4.7.05

DOIS ENCONTROS NUM SÓ FINAL DE SEMANA

O sábado e o domingo foram para mim uma surpresa só. Aliás, quero me corrigir. Foram duas surpresas em forma de gente. E agora quero explicar.

Vamos primeiro ao sábado, até mesmo porque o sábado vem antes do domingo. Às 10h de sábado, um sol de rachar, estava eu num local que abomino com todas as forças, as que tenho e as que não tenho: dentro de um shopping. Fui levar Dani ao trabalho, no RioSul, e como tínhamos um almoço ao meio-dia ali perto, resolvi gastar as duas horas que tinha livres caminhando pelos corredores abomináveis do shopping. E como é abominável um shopping. Escadas rolantes, piso frio, ar-condicionado polar, praças de alimentação (o nome é odioso), lojas, lojas, lojas, e eis que diante de mim vejo o Neco. Pausa para apresentá-lo a vocês.

O Neco não é um homem. O Neco é uma boca. E uma boca sempre com um sorriso com 300 dentes reluzentes à mostra. O Neco é amigo de infância da Dani, de Volta Redonda, e estava ali, o Neco, quero dizer, estava ali, aquela boca de braços estendidos em minha direção gritando uns "ôbas" festejando o encontro, tapinhas nas costas, beijos, e perguntou-me o Neco: "Qual é o dia bom do Estephanio´s?", e eu ria de fazer parar os transeuntes. E quero lhes explicar o por quê de minhas risadas histriônicas. Antes mesmo de conhecer a boca, as pessoas já me diziam, "O Neco é um troço com compromisso. Marca encontros com você, marca data, marca hora, e jamais aparece!". E a verdade é essa. Desde que nos conhecemos, Neco já marcou comigo jantares, cursos de culinária, shows, peças de teatro, visitas a museus, praia, e jamais apareceu o Neco (e eu fui um pontual em todos os compromissos, esperando, em vão, a presença de seu sorriso). Um dia recebemos, eu e Dani, o convite do casamento do Neco. E nas esquinas, nos bares, nas ruas, no metrô, no Laranjal, na coqueria da CSN, uma só pergunta ecoava: "O Neco irá ao próprio casamento?".

E foi o casamento mais concorrido que jamais vi. Amigos de infância, professores, parentes, os pais, os sogros, a própria noiva (que chegou antes do noivo, num ineditismo impressionante), todos cochichando entre si, fazendo apostas, empenhando palavras, até que surgiram, entre as árvores daquele jardim suspenso na Gávea (foi na Gávea, o casamento, num jardim belíssimo), os 300 dentes do Neco, numa felicidade olímpica. O único compromisso a que não faltou, o bom Neco.

E não lhe respondi nada quanto ao Estephanio´s. Ri. Apenas ri (e senti-me humilhado enquanto sorria, eis que meu parco sorriso é banguela diante da arcada do Neco). Lanço, daqui do Buteco, um desafio a ele, que fez questão de me mostrar, duplicando o número de dentes do sorriso, meu próprio telefone gravado em seu celular, como quem dizia, "vou te ligar, Edu". Uma vez mais, aguardarei a aparição do bom Neco. E tendo falado do Neco, quero lhes contar do encontro de domingo.

Almoçamos, eu e Dani, no Bar do Mineiro, em Santa Teresa, na companhia da Guerreira e do Augusto que, diga-se, mal comeram, eis que só tinham mãos um para o outro, numa afagação mútua dos dedos de causar "ohs" e "ahs" em toda a clientela. Mas não é deles que quero falar. Saímos do Bar do Mineiro, eu e Dani apenas, em direção à casa da Betinha e do Flavinho, no Flamengo. E lá encontramos o Marquinho e o Alexandre. Mas antes de chegarmos ao apartamento, ainda na portaria, um estrondo colossal fez tremer as pilastras do edifício e quicar o porteiro que ressonava diante do interfone. Subimos com receio, pelas escadas. E entrando no apartamento, outro estrondo. E incrédulo eu vi: era o Alexandre, a quem fui efusivamente apresentado pelo Flavinho, que pigarreando fazia tremer todo o bairro.

Baixinho, atarracado, como diria minha bisavó, pesando 115kg, no primeiro abraço o Alexandre quebrou minha quarta costela. E assistimos o Flamengo perder para o Atlético Mineiro. E abateu-se sobre nós a tristeza da derrota. Mas por pouco tempo.

O Alexandre sacou de uma bolsa plástica da Sendas umas cinco ou seis fitas de video-cassete. Pigarreou e quebrou duas tulipas cheias de cerveja. E pôs a primeira fita para assistirmos. Era o que ele chamou de antídoto. Video-tapes de jogos históricos do Flamengo da década de 80. E fomos uns malucos gritando palavras de ordem, comemorando os gols como se os jogos fossem ao vivo, e aquele gigantesco Alexandre pôs-se a chorar como uma criança diante da TV. Um nostálgico, definiu-se. Até que tocou o telefone.

Flavinho atendeu. E passou o aparelho pro Alexandre, ainda em prantos. Era sua mulher. Só ouvi isso: "Não, não vou demorar. (...) Arrã... (...) Estamos eu, Robertinha, o Tigre (outro apelido do Flavinho), o Marquinho, o Edu e a mulher dele... (...). O Edu é um irmão do Tigre e a partir de hoje, meu irmão também. É. (...) Beijo, não demoro.".

Cravou-se em mim, ali, naquele instante, a certeza de que o Flamengo, muito mais que um clube é uma religião. Despedimo-nos (e ele quase sufucou-me num abraço intenso) e voltamos pra casa, eu e Dani, festejando o encontro. Perdeu o Flamengo, ganhamos nós.

Até.

3 comentários:

Anônimo disse...

Quando ouvi a crônica do Nelson Rodrigues - na voz do Pereio - em que ele definia o flamenguista como um sujeito que na derrota grita, xinga, treme, revira os olhos, geme como um César apunhalado, já deveria saber o que ocorreria. Enquanto passavam as fitas nós usamos todos os palavrões que eu conheço, choramos quando o Mozer chorou em uma entrevista, vibramos a cada gol do galinho, cada drible do Leandro. Foi uma tarde memorável, com toneladas de cerveja, amigos preciosos e a alegria que não temos mais no futebol

Anônimo disse...

Agora entendi a vontade do Augusto de vir ao Rio no próximo fim de semana, e parece que no outro também, e no outro, e no outro... Edu, o cupido da Aldeia Campista! (... pausa para ouvir o palavrão do seu Osório: é VILA ISABEL PORRA!)

Anônimo disse...

Lendo o comentário do Xerife, Tigre, Flavinho, enxerguei lá no fundo como são biltres aqueles que não dão o verdadeiro valor as palavras sinceridade e amizade!
Parabéns! Realmente deve ter sido uma tarde memorável, a qual, todos, um dia, irão contar aos seus filhos! Afinal, com os atuais jogos do Flamengo o que resta é pegar as fitas do Alexandre e fazer diversas cópias para os amigos!