12.8.05

PIEDADE

Há aqueles ditos populares que dizem que o Sargento Garcia jamais prenderá o Zorro, que uma vaca jamais tossirá etc etc etc. E há, no Estephanio´s, aquela inapelável verdade: o Dedeco jamais namorará. E eu, ouvindo esse vaticínio, trepo no banquinho imaginário e urro "jamais mesmo! jamais mesmo! jamais mesmo!". Pois bem.

Estava eu, ontem, justamente no Estephanio´s, na companhia da Guerreira, do Flavinho, da Betinha e do Marquinho, assistindo ao jogo do Flamengo.

E eis que entra o Dedeco no bar.

A tiracolo, vejam vocês, uma moça. Quando eu digo "a tiracolo", quero dizer de mãos dadas. E os nossos dez olhos deixaram a TV órfã. O Flavinho, cuspindo o chope que tinha no palato sobre a mesa, pôs as duas mãos sobre meus ombros e disse, "meu Deus... essa é a namorada do Dedeco...". Eu, solidário no susto, cuspi sobre a mesma poça de chope o chope que tinha na boca. E eu só fui capaz de dizer um "o quê?!" que foi ouvido de muito longe.

Vejam que eu estou tentando ser fidelíssimo ao baque coletivo. Minha cabeça, que deu voltas e voltas diante da visão do improvável, gerou uma visão ainda mais absurda. O Juiz que apitava o jogo interrompeu a partida. O narrador emudeceu. A torcida vaiava o Dedeco. E eu fiquei ali, olhos cravados no André Menezes, esperando sua reação. Percebam que tudo isso, a entrada do André Menezes no recinto, as golfadas de chope, o susto coletivo, tudo isso se deu em poucos segundos. E veio a mim o André. Sozinho.

Abraçou-me e percebeu, sei que percebeu, a temperatura siberiana do meu corpo. Disse-me apenas um "faaala, Edu!", como sempre, e mais nada. Depois fez um gestinho com o indicador chamando a moça. E disse-lhe apenas o nome, mais nada (não direi seu nome aqui).

E foram, os dois, a uma outra mesa.

E eu pro Flavinho: "Tem certeza?"

"Absoluta."

"Mas ele não disse nada..."

"Vergonha. Ele é um tímido."

E quero dividir com vocês as cenas de náusea.

O Flamengo perdia de um a zero e eu não vi, nem quando passou o replay, o gol de empate do Flamengo. Só tinha olhos para aquela mesa.

Dedeco, como um autômato, alisava as costas da moça com a mão direita, que ostentava um anel de prata no dedo médio. E ela, tadinha, daí o título "PIEDADE", sorria revirando os olhinhos atrás das lentes dos óculos embaçados, já que o Dedeco lhe dizia coisas que eu não entendia enquanto punha seu nariz em atrito com o nariz da menina e o Flavinho, incrédulo, me dizendo, "putz... beijinho de esquimó é demais...".

E a mão esquerda do embusteiro entrelaçada com a mãozinha da menina sobre seu colo.

Os garçons, Erasmo, Léo, Maurício, guinchavam de rir no balcão do bar, apontando acintosamente pro casal. A Guerreira e a Betinha teciam comentários que eram, obviamente, sobre aquela cena deprimente. O Marquinho, que tem no André uma espécie de guru, o que faz dele um garoto de futuro sombrio, babava como um desdentado com fome quando fica com água na boca e, logicamente, deixa pender aquele visgo de saliva pelo queixo.

O André, biltre em último grau, sorria em direção a mim e fazia, com a mão que afagava a região dos pulmões da moça, aquele gesto que imita um ganso mergulhando a cabeça na lagoa, causando-me ainda mais repúdio.

Tive ímpetos de ir à mesa falar com ela. Impediu-me o Flavinho, com uma frase sábia: "Deixa, Edu. Vamos ver que direção toma esse trem. O que não vai faltar é história pra você contar depois.".

E não fui, então, à mesa.

E saí sem me despedir do casal.

Até.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sinceramente, os nossos olhares bovinos para aquela cena lasciva, lúbrica, que beirava a indecência, foram decorrentes do choque com a desfaçatez desse espírito sem luz chamado André Menezes. Temo pela pobre moça, com cara de séria, digna, que se deixou levar por esse tarado.
Mais uma prova que o André não tem limites quando o assunto é papar a próxima vítima.

Szegeri disse...

Coitado desse pessoal...

Anônimo disse...

Edu, ao contrário do nosso pobre Flamengo, você está batendo um bolão! Parabéns mais uma vez.

Anônimo disse...

Acabei de receber um e-mail com um Pensamento do dia.

Vejam se não é perfeito para o Dedeco:

"O homem é o único animal que consegue estabelecer uma relação amigável com as vítimas que ele pretende comer"

Eduardo Goldenberg disse...

Flavinho e Szegeri, manterei a todos informados sobre o destino do pessoal de ontem, que eu tenho certeza de que é mais passageiro do que gripe.

Betinha, querida, obrigado. Mas você é suspeita.