11.7.05

O GUARDA-ROUPAS DO DEDECO

Meu bom Flavinho, o Xerife, alcunha registrada pelo meu irmão Szegeri, um apelidadeiro de mão-cheia (foi quem criou o Sorriso-Maracanã pra Dani, o Sorriso Via-Láctea pra Lelê, entre outros tantos), quando comentou sobre a indumentária do Dedeco, no texto de sexta-feira passada, tascou-lhe a pecha: "espírito sem luz". E eu, um curioso pós-graduado, convoquei o Flavinho pra uma cerveja em Santa Teresa, na própria sexta-feira. Antes mesmo de sentar-me, o bom Xerife já me aguardava, eu já implorava com devoção, "conte-me tudo, conte-me tudo, por que espírito sem luz?". E o Flavinho riu. Apenas riu. Com as mãos, fez o gesto para que eu me sentasse. Pediu duas cervejas Erdinger que vieram à mesa em copos colossais. Ergueu um brinde e somente depois do primeiro gole, que deu-lhe bigodões brancos de espuma sob o nariz, disse-me: "O Dedeco, Edu, o embusteiro do André Menezes, está, nessa nova fase que inclui ternos e viagens a Petrópolis, tramando alguma coisa. Vá por mim. Uma meia-dúzia de cervejas me fará compreender sua trama. Tenha calma.".

E chegaram a Betinha, a Dani, a Guerreira, a Cacau, a Ângela e a Fumaça.

Antes de prosseguir preciso lhes falar da Cacau.

É a moça mais lavada que conheço e preciso explicar.

Se me pedirem uma definição da Cacau eu digo sem pestanejar, "uma mulher limpa, lavada, enxaguada, alva, cheirosa", e ninguém compreenderá nada, suponho, mas é o que veio à minha mente quando a vi entrar no bar. Ela tem, não sei se me entendem, o aspecto do asseio mais possível, a aura do shampoo mais caro, o frescor de tonéis de Listerine, capaz de fazer um cego gritar "que moça limpa!". E isso ficou ainda mais evidente diante do quadro sujo que o Flavinho pintava sobre o André. Mas vamos em frente.

Quando a Guerreira notou que falávamos sobre o André, ela disse, num suspiro (também com bigodões de espessa espuma): "Vocês tinham que ter visto o André no Belmonte na terça-feira, no aniversário da Deyse... de terno, gravata, um guarda-chuva imenso (não estava chovendo na terça-feira), lindo de morrer...", e isso bastou pra que o Flavinho dissesse, "viu?".

Ora, o Dedeco apareceu na quinta-feira, no Estephanio´s, exatamente conforme a descrição da Guerreira. A diferença é que na quinta-feira chovia, o que dava ao guarda-chuva um papel compreensível naquele cenário fashion do embusteiro.

E o Flavinho, investigando... "Guerreira... ele disse por que estava de terno?", e ela, com os bigodões ainda mais definidos, fazendo bolhinhas quando respirava, "Disse que estava vindo de uma reunião em Petrópolis.". Exatamente como na quinta-feira.

O Flavinho já era, àquela altura, um excitado diante do evidente êxito de sua linha de investigação.

Pediu uma porção de bolinhos de carne e com os cotovelos cravados na mesa esticou o pescoço pondo a boca em meus ouvidos, espetadíssimos em sua direção: "Porra, Edu... Petrópolis, terno, gravata, guarda-chuva, tem merda nisso. O André sempre foi um relaxado.".

Flavinho fez sinal com a cabeça e convocou-me pra calçada. Tomou o celular do bolso e discou pra alguém (notem que o verbo discar aplicado ao celular me transforma quase que numa múmia). Eu só o ouvia, obviamente: "Alô? Barroca? Fala, meu nêgo. Não diga a ninguém que esteja a seu lado que sou eu... (...) Você sabe do André? (...) (nesse momento o Flavinho relinchava de rir) Ele explicou-se? (...) Depois falamos. Beijo. Não diga que era eu.".

Levantei o Flávio do chão. Meu bom Xerife estava de joelhos dando soquinhos da calçada, quase sem conseguir respirar de tanto que ria. Eu: "O que foi?".

"Edu... o André Menezes, nesse momento, está bebendo cerveja com o Barroca no Triângulo das Sardinhas. De terno, gravata e de guarda-chuva (não estava chovendo de novo, o que dava um tom senil àquela figura torpe). E disse que estava chegando de Petrópolis.". E não conseguia parar de rir, o Flávio.

Encasquetei-me com aquilo. Terça, quinta e sexta-feira, e o Dedeco aparece em três lugares diferentes, encontrando pessoas diferentes, com a mesma roupa e com a mesma cidade no bolso, Petrópolis. "Vamos à mesa, vamos à mesa", disse-me o Flavinho recuperado dos guinchos, mais ainda arroxeado pela iminente falta de ar.

"Edu, tem mulher na parada. Não é possível. O André não dá ponto sem nó.", disse o Flavinho com a boca tomada por um bolinho inteiro.

Toca o celular da Guerreira. Um olhar meu de esguelha e eu vi "Dedeco" piscando no azul-neon do aparelho. "Não diga que está conosco, Guerreira. Diga que está no supermercado, fale no viva-voz.".

"Alô?"

"Oi, amoreco"

"Fala, Dedeco..."

"Onde você está?"

"Na Sendas, no Largo do Machado, e você?"

"Na rodoviária, acabei de chegar de Petrópolis... vamos beber um chope?"

"Hoje não dá, tô morta..."

"Pena. Queria eu mesmo matá-la..." (e riu, o deselegante Dedeco)

"Beijo, Dedeco. Falamos amanhã."

E o Flávio urrava de rir com as mãos postas diante da boca, contendo o riso e o arremesso de restos de bolinho de carne. Contou sobre o telefonema com o Barroca. E a mesa, inteira, foi uma espécie de tabuleiro de "Detetive", vejam aí minha antigüidade estampada de novo.

Toca o meu celular. É o Dedeco. Não tenho viva-voz, mas descrevi o diálogo...

"Fala, Dedeco!"

"Faaaaaaaaaaaaaala, Edu... onde é que tu tá?"

"No Rio-Brasília, com a Dani... e você?"

"Acabei de chegar de Petrópolis de helicóptero, tô na Lagoa, no heliponto... posso ir praí?" (e eu ouvi um grito do Dedeco)

"Não, querido, já estamos indo pra casa, falamos amanhã. Que grito foi esse?."

"Espetei-me com a ponta do meu guarda-chuva e rasguei a lapela de meu paletó. Beijo."

E os uivos foram ainda mais intensos quando terminei.

O quê, meu Deus, estará tramando esse ser das trevas?

Até.

2 comentários:

Anônimo disse...

É triste admitir, mas não reconheço mais o meu bom amigo nesse mitômano-mor que o André se transformou. Aos poucos a verdade aparece, nos dando a dimensão do quanto pode descer um homem na sua busca insaciável por mulheres. Esse cafajeste do subúrbio usa mentiras cada vez mais elaboradas e os detalhes cooperam para as arapucas - ajudadas por alcool e carência - que tantos estragos tem feito nas hostes femininas. A triste conclusão é que o André virou uma espécie de leviatã da Aldeia Campista.
Se eu fosse mulher teria medo das esquinas mal iluminadas de Vila Isabel, onde o crápula exercita sua lascívia e sua sordidez.

Anônimo disse...

Só um detalhe, o Edu foi preciso como um relojoeiro suíço na narração dos tristes eventos que envolveram o André e sua vileza na última semana.