15.2.06

O PAI ME DISSE


“O pai me disse que a tradição é lanterna,
vem do ancestral, é moderna,
bem mais que o modernoso..."

(Moacyr Luz - Aldir Blanc - Luiz Carlos da Vila)


Vejam vocês que ter um pai bobo, na mais bonita acepção que possa ter a palavra, é um troço delicioso. Isaac, meu pai, na foto, é ciumentíssimo. Não o fosse e não teria feito o comentário que fez, ontem, aqui no Buteco. Foi o seguinte o comentário de meu velho: "Du, faltou dizer que a Panificação Estudantil, a FENÔMENO, quem te ensinou a ´fazer uso dela´ fui eu!!!!!". E como eu sou preciso do início ao fim, e talvez também por vício de profissão, sempre carreando robustas provas para dar solidez ao que eu digo, grito de pé: "Foi, pai!".

Notem que meu pai está, suponho, com agudos ciúmes do Szegeri, que ocupa o balcão do Buteco há dias. E pretendeu, disso não tenho dúvidas, dizer que muito do que me vai por dentro foi e é obra dele. Verdade. Razão pela qual dedico o texto de hoje a ele. Não. Vou tentar ser ainda mais preciso. Dedico o texto de hoje ao exercício, dificílimo (tenho de lhes dizer), de tentar enumerar as tradições que me foram passadas por meu velho. Bastou dizer "dificílimo" e estou, por isso, graças à dificuldade que se anuncia, diante de uma xícara enorme de café e um Carlton já aceso crepitando do meu lado direito.

Vamos partir da padaria, a Fenômeno. Se foi, de fato, meu pai quem me fez fazer "uso dela", pra usar a expressão que ele usou (sei da repetição do verbo usar, e é de propósito), foi meu avô Oizer, pai de meu pai, quem fez papai abrir os olhos pra Panificação Estudantil. Notem a beleza da espiral. Eu moro hoje, com Dani, no apartamento onde moravam meus avós paternos, Oizer e Elisa, a poucos metros da tal padaria (façam uma idéia da idade do estabelecimento). E o velho Oizer, um homem de olhos azuis e cabelos brancos esvoaçantes, não dispensava, jamais, os produtos comprados na "melhor padaria do mundo" (meu avô Oizer sempre se valia dessa expressão), e virá daí, desse hiperbolismo ancestral, o meu próprio hiperbolismo do qual não abro mão? Diga, Szegeri. Penso que sim.

Mas é óbvio que não a isso se resume a influência de meu pai. Comecei a fumar, não tenho dúvidas, por causa dele. Aquele troço de filho idolatrar o pai e buscar a semelhança até nos piores gestos.

Já disse isso mas é preciso repetir. Papai, carnaval atrás de carnaval, me tomava pelas mãos e íamos à Avenida Presidente Vargas só pra ver os carros alegóricos do Cacique de Ramos e do Bafo da Onça. Papai me punha no alto dos carros e eu posava para as fotografias quase sempre ao lado de mulatas estonteantes que fixaram, em mim, uma paixão avassaladora por aquelas cores e aquelas curvas (delas, mulatas). Papai me levava ao Maracanã, cravando em mim outro sacerdócio, tendo havido, aí, nesse quesito, pequeno desvio de conduta (na visão dele!), eis que deixei pelo caminho a Cruz de Malta e virei Flamengo até morrer. Papai me levava à praia, me apresentou ao mar, com quem eu já tinha uma intimidade de quatrocentas encarnações, e sempre foi o chefe da tribo dos Tupinambás, desde o tempo em que eu era um curumim distraído no quarto com amigos invisíveis.

Em casa, ainda hoje, ouço Dani dizer a todo o tempo, "Igualzinho a seu pai...", e eu sorrio, apenas. Ainda que eu queira, e quero às vezes, é verdade, me é quase-impossível sair de dentro do molde que não se vê mas que está permanentemente aqui.

Daí me deu vontade de lhes contar sobre a frase que talvez eu mais tenha ouvido de sua boca desde que eu entendo a voz do homem, sempre com aquele jeito orgulhoso.

"Meu filho, pouco importa o caminho que escolheres... (detalhe, detalhe!... Papai, quando está falando sério, fala na segunda pessoa, sempre!) ... Sejas sempre o melhor. O melhor gari. O melhor empregado. O melhor aluno. O melhor amigo. O melhor. O melhor. Sempre o melhor."

E daí me bate, agora (fumo olimpicamente nessa manhã), aquela sensação de na verdade não ter sido nem metade daquilo que ele sonhou. Mas fiz, meu pai, o que pude. O melhor que pude.

Até (antes que eu enfarte).

9 comentários:

Anônimo disse...

Nossa Edu QUE PORRADA LOGO PELA MANHÃ!

Anônimo disse...

Edu,

se havia ciúme, já passou depois desta homenagem.

Preciosas palavras. Parabéns!

Anônimo disse...

Edu como é bonita a forma como você se refer sempre a seus pais. E a seu pai especialmente nesse texto. Aliás seus textos andam mais bonitos e mais comoventes ainda. Parabéns.

Anônimo disse...

Puxa vida!

Anônimo disse...

Du querido, hoje serei obrigado a desmenti-lo quando você afirma "ser preciso do inicio ao fim"!!

Hoje voce se machucou... rs..rs..rs

Engano seu ao afirmar que sou "ciumentíssimo", pois já disse que não tenho ciúmes dos amigos de meus filhos, pois os considero também meus filhos, OUVIU SZEGERI?? Ganhastes, de graça, um pai no Rio de janeiro!!! Não vá atrás do Edu... rs..rs..

Quanto à Padaria Fenômeno, outro engano; não foi o velho Oizer que me abriu os olhos para "fazer uso" da Padaria; quando ainda estavas na fila no céu aguardando a nossa chamada, na mesma época que mirava as pernas da sua mãe, isto é, no tempo do Instituto La-Fayette, já "fazia uso" da padaria Fenômeno e também do famoso mercadinho Berengo!!!!

Quanto ao desvio de conduta no capítulo Maracanã dou minha mão à palmatória porque foi um dos poucos erros cometidos em sua educação, isto é, ter permitido que você se contaminasse com o mal que te aflige até hoje!!

E finalizando, engana-se, uma vez mais, ao afirmar que "tens a sensação de na verdade não ter sido metade daquilo que eu sonhei"; vou BERRAR para o mundo inteiro, não desfazendo ninguém, que tenho 3 filhos, um advogado, um empresário e um administrador, e cada um maior na sua especialidade no mundo inteiro, o que nos honra muito!!!

Amo vocês!!!

juliana amaral disse...

ai ai, meu Deus, Edu... olha a Juliana aqui, de novo, chorando na repartição...

Anônimo disse...

Edu tomei a liberdade de mandar o link de seu blog para meu pai especialmente por causa do texto de hoje. Ele amou e eu ainda mais depois das palavras que trocamos por telefone ainda a pouquinho. Você continua pintando quadros impressionantes e agora deu pra fazer a gente chorar como disse aí a Juliana Amaral.

Szegeri disse...

Beijo, pai!

∫nês disse...

Szegeri, só agora vi que cometi uma grande indelicadeza para contigo.
Acabei de ler o comentário que deixaste no post "A rabada de Domingo", onde me deixas um abraço. Espero que me desculpes o atraso mas, como o que conta é a intenção, retribuo com um outro abraço, já com bastante carinho por ti.
Quem gosta da maneira que tu gostas do Edu e da Dani só pode ser boa pessoa :)
Um beijo!

Edu: palavras para quê? Texto lindo. Pai é Pai!