensaios diante do espelho, uma frase capaz de lhe fazer compreender a dimensão do amor que me une a você, meu irmão siamês. E vou escrever uma única vez: por você sou vascaíno. Por mais que o tempo passe insisto em vê-lo como um menino, mas o menino sou eu a idolatrar o irmão que é meu maior tesouro, num movimento e num impasse inexplicável do tempo, que dobra as datas e me faz ter nascido depois do seu primeiro chôro. Entre nós dois, pactos de sangue, cumplicidade, cinzeiros cheios, muita cerveja, olhos marejados, samba, mulheres e futebol. Torço permanentemente para que a Vida, a tal senhora por vezes desatenta, atenda minha reza estúpida que pede para que eu jamais lhe sinta a falta. Passarei, como os craques passam, de passagem, deixando com você, como homenagem, meu coração calejado, na colina mais alta, devidamente marcado pela Cruz de Malta."

7.5.05

O EMAIL DE MAMÃE


Não fosse tão cabível, não fosse tão bonito, não tivesse me feito chorar tanto diante do monitor (como ontem), e uma atônita Dani me acarinhava e pedia calma enquanto eu soluçava, e eu não dividiria com vocês o belíssimo email que mamãe mandou-me hoje pela manhã, um sábado, quando o Buteco está, invariavelmente fechado.

Ei-lo:

Caramba Edu!!! Caramba! Chorei feliz por ver o que o tempo fez com você. Preservou o menino poeta que tinha como felicidade o reconhecimento dos pais, avós e bisavó tão presentes. Dia 6 já é esperado o texto, o verso, o poema... O relato da tia Mamaia prova que a sua Bia usa, hoje, outras bocas pra falar com você! Fique atento! Faço da minha, a dela: Deus te abençoe, meu poeta!

Façam uma idéia, façam uma idéia de como fiquei. Vai daí que eu não tive coragem nem de responder o email nem mesmo de bater o telefone pra mamãe. Seria caótico. Ir à sua casa, então, nem cogitei. Papai teria de providenciar uma ambulância.

Razão pela qual segue por aqui mesmo o meu beijo mais doce em você, minha mãe. Prometo que ficarei atento, como você me pede, mas conhecendo-me como você me conhece, eu, um fóbico incorrigível, hei de ter medos tremendos, expectativas intensas, momentos ímpares!

Na foto, vovó, eu e mamãe, em abril de 2005, 34 anos depois da foto amarelada, 34 anos incapazes de apagar nossos sorrisos, o brilho de nossos olhos, e o mistério, sim, o mistério, da integridade intocada da Santíssima Trindade. E reparem minhas mãos, as mesmíssimas mãos do moleque de short na foto de 1971, entre as mãos dulcíssimas das mesmas mulheres. Tenho ou não tenho que ser o obsessivo que sou? Diga lá, meu Otto.

Até.

Posted by Hello

6.5.05

6 DE MAIO


Hoje é dia 6 de maio, dia em que sou sempre, ano após ano, arremessado pelo Tempo, uma de minhas paixões, em direção ao Passado, uma de minhas obsessões, para o colo dela.

As doces figuras hão de me perdoar, mas é bem capaz de que, do monitor diante de cada um de vocês, jorrem as lágrimas que, merda! (e peço desculpas), escapam dos meus olhos.

Foi por isso, foi por isso que hoje de manhã não tolerei a pergunta de uma saltitante Dani, "vamos pra Londres esse ano?", já que a viagem que estou fazendo desde que bati os olhos, ainda secos, na foto amarelada, é para 1971.

Para bem longe de Londres, para bem perto daqui, na Tijuca mesmo.

Hoje é dia 6 de maio e minha Bia, minha bisavó (à direita, na foto), faz anos. Não me corrijam o tempo do verbo. Ela está em mim. Com o mesmo sorriso, com os mesmos cabelos brancos, com o mesmo "papo" que lhe pende do pescoço e que beijo quando estou em seu colo, sentada na poltrona que está hoje aqui em casa, ora fazendo crochê, ora rezando a Bíblia inchada por santinhos que colorem suas páginas.

Falei de sua Bíblia e lembrei-me que nunca mais ouvi o nome de São Curadar, amigo predileto dela.

Estivesse entre nós, não tivesse sido levada em dezembro de 1982, merda de novo, (perdão mais uma vez) e hoje haveria uma festa de casa cheia, com discursos, com Tio Hique, que hoje lhe faz companhia, empostando a voz e começando... "Mamãe...", e nem Fidel Castro faz discursos tão longos quanto os que ele fazia. Com bolo, com velas, com parabéns nas duas versões (e nunca mais ouvi o "hoje é dia do seu aniversário, parabéns, parabéns, fazem votos que chegue ao centenário, os amigos sinceros que tem..."), com coxinhas, risoles, brigadeiros, casadinhos, e os meus olhos, os da foto, que ainda são os mesmos em mim, arregaladíssimos, minhas mãos pequenas segurando a mão mais macia e mais cheirosa que jamais toquei novamente.

Mas diante do arremesso, sinto-lhe as mãos nos meus cabelos, sinto o cheiro de lavanda, vejo as pastilhas Garoto (e nunca mais ouvi falar em pastilhas, bala é tão menos bonito...) sobre sua cabeceira, e somente sua presença intensa, avassaladora e carinhosa dentro de mim, viva, mais-que-viva, sempre-viva, é capaz de explicar o chôro incessante que mistura saudade, felicidade e intenso banzo.

A foto é, pra mim, mais sagrada que a imagem da Santa Ceia. Estou, com 2 anos de idade, junto ao que chamo de "Santíssima Trindade". Minha mãe, que ainda hoje me olha com os mesmos olhos de lambe-cria, minha avó, hoje com 81 anos e pose de rainha, como bem diz meu Comandante, cada vez mais à imagem e semelhança de sua mãe, e ela, dona Mathilde, Pidoca (lê-se Pidôca), minha Bia.

Chamava-me, minha Bia, e assim foi quando falamo-nos pela última vez, minutos antes de sua partida, de "meu poeta".

Ela não sabia - ou sabia?, e se não sabia sabe hoje - que serei pra todo o sempre o seu poeta.

É preciso lhes contar curiosíssimo episódio. É no 6 de maio e no Natal que os arremessos se dão de forma mais pungente. E no Natal de 2004, sem que ela soubesse que eu jamais escrevera um único e escasso verso, Mamaia, tia da Dani, durante a ceia, transida num olhar diferente, chamou-me num canto, abraçou-me, chorou e disse-me baixinho: "Feliz Natal, meu poeta". Façam idéia do que fui ali, naquela hora.

Hoje estou precisando, a fim de ter conforto, repetir o gesto da foto.

Dar a mão direita à mamãe, ter a esquerda entre as mãos de minha avó, para que, com a Bia junto de mim, dentro de mim, eu veja refeita a "Santíssima Trindade".

Até.

Posted by Hello

5.5.05

QUE MESA, QUE MESA!

Ontem estive à mesa, em São Paulo, com três grandes cabeças, grandes cabeças! Fernando Szegeri, a pompa em pessoa, Augusto Diniz, cujo nome jamais esquecerei, e Léo Golla, o Capitão de Pouso da Cajaíba. Estive em São Paulo e não lhes contei uma coisa tremenda. Sempre que vou chegando a São Paulo, dentro de uma aeronave (quase não tenho mais medo algum), assim como fazem os que chegam ao Rio de Janeiro espichando pescoços e olhos em busca do Cristo Redentor, espicho-me todo, aflito, em busca do Szegeri, aquela pompa toda de braços abertos à minha espera, no meio daquele imenso paliteiro que é São Paulo visto de cima. Como jamais o vi, desembarco sempre um tristíssimo turista (percebam como é tijucano sentir-se turista em São Paulo). Como ontem.

Mas fui a trabalho. E que bem sucedido trabalho. Como não quero amolá-los com os que tais da minha labuta, basta dizer que findo o trabalho, fui à comemoração, que era cabível.

E encontrei os três tinindo, no Bar do Giba.

Costumo sempre comparar a performance do sujeito no buteco, a perfomance dos sujeitos numa mesma mesa num buteco, a uma partida de futebol. E que clássico, doces figuras, que clássico houve ontem no detestável bairro de Moema (o bairro é uma chatice, o bar é agradabilíssimo).

Falei do bar e preciso lhes contar como é boa a vida do Moacyr Luz em São Paulo. Há, no Bar do Giba, umas trocentas fotos do Moacyr. Sabe-se lá por quê, não consigo lembrar-me de jeito nenhum do começo do élan (talvez tenha sido a lotação de suas fotos nas paredes), pressionado no fim da noite, o garçom fez uma confissão de arrepiar de inveja um bom bebedor. O bom Môa não deixa um níquel, um tostão furado, um sem-fundo quando vai sozinho ao Bar do Giba. Disse mais. Que o Môa leva gente, e muita gente, ao Bar do Giba, funcionando como um relações públicas informal (eu disse informal e a rima me fez lembrar do Original, onde funciona a mesmíssima regra de rasgar de inveja um bom biriteiro. E no Pirajá também). Nessas ocasiões, quando há uma platéia bêbada em torno de si, o Môa paga centavo por centavo do que consome. Mas quando vai sozinho, e vai bastante sozinho, se menciona pedir a conta com aquele característico gesto quando rabiscamos o nada, garçons, cozinheiros, copeiros, faxineiros, todos urram "ôpa, ôpa, ôpa, o que é isso, Moacyr?". E até o Giba geme, "sem essa, Moacyr". E o Môa ri aquela risada iluminada, que o Szegeri imita tão perfeitamente, mas tão perfeitamente, que quando vejo o Môa rir tenho vontade de lhe dizer, "não imite o Fernando, por favor".

Voltando ao tema.

Batemos um bolão à mesa. E é preciso dizer que todas as mesas do Giba estavam apinhadas de gente. E era essa gente que não conversava, não bebia, não comia, mal piscavam os olhos. Estavam todos, sem uma exceção, admirados da nossa performance. Cada gole do Szegeri era uma tempestada de aplausos. Cada mexidinha no gelo com o indicador que o Capitão impunha ao Buchannan´s era saudada com gritos de "bravo, bravo!", cada espetada no cabrito que veio à mesa fatiado arquitetada pelo Augusto era coberta de "ohhhhs" e "ahhhhhs" admiradíssimos. Cada vez que eu ia ao banheiro, dava autógrafos.

Foi uma noite histórica. Por razões que não convém explicar, maiores e mais detalhados relatos serão fornecidos pela Pompa, no Sódói. Sei que bebíamos, bebíamos, bebíamos, e a embriaguez não chegava nem na esquina. Razão pela qual cada vez estou convencido de que o que embriaga, mesmo, é a companhia, quando é um porre.

Até.

4.5.05

CONEXÃO IRAJÁ

Serei brevíssimo hoje, brevíssimo. Alterando minha rotina - e isso já basta para que eu sue agora como se estivesse terminando uma maratona - estou indo a trabalho para SP. Por isso, já que medos, pânicos, tremores e premonições que me perseguem como a Cuca (acabei de assistir a um VT do Sítio do Picapau Amarelo enquanto corria na esteira na academia, por isso a associação estúpida) me impedem de descer a caneta imaginária no papel também imaginário, quero recomendar expressamente a leitura da Conexão Irajá hoje, com a estréia desse portento, desse sábio, dessa pompa que é o Szegeri a quem pretendo encontrar por lá.

Até.

3.5.05

A ANTI-HOMENAGEM

Preciso lhes contar, eis que é através da imolação pública que expio meus dramas, sobre minha ignorância. Vejam vocês que o bom Szegeri - e não adiantam de nada os muxôxos, os tsc, os balanços das cabeças, falarei sempre dessa impoluta figura - homenageou-me ontem, no fundamental Sódói, com um texto do Otto Lara Resende publicado no livro "Pompas do Mundo". E que coerência, que coerência! Ele, Fernando José Szegeri, é uma pompa! E digo sempre que ele é meu Otto! Que coerência, que beleza como as coisas se encaixam! Isso foi o que eu pensei antes de ler o texto.

Pequena pausa para lhes contar o que acontece quando bato o telefone pro Szegeri e ele não me atende, o que ocorreu ontem à tarde.

Eu não vislumbro a possibilidade dele estar fazendo cocô. Tomando um banho, que seja. Copulando. Trabalhando. Não, não e não. Eu, fóbico incorrigível, carente de bem-querer, sou tomado por um pânico, por um abatimento sem precedentes, e faço 4, 5, 6 ligações seguidas e dou de ouvidos com a secretária eletrônica anunciando que minha chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens, mas a bem da verdade eu é que vou sendo encaminhado para uma depressão irrecuperável diante da solene ignorância à minha ligação. A cena é deprimente. Sento-me, soturno, as mãos em forma de cuia agasalhando o aparelho celular, as lágrimas correndo pela face cavada de medo, e uma pergunta incessante "por que você não me atendeu, Otto?". Eu nunca refiro-me a ele como Fernando, como Fernando José, como Szegeri, nessas horas. Otto é mais musical, daí fico a repetir-lhe o nome, "Otto, Otto, Otto, por que não me atendes?".

Assim como a Iara, minha afilhada, Szegeri apura o massacre sobre minha pobre pessoa e nunca retornou-me uma ligação. Nunca. Vamos voltar ao assunto.

Vai que eu li e reli umas 30 vezes o texto "O Elo Perdido", postado ali em minha homenagem. E eu não me enxergava naquelas linhas. E fiquei pensando nas mensagens subliminares escondidas. E tive vergonha de dizer-lhe isso. E fui sendo cada vez mais perfeito um deprimido. Seriam os nós da minha gravata um verdadeiro lixo? Minhas vertigens nas filas dos elevadores são visíveis? Eu já saí sem meias para o trabalho? Já fui tomado de pavor ao deitar-me sem saber como fazer para dormir? O que tem de mim naquelas linhas, Deus? Aquilo era uma anti-homenagem, um deboche, um escárnio. Um atestado pericial da minha burrice virulenta.

E percebi, subitamente, o que quis dizer-me o bom Szegeri, samaritano, bondoso e doce como sempre: sou um pequeno diante dele. Não deveria, jamais, ter-lhe atribuído a pecha de Otto se eu mesmo jamais mereceria um "boa tarde" do Lara Resende se fôssemos apresentado um dia. E do texto em diante, depois da trigésima releitura, percebi minha verdadeira dimensão. Salva-me a observação da Betinha sobre as coisas pequenas.

Até.

2.5.05

ALGUNS PS´s

PS1: estava ontem no Estephanio´s para assistir Flamengo x Figueirense. Estiquei pra ver Fluminense x Paysandu. De repente, não mais que de repente, quando o tricolor crava 2 x 1, um sujeito à minha frente, e estou imitando deslavadamente o tricolor Nelson Rodrigues, vazando luz, ergue os braços comemorando e vira-se pra mim. Eu taquei-lhe as mãos nos braços e disse, "é você!". Pois é. O tricolor anônimo a quem dediquei o texto "Vence o Fluminense" era ele, Leonardo Huguenin. Trocamos os emails e hoje o cara se viu aqui, no Buteco. Bela figura, bela figura.

PS2: a Betinha, sempre novidadeira, assistiu o jogo comigo, e mais o Flavinho, e mais o Marquinho. Futucava a bolsa o tempo inteiro, fazendo uma espécie de carinho em alguma coisa lá dentro. Fim do jogo e ela saca uma bolsinha minúscula. Em côro a mesa pergunta, "o que é isso?". Ela sorrindo mostra uma espécie de radinho vermelho, luminoso, com pequenos fones, o troço era mínimo mesmo. Flavinho, que hoje mora no Flamengo mas não largou o modo de vida do Cachambi, decretou orgulhosíssimo, "custou mil reais". Desmaiamos todos. Quando voltei à Terra, ela disse docemente... "Gente, não entendo o por quê do susto... quanto menores as coisas, mais valiosas elas são". Fiquei, não sei se vocês hão de me entender, eufórico. Bati o telefone pra Dani na hora: "Gatinha... vem logo pra cá... tenho uma surpresa pra te contar que vai mudar a nossa vida". E quando a Dani chegou dissertei longamente sobre anatomia, sobre minhas vantagens até então motivos de risos de piedade, um troço. Foi preciso que o Flavinho sacasse da pistola para que eu, empolgadíssimo, não fizesse uma perfomance nu sobre a cadeira.

PS3: ontem foi um desses domingos iluminados. O Estephanio´s estava cheio dos amigos. Além dos já citados, Fefê, Cachorro, Dalton, Dedeco, Maria Paula, Fumaça, Guerreira, e tudo foi se anunciando desde a manhã, quando acordei na Barra, já que dormira no sábado na casa da Magali, irmã da Dani. Não sei se já lhes contei, mas só vou à Barra para ver Maria Helena e Ana Clara, suas filhas. Tudo na Barra me enjoa. Daí acordei às 6h e como todos dormiam, fui a uma padaria. Bem, na Barra não tem padaria. Fui a uma delicatessen. Anotem o preço do café da manhã: R$130,00. Comparado com o brinquedo da Betinha, uma promoção. Mas com R$130,00 eu varro toda a padaria Estudantil, aqui na minha esquina. É a way of life da Barra.

PS4: falei no Dalton e preciso lhes contar. Ontem, ele que deixa o Nei Lopes no chinelo em questões de negritude, africanismo e mais que tais, estava luminoso. De arquinho nos cabelos esvoaçantes, guias azuis e brancas pendendo do pescoço, uma camisa com uma imagem tremenda da Iara Mãe D´Água, Dalton dançou afoxé, ijexá, recebeu santo, fez ventar dentro do bar e, sem qualquer explicação aparente, convidou-me para uma cerveja no Grajaú já quase à meia-noite. Com medo, não fui.

Até.