4.1.06

BUNDALELÊ-ESCARLATE


Hoje, 04 de janeiro, faz anos - eu disse faz - meu amigo Fernando Toledo, o Girassol, como o eternizou outro amigo, Fausto Wolff, que dedicou ao Totô (como carinhosamente era chamado) um réquiem no JB, logo após a partida do malandro. E o Fernando, ano após ano, no dia 04 de janeiro, organizava o que ele chamava de "Bundalelê-Escarlate", para comemorar a passagem de mais um aniversário. A Áurea, sua companheira, organiza hoje, no Carlitos, em frente ao Teatro Rival, o tal do "Bundalelê", aproveitando a oportunidade para inaugurar uma placa em sua homenagem, mais que justa, diga-se. E daqui do Buteco, mui humildemente, ergo o copo ao humor e à saudade que tenho dele, e junto meu copo ao copo do Szegeri, ainda em Pouso da Cajaíba curtindo a ressaca da virada do ano. Tenho certeza de que no instante do brinde estará refeita, por instantes, a Conexão Irajá, de duração tão curta quanto a passagem do Fernando no planeta, cada vez mais podre e cada vez mais ressentido de sua ausência física. Eu digo física porque ele está em cada um de nós que convivemos com ele.

Fecho hoje deixando com vocês um dentre os milhares de emails que tenho guardados enviados pelo Fernando, politicamente incorreto como eu, indignado como eu, tendo absoluta certeza de que ele aprova a quebra do sigilo. Enviado em primeiro de abril de 2004:

"De minha lavra...

MANIFESTO DO GREYPEACE

Vida no mato? Mosquitos e insetos desconhecidos pela Ciência? Cortar o pé em caminhadas inúteis? Aliás, fazer caminhadas? Dormir em um colchonete sobre um chão irregular, cheio de pedrinhas por baixo? Fazer cocô no bambuzal e limpar a bunda com folha de mamona, morrendo de medo que seja urtiga? Lavar a louça no rio, sabendo que o pessoal que está acampado mais acima já fez mesmo, logo a água está trazendo os detritos deles? Ter de tirar sanguessugas com brasa do cigarro após o banho? Andar duas horas para tomar uma cerveja gelada? Sentar em torno de uma fogueira com um filho da puta desafinado cantando "apenas apanhei na beira-mar um táxi para a estação lunar" etc etc acompanhado por um violão com cordas de aço enferrujadas cheio de adesivos pseudo-psecodélicos? Ouvir alguém tirar a abertura de "Stairway to Heaven" numa flauta em bá frustrenildo que ele mesmo fez, pois vive de "fazer trampo"? Fumar maconha com dez marmanjos e cinco gordinhas dentro do quarto da barraca, fazendo sauna? Comer muié feia? Tomar banho de água fria, num frio pior ainda? Queimar de calor de manhã dentro da barraca? Aturar os peidos do cara do quarto de barraca ao lado? Comer miojo? Pão todo despedaçado? Catar araçá no mato porque não agüenta mais salsicha em lata? Beber vinho Catafesta de garrafão? Aturar algum maluco que tomou chá de trombeta, surtou e teve que ser amarrado? Ouvir "pô bicho", "aí maluco" e semelhantes de dois em dois minutos? Ficar sem cigarros no meio da noite, e, depois de andar três horas, descobrir que na maldita vendinha da porra do amaldiçoado povoado de bosta só tem o caralho de uma marca genérica paraguaia? Almoçar mal para caramba, sabendo que, àquele momento, está saindo um cabrito quentinho no Nova Capela? Estar a pelo menos cinqüenta quilômetros do uísque escocês mais próximo? Ter de aturar o rádio-gravador de algum apedeuta tocando Deep Purple sem parar?

ESTE É O MANIFESTO DE FUNDAÇÃO DA ONG GREYPEACE, DESTINADA A MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA E MANDAR OS RIPONGAS SE ROÇAREM NAS OSTRAS!

NATUREZA, TÔ FORA!

VIVA O URBANISMO!

ABAIXO O AR PURO!

VIVA O ASFALTO!

FODAM-SE OS URSOS PANDA QUE ANDAM DE BANDA E VIVEM EM UGANDA!

Um abraço,

Fernando Toledo"

Até.

7 comentários:

Anônimo disse...

Brilhante, como a maioria das coisas que o Toledão escrevia. Me mijei de rir umas três vezes e apoio a crítica.
Particularmente "Stairway to Heaven" deveria ser abolida em qualquer situação (ou então o gênio da música deveria tocar também o solo, TODO).

Anônimo disse...

Acabei de ler o seu livro, e simplesmente ADOREI!!
Ri muito sozinha, em várias passagens parecendo uma maluca ( o que não está muito longe da verdade... )
Acho que ficarei assídua desse Buteco!

Abs,
Lucia

>>Parabéns pro Fernando pelo aniversário!

>>>E parabéns a você pelo livro, e essa sua maneira de escrever.

Anônimo disse...

Edu,

Primeiro niver do Toledo no Buteco do Céu! Tenha certeza de que muitos "anjos" irão cair de porre aqui na terra, fazendo com que o "Carlitos" trema de emoção e saudades!

Boa comemoração e não esqueça de levar vários pacotes de lenços de papel, pois as lembranças irão trazer choro e risadas!

Anônimo disse...

Eduardo, você é um verdadeiro demônio com a caneta na mão. Seu livro é estupendo dentro da capacidade intrínseca de fazer o leitor (eu no caso) rir e chorar num breve intervalo de páginas. Anseio pelo livro que há de vir. Para o nosso próprio bem. Parabéns. Se já era seu fã, agora sou fanático!

Anônimo disse...

Edu: comprei, devorei o livro em 2 dias e fiquei com uma tremenda vontade de quero muito mais. Concordo com o pessoal aí de cima que riu e chorou com as histórias, e as minhas preferidas (pra rir e pra chorar) são a do setor 18 do Maracanã e a do delírio do seu Osório que é de muito longe o meu cara preferido no livro. O avô que queria ter tido. Valeu um abraço e escreva logo o próximo cara!

Szegeri disse...

Mano, materializou-se deveras a Conexão (nunca, aliás, desfeita) que, batizada Irajá, foi mesmo muito além de qualquer geografia ou geometria, de planos múltiplos e indizíveis, definidas por infinidades de pontos, retas e - sobretudo! - curvas. Nós na Cajaíba erguemos nossas latas, assim como faremos com chopes e gengibres, brevemente, no mesmo Carlitos onde nosso diáfano irmão compôs o retrato que me ofertou lá na Conexão. Para sempre.

Anônimo disse...

Edu, bela homenagem!!! Como o Fer comentou acima, fizemos nosso brinde ao Totô lá em Cajaíba.

beijão