18.11.05

ARREMESSADO, DE NOVO, AO PASSADO

Na foto ao lado, de pé, no meio, trajando camiseta branca, meu pai. A foto foi entregue ao meu velho na semana retrasada, no Estephanio´s, quando os colegas do Instituto La-Fayette reuniram-se para beber (o papo de reencontro era pura balela). Beber do passado, obviamente. E papai mandou-me a relíquia por email ontem à noite. Bastou.

Foi cravar os olhos na foto e pronto. Lá estava eu de bermuda, camiseta listrada de mangas curtas e sandália marrom, de couro (Ortopé, salvo engano), arrastado pelas gigantescas mãos de meu pai em direção à Avenida Presidente Vargas, no carnaval, pra ver de perto os carros alegóricos do Bafo da Onça, do Cacique de Ramos e, eventualmente (duvido que fosse mero acaso), aquelas mulatas de biquini, suas coxas e seus seios, moldando meu caráter, construindo meu edifício e me deixando ansioso pelo porvir.

Vejam bem. Eu ando, como dizer?, um tanto quanto emotivo. É o livro que vem nascendo, é a Dani de trabalho novo viajando horrores e me deixando sozinho e com medo (tenho medos horripilantes de fantasmas), é o casamento do meu irmão Szegeri com minha irmãzinha Stê chegando, e eu fui um sujeito de visão embaçada diante do instantâneo em branco e preto. E eu, que ainda não conheço os passos dessa estrada, que penso que talvez tudo dê em nada, e sem saber de cor os segredos, fiquei diante da fotografia cravando os olhos nos olhos pouco nítidos (na fotografia) de meu pai.

Eu grifei entre parênteses o "na fotografia" porque estou pra ver um sujeito com olhos mais nítidos que os de meu pai.

Há - ou não há? - esse papo de que o pai é sempre o herói do menino. Mas nem sempre é assim. Ouço, demais, queixumes de gente à beça contra o próprio pai. Blasfêmia pura.

Eu, que como todo homem, quando menino, sonhava em ser grande o quanto antes, sou cada vez mais o menino. E arde em mim a chama heróica de meu pai. E aí, enquanto mantinha cravados os olhos na fotografia, eu saía da Presidente Vargas e ia com meu velho, sempre com a mão tomada por suas mãos imensas, comer cachorro-quente da Geneal na Rua Barão de Itapagipe, ver o Flamengo nas cadeiras azuis do Maracanã, cortar o cabelo no Jarbas, na Praça Afonso Pena.

Olhava pela janela, à minha esquerda, diante do monitor, e era alta madrugada. Mas fazia um sol intenso enquanto eu passeava com meu velho pelas ruas da Tijuca, outra paixão fulminante que carrego comigo. Obra dele, outra vez, arquiteto de mim.

Delírio?

Não.

Mas pus o termômetro digital que roubei monumentalmente da Betinha (nunca vou te devolver, tá?) e estava febril.

Senti um cafuné na nuca e era ela. Minha bisavó.

Sorri pra ela e mostrei-lhe a foto de meu pai. Ela sorriu de volta - eu estava com um cigarro aceso - e quando ia dar-lhe um beijo no rosto a vi transformar-se na fumaça que eu expeli depois de uma tragada olímpica.

O quarto cheirava à água de colônia.

Ainda com os olhos nos olhos dele, ouvi uma tremenda algazarra vindo do meu quarto. Levantei-me e havia cinco ou seis curumins dançando a dança da chuva em torno da cama, e chovia tremendamente no lado da cama onde dorme a Dani.

Voltei, deixei os indiozinhos brincando e papai falava comigo pela fotografia, mas a barulhada que os curumins faziam não me deixava entender nada.

Daí fui dormir, e os guris foram de um respeito comovente comigo e com meu sono.

Esqueceram seis pequenas flechas na mesinha de cabeceira. Três ficarão comigo. Três darei a meu pai.

Até.

16 comentários:

Anônimo disse...

Du , não faz isso não !!! Vais matar o " seu velho pai " de emoção.......pera aí....velho não , garotão.....rs..rs..Du , obrigado tá.....te amo !! bjs...

Anônimo disse...

Edu e "seu pai", o texto é emocionante para qualquer pai.

Gosto sempre que você vai ao passado.

Um abraço e parabéns ao filho pelo pai e ao pai pelo filho.

Anônimo disse...

Ah... Papaaaaaaaaaaai!!!! Prrrrrrrrrrrrrrrrrr....

Anônimo disse...

Edu vira e mexe eu digo que vc pinta como ninguém quando escreve. Mas ainda não te disse o que vou te dizer agora, até porque nunca tive coragem ou oportunidade de dizer o que vc disse ao seu pai através desse texto. Eu tô pra ver alguém com tamanha capacidade de fazer o leitor rir e chorar, chorar e rir, gargalhar da piada, engasgar com o chôro, como você. Gênio, genial, fantástico e impressionante. Seu livro vai arrebentar eu não tenho a < dúvida. E virão outros. Ou sua editora amarra seu passe ou você vai ser disputado a tapa em leilões! Ah ah ah ah ah! Muito bom cara. MUITO BOM!!!!! Tivesse eu uma editora e contrataria você, um cara brilhante. Quantos anos você tem Edu?

Anônimo disse...

Irretocável.

Anônimo disse...

Marcy......
Edu este texto faz me lembrar do passado tb e de meu pai , muita emoção...
Parabensssssss!

Anônimo disse...

Golaço!

Anônimo disse...

Edu esse texto está pra mim entre os 10 melhores da história do Buteco meu chapa. De chorar de emoção mesmo. Muito legal. Teu pai é um sortudo!

Anônimo disse...

De quando é essa foto Edu? Fala o nome do time? Ah ah ah ah ah! Meu marido estudou lá.

Anônimo disse...

EDU VAI SE FUDER CARA, E ME PERDOE PELO PAVARÃO. MAS SÓ ELE PRA COMBINAR COM O MURRO NO ESTÔMAGO E NO CORAÇÃO QUE FOI LER ISSO. OSVALDO.

Szegeri disse...

Boa, Osvaldão...

Eduardo Goldenberg disse...

Papai, também te amo.

Alô, obrigado pelos elogios. Outro grande abraço.

Fefê, dá pra imaginar a cara do velho lendo, né?

Guerreirinha, obrigado, querida.

César, tenho 36 anos. Espada. Rubro-negro. E com uma editora "introcável", camarada. Ainda que você tivesse uma eu não trocaria a Márcia por você! Abração!

Renato, valeu mesmo pelo adjetivo imerecido.

Marcy, bom curtir pai, não?

Zé Sérgio, golaço? Quem faz golação é o Mengão do Natalino!

Rodrigo, valeu, garoto.

Roberto Romualdo... o relógio marca... Sorte minha, malandro. Papai é um craque.

Margarida, vou checar com meu velho isso e te aviso, ok?

Osvaldo e Szegeri... como vocês são grossos... PQP!

Anônimo disse...

Margarida , a foto é do time do La-fayette , chamado de Butantã ( qualquer semelhança é mera coincidencia ) e é de 1960 ;

Anônimo disse...

Edu, já comprei outro termômetro faz tempo...
Lindo texto. Irretocável.
Beijos!

Anônimo disse...

Que o Isaac tem cara de galã, ah isso tem!

Anônimo disse...

Flavinho, para com isso..menos cara......menos........