23.5.05

UM CASAMENTO MEMORÁVEL

Vamos deixar um pouco de lado as histórias do Batista - que são muitas, muitas!, vocês não fazem idéia - para que eu possa lhe contar lances de um casamento. Lances reais, realíssimos, eu estava lá e posso lhes atestar que tudo o que lhes contar é rigorosamente verdadeiro, não cabendo em mim a pecha de exagerado, usualmente merecida, mas não dessa vez. Foi na semana passada.

Cerimônia civil, apenas. No playground de um edifício grã-fino em Copacabana. Não vou lhes dizer o nome dos noivos para evitar constrangimentos. Foi numa sexta-feira. Às sete da noite. Construam, a partir daqui, o cenário.

Estão construindo? Edifício grã-fino. Copacabana. Sete da noite. Um calor senegalês.

Pois bem. Mantendo a tradição da Tijuca, chegamos eu e Dani às sete da noite em ponto. Estávamos com fome e a promessa de um bufet de primeiríssima nos fez não atrasar um mísero segundo, é sempre assim para quem é da Tijuca. Devo dizer que a Dani não é da Tijuca, mas de Volta Redonda. Ocorre que o que diferencia Volta Redonda da Tijuca é apenas o ar siderúrgico, no todo somos rigorosamente iguais.

Vamos ao cenário que encontramos. Ah, ia me esquecendo de lhes contar que a Dani é a madrinha. E fundamental esclarecer que eu não sou o padrinho. Sou apenas um fotógrafo, cargo que aceitei após um pleito do noivo formulado por email. Não, não foi por email. O noivo bateu o telefone pra mim e eu disse sim, aceito.

No playground, apenas o noivo, o DJ, os garçons e a responsável pelo bufet presentes às sete da noite. Recebeu-nos o noivo com um efusivo "eu sabia que vocês seriam os primeiros!", atestando a força das tradições tijucanas. E fui ao banheiro. Fiz meu primeiro xixi da noite, dei descarga, pus-me diante da pia, ejetei sabão líquido nas mãos e abri a torneira. E nada de água. Senti-me o próprio Peter Sellers. Limpei o sabão com toalha de papel, mas dali em diante eu tive uma certeza bíblica: a festa seria um furdunço sem igual.

E foi. Vejamos.

Quando saí do banheiro (eu levei uns 15 minutos tentando encontrar, de quatro, o registro da água) o salão estava lotado. O noivo pra mim: "A Dra. Vitória está atrasada.". Pronto. Não sei se vocês conhecem a Dra. Vitória. Juíza de Paz, casou o Borba Gato, celebrou o casamento de Pero Vaz de Caminha, foi madrinha de batismo do Chacrinha e é de uma antigüidade visual espantosa. E tem como característica atrasar-se ferozmente para seus compromissos. Eu previa uma tragédia alcoólica, vocês hão de entender.

Proseco e uísque brotavam das bandejas como água da fonte numa estância hidromineral. Eu, fotografando, ia devagar com o BlackLabel, e percebia as pessoas bebendo como se estivessem com uma sede de dias.

Passo pela noiva: "Edu, vá servir-se... os convidados estão meio tímidos..., me dê esse help.". Eu preciso dizer que ainda não havia visto a mesa. Se a tivesse visto, estaria já, àquela altura, afrontado, já que perco o controle nessas ocasiões. Fui à mesa. E a cena.

Como javalis na savana, os convidados correram em fúria etíope em diração à mesa. Toda a elegância se esfumava. O relógio já marcava oito horas. E nem sinal da Dra. Vitória.

Volto à noiva, já descalça e coçando um calo nítido e resplandecente: "Meus pés estão doendo... obrigado pelo help... viu como era timidez?".

Dani, Guerreira, Maria Paula e Giulia, já nitidamente alteradas, dançavam ciranda em torno da gangorra do playground, e minha previsão estava se realizando.

Nove horas.

Entra um sujeito mais suado que o Idi Amim Dadá num verão de Uganda.

O noivo: "Chegou o secretário da Dra. Vitória. Ela vai se atrasar um pouco.".

A rodinha de ciranda agora acontecia em volta dos balanços, e num dos balanços, a noiva, descalça e com as solas dos pés negras como a pele do secretário da Juíza. Disse-me a noiva: "Edu, dá um help aqui pra mim e empurra o balanço?".

Voltei os olhos para a mesa do bufet. Eu só via garfos, facas, mãos, braços e cotovelos num movimento frenético, como se escavassem a mesa (os canapés estavam sendo repostos mas nada dava conta da fome coletiva). A responsável pelo bufet suava como égua na reta final atropelando a barbada.

O noivo: "Edu, dez horas.". Disse isso e riu. Riu por que estava bêbado de forma olímpica. Aproxima-se o secretário da Dra. Vitória: "Senhor, com licença... neste estado a Juíza não lhe casará...". O noivo virou o proseco num só gole, arrotou e disse apenas "Foda-se".

Dez e meia. E eis que surge a Dra. Vitória. Um convidado, com os botões da camisa abertos e a gravata enlaçada na testa, gritou: "Porra, a Hebe foi convidada?". Houve um guincho coletivo, madrinhas e padrinhos esgarçavam a pele de tanto rir, a noiva calçou-se, o noivo cambaleante tomou-lhe pelas mãos e a cerimônia vai começar.

Um silêncio de São João Batista no dois de novembro pesou no recinto.

A Juíza, já com a toga azul-turquesa: "Por favor, senhores, vamos pôr os copos e as taças sobre a mesa... estamos iniciando um ato jurídico perfeito.".

O sujeito com a camisa aberta e a gravata na cabeça, de voleio: "Ato jurídico perfeito é a puta que te pariu... perfeito seria se fosse às oito horas.".

A Juíza pigarreou, assistiu atônita uma série de tim-tins pela felicidade do noivos - os garçons prosseguiam servindo bebida aos convidados -, fez que não ouviu o gracejo e começou: "Hoje estamos assistindo a uma união...".

O mesmo cara: "Cala a boca, vaca! Eles já moram juntos há muito tempo...".

Mais guinchos. A mãe do noivo e o pai da noiva choravam abraçados (eu acho que de desespero).

Maria Paula e Dani, madrinhas, lado a lado, jogavam cama-de-gato com uma fita de presente e os respectivos padrinhos, purrinha. A Juíza: "... estamos assistindo a uma união entre dois seres humanos que...".

O malandro: "Puta merda, meritríssima... é óóóóóóóbvio que são seres humanos, animal!!!!! Onde é que tu se formou?".

A Guerreira galopava em volta da mesinha que fazia o papel de altar gritando "burra, tãtãtã, burra, tãtãtã, burra..." com uma taça de proseco em cada mão...

A Juíza fechou a cara. Seu secretário tomou a pastinha de veludo vinho sobre a mesa com a certidão e ameaçaram sair. Um outro padrinho, cujo sugestivo apelido é AR-15, dando uma de Flavinho, sacou de uma pistola e forçou Dra. Vitória a celebrar o casamento, o que ela fez em segundos, tomando a assinatura dos noivos e dos padrinhos (eu li, eu li! uma assinatura onde se via Pato Donald escrito). Antes de partir pela porta dos fundos, a Juíza foi atacada pelo pai da noiva, num pescoção, que pedia, sem êxito, para que ela celebrasse o casamento de seu filho com uma das madrinhas, "uma morena de encher os olhos", como repetiu-me durante toda a noite.

Um detalhe: os amigos do noivo, por engano, pintaram, penduram latas, puseram barbantes coloridos, espuma de barbear e purpurina no carro.

Da Juíza, não do noivo.

A essa altura da festa, os condôminos, incitados pela síndica, vaiavam a festa das janelas, numa delícia sonora impressionante.

Guerreira, louquinha por doces, comeu por engano os bonequinhos de massa comestível que enfeitavam o bolo, e vomitou, pouco depois, sobre a mesa de som do DJ que, revoltado, sentou o pau no funk o resto da noite. Guerreira aprontou outra: um dos convidados usava um colar ortopédico. Pensando tratar-se de um enfeite, Guerreira atracou-se com o sujeito em determinada altura e tentou, e o pior que com êxito, arrancar o aparelho do pescoço do coitado. E galopou em fúria eqüina com aquilo pendurado em seu pescoço gritando, "Gente, olhem minhas rédeas, olhem minhas rédeas!".

A festa foi até às sete da manhã, quando noivo e noiva partiram para excitante lua-de-mel no Caribe.

Até.

5 comentários:

Anônimo disse...

Que situação, heim Edu!!! O mais importante é que a felicidade estava e está presente em todos vocês.

Um abração

Leo

Anônimo disse...

Edu,

Fazia muito tempo que eu não ria tanto como com esse texto. Esse casamento foi gravado?

Marcão

Anônimo disse...

É, confrade, parece que a escumalha está abrindo uma sucursal na zona sul. A guerreira dizendo "burra, tãtãtã, burra, tãtãtã, burra..." para a juíza, é digno de nota no quesito esculhambação.

Eduardo Goldenberg disse...

Marcão, foi gravado. Se o noivo autorizar, faremos uma première do filme no Estephanio´s.

Anônimo disse...

Aposto que a gravação é menos engraçada do que seu texto. Mas mesmo assim não quero perder essa première por nada.