9.5.05

FEFÊ É GOIABADA-CASCÃO

Ontem estive com o Fefê para o almoço do dia das mães. E sem querer, eu sei, e justamente num momento em que eu ainda me recuperava do arremesso para 1971, como contei aqui na sexta-feira, ele lança a frase no instante da sobremesa: "Pra mim, a melhor sobremesa do mundo é goiabada com queijo, três talos de queijo amarelo de cada lado, formando um sanduíche com a goiabada, cascão de preferência, no meio".

É preciso dizer que isso foi dito logo após mamãe, chiquérrima, e cada vez mais chique, e cada vez mais grã-fina, oferecer dois tipos de doces, Clementine´s Pudin e uma mousse de goiabada com creme de leite, ambas quentes. Ao chegarem à mesa os doces, papai grunhiu que doce quente não era possível nem tolerável. E Fefê, que as comeu, ambas, soltou a frase depois da última colherada.

O Fefê é a antítese do grã-finismo da mamãe. E quando mandou na lata a frase puríssima, lá estava eu de novo, de short, jogando botão com ele na vila da São Francisco Xavier 84. Enquanto eu engasgava com o pudim, muito amargo, com uma raspa de casca de laranja entalada no esôfago, via-me diante daquele moleque, sempre mais bonito que eu, já, desde garoto, arregimentando um exército de loucas que marchavam em sua direção.

Fefê hoje faz anos, e o dia é, pra mim, mais um dia de atropelos espetaculares. Razão pela qual gravo, novamente, a oração que hoje rezo com o fervor de um pai de filho único, assim mesmo, num ritmo de quem está engasgado ainda com a casca da laranja e com um puta dum cisco no olho: "Sendo eu Flamengo até a alma, tendo o sangue negro a bombear o coração vermelho, preciso de um cigarro e muito calma pra escrever, depois de alguns ensaios diante do espelho, uma frase capaz de lhe fazer compreender a dimensão do amor que me une a você, meu irmão siamês. E vou escrever uma única vez: por você sou vascaíno. Por mais que o tempo passe insisto em vê-lo como um menino, mas o menino sou eu a idolatrar o irmão que é meu maior tesouro, num movimento e num impasse inexplicável do tempo, que dobra as datas e me faz ter nascido depois do seu primeiro chôro. Entre nós dois, pactos de sangue, cumplicidade, cinzeiros cheios, muita cerveja, olhos marejados, samba, mulheres e futebol. Torço permanentemente para que a Vida, a tal senhora por vezes desatenta, atenda minha reza estúpida que pede para que eu jamais lhe sinta a falta. Passarei, como os craques passam, de passagem, deixando com você, como homenagem, meu coração calejado, na colina mais alta, devidamente marcado pela Cruz de Malta."

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