31.3.06

31 DE MARÇO DE 1964


"Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia

Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia


Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia

Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente?

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia


Você vai se dar mal
Etc. e tal"


(Chico Buarque)




Chega a ser ligeiramente impressionante a atualidade da letra desse "Apesar de Você", do Chico, que nega, peremptoriamente, ter dirigido a canção a qualquer um dos gorilas que estiveram no poder entre 1964 e 1970, quando foi composta.

Eu, particularmente, não acredito.

E cantaria hoje, aos gritos, dentro dos ouvidos de boa quantidade dos políticos de merda que ainda ocupa cargos públicos. Ainda que pelo voto.

Até.

30.3.06

A XÊNIA E O SZEGERI


"Eu vou voltar aos velhos tempos de mim
vestir de novo o meu casaco marrom"


(Danilo Caymmi - Renato Corrêa - Guarabyra)


Escrevo ainda em estado de choque e explico.

Cheguei ontem do trabalho por volta das 19h, depois de um dia inteiro tomado por compromissos, cansado, a fim de um bom descanso. E fui, depois do banho, ao computador para ler uma coisa ou outra em busca de distração (Dani não estava, ainda, em casa). E foi o início de meu drama. Não. Drama, não. Foi o início do meu choque. Isso! Isso! Choque parece-me perfeito. O mesmo choque que você, meu fiel leitor, sofreu no instante em que deparou-se com essa senhora grisalha com esses olhos de "tô te vendo, hein...", bem lânguida.

Fui ao blog do meu irmão Szegeri. E - sinto o mesmíssimo choque agora, escrevendo sobre o troço - deparei-me com um arremesso ao passado protagonizado por ele. Num texto que ele chamou "Xênia e você". E quando eu li "Xênia e você", ou melhor, quando eu li apenas o nome "Xênia" (feio pra burro, diga-se de passagem), tive uma série de arrancos travados no peito. Vou explicando, vou explicando.

Meu primeiro choque foi sonoro. Eu fiquei repetindo (lembrem-se que sofro de TOC) o nome "Xênia" como se fosse um mantra (a empregada confessou-me, horas depois, que pensou seriamente em pedir demissão ao me ver andando em círculos na sala repetindo o nome feio) sem ligar o nome à pessoa.

Daí deu-se a luz. Sim! Xênia! Aquela apresentadora da TV Bandeirantes, programa que fazia um tremendo sucesso no ano de 1977!

Segundo e, talvez, maior choque. Foi quando eu li a seguinte frase escrita por ele, Fernando José Szegeri (escrevo seu nome inteiro para que tudo cresça em dramaticidade): "Quando eu era criança, morávamos numa casa de bairro onde eu, (...)".

Não sei se vocês já captaram a razão do meu choque praticamente anafilático e quase fatal. Fernando José Szegeri já foi criança.

Vejam bem uma coisa. Para mim, que o conheço já há uns 10 anos, o Szegeri nasceu da forma como é hoje.

Barbado. Peludo. Gordo. Já funcionário público e já sonhando com a aposentadoria. O Szegeri, para mim, foi contemporâneo do Borba Gato, o bandeirante paulista. Foi, conta a lenda (que repete-se até hoje), o que mais chorou quando enterrou o amigo, a quem chamava de Borbinha, em 1718. Em 9 de janeiro de 1822, foi Fernando José Szegeri quem deu uma força a D. Pedro I para que ele se mantivesse no Brasil contrariando as ordens das Cortes Portuguesas. Daí meu choque, absoluto, diante dessa confissão.

Mas há mais! Há ainda mais!

Novo choque ao ler a frase com que Fernando José Szegeri fecha o texto: "Mas hoje, imobilizado no trânsito, sapatos encharcados, deu uma tremenda vontade de ouvir a voz da Xênia embaixo de um túnel de almofadas e esperar minha mãe trazer uma bandeja bem cheirosa com misto quente e nescau batido no leite."

Vejam bem! Foram confissões demais, e ao mesmo tempo, para que meu combalido coração a tudo absorvesse.

Depois de confessar-se criança um dia (ainda acho que ele mente nesse trecho), ele teve, ontem, debaixo de um temporal paulista, a nostalgia do túnel de almofadas e da bandejinha com misto quente e Nescau batido no leite.

Não sei se vocês hão de concordar comigo. Mas eis aí um quadro impossível de ser composto.

O funcionário público exemplar, Fernando José Szegeri, escondido debaixo de um monte de almofadas esperando dona Cecília chegar com seu lanchinho.

Impossível. Um quadro inverossímel.

Só creio - e está lançado o desafio - com farta prova documental.

Até.

29.3.06

O REI E EU


"Eu sou terrível, vou lhe contar
Não vai ser mole me acompanhar"


(Roberto Carlos - Erasmo Carlos)

Vamos hoje, como diria minha sumida comadre Mariana Blanc, fazer a linha confissão.

Eu e Roberto Carlos temos algo em comum. Não é uma cobertura na Urca, não é um iate atracado na Marina da Glória, não é uma mãe de nome Laura, nada disso. Sofremos, ambos, de TOC.

E que beleza isso dito assim! TOC! Chega a soar simpático. Dá pra ouvir o muxoxo de uns, "puxa vida, queria ter TOC também!".

Mas basta dizer que sofremos de Transtorno Obsessivo Compulsivo e tudo toma ares gravíssimos. Mas nem tanto, nem tanto!, já que o troço chega a ser ligeiramente cômico. Quando deparei-me com o diagnóstico (que eu mesmo fiz, preciso dizer) decidi, a cada encontro, subir no banquinho e dizer a todos os presentes, na direção exatamente oposta a que papai gostaria que eu tomasse:

- Eu tenho TOC! - e danava a discorrer sobre os sintomas e meus comportamentos.

E eis minha surpresa.

Não foi uma, nem foram duas, três, quatro, cinco vezes. Perdi a conta. Ao final de minha pequena palestra sempre vinha alguém me procurar, sempre! E dizia com a mãozinha em concha no meu ouvido:

- Eu também sou assim! - e vinham os relatos, alguns bem piores que o meu. Bem piores!

Vamos a uma ou duas passagens pra manter o humor.

Comecei a achar que eu tinha algo estranho (meu mano Szegeri, tenho mesmo?, não, né?) quando, indo para o trabalho, esperando o mesmíssimo ônibus de todos os dias, o 406A, fiz algo que jamais supus fazer. Notem bem. Todos os dias eu tomo a condução no mesmo horário, quando o lotação (oi, Bia!) vem rigorosamente vazio. Entro, pago a passagem ao motorista e sento-me para ler. Como entro sempre no ônibus ermo, sem viva alma em termos de passageiro, nunca havia notado algo que notei, apenas, numa determinada ocasião que passo a lhes contar.

Fiz o sinal. Parou o ônibus. Paguei a passagem ao motorista. Passei pela roleta. E fui em direção ao meu lugar (jamais havia notado que o lugar era meu). E havia, naquele dia, um passageiro e justamente sentado no meu lugar.

O que faria um cidadão sem TOC?

Sentaria numa das mais de 20 poltronas disponíveis na condução.

Eu, não. Estaquei diante do pobre homem e fiquei, de pé, as mãos agarradas no apoio do teto, olhos cravados no invasor. E suava, suava, suava de um ódio e de um desconforto que não cabiam dentro do pequeno ônibus (o 406A é daqueles microônibus).

"Meu Deus, como eu vou fazer pra ler agora?", "Vai ser insuportável ir de pé até o Largo do Machado...", mas esses pensamentos não duraram nem dois minutos. Sentindo-se profundamente incomodado - o homem não tirava os olhos, de soslaio, de cima de mim, que furava sua pele com a ponta afiada de meus dois olhos - o homem levantou-se e sentou-se em outro canto.

Sentei-me, então, no meu lugar, espreguicei-me, disse um "ahhhhhh..." bem lento, abri o livro e comecei a ler. Ainda sorri em direção ao homem que estava com um olhar assustadíssimo e fiz um "obrigado" com a cabeça. O cara saltou no ponto seguinte, não sei se por ser, de fato, seu destino ou por medo (acho que por medo).

E vejam isso!

A mulher de um grande amigo (não digo quem é e pronto) dia desses, após minha confissão pública, chegou-se a mim e disse:

- Eu sou pior! Eu sou pior! - e sorria excitada esfregando as mãos.

- Conta, conta, conta! - devolvi, já de mãos dadas com ela, e dançávamos uma ciranda, rodando sem parar.

Antes de contar-lhes, uma coisa que me intrigou. Por que essa incidência tão grande de manifestações de TOC nos transportes públicos? Ainda vou me aprofundar no palpitante assunto.

Mas disse-me ela que vai para o trabalho, diriamente, de metrô, que toma na estação terminal, na Praça Saens Peña. E que nem precisou passar pelo sufoco que eu passei, vendo seu lugar ocupado por um forasteiro, para perceber que era estranho seu comportamento.

Porque ela não tem um banquinho preferido. Ela tem um vagão preferido e dentro desse vagão preferido, um banco preferido. Notem o requinte e a especialização da coisa!

Um dia, contou-me ela, o metrô chega na estação terminal vindo da zona sul. Todos saltam pelo lado direito do trem, para que só então abra-se a porta do lado esquerdo para o embarque dos passageiros. Ela nota, sôfrega, que um passageiro não se levanta. E justo no seu lugar. E o que fez a moça?

Não enfrentou o forasteiro, como eu fiz. Não.

Teve uma crise de choro incontrolável, voltou pra casa a pé, teve febre (ainda no caminho de casa) e ligou para o trabalho alegando um febrão e dores insuportáveis pelo corpo.

- Não consegui, Edu, simplesmente não consegui superar o trauma! Você está de parabéns, viu? Viu como eu sou bem pior! Bem pior! - e continuamos a ciranda.

Daí em diante percebi que meu TOC é levíssimo, levíssimo. Mas para evitar novas supresas, passei a andar alguns quarteirões para pegar a condução no ponto final.

Até.

28.3.06

CÁSSIA (por Fernando Toledo)


"Eu só peço a Deus
um pouco de malandragem..."


(Cazuza - Frejat)

Pegando carona na idéia genial do meu irmão Szegeri, que reeditou um texto também genial do igualmente genial e saudoso Fernando Toledo, faço o mesmo aqui, hoje, no Buteco, transcrevendo o que ele escreveu, em 04 de janeiro de 2002, na revista "Sentando o Cacete", que mantínhamos na grande rede. Ele fecha o texto, chamado "Cássia", dizendo um "tchau" pra Cássia Eller, morta precocemente em dezembro de 2001. Estão os dois, agora, enchendo a cara por aí.

"A sensibilidade é algo curioso: ao mesmo tempo em que é o canal que nos permite acessar o mundo, apreendê-lo, senti-lo e captá-lo, ao mesmo tempo é um veneno que pode, em altas doses, fazer com que o mesmo se apresente como um caos doloroso e incompreensível, machucando-nos a cada instante, sem dar um segundinho sequer de colher-de-chá: um rolo compressor recoberto de espinhos incandescentes a passar de forma ininterrupta, promovendo uma verdadeira overdose sensorial. Àqueles atingidos por esta praga, restam poucas opções: se embotar como seres humanos, ignorando propositalmente a existência da mesma, se tornando a cada dia menos e menos humanos, se coisificando, enfim, ou buscar um alívio qualquer, algo que faça a tempestade sossegar um pouco e que dê um pouco de mansidão às ondas. E que possa proporcionar um pouco de tranqüilidade interior (mesmo que forjada), de forma a ordenar um pouco a linguagem e tornar inteligível o discurso – até para si mesmos.

A obra de Arte é exatamente a ordenação do caos interior, das ondas desconexas, sob a forma de um discurso estético, captável pelo público e a crítica. A tradução do Universo externo ao artista, transmutado por suas idiossincrasias específicas, e devolvido, após esta transmutação, ao tal do Universo – cabendo a este aprová-lo esteticamente ou não, apreciá-lo, julgá-lo, ou, simplesmente, ignorá-lo. A angústia, ou seja, o motor que operou essa reação química, esta transformação do Universo Real (comum a todos) em Universo Verdadeiro (aquele em que crê o artista criador, o que ele sente), não pode, nunca, ser totalmente tocada pelo público consumidor. Apenas sua conseqüência (ou seja, a obra final) é oferecida, sendo, pois, esta angústia, apenas possível de ser pressentida – e nunca, em toda a sua dimensão, compreendida ou vivida por parte do público.

A verdadeira angústia é sempre uma incógnita.

Muitas vezes esta angústia se mostra, para o seu possuidor, algo incomensurável, o tal rolo compressor citado no primeiro parágrafo. Nestas ocasiões, o artista experimenta o desespero, a incapacidade de se ordenar, de continuar respirando em um meio que se afigura ininteligível, e que considera este seu mesmo desespero como também ininteligível. E daí surge sua inadequação, sua necessidade de um paliativo qualquer, de um flit paralisante que possa fazer as coisas sossegarem um pouco e adquirirem até um certo sentido. Temperamentos radicais, atitudes extremadas e/ou auto-destrutivas, álcool, drogas et um monte de coeteras muitas vezes são utilizados com este fim. E o artista passa por simples porra-louca, visto que os motivos que gritam em seu interior são apenas seus: são, como disse antes, incógnitas para os que o cercam. A inadequação aumenta à medida que, paradoxalmente, se busca minimizá-la. E cresce a bola de neve. Não quero ser leviano e afirmar que as drogas tenham sido o motivo da morte de Cássia Eller: conversei com um neurologista e ele me disse que, daqui do lado de fora, sem exames, laudos etc., seria impossível aventar possibilidades. Quero apenas tentar compreender a Cássia, tentar pelo menos roçar de leve seu inferno interior, ouvir pelo menos o sussurro de seus gritos de angústia. Dar um pequeno aceno de mão e poder dizer que sim, Cássia, eu entendo. Lamento profundamente, chego a ficar puto com o acontecido, mas não com você. Que lamento que tenhamos nos distanciado tanto de nossa sensibilidade que nos seja extremamente difícil esse vislumbre de compreensão; que o mesmo requeira teorizações e uma enorme quebração de cuca, quando o natural seria que, simplesmente, erguêssemos um copo de cerveja em sua homenagem e brindássemos à sua Arte, a sua atitude, a sua extrema liberdade, ousadia e coragem, enfim.

Em vez disso, ficamos por aqui consultando alfarrábios em nossos escritórios e, hipocritamente – de leve, para que ninguém perceba –, morrendo de inveja de todas essas suas qualidades.

Tchau, Cássia."

E até, digo eu.

27.3.06

EU, ESTRANGEIRO NA BARRA



"E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento
Sigo mais sozinho caminhando contra o vento"

(Caetano Veloso)


Passei, no sábado passado, por estranhíssima experiência. Já lhes disse milhares de vezes que só vou à Barra da Tijuca (cada vez menos da Tijuca, diga-se de passagem, e cada vez mais americanizada) para visitar a Magali, a irmã que eu não tive, e cia.. Nada mais me seduz naquele pedaço do Rio de Janeiro. Aliás, justiça seja feita, um pedaço belíssimo e a fotografia não me deixa mentir. Mas nada ali é Rio de Janeiro e eu sou capaz de ser mais amplo e dizer que nada ali é brasileiro. Da patética Estátua da Liberdade em frente ao (vão tomando nota!) New York City Center, passando pelo Barra Garden, Barra Mall, Barra Medical Center e por outras babaquices e você definitivamente sente-se fora da ordem. Pois bem. Fui, no sábado, deixar a Sorriso Maracanã às oito e meia da manhã no (vão tomando nota!) Barra Tower para um compromisso de trabalho que duraria até às cinco da tarde. Como eu iria buscá-la, pensei: vou ficar na praia, lendo, depois vou ver as meninas na Magali, depois venho buscá-la. E assim fiz. E eis que aí deu-se a estranhíssima experiência.

Antes, porém, breve explicação para que tudo "make sense" (isso vai em homenagem ao Szegeri, contaminado pelos arrancos em inglês que escapam da Maracanã, vez por outra, e para que fique ainda mais coerente com o cenário).

Estou com 36 anos. E há 72 anos eu vou à praia em Ipanema. É bem verdade que durante um período da minha adolescência eu ia à praia na Barra, mas isso durou pouco e por isso omito o fato. Voltando. Há 72 anos eu vou à praia em Ipanema. Em frente à Barraca do Mineiro, o bom Miguel, entre a Vinicius de Moraes e a Farme de Amoedo. Obsessivo que sou, fico no mesmo metro quadrado de areia, sei de cor os prédios às minhas costas, as ilhas à minha frente, cumprimento o Dois Irmãos à minha direita, o Arpoador à minha esquerda, e todos os freqüentadores não me são estranhos. Ir à praia na Barra, depois de 72 anos, pareceu-me que seria levemente desconfortável.

E foi.

Sabem o que é ambiente hostil? Pois é. Sei que lhes parecerá pequena doença, e reconheço que pode ser, pode ser! Começando por estacionar o carro. Encontro uma vaga. Embico o carro. E vem um guardador. Não sendo o Paulo, meu guardador de fé em Ipanema, com quem deixo sem medo a chave do carro, já fico puto. Abaixo o vidro e digo:

- Que foi?

- Quer a vaga, meu patrão?

- É tua?

- Ô, patrão... devagar, patrão...

- Não sou teu patrão, malandro. Cadê o tíquete do estacionamento?

- Não tem, chefia...

- Então não tem dinheiro também. Bom dia.

Tomei o rumo da praia. Quase fui atropelado. A largura da Avenida Sernambetiba difere da largura da Vieira Souto, razão pela qual distrai-me e por pouco não fui pra Terra do Pé Junto. Cheguei à areia. E que horror. Que horror!

Toneladas de barracas de ambulantes. Mas tomem nota. Em Ipanema há a Barraca do Mineiro, a Barraca da Dilma, a Barraca do Uruguaio. Naquele breve trecho onde eu estava (em frente ao Barramares, pedaço da praia que é uma espécie de filial desativada da Praça Saens Peña, que aquilo era assim de tijucano!) as barracas que eu avistava eram a Brother´s Dream, Barra´s Point e Unforgetable. De chorar.

Lembrei-me do Dalton, que ficaria "puzzled" junto comigo. Tudo me era estranho. Cheguei a achar que o mar era doce. E tudo culminou quando, interrompendo minha leitura, um camarada a quem nunca havia visto na vida chegou-se e disse:

- Ô, brou... Eu vi que tu tem protetor solar aê... Dá pra emprestar?

Sem tirar os olhos do livro:

- Não.

- What? - disse o cara - O que é que custa, brother?

Daí tirei os olhos do livro:

- Custa R$15,00 em qualquer farmácia.

Ele saiu e senti-me calmíssimo. Vá entender.


Mudando o rumo da prosa, de pato a ganso.

Faz anos hoje, 27 de março, a Inês, a quem já tantas vezes referi-me aqui no Buteco. Eu e Dani a conhecemos no final do ano passado, ela que esteve por uns dias no Brasil, e depois de uma noitada rápida no Trapiche Gamboa, uma clássica passada no Capela (onde cantei com sotaque lusitano, lembram?), uma feijoada deliciosa no Bar do Mineiro em Santa Teresa e uma passadinha a jato no "Nem Muda Nem Sai de Cima" estabeleceu-se um bem querer mútuo que rende frutos.

Já lhes disse, por exemplo, que a Inês, que mora nos EUA, num gesto dulcíssimo, fez a ponte entre nós (eu e Dani) e seus pais (que provam que é mesmo pela árvore que se conhece o fruto) e durante nossa viagem a Portugal, em maio/junho, ficaremos por um ou dois dias em Setúbal, onde moram Próspero e Cidália. Não lhes disse, e digo agora, que mandou-nos carinhosíssima carta, manuscrita (!!!), com um CD com, vejam isso, 46 horas de música, suas preferidas. Um carinho só.

Pois então.

Todo mundo tem suas maluquices e suas obsessões, eu que o diga. A Inês é doida pelo amarelo, e vive a repetir isso.

Então, eu e a Sorriso Maracanã, de pé no balcão imaginário do Buteco, erguemos o copo à sua saúde e embarcamos no delírio da imagem, oferecendo a ela, através do monitor (haverá um dia em que isso será possível?) tulipas amarelas pela data de hoje. Muita saúde, muitas felicidades, Inês, e todo nosso carinho.

Até.

24.3.06

MINHA SENHORA!


"Estão nas mangas dos Senhores Ministros
Nas capas dos Senhores Magistrados
Nas golas dos Senhores Deputados
Nos fundilhos dos Senhores Vereadores
Nas perucas dos Senhores Senadores
Senhores! Senhores! Senhores!
Minha Senhora!
Senhores! Senhores!
Filha da Puta!
Bandido!
Corrupto!
Ladrão!
Sorrindo para a câmera
Sem saber que estamos vendo
Chorando que dá pena
Quando sabem que estão em cena
Sorrindo para as câmeras
Sem saber que são filmados
Um dia o sol ainda vai nascer quadrado

Isso não prova nada!
Sob pressão da opinião pública
É que não haveremos de tomar nenhuma decisão!
Vamos esperar que tudo caia no esquecimento
Aí então...
Faça-se a justiça!
Vamos arrumar vossas acomodações, Excelência.
Filha da Puta! Senhores! Corrupto!
Senhores! Bandido! Senhores! Ladrão!"

(P. Miklos, T. Bellotto, C.Gavin)


Vocês devem ouvir essa canção, dos Titãs, aqui. E ouçam olhando nos olhos dessa senhora. Olhem nos olhos dessa senhora, deputada federal por São Paulo, e percebam o cinismo desse sorriso. Olhem nos olhos dessa senhora que, na madrugada de ontem, comemorando a absolvição de mais um porco chafurdado na lama do valerioduto que enoja o País, deu de sambar, dançar, rebolar, com os dedinhos pra cima e com a bunda, enorme e imunda, rebolando pra lá e pra cá, sem saber que estava sendo filmada, afinal, já era tarde. Olhem nos olhos dessa senhora e tenham ódio dessa senhora, que o ódio nessas horas é santo remédio. Ódio, nessas horas, é prova de coerência de princípios. Ódio, nessas horas, serve para que gente como essa escrota (não me vem outra palavra à mente) sinta, ainda que à distância, o sentimento que o cidadão nutre com relação a vermes públicos como ela. Ela que hoje, cínica, pede desculpas ao povo brasileiro (que não a desculpa porra nenhuma) através do jornal "O Globo", que publicou hoje, na primeira página, quatro fotos dessa lontra gorda rebolando e debochando da sua e da minha cara. Vocês me perdoem perder o prumo, deixar o chope de lado e socar, com raiva, o balcão imaginário do Buteco. Mas a coisa tá feia. E se me falta sobriedade pra falar sobre o episódio, deixo com vocês texto do Jorge Bastos Moreno, no mesmo "O Globo" de hoje:

"- Mano véio, aqui você só não vai ver é boi voar! - foi o que ouvi no primeiro dia em que cheguei ao Congresso, como repórter, em 1976, do então deputado paraibano Ernani Sátyro. Surdo, chamava todo mundo de “mano véio”.

E eu vi muita coisa.

Vi o Congresso ser fechado em 1977.

Vi parlamentares arrancados da tribuna pelas cassações da ditadura. Entre eles, Alencar Furtado, aquele que disse que sua luta era para que não houvesse lares em prantos: “filhos órfãos de pais vivos, ou mortos, talvez, quem sabe; órfãos do talvez ou do quem sabe”; viúvas de maridos mortos ou vivos, quem sabe, talvez; viúvas do quem sabe ou do talvez”.

Vi Ulysses Guimarães dizer: “ Tenho ódio à ditadura; ódio e nojo”.

Vi Tancredo chorar por JK.

Vi mães, viúvas e órfãos com cartazes de seus mortos e exilados clamarem por anistia.

Vi o doido manso Teotônio Vilela se rebelar contra o regime.

Vi a eleição de Tancredo, vi a Constituinte.

Vi momentos de tristezas e alegrias.

Nas tristezas, ouvia o Hino Nacional cantado com vozes enlutadas, sempre seguido nessas horas do coro “ a luta continua”.

A alegria ecoava em palmas e papel picados.

Mas nesta madrugada vi uma cena que nunca vou esquecer: a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) dançando, sambando como passista do agouro ao ver que o os votos apurados já davam pra salvar de cassação o deputado João Magno (PT-MG), um dos mensaleiros da Câmara.

Nem os canhões, fuzis e metralhadoras que tentaram desmoralizar pela força o Congresso superariam o escárnio da deputada. Longe do “Necrológio dos desiludidos do amor”, onde as amadas dançavam “um samba bravo, violento, sobre as tumbas deles”, a dança da deputada é o mais imoral dos emblemas da degradação da política brasileira.

Talvez a perplexidade foi que impediu o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, de exigir o devido respeito da deputada em pleno velório da Casa."

Acabo de ouvir entrevista dessa senhora na CBN. De vomitar. Principalmente quando ela se justifica dizendo que é "uma pessoa humana".

Até.

23.3.06

TIJUCA


"Tenho impressa no meu rosto
e no peito, lado oposto ao direito, uma saudade
(que saudade!)..."


(Wilson Moreira - Nei Lopes)

Eis-me aí, nem um ano de idade, em 1969, na Praça Afonso Pena, na Tijuca, onde nasci e fui criado, entre as pernas de meu pai. E pra Tijuca, um poema:

Há na Tijuca, onde estão minhas raízes, e onde me basto,
uma tristeza indefinida, intrínseca, nenhum alento,
uma melancolia insuportável e um torpor nefasto,
que me angustiam quando inutilmente tento
suportar domingos que me asfixiam.
Há na Tijuca, principalmente aos domingos,
onde passei dias tão felizes,
torneios de bocha, porrinha, bingos,
gigolôs de folga, elegantes meretrizes,
bares vazios, corações baldios,
casamentos destruídos, adultérios, incestos,
restaurantes desonestos, bordéis frios,
macarronadas e toneladas de restos de dores
boiando sem rumo certo.
É sempre domingo na Tijuca.
E há sempre uma filha reprimida,
um rapaz que freqüenta clubes,
um homem de Rider, bermuda e meia,
encardida,
uma mulher de bobe no cabelo, feia,
sozinha na vida,
uns aposentados saudosistas que cantam,
famílias reunidas por força da rotina,
a tevê ligada, as festas, as bodas,
os quinze anos da menina que à tola mãe encantam,
as debutantes, as valsas, muitas virgens,
filas na churrascaria, avós e tias solteiras,
devaneios, overdoses, vertigens,
gaiolas de passarinhos,
fofocas, disse-me-disse,
mafuá,
vizinhos, vizinhos, vizinhos,
e minhas raízes, que por mais que eu tente,
não saem de lá.
Há na Tijuca um mórbido incentivo ao suicídio
e uma legião de suicidas que vagam tristes
pelas ruas da Tijuca aos domingos.

Há nas praças da Tijuca uma tristeza de preces dominicais,
e uma comunhão funesta,
e a Tijuca não presta,
e a Tijuca dói tanto,
a Tijuca, meu canto,
meus ais...
E é sempre domingo na Tijuca...
E é tudo tão pequeno na Tijuca...
E faz tanto calor na Tijuca...
E há, ainda, muito tédio na Tijuca, onde o tempo não passa,
onde o tempo se arrasta e não pode mover-se...
Não fosse o tempo dos noventa sagrados minutos dos jogos
aos domingos, no Maracanã,
e a Tijuca seria um nada, um silêncio ensurdecedor,
um inferno de asfalto e sangue.
É sempre domingo na Tijuca.
E faz sempre domingo na Tijuca.
E a Tijuca é um mangue.
E minhas raízes que de lá não saem...
E ainda que saiam, hão de retornar sempre,
como um bumerangue,
vítimas da arapuca que a Tijuca arma.
A Tijuca
é meu inevitável e inexorável carma.

Até.

22.3.06

RABADA, A RECEITA

ESTA RECEITA AGORA PODE SER LIDA AQUI.

21.3.06

O JUIZ


"Ah, meu bom Juiz
Não bata este martelo nem dê a sentença
Antes de ouvir o que o meu samba diz...
Pois este homem nao é tão ruim quanto o senhor pensa..."

(Bezerra da Siva)

O Bigode entrou no bar aos berros:

- O Beto passou no concurso! O Beto passou no concurso!

Seu Osório, que não é lá muito chegado a euforias antes do almoço, espalmou a mão em direção ao Bigode, trovejou um caprichado arroto e berrou ainda mais alto:

- Que concurso, ô putão? E que Beto, animal?

- O Alberto Anil, seu Osório, filho da dona Olívia e do seu Radamés... Passou pra juiz!

- Aquele gordo? - perguntou Bule por trás do balcão.

Seu Osório, Bigode e Zezinho olharam ao mesmo tempo para o obeso Bule, rindo, e foi Bigode quem o respondeu:

- Ele mesmo. Mas não tão gordo quanto tu! - e deu de gargalhar.

No que foi interrompido pelo Bule:

- Experimenta me sacanear pra ver se tu bebe mais uma dose do teu conhaque na base do pendura...

- Foi mal, Bule, foi mal... E já que tu falou o nome do santo, desce um pra mim, vai...

Bule o serviu e Bigode virou num trago só. E continuou:

- E juiz federal, minha gente! Quem diria... Um juiz na nossa rua! E federal! E ó... parece que hoje o seu Radamés vai descer com o filho e com a dona Olívia pra uma comemoração aqui no bar, foi o que me disseram quando chegaram, agorinha mesmo. Tavam numa alegria de fazer gosto...

- Grandes merda - foi o gentil comentário do velho Osório.

Sacomossão as coisas na Vila, né? Em coisa de uma, duas horas, não se falava noutro assunto nas redondezas. O salão de beleza lotou, as senhoras querendo estar nos trinques pra tal festa anunciada pelo Bigode. E o buteco, lá pras seis, seis e meia, já estava lotado. Seis-com-Fome, Amorim, Vidal recém chegado do consultório, Quincas com o táxi estacionado diante do bar e meia dúzia de garrafas de cerveja no teto do carro, Amorim, no lugar de sempre, Zezinho com o mau humor característico, seu Osório de papo com Waldomiro, que não aparecia há várias semanas, tinha até cadeira de praia na calçada, tremenda expectativa pra entrada triunfal da família Anil.

Daí oito em ponto apontam na esquina os três: dona Olívia, Alberto no meio e seu Radamés, os três de mãos dadas, tendo dona Olívia, equilibrado na mão direita, um enorme prato com um bolo ostentando uma figura tosca segurando uma balança, a Justiça.

Explodiram aplausos, e foi um tal de puxa-saquismo de deixar lobista com vergonha:

- Bob, meu querido! - foi o que disse o Waldomiro que estava conhecendo o Alberto naquele instante.

- Ô, Alberto... eu sempre te disse que você levava jeito pra juiz... - disse com um cigarro pendendo da boca o Amorim que vivia dizendo, pra quem quisesse ouvir, durante as peladas, que em matéria de futebol o Alberto tinha talento, no máximo, pra ser o árbitro.

- Vem cá, vem, Betão!

- Excelência!

- Vade mecum!

E levou-se bem uns 15 minutos nessa papagaiada de querer agradar o moço.

Daí o Bule sugeriu, depois de pedir silêncio, antes de partirem o bolo:

- Seu Osório vai subir no banquinho e fazer um discurs...

Alberto irrompeu de dedo em riste e estacou diante do Bule:

- Nã-nã-ni-nã-não. Quem vai falar hoje sou eu.

Um "ohhhhhhhhhhhh" de espanto espocou na esquina.

Seu Osório arrotou assim que o Alberto, apoiando-se nos ombros do Zezinho e do Bule, subiu na cadeira, que o banquinho não ia agüentar o peso.

Alberto, segurando um martelo desses de amaciar carne, começou:

- Minha gente, meus vizinhos, meus amigos, meus afetos e meus desafetos...

Seu Osório só trovejando, coçando a orelha de pé no balcão, bicando sua cerveja, quando disse ao Bule:

- Lá vem merda.

- ... quero me dirigir a você, Amorim, que nunca acreditou em mim. Estou aqui, Amorim. Estudei. Fiz a prova. E hoje sou Juiz Federal, com "j" e com "f" maiúsculos. Quero me dirigir a você, Bule, que vive reclamando do faturamento do bar, meu caro Bule... É difícil manter um bar, Bule? É. É muito difícil. Mas diziam que a prova que eu fiz era difícil. Mas estou aqui. Passei. Sou Juiz Federal...

E ficou nessa ladainha, nessa autopromoção constante, citando um por um, neguinho já bocejando, o bolo já quase no fim, quando seu Osório pediu a palavra. Assustado, Alberto interrompeu o discurso e todos voltaram, de novo, a prestar atenção no troço. Fez sinal com a mão pra que o Alberto descesse. Alberto desceu. E subiu, o velho Osório, no banquinho. Mandou um arroto federal e disse:

- Tenho mais de 60 anos, Excrescência, e abaixa esse nariz de merda quando falar comigo!

Aplausos, muitos aplausos, dona Olívia pálida e seu Radamés abanando a mulher. Alberto, vermelhíssimo, esboçava reagir mas a autoridade do seu Osório ali é impressionante. E ele continuou:

- Sem mais delongas, Alberto, tu me perdoe a intimidade, data vênia, mas vá pra pôta que o pariu com seu cargo, com sua pose, com sua empáfia...

E nem terminou o discurso.

A patuléia assobiava, gritava, carregava seu Osório no colo, e arremessava no pobre Alberto os farelos que restavam do bolo. Partiram pra casa dona Olívia, Alberto no meio e seu Radamés, tendo seu Osório gritado antes dos três atingirem a esquina seguinte:

- A Vila não quer abafar ninguém, ô putão! Por isso não vem querendo abafar, não, que aqui tu só se fode!

20.3.06

O PASQUIM

"O meu pai era paulista
meu avô, pernambucano
o meu bisavô, mineiro
meu tataravô baiano..."


(Chico Buarque)





Na foto vê-se um grande amigo, Luiz Carlos Toledo, abraçado à coleção caprichosamente encardernada, de 12 volumes, mais um sacão desses de lixo industrial de quase um metro de altura contendo jornais ainda a encadernar. Ah, sim... a coleção é do legendário "O Pasquim", e estão encadernados os anos de 1969 até 1974. Fora, não se esqueçam, todos os exemplares que estão no tal saco.

Ontem estivemos, eu e Dani, a convite do grande Toledo (que vem a ser o "Pai do Ilustrador"), no sítio onde ele e a Luciana se refugiam vez por outra, e ainda na companhia do Pedro (que vem a ser o "Ilustrador") com a Diana e suas duas filhas, Bia e Nina. Saímos de casa por volta das 10h e chegamos lá pouco antes das 11h. O Toledo me provocando desde a semana anterior, quando fizera o convite:

- Vou te dar o presente do ano! Do ano!

A essa altura vocês já sabem. O malandro, num gesto que me fez ter vontades olímpicas de fumar de tão nervoso (não fumei), que me fez ter vontade de beber em pleno período de abstinência programada (bebi), entregou-me, um a um, os volumes, enormes como se vê, e ainda disse sorrindo:

- Ainda falta aquele saco! Ainda falta aquele saco!

E eu fazendo força pra não desabar diante do cara e da Luciana (Dani, já que moças são menos controladas nessa hora, já chorava), com a cara mais embasbacada do mundo diante daquele presente que nunca (dito com veemência) imaginei ganhar na vida.

Mas eis o momento em que desabei de vez, em que fiquei com as pernas bambas e os olhos que não desgrudavam do tesouro.


Eu, como vou dizer isso?, pra não cair no chão e abraçar aqueles livros, lancei-me nos braços do Toledo, diante dos olhos da Sorriso Maracanã e da Luciana, e só consegui dizer:

- Obrigado! - pra em seguida tascar-lhe um beijo de gratidão, de sei lá mais o quê (estava visivelmente eufórico), no pescoço.

E ele, mal disfarçando a emoção:

- Não sou eu que estou te dando...

E eu ainda abraçado ao cara.

- É meu pai.

Bem, façam uma idéia do que eu fui dali em diante, vocês que me conhecem. Luiz Carlos, arquiteto, filho do Aldary Toledo, um dos mais destacados arquitetos brasileiros, e um senhor artista plástico, estava ali, diante de mim, entregando a mim um tesouro guardado, com esmero, por seu pai, que lhe dera a coleção a certa altura da vida. E eu fiquei sem saber o que dizer, literalmente.

Mas há mais! Há mais! Ainda há mais!

Já semi-refeitos da "cerimônia de entrega", já sentados e bicando uma cerveja (minha abstinência foi pras cucuias), eu folheava excitadíssimo o volume I, com a coleção do ano de 1969, quando "O Pasquim" foi lançado.

A capa do jornal número 01 é essa aí embaixo.

O dedo no alto é da Dani, felicíssima por mim.

Então. Eu folheava um por um e o Toledo valeu-se de sua autoridade:

- Pára de olhar isso agora, pô! - e riu.

Estava certíssimo. Eu estava tão absorto ali que não aproveitaria o dia.

E disse ele, olhando pra longe:

- Edu... Eu não poderia dar isso a mais ninguém. E você há de me prometer. Quando você fizer 60 anos, saberá a quem passar esse tesouro, como meu pai fez comigo, como faço agora contigo.

- Prometo, prometo... - também olhando pro mesmo longe que ele, dizendo por dentro ao seu Aldary, a quem conheci quando namorava a filha do "Pai do Ilustrador" (a vida e seus meandros...), que não o decepcionaria.

E ficamos ali bebendo, comendo uma lingüicinha mineira, mudamos o assunto, Pepê chegou com a Diana e as duas meninas, eu fiquei apaixonadíssimo pela Nina, e até a hora de irmos embora, todos, eu não estava exatamente ali, se me entendem.

Ah, e Toledo... Eu continuo sem saber o que te dizer.

Beijo (pra ele) e até (pra todos).

PS: hoje, dia 20 de março, é aniversário da Sônia, minha queridíssima Manguassônia, por quem ergo o copo no balcão imaginário do Buteco.

17.3.06

RESENHA (por Juliana Amaral)


"Quando a maré vazar
Vou ver Juliana
Vou ver Juliana
Vou ver Juliana..."


(Dorival Caymmi)

Ói eu com a Juliana Amaral (esse site está desatualizado, eis que não menciona o disco novíssimo que a Ju está pra lançar, mas dá pra ouvir trecho de duas canções de seu primeiro disco e conhecer um cadinho de seu trabalho) na manhã do domingo de Carnaval! No Rio-Brasília, extensão da minha casa, um dos melhores e mais honestos butecos da Tijuca, onde sentamos pra beber e jogar conversa fora. Pois bem. Eu tenho, vira e mexe, falado da Ju procês (mas que raio de mineirice é essa?). A Ju, com quem venho trocando, há meses, emails que vão pra lá, emails que vêm pra cá, a Ju, que canta (e escreve) bem pra burro e que lança disco novo ainda este ano (depois aviso, depois aviso!), diz que leu meu livro e gostou. Escreve pra burro mesmo. A Betinha, por exemplo, leitora fidelíssima do Buteco, já disse isso até de público! Daí fiquei bobo. A Ju sabe das coisas, cês vão ver (chega, porra!). E não tô falando das minhas coisas, não! Ela sabe das coisas do mundo, minha nêga.

Pausa. Eu tô falando sério. Por que escrevo com esse sotaque? Abstinência? Szegeri, ajude-me.

Mas vamos lá.

A Ju mandou-me, há exatamente uma semana, um email lindo de morrer. Começa o email dizendo não se tratar de uma resenha. Mas é. Leiam (e vejam) vocês mesmos.

"Não é uma resenha.

T
ive dois professores que me ensinaram a ler.

A primeira, ainda no colegial, apresentou-me o Bispo do Rosário e seus bordados divinizados e malditos em lençóis do hospício, linhas tingidas de sangue e urina tecendo palavras ordenadas de modo carnavalesco, falando de Deus e dos homens em parangolés coloridos e tristes, rôtos e sagrados, ex-votos de sua maldição, de sua baixeza, de sua sacralidade. Lembro-me do assombro no coração de menina ainda quando entendi que não importa só a palavra, mas sim o seu movimento, seu contorno no mundo, seu espaço, sua espessura.

O outro, já na faculdade, (re)apresentou-me Manuel Bandeira e Machado de Assis e depois me desvirginou definitivamente para o maior de todos, Guimarães Rosa. A morte e a humildade do Manuel, a crueza e a precisão cirúrgica do Machado, e a violência, a bruteza e a imensidão do sertão do Guimarães, e suas infinitas belezas, forjaram em mim (pretensiosamente) um jeito de ler vertical, fizeram-me querer procurar com teimosia por entre as fibras do tecido (o manto do Bispo) os fios escondidos, as filigranas, aquilo que não se vê talvez, mas que está lá, e que faz o corpo da palavra, seu desenho, sua carnatura; aquilo que eu fecho os olhos e quase consigo pegar, morder, cravar minhas unhas. Ao mesmo tempo, pra desafiar minha natureza cartesiana (sou como o Riobaldo, quero o preto longe do branco, o feio apartado do bonito, cada coisa em seu lugar), com essa minha fôrma vou aprendendo, me forçando a aprender, a cada dia, a entender as coisas que são e não são ao mesmo tempo, no revés, pelos avessos, e isso é coisa que me dá um conforto e um desespero, mas que alimenta meu espírito e me dá oxigênio pra andar pra frente com o umbigo longe do chão, pés firmes, olhos erguidos.

Falo tudo isso porque não faria uma resenha do teu livro, não sei mais fazer isso, embora me dê sempre um aperto no peito em pensar que minha vocação primeira seria essa. O que posso, consigo e quero fazer é falar de duas coisinhas talvez meio escondidas, mas que tomam pra mim a dimensão das grandes felicidades, fruto disso aí que sou.

Gosto dos caminhos que vão paralelos às histórias, dois em especial: a tijucanice e o anacronismo. Como é próprio do discurso pessoal (e você faz muito bom uso da primeira pessoa, tanto na liberdade das digressões quanto no empréstimo da palavra a outro narrador), ele não prende o foco num só lugar, ele é redondo; as repetidas voltas a esses dois "assuntos", e a sua precisão em fazer isso de modo sempre variado - gradiente construído do pequeno ao grande, do tom esmaecido ao colorido intenso - avolumam o texto, costuram uma linha que transpassa os contos, refletindo sobre ele mesmo e dimensionando pra quem lê aquele que escreve e aquilo que se escreve no tempo e no espaço. Esses caminhos vão adjetivando e modulando o texto, e me dão aquela sensação de espessura, de corporeidade, de materialidade.

E gosto dos lirismos que vão tímidos em um ou outro lugar, palavras pequenas que revelam um olhar tão masculino (é preciso um parêntesis: as feministas de plantão virão certamente me bater com seus sutiãs queimados em riste; morram todas elas que não sabem ser amadas nem comidas nem nada...): a moça que limpa a boca com as costas das mãos, que deseja o cunhado no quarto ao lado; o amor do senhor pela mulher morta, seu delírio; a saudade da bisavó. O seu discurso me encanta justamente por sua masculinidade, pois que daí aparece a devoção - devoção essa que faz parte mais da natureza dos homens, assim como a amizade masculina cuja grandeza invejo. Há quem diga que é "o lado feminino" do escritor; eu, ao contrário, acredito ser esta a parte masculina, que não está dissociada de todas as outras (a força, o pragmatismo, a bruteza, a rigidez), e que só pode existir por causa dessas outras. É que eu definitivamente sou pela distinção dos gêneros, homem é homem, mulher é mulher, graças a Deus, são as diferenças que fazem a beleza dos amores, que só assim podem ser intransitivos e generosos.

Como nos mantos do Bispo, como nos detalhes preciosos do Machado, como na paixão bruta de Guimarães, como nos móveis do quarto do Manuel, (e sem comparar diretamente que não teria essa coragem, vou usando só de propícia metonímia) teu texto fala do pequeno pra dizer do grande, sai da esquina pra dizer dos cantos do meu peito, do peito de todos nós. E tem a tristeza, a tristeza. E traz depois o silêncio que sucede os grandes encontros.

Falei mais de mim do que do livro, que vergonha. Mas mesmo assim, lá vai.

Beijo grande,

Juliana

PS: porque sou apaixonada por ele, lá vai um pós-fácio: "Amigo, para mim, é só isso: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, ou quase; e os todos sacrifícios. Ou - amigo - é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é." (João Guimarães Rosa, in Grande Sertão: Veredas)"

E aí? É ou não é de me deixar bobo?

Até.

PÉ-SUJO FASHION?

"No tempo que Don Don jogava no Andaraí
Nossa vida era mais simples de viver
Não tinha tanto miserê,
nem tinha tanto tititi
No tempo que Don Don jogava no Andaraí..."

(Nei Lopes)

Depois dizem que eu sou radical quando digo com todas as letras que não piso num lixo como o Belmonte, gerido não por um dono de bar, mas por um investidor que joga contra uma das mais bonitas instituições cariocas, que é o buteco. Assim é o Belmonte, assim é o Informal, assim é o Manoel & Joaquim, dentre outros, e vejam que verdadeiro lixo a nota de hoje n´O Globo.

Até.

16.3.06

VATICÍNIO


"Confesso, querido diário...
Garanto, querido diário...
Constato, querido diário..."


(João Bosco - Aldir Blanc)

Olha... Não me bastava o pito do papai. Agora foi o Szegeri, justo ele, meu Otto particular, quem me esculhambou ontem através de um email que reli umas cem vezes e do qual não entendi patavinas (ainda estou bêbado de minha bisavó). Tem só um troço que fica claro na truncada mensagem de meu irmão paulista: ele anda odiando o Buteco, e isso me dá, creiam, cólicas que nem Ponstan cura, nem doses cavalares de ácido mefenâmico aliviam.

Falei em cólica e lembrei que ontem meu intestino não funcionou, graças à ausência do cigarro no organismo. Uma amiga, pesquisadora e ampla conhecedora da matéria, me garante que há uma substância no cigarro que vicia, também, o intestino, que passa a precisar da coisa pra funcionar. Mas hoje, mesmo sem cigarro, já deu tudo certo. E gritei "paiê, acabei!!!!!" apenas para me lembrar do som do grito, embora o interfone tenha tocado logo depois. Era o porteiro, preocupado.

De volta ao Szegeri (que deve ter a-d-o-r-a-d-o, assim como o papai, a confissão semi-escatológica de hoje, não bastasse a de ontem).

O Szegeri foi o primeiro a pousar aqueles olhos enormes e saltados, expressivíssimos, no Buteco, quando nem Buteco ainda era. Era "Opinião do Edu". E o Szegeri é mais antigo, é mais antigo! Vem dos tempos de "Sentando o Cacete", e isso, ó, faz muito tempo. E sempre foi, o Szegeri, um entusiasta. Emails elogiosos, telefonemas de rompante, comentários seguidos, dia após dia, lá estava ele, o Impronunciável, como o chamava o saudoso Toledo, lendo e lendo e lendo o que eu escrevia.

Hoje ainda lê, por certo.

Mas lê desanimadíssimo. Quando manifesta-se, o faz com um "Olá, Edu", "Bom dia, Edu", até que na terça-feira tascou lá, nos comentários, um triste, pesaroso, profundo (não estou a debochar de meu irmão, em absoluto) e definitivo "Tá vendo, Edu...", assim mesmo, com as reticências e sem a interrogação.

Li e fui, da leitura em diante, um deprimido.

Aumentei para 450mg a dosagem de Zyban pra ver se ajudava. Não resolveu e voltei à dosagem recomendada pela bula. Comprei "Serenus", um remedinho que faz propaganda na TV e mostra gente calmíssima depois de um comprimido com um copo d´água. Nada. Aquele "Tá vendo, Edu..." me soou como um vaticínio, um aruspício gravíssimo e vencendo a vergonha de parecer ignorante mandei um email para meu irmão, curto como seu comentário, dizendo apenas "Tá vendo o quê, Guru?", e é preciso dizer que o chamo de Guru desde o dia em que o exemplar funcionário público, diante de um prognóstico nebuloso envolvendo uma pessoa muito querida (não quero falar disso hoje), gargalhou como o Seu Tiriri e disse:

- Edu. Não é nada. Confie em mim.

Assim. Simples. E deu, depois, mais uma meia dúzia de provas de que aqueles olhos escondem algo que ainda não conheço.

Pois bem. Mandei o email. E o que veio de volta foi a tal resposta mais nebulosa que o prognóstico. Não entendi nada, e ainda agora - notem como estou perdido - me dói a verdade contida na mensagem cifrada.

Até.

15.3.06

CONTRA O MAU-OLHADO

"Eu vou me banhar de manjericão
Vou sacudir a poeira do corpo batendo com a mão
E vou voltar lá pro meu congado
Pra pedir pro santo
Pra rezar quebranto
Cortar mau-olhado

Eu vou bater na madeira três vezes com dedo cruzado
Vou pendurar uma figa de aço no meu cordão
Em casa um galho de arruda é que corta
Um copo d'água no canto da porta
Vela acesa e uma pimenteira no portão

É com vovó Maria que tem simpatia pra corpo fechado
É com pai Benedito que benze os aflitos com um toque de mão
E pai Antônio cura desengano
E tem a reza de São Cipriano
E tem as ervas que abrem os caminhos do cristão"

(João Nogueira - Paulo Cesar Pinheiro)


Fiéis leitores, meus amigos, permitam-me o desabafo. Eis-me aí, na foto, dançando com minha bisavó, a famosíssima Bia (famosa para os que me lêem e para os que me têm por perto), provavelmente em 1980, no apartamento 203 da Rua São Francisco Xavier 90, Tijuca, obviamente. Tinha eu 11 anos de idade, e a pouca nitidez da foto deve-se ao fato de que a mesma foi tirada por minhas mãos trêmulas, com uma câmera digital, diante da imagem do slide projetado na parede da casa de papai e mamãe no domingo, quando fui, súbito, arremessado ao passado durante as mais de quatro horas de sessão de filmes. E por quê lhes conto isso? O que vocês tem a ver com minha vida? Explico.

Ontem papai deu-me sonoro esporro (ouço as palavras que leio) e reproduzo aqui o pito (eu disse "pito" porque estou embriagado de minha bisavó):

"Du, uma vez mais lamento como voce está tomando a sua decisão, que deve ser a 27ª decisão, e sempre com os Zybans da vida, com os maços na cabeceira, com os amigos te alertando, e você jurando que nunca mais. Du, quando se quer realmente tomar uma decisão, ninguém precisa saber, ninguém precisa ser testemunha, não é preciso lamentar o isqueiro novo, nada disso é preciso!!!"

Vejam vocês que eu fiquei assombrado com a mensagem. Parece que depois de 36 anos o papai ainda não me conhece. E assombrou-me, violentamente, a seguinte frase: "(...) quando se quer realmente tomar uma decisão, ninguém precisa saber, ninguém precisa ser testemunha...". Ora, ora, ora.

Desde que, meninote, fui instruído a gritar "paiê, acabei!!!!!" ou "manhê, acabei!!!!!" depois do cocô que nunca mais perdi esses impulsos de propaganda, de auto-promoção, de súbitos desejos de a tudo anunciar no outdoor. Lembro-me de, meninote, sentado no penico, pensar justamente nisso, no absurdo que era esse alardear do fim do cocô. As visitas na sala da casa de minha avó, e eu lá do banheiro:

- Manhêêêêê?

Ela tentando disfarçar:

- Já vou!

E eu de pé com o penico entre as pernas:

- Acabei!!!!!

Ficava orgulhosíssimo, ainda mais quando percebia os olhares de reprovação das amigas de minha avó, aqueles cabelos azulados reluzentes, todas em choque, velhas que, com raríssimas exceções, eu achava chatíssimas, o que me dava um prazer imenso em chocá-las. E passei a tomar gosto pela autopromoção, pela exposição permanente do que me vai na alma, do meu dia-a-dia, e não posso me arrepender, eis que daí, dessa exposição olímpica, foram aparecendo o Szegeri, a Ju Amaral, a Inês Baptista, o Vicente Melo, a Lu Matos, gente que, pelo jeito, tomou gosto por me ver e me saber. E papai está cansado de saber disso.

Volta e meia bate o telefone pra mim com o mesmo conselho:

- Filhão, diz pro papai, diz... O que interessa às pessoas a feijoada que você fez no domingo? A próxima vai azedar! Olha o olho grande! Olha o olho gordo!

E eu, confiando na tribo da qual sou íntimo, arco e flecha imaginários na mão, sigo assim, ó, escancarando as janelas, sem medo do mau agouro.

Até.

14.3.06

BREVES COISAS DO DIA A DIA


"Todos acham que eu falo demais
E que ando bebendo demais
Que essa vida agitada
não serve pra nada
Andar por aí bar em bar, bar em bar
Dizem até que ando rindo demais
E que conto anedotas demais
Que não largo o cigarro..."


(Tom Jobim - Aloísio de Oliveira)

Atenção! Antes mesmo de dar-lhes a notícia - que não interessa a ninguém, somente a mim, e aí deixa de ser uma notícia - estou ouvindo os relinchos e as gargalhadas de incredulidade do Fefê, Dalton, Vidal, Szegeri, Flavinho, de quase todos. Mas a foto denuncia a notícia.

Hoje, 14 de março de 2006, fumo meu último cigarro.

(podem rir... podem rir...)

Várias coisas contribuíram para a decisão, que é gravíssima e solene. Um email de meu irmão Szegeri, que reli recentemente, no qual ele diz, basicamente, que bebendo como eu bebo posso viver muito, e bem, mas fumando como eu fumo, definitivamente não. E descreve, com riqueza de detalhes funestos, o quadro que recentemente viu de uma conhecida sua internada em decorrência do excesso de cigarro. E vejam como anda minha cabeça... Sonhei, na semana passada, com a Pimentinha, de pata em riste, as unhas arranhando meu rosto, falando (eu disse falando mesmo):

- Pai, pare de fumar.

(podem rir... podem rir...)

Há mais, há mais. Eu ando acordando com uma tosse olímpica. Quase não é uma tosse. É, digamos, um arroto monumental vindo dos pulmões. Vou sempre ao espelho e tenho piedade intensa de mim mesmo. Ando fedendo, e muito. Jatos e jatos de perfume não dão conta de sequer disfarçar o futum do tabaco. Isso para não ter de falar dos dedos da mão direita, amareladíssimos.

Enfim, com 36 anos, está tomada, e irreversivelmente, a decisão. Tenho aqui a meu lado dois maços de Carlton (acho que terei saudade deles...), o Zippo vermelho comprado recentemente (à toa, vê-se agora), um cinzeiro fruto das peripécias de Exu Meliante e chega. Amanhã não haverá mais nada disso.

Estou tomando meu bom e velho Zyban, recorrerei, se preciso, aos adesivos de nicotina, mas cigarro na boquinha never more, como diria a Sorriso Maracanã. Dito isso, em frente.

Inaugurou hoje, aqui pertinho, na Hadock Lobo quase esquina com a Rua do Matoso (sempre ela!), um hortifruti. E quem me conhece sabe. Eu nunca perderia isso.

Não soubesse ler o letreiro e eu diria:

- O que faço numa casa geriátrica?

Uma nuvem de cabelos brancos, azulados, cinzas, cotovelos enrugados em guerra franca e muitos gritos, era apenas o que havia diante dos balcões dos hortifutis. Chamou-me a atenção um diálogo:

- Roseli! Roseli! Corre aqui, Roseli! Me ajuda a empacotar essas couves! - grita a senhora, uns 80 anos por baixo.

Vem a Roseli. Morenaça. Deve ser a empregada da velhota.

- Dona Neném, a senhora odeia couve...

- Cala a boca, Roseli, e me ajuda a empacotar! Nove centavos o molho, eu nunca vi!!!!! Eu tenho que comprar!

Rodopio e dou de cara com outra velhinha cheirando os tomates. Grita para um funcionário:

- Setenta e nove centavos? Aqui do lado, no Rede Economia, está sessenta e nove!

- Minha senhora, nossos tomates são melhores que os deles...

E a velha espreme, sem dó nem piedade, um, dois, três tomates e quase esfrega na fuça do empregado.

Forma-se uma roda em volta do coitado. As velhas e os velhos vaiam, batendo palma, e batem em retirada, quase me atropelam, tomam a direção do Rede Economia e voltam, em questão de segundos, a mesma velha à frente:

- Eles aumentaram o preço! Aumentaram o preço!

E vai a manada de velhos, atropelando tudo e todos, em direção ao balcão de tomates.

São os "metódicos de hortifruti", citados no meu humilde livro.

Até.

13.3.06

UM CASAMENTO


"Não fumo lá pra brigar,
nóis fumo lá pra comer..."


(Adoniran Barbosa)

Casaram-se no sábado, 11 de março, Celsinho e Tathiana, na Igreja Nossa Senhora de Lourdes, no Boulevard 28 de Setembro, em Vila Isabel, e a G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel desfilou, na mesmíssima avenida, no mesmíssimo dia, no mesmíssimo horário, o que quase deu ao casamento o feitio de um dos delírios do Nelson Rodrigues, que espezinhando o "avançado" Dom Hélder Câmara, previa missas com chocalhos, pandeiros e tamborins. Mas eu disse "quase", eis que o desfile atrasou e o casamento transcorreu sem qualquer perturbação. E eis aqui, agora, a primeira triste constatação. O casamento transcorreu sem qualquer perturbação e quase que sem qualquer assistência. Não fôssemos eu (Dani estava em Curitiba, a trabalho), Betinha, Flavinho, Barroca, Marquinho, Dalton, Maciste e Alexandre e não haveria ninguém pra contar história, tirando os pais e os padrinhos dos noivos, evidentemente.

Vejam do que é capaz a escumalha.

Tramando desde cedo sórdidos planos, Fefê, Vidal, Cachorro, Zé Colméia, Márcio Branco, Gaby, um membro da Magistratura, policiais de folga, todos tinham um orgulho de dizer "vamos apenas para comer", e assim fizeram, numa demonstração olímpica da mais ampla, rasa, geral e inequívoca ausência absoluta de mero resquício de educação.

E a festa? Vou falar sobre a festa.

Se na igreja duas mãos davam conta dos presentes, na festa, que realizou-se na suntuosa mansão do industrial Lobarinhas, havia mais de duas centenas de famintos que não tinham nem sombra de arrependimento pelo comportamento grosseiro, rude e primitivo. Um convidado, por exemplo, e não lhe darei o nome, disse-me a certa altura:

- Você foi à igreja?

- Fui.

E o paquiderme rolou as escadas da mansão me chamando de otário. E de boca cheia.

O Zé Colméia. Vou falar do Zé Colméia. Como é sabido, o Zé tem pra lá de 2 metros, calça 50, e estava, na noite do sábado, suando aquele suor oleoso que lhe dava aparência ainda mais assustadora. O Zé bebeu, durante a festa, cerveja, espumante, vinho tinto, Dry Martini, Cuba Libre, drinks coloridos com guarda-chuva espetado em frutas variadas e dizia, entre um gole e outro (geralmente com um drink diferente em cada mão):

- É de graça! É de graça!

Notem como a coisa se passou.

Havia Black Label, e havia Black Label à vontade.

Como é de se esperar em qualquer evento, a certa altura o uísque acabou. E um convidado (também não lhe direi o nome com medo de represálias, já que o sujeito anda armado) tomou um dos garçons pela gravata borboleta e disse, aos berros:

- Ô, caralho! Não era preferível servir Red Label a noite inteira? Traga mais uísque, esparro!

E o garçom, um senhor entrado em anos:

- Mas, senhor... Recebemos ordens de parar de serv...

Tomou, coitado, um murro que deve estar doendo até essa manhã de segunda-feira.

Lembrei-me de outra do Zé Colméia.

Estávamos numa espécie de sacada onde havia quatro mesas. E vieram Celsinho e Tathi para as fotos. Um foto, duas fotos, três fotos, e o Zé, finíssimo:

- Pô, Celsinho, tá bom de foto, porra! Desde que tu chegou aqui com esses fotógrafos emperrando o caminho que garçom nenhum consegue servir porra nenhuma! - e foi empurrando, sem cerimônia, o noivo e a noiva escada abaixo.

Mais tarde, já próximo do fim da festa - que foi regiamente servida, é preciso dizer isso - os garçons pararam de servir bebida alcoólica, até mesmo porque a gentalha estava começando a perder o prumo. Pra quê?!

Havia uma "ilha" onde dois homens preparavam os drinks. E, queridos leitores, eu assisti a uma invasão brutal, violenta mesmo, que nem os mais radicais membros do MST seriam capazes de reproduzir.

O Zé Colméia arrancou a faquinha da mão de um deles, que preparava uma capirinha. E espetou-a na barriga do cara:

- Malandro, tu quer morrer?

E o cara:

- Não, não, por favor, senhor, calma...

- Calma é o cacete! Sai fora daqui!

E invadiu, o Zé, a tal ilhota, e saiu distribuindo as bebidas que encontrou pelo balcão. Arrancou, com os dentes, a coroa de um abacaxi, deu um talho no alto da fruta e despejou, inteira, uma garrafa de vodka. E saiu flanando, com um canudinho, bebendo seu drink:

- Fala que eu sou foda, Edu!

Ficamos, eu e Dani (que chegou direto de Curitiba, lembrem-se), com Celsinho e Tathi até o apagar das luzes, naquele papo de consolo, eis que a reponsável pelo bufê apresentava a conta dos objetos roubados, como copos, cinzeiros, talheres, guardanapos, pratos e travessas de louça.

Como se vê, uma vergonha.

Até.

11.3.06

HOJE É DIA DE CRISTIANO


"Vai, meu irmão, pega esse avião
você tem razão de correr assim desse frio
mas beija o meu Rio de Janeiro
antes que um aventureiro lance mão..."


(Chico Buarque - Toquinho - Vinicius de Moraes)

O Buteco, como é sabido, muito raramente abre aos sábados. Mas abre hoje, um sábado, já que hoje faz anos, 31 mais precisamente, meu irmão caçula (e eu não sei por quê, mas digo "caçula" e me sinto, da cabeça aos pés, um decrépito), na foto ao lado da Sorriso Maracanã (registre-se a rara ausência do sorriso escancarado e a presença de um biquinho) num bar em Amsterdam (e eu só disse Amsterdam para fazer a rima com Maracanã, não foi à toa).

Eu sou capaz de ouvir daqui alguns "ohs" e "ahs" e as perguntas espocando, "você tem outro irmão além do Fefê?", "mas, Edu, você nunca ou quase nunca fala dele, nem me lembrava...", e por aí. E daí?

Se ao longo desses 31 anos de convívio aprendemos a (con)viver com as diferenças abissais, gostos diferentes, objetivos diferentes, se o que temos na memória coletiva dos 3 irmãos são, sempre, de um lado eu e Fefê e do outro ele, Cris, e constantemente implicâncias olímpicas capazes de nos manter afastados, deu-se o milagre (a palavra "milagre" é figurativa, apenas) quando ele tomou o rumo da França, onde mora há alguns anos, para trabalhar e brilhar na Europa numa empresa gigantesca. Isso daí gerou até piada.

Os amigos de papai perguntavam:

- E os filhos, Isacão, vão bem?

Papai pigarreando:

- Bem.

- Estão fazendo o quê?

E papai sussurrando:

- O Eduardo é advogado e o Fernando tem um bar - dizia baixinho, quase inaudível, com os olhos cabisbaixos.

- E o caçula?

Daí o papai, de pé, aos gritos, enchendo de perdigotos seu interlocutor:

- Está na França, trabalhando numa puta empresa, num senhor cargo, é um gênio, um gênio, um gênio!!!!! - e danava de chorar.

De volta ao tema.

A distância física serenou os troços. Passamos a trocar emails, passamos a conversar, como nunca dantes, pelo MSN, pelo SKYPE, e eu passei a sentir saudades agudíssimas do cara, o que foi dando cores lindíssimas a esse laço, cujos meandros desconhecemos a fundo, fruto do mesmo sangue, da mesma origem, dos antepassados em comum.

Lembro-me do instante de nosso encontro, em Amsterdam, depois de meses sem vê-lo, que gerou em mim, um fóbico incorrigível, frios na barriga, vontade de chorar, uma alegria quase que infantil. E o mais incrível é que estava lá, também, o Fefê, e vivemos (falo sem consultá-los valendo-me da minha autoridade de irmão mais velho, e sinto-me ainda mais decrépito nesse instante), os três, nosso mais bonito e intenso encontro.

Devo muito à Dani tudo isso, e ele há de me compreender, e é apenas ele quem deve compreender isso, nem me perguntem o por quê, já que eu não vou responder (além de decrépito, acordei rabugento).

Ergo, então, do balcão do Buteco, um copo cheio de chope em homenagem a ele, que está no Rio que ele tanto ama, cidade que infelizmente é assolada nesses tempos por pelo menos três aventureiros (César Maia, Rosinha Garotinho e Anthony Garotinho), valendo-me, novamente, de minha pseudo-autoridade de mais velho, para exigir saúde, sucesso e cada vez mais felicidade.

Ele embarca de volta amanhã, mas já temos encontro marcado para o dia 2 de junho, quando nos encontraremos em Lisboa, eu, Dani e ele. Ele que, vejam vocês, nos deu de presente os dois ingressos para o Rock in Rio e a hospedagem em Lisboa. Coisa que, não sei se me entendem, não tem preço. Um beijo, Cris.

Até.

10.3.06

FUTON NA TIJUCA


"Tenho passado tão mal
A minha cama é uma folha de jornal"


(Noel Rosa)

A foto, tirada em 30 de janeiro de 2005, mostra dois tesouros, Betinha e Dani Sorriso Maracanã, abraçadas num dos quartos do apartamento de Betinha e Flavinho, aliás, ambas, juntas, pela segunda vez na semana aqui no Buteco, embelezando demais o furdunço virtual. Mas não é delas que vou falar hoje (antes fosse, antes fosse!). É do futon. Mas não é desse futon que vou falar hoje (e de novo, antes fosse, antes fosse!).

É do nosso, meu e de Dani. E quem diria. Explico.

Quando naquele janeiro de 2005 eu adentrei o apartamento no Flamengo e vi um Flavinho (egresso do Cachambi), eufórico, gritando pra mim e pra Dani "venha ver nosso futon", deu-se um deus-nos-acuda. Olhei pra Dani e disse:

- Topas? - perguntei já afrouxando o cinto.

E ela sem entender minha pergunta:

- Topo o quê?

- Assistir ao futon deles... - pensei naquilo, pensei naquilo!

Dani, Betinha e Flavinho rolaram no chão de rir enquanto me explicavam - e me mostravam - o tal futon.

Passaram-se meses e fomos, eu e Dani, à São Paulo, e ficamos, como é praxe, hospedados na casa de meu mano Szegeri e da Stê. O Szegeri, que tem os olhos saltados e expressivos, abriu-nos a porta com um sorriso quase-Maracanã (mas bem mais feio, refiro-me ao tamanho). E disse:

- Tcharammm! Temos uma sur-pre-sa pra vocês... - e levou-nos, pé ante pé, até o quarto dos fundos, onde sempre dormimos sobre um colchão de casal posto no chão, sem estrado. Confortabilíssimo.

Abriu a porta devagarinho, acendeu a luz e gritou:

- Compramos um futon para vocês! - e ficou dando saltos ornamentais desajeitadíssimos sobre a coisa.

Eu, confesso, tive vertigens. Estava, definitivamente, disseminada a epidemia do futon.

Tive uma noite péssima. Suei horrores e senti a pele pinicada por uns troços que os fãs do futon chamam de algodão, fibras naturais e látex (todos repetem a mesmíssima coisa). E bradei aos céus cinzentos de São Paulo na manhã seguinte:

- Nunca (usei a mesma ênfase no "nunca" do Szegeri) vocês me verão embarcar nessa onda oriental modernosa! Nunca!

Pois bem.

Ontem à tardinha a Sorriso Maracanã me telefonou lânguida:

- Gugu... (não sei a origem do apelido)... você não quer vir me encontrar aqui na Barra, não?

- Aonde? (é assim: eu ouço a palavra "Barra" e tenho reações estranhíssimas)

- Ah, Gugu... vem...

Eu fui. Sacumé... Quinta-feira. Uma canícula quase que insuportável. Paguei pra ver.

No meio do caminho toca o celular.

- Gugu... me encontra aqui no Casa Shopping?

- Aonde? (é assim: eu ouço a palavra "shopping" e meus batimentos vão à lua)

- Ah, Gugu... vem...

Eu fui.

E deu-se a hedionda realidade.

Dani levou-me a uma loja para comprar o quê?

Um futon.

Diante de meus rodopios diante da entrada do estabelecimento, a vendedora me abanando com um leque com motivos japoneses, Dani disse:

- Calma, Gugu... É pro Szegeri, tadinho... Pra Stê... Eles nunca têm conforto lá em casa...

- Pra quem?

- E além do mais, a Guerreira tem futon, a Fumaça tem futon...

- E daí, porra?!

E vendedora, tadinha, tentando ajudar, fez merda:

- É... e o Ed Motta esteve aqui na semana passada e também comprou um...

- Quem?

Nem fui respondido e partiram as duas de mãos dadas pro interior da loja.

Meus queridos leitores, não resumiu-se a um futon. Eu assisti, impávido e impotente, a vendedora (dona de uma lábia capaz de fazer o Brizola no auge parecer um petiz no Jardim de Infância) convencendo a Dani.

Não bastava comprar o futon. Era preciso uma sobrecapa, dois zabuton e duas almofadas fofas. E a Dani:

- Gugu... gostou?

Como eu apenas chorava, borrando os quatro cheques pré-datados, não respondi.

Vou explicar resumidamente a coisa.

Um colchão custa "x". Um futon, muito mais desconfortável, "5x".

Uma almofada comum custa "y". Uma almofada fofa, "10y".

E se uma almofada fofa custa "z", um zabuton custa "15z".

Porra! Um zabuton!!!!! Ia me esquecendo de lhes dizer o que é um zabuton (e o faço com uma vergonha olímpica...). Zabuton é uma almofada idêntica a uma almofada comum, mas segundo a vendedora muito, muito, mas muito mais fofa que a almofada fofa.

Como é que eu vou explicar aos meus antepassados, aos meus contemporâneos, ao próprio Szegeri, cacete, que eu terei, em trinta dias, dois - eu disse dois! - zabuton em casa?????

Até.

9.3.06

ID OTTA


"Não fala com pobre, não dá mão a preto
Não carrega embrulho
Pra que tanta pose, doutor?
Pra que esse orgulho?
A bruxa que é cega esbarra na gente
E a vida estanca
O enfarte lhe pega, doutor
E acaba essa banca
A vaidade é assim, põe o bobo no alto
E retira a escada
Mas fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do côco afinal
Todo mundo é igual quando a vida termina
Com terra em cima e na horizontal"


(Billy Blanco)

É hoje que meu irmão Szegeri solta fogos novamente comemorando breve retorno à moda de "Sentando o Cacete". Vamos transcrever breves trechos de odiosa matéria veiculada na revista "Isto é", de primeiro de março de 2006.

"“Para ficar perfeito, o chá tem de ser preparado com água mineral.” Mais receita: “Preferencialmente com spring water, ou água de montanha. A nossa água de Petrópolis também é boa.” Quando lhe dizem que a sua nova mania sai caro, ele concorda. E esnoba: “Não é para o povão, mas eu não consumo nada do povão. Felizmente! A não ser que seja o povão da Itália, o povão da França.” Nessas horas, Ed Motta comprova pelo temperamento que é mesmo sobrinho de Tim Maia – de quem, aliás, não gosta de falar. “A gente não se dava bem. Personalidades diferentes, sabe?” Ele se entusiasma, e muito, quando o tema é 7, o musical, que estréia este ano no Rio de Janeiro com direção de Charles Moeller, letras de Cláudio Botelho e, claro, músicas suas. Após a temporada no Rio de Janeiro, esse musical desembarcará em São Paulo, cidade que o carioca Ed Motta adora: “Só não mudo para Sampa porque tenho dependência física do Rio.”"

Que tal? Peço a ajuda da tropa de choque, Fernando Szegeri, Zé Sergio Rocha, Marcão, Augusto, Flavinho, Fernando Borgonovi, Julio Vellozo.

Supostamente um cantor popular - como é citado em inúmeras outras matérias - o sobrinho do Síndico Tim Maia, que deve estar bem puto com o balofo, diz, com todas as letras, que odeia o que é do povo, do seu povo, preferindo o povão italiano e o francês. Não é à toa, convenhamos, que "não se dava bem" com o tio. E convenhamos de novo... Personalidades diferentes é o cacete!

A lamentar, ainda, o fato de que o povão, que gasta seu suado dinheiro para ir assistir a seus shows, não compra revistas e seguramente não lê a "Isto É". Porque isto é, no mínimo, um escárnio, um escândalo, um nojo repugnante. E soubesse, o povo, como pensa o homem que só bebe chá com spring water, e seus shows seriam de um vazio merecido.

E se tem, o idiota (valho-me da definição "2" do Houaiss para a palavra: "diz-se de ou pessoa pretensiosa, vaidosa, tola"), como alega, dependência física do Rio, o Rio, o verdadeiro Rio de Janeiro, o Rio do povão carioca, por sua vez, tem com o balofo uma incompatibilidade de caráter, de comportamento, uma incompatibilidade química mesmo, olímpica. Vejam vocês! Fazendo um pequeno teste, tentei baixar, agora, via internet, um de seus CD´s. O antivírus o bloqueou.

Eu vou chamar o Síndico! Tim Maia!

Antes de fechar, um detalhe.

Eu bato, há anos, no Guia Rio Botequim, editado pela Casa da Palavra com apoio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Desacredito nele, como guia e como referência na matéria. Há os que discordam de mim. Se eu lhes disser que o Ed Motta é jurado dessa bosta, o que vocês acham? Por que não tenta, o pernóstico balofo, uma vaguinha no corpo de jurados do Guia Michelin, direcionado para o povo francês?

Até.

8.3.06

MINHAS MULHERES


"Falando de muita mulher
que sem elas a gente não vive..."


(Moacyr Luz - Luis Carlos da Vila - Aldir Blanc)

A gente se propõe a fazer uma lista e, pronto!, está fadado a um deslize, um lapso qualquer, mas hoje é o Dia Internacional da Mulher, dia que para um homem sério se comemora o ano inteiro, e me deu uma vontade olímpica de homenageá-las. Logo, qualquer deslize e qualquer lapso deve ser imediatamente perdoado.

O mesmo beijo terno e intenso que a Betinha dá na Dani Sorriso Maracanã nessa belíssima foto, é o beijo que eu estalo na bochecha de cada uma delas.

Começando pela própria Dani, a mulher que me ensinou a sorrir, com quem divido a vida, a cama e a alma, a tensão e a calma, as angústias e as certezas, saravá! A Betinha, a amiga-maior, doce e amarga, vento e calmaria, saravá! Mathilde, minha bisavó amada que já virou saudade, Mathilde, minha avó e Mariazinha, minha mãe, a Santíssima Trindade que me serve de sustento, saravá! Tarcisa, empregada de mamãe quando eu era um menino, cuidados especialíssimos, saravá! Falei "quando eu era um menino"? Saravá, Adele Fátima! Vanilza, uma verdadeira mãe-preta, como mãe-preta foi e ainda é minha querida Dona Zezé, olha eu ainda menino cultivando em mim as gratidões, saravá! Leinha, nossa secretária, gerente de nossa casa, saravá! Sônia, amada Manguassônia, olhos sempre ternos e abraço sempre de aconchego, uma craque na arte de fazer gente, Manguaça que não me deixa mentir, duas amadas guardadas no coração, saravá! Minhas afilhadas, minhas quatro pequenas mulheres, Milena, Ana Clara, Dhaffiny e Iara, e as que vêm a roboque do bem-querer, Maria Helena e Steffany, saravá! Às mães que me confiaram seus tesouros, minhas comadres queridas, Mariana, Magali (que ainda por cima é a irmã que eu não tive), Lu e Railídia, Raquelzinha e Ana, brindem comigo, saravá! Áurea Santos, guerreira, fortaleza em pessoa, saravá, mulher! Bia Henriques e Marcella, ó São Paulo na área, saudade e saravá! Uma anfitriã de mão cheia, do Rio de Janeiro a Roma, um saravá intercontinental pra Cecilia, e pra outra anifitriã, igualmente de mão cheia, do Rio de Janeiro a Amsterdam, saravá Evelin! Pra Natal, no Rio Grande do Norte, meu saravá pra Gloria, pra Andréa, pra Pititinga, e saravá pra dona Niza (a avó do ilustrador!), lá na Princesinha do Mar, e já que falei no "ilustrador", saravá Luciana, a bailarina, saravá! Desviando pra meus tempos de PUC, saravá Samantha, saravá Sabrina, Sueli, Pat e Paola Frajdrach, Leila Frajdrach, saravá Claudine, saravá Dani Castro! Do ramo das "Pureza", Dona Sá, Mamaia e Sandra, irmãs a quem amo desonestamente, saravá! Luana, paixão de olhos claros que deitam no meu coração apaixonado, Fabiana e Moniquinha, tudo "Pureza", saravá! Tem mais Pureza na área! Saravá, Cristina, saravá Simone, saravá Ivana, saravá pra Volta Redonda! Tô em Volta Redonda? Saravá Dri, saravá Neuza, querida Neosaldina, saravá Cléo, saravá santas mãos das cozinhas, saravá Santa! Saravá, Julinha, que virou anjo, saravá bem alto! Falei "bem alto" e lembrei-me de São Lourenço, e saravá minha Tia Lila! Falei em "São Lourenço"? Então vamos a Caxambu, e saravá Aninha, saravá Juju, saravá Lúcia Cavalcante, saravá Denise, Maura, Simone, Rosângela, Aninha, dona Olívia, Márcia, saravá Nena, saravá dona Albina, Nancy, Andréa, saravá Glorinha! Saravá minhas irmãs postiças, Fó, Cristina e Tati, e não é que são três paulistas? Saravá doce Stê, minha cunhada amada e paciente com meus arroubos, saravá Brinco, mulher que faz feliz meu irmão-siamês! Saravá, também, mães dos meus amigos, tadinhas, que não compreendem (como elas deixam isso claro no olhar...) o bem-querer de seus filhos por mim, Rino e Cecília. Marcia Silveira, minha editora querida, e Dôra, sua irmã, olha eu atravessando a Baía de barca pra gritar da terra de Araribóia, saravá! Duas paixões recentes, duas afinidades olímpicas, Juliana Amaral (cadê seu disco novo, moça?) e Inês Baptista, pra São Paulo e pra Cambridge, saravá bem alto, vocês minhas amigas pra todo o sempre! Ex-mulheres de amigos meus, atuais mulheres de amigos meus, saravá Paola, saravá Dôra da Dinda, saravá Moema, saravá Carmen Lucia, saravá Patrícia Garcia, saravá Rafa, saravá Valeska, saravá moças! Saravá Beth Carvalho, saravá Cléo, arquitetas de um jantar que não me esqueço! Presenças constantes no Buteco, mulheres com quem "convivo" no balcão imaginário (por enquanto!), Margarida Maria, Lucia, Maria Rezende, saravá, queridas! Irmãs queridas da minha Maracanã, queridas minhas, Maria Elisa, Banana, Gi, Laura, Nana, Iza, Rosana (e salve a África!), saravá, mulheres! A tropa do dia-a-dia, Guerreira e Kaká (saravá, Raquel!), Fumaça (saravá, Incêndio!), Maria Paula (saravá, Maria Silvia!), Lelê Peitos, Alê, Gláucia, Duda, Marcy, saravá mulherada! Saravá, mulher-Listerine, saravá, Cacau e Ângela! Saravá meu pandeiro preferido, e bate alto, saravá Robertinha Valente! Lembrei, lembrei, lembrei-me de Maria Baiana, olha eu de calças curtas no Palas, ela que foi a primeira mulher a me dizer que um dia eu escreveria um livro, saravá, Maria Baiana! Falei do Palas? Saravá Marly Pereira, saravá Lúcia Andréia, saravá Tatiana, Moniquinha, Isabela, Adriana, Leila, Marcinha, saravá! Às mulheres que cuidaram da minha Pimentinha, Marcia, Renata, Rita, Elsie, Luciana e Michele, saravá, queridas! Saravá, Lícia, que tratou de mim! Saravá Gilda, saravá Verinha, saravá Mari Blanc, saravá Virgínia, saravá Vera Mello, saravá Vera Castro! Saravá Ângela Bosco, saravá Julinha, saravá Adriana Moreno, saravá Luciana Machado Matos, beijo meu, querida! Saravá, minhas antepassadas e minhas raízes, saravá Tia Idinha, Tia Zirota (alguém com uma tia chamada Zirota, e lê-se "ziróta", pode ser normal?), Tia Noêmia, Tia Lys, saravá! E, ó, tô começando a achar que a lista não tem fim, o que faz de mim um sujeito de muita sorte. Acho que vou parando por aqui.

De pé, no banquinho imaginário, o copo com chope espesso, quatro dedos de espuma, o bigodão branco sob o nariz, estalo um beijo igualzinho ao da Betinha na bochecha da Maracanã, de olhos fechados e coração aberto, em cada uma de vocês!

Até.

PS: e saravá, também, pra Pimentinha, pô!

7.3.06

IARA, A MADRINHA


"Tutu-Marambá não venha mais cá
Que a mãe da criança te manda matar''


(Chico Buarque - Francis Hime)

Está difícil, confesso, fugir do assunto. O troço está muito recente e ainda me flagro, vez por outra, olhando pra trás em busca da mais doce cocker-spaniel que jamais conheci, fechando a porta do quarto, tendo ímpetos de verificar água e comida, o que torna a dor ainda mais aguda. Ontem, primeiro dia da Leinha, nossa secretária em casa, sem a Pimentinha, tive de acudi-la algumas vezes com os olhos cheios d´água lamentando a ausência da bichinha. Mas é preciso manter o humor. Do Céu dos Cachorros, eu sei, a altivíssima Pimentinha não admite o baixo-astral. Razão pela qual passo a lhes contar a história de hoje.

Meu irmão Szegeri mandou-me um lindo email ontem com o seguinte assunto: "Pimenta nos olhos próprios faz a gente chorar pacas...". É ou não é um gênio? É. Vamos em frente.

Dizia o meu irmão paulista, no email, que tentara, no meio da tarde de ontem, ir ao encontro da doce Iara (muito fofa na foto), sua filha com a Rai, minha afilhada e da Dani, pra contar a ela sobre a morte da Pimentinha. Sem conseguir fazê-lo, voltou arrasado. Voltou arrasado e me datilografou (que antigo!, que antigo!) a mensagem.

Detalhe importante: numa das vindas da Iara ao Rio, hospedada obviamente na casa dos dindos, diante do intenso carinho da pequena sereia com a nossa cachorrinha, decidimos dar a ela - que ficou com os olhos ainda mais lindos e ainda mais brilhantes com a notícia - o título de madrinha da Pimentinha.

E a Iara foi, daquele dia até o domingo passado, uma dinda competentíssima. Conta o Szegeri que numa determinada tarde, em São Paulo, brincando com uma outra criança num parque de lá, e a criança com seu cachorrinho, Iara empina o narizinho e diz orgulhosa:

- Bonito, seu cachorro. Mas a minha cachorrinha é muito mais bonita. Só que mora no Rio de Janeiro.

Que frase! Que frase! Até mesmo porque a Iara quando diz "Rio de Janeiro", como o pai, enche a boca.

Mas, então, no tal email o bom Szegeri sugere que escrevamos, eu e ele, a quatro mãos, uma historinha para que alguém a conte à Iara, a fim de que ela tome ciência da morte de sua afilhada. Vejam que coisa.

Dois marmanjos, dois poltrões olímpicos, sem saber o que dizer a uma criança.

Eu prefiro, sinceramente, e faço tal declaração pública para expôr minhas fraquezas e para, quem sabe?, exorcizá-las, que a Railídia, paraense, ampla conhecedora das lendas e dos mistérios da Amazônia, ou que a Dani Sorriso Maracanã, uma craque quando o assunto é lidar com as crianças, façam isso.

Eis a cena que imagino.

Estamos eu e Dani na casa rosa, do Szegeri e da Stê, em São Paulo.

Chegam Iara e Railídia.

Stê fica comigo e com Szegeri na ampla cozinha, fritando uma lingüicinha com cebola, nós três bebendo uma Brahma estupidamente gelada, e ela, Stê, tadinha, cuidando de nós dois que choramos de esguichos sentados à mesa.

Dani e Rai, sentadas no chão do quintal, Iarinha entre elas, passam a contar a mais linda história dando a notícia.

Daí a Iara adentra a cozinha, quicando de alegria, e diz com aqueles olhos que nem sei:

- Diiiiiiiiiindo! Diiiiiiiiiindo! É verdade que a Pimenta virou uma estrela?

Queridos... eu quase-morro.

Até.

6.3.06

IMPRESSIONANTE


(da série "SÓ ACONTECE COMIGO...")





Eu começo a ser obrigado a acreditar no meu irmão Szegeri que, vez por outra, manda a frase:

- Edu! Isso só acontece contigo!

Às vezes a frase soa-me como um deboche, como quem diz que não crê nos fatos que conto. Mas como os dois fatos que vou lhes contar agora contam com o inequívoco testemunho da Sorriso Maracanã e de mamãe, fico mais à vontade para fazer o relato. E mais do que isso. Para gritar também:

- Isso só acontece comigo!

Fomos ontem pela manhã, eu, Dani, papai e mamãe, levar Pimentinha para a clínica veterinária que poria fim a seu tortuoso sofrimento.

Saí de casa vestindo a bata africana com que fui presenteado pela Fumaça.

E no caminho, na direção do carro, formigas me subiam, inexplicavelmente, pelos braços, pelas pernas, pelo peito, e fui um susto só. Como no terreno do sobrenatural valho-me sempre dos conhecimentos do Dalton, meu irmão e cada vez mais meu irmão, bati o telefone pro malandro.

Era, acreditei fortemente nisso, Omolu se fazendo presente, orixá das doenças, da vida e da morte, dando sinal de presença e oferecendo o amparo necessário pra segurar a barra violentíssima do momento.

Mas não parou por aí.

Estacados os quatro diante da clínica, dando o último adeus à Pimentinha (eu entrei, fiquei a seu lado até o último suspiro), um Airedale Terrier se aproximou e danou de lamber, cheirar, fazer festinha na mais doce cocker-spaniel do mundo.

Sem coleira. Passei os olhos em volta em busca do dono e disse a ele:

- Ela está super doente, cheia de feridas, chame ele...

E o sujeito agacha, estala os dedos, assobia e chama:

- Brizola, Brizola! Vem cá!

Diante disso, meus queridos e fiéis leitores, fui um homem em estado de graça, se é que me entendem. Só acontece comigo mesmo.

Daí marcamos uma espécie de gurufim na casa de Isaac e Mariazinha, onde bebemos e brindamos em homenagem à Pimentinha, eu, Dani, Dalton, Manguaça, Brinco, Yayá, Cristiano, passamos no Estephanio´s na volta para um beijo em Fefê, e entrar em casa, pela primeira vez sem ela, depois de quase nove anos, foi bem menos dolorido.

Até.


5.3.06

UM JANTAR, O PRESENTE


"O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica..."

(Vinicius de Moraes)

Ontem, sábado, nossa última noite com a Pimentinha, mantendo uma tradição de há séculos (eu acho que sou assim há dezenas de vidas), decidimos, eu e Dani, pra afastar a tristeza, fazer um jantar pra comemorar as alegrias que tivemos ao longo de pouco mais de oito anos na companhia da mais doce cocker-spaniel do planeta.

Convidamos Betinha e Flavinho e fui às compras. Uma garrafa de espumante, amendoins, carpaccio de salmão, alcaparras, arroz italiano, parmigiano reggiano, vinho branco, açafrão, pimenta rosa, manteiga, cebola, vinho tinto, bastante cerveja, uísque e os dois chegaram às nove e meia da noite.

Bebemos, brindamos à graça do encontro, à vida da Pimentinha, e depois do carpaccio de salmão com espumante, fui à cozinha e preparei um de meus pratos prediletos, risotto alla zafferano. E a mesa foi uma festa de "ohs" e "ahs" diante da excelência da comida.

Mas isso foi apenas introdução para lhes contar sobre um gesto da Betinha, daqueles de encher o coração de festa e a alma de alegria.

Chegou-se à Dani, a Betinha, e meio sem-jeito disse ter um presente pra ela. Sem embrulho, já que não fora comprado. Era dela, Betinha, mas ela tinha (foi o verbo que ela usou) de entregá-lo à Dani. E sacou da bolsa um colar, o colar que ilustra o texto. Cheio de pimentas dedo-de-moça. Dani foi um sorriso só (o Maracanã de novo lotado!) e eu fiquei ali, de longe, segurando o choro e com vontade de dizer um obrigado maior que o sorriso da mulher que me ensinou a sorrir.

Digam se há coisa mais bonita no mundo que ter um amigo...

Não há.

E ficamos os quatro bebendo a saideira, Betinha fazendo declarações públicas de amor ao Flavinho, que devolvia tudo de primeira, eu e Dani trocando olhares de saudade da cachorrinha mais linda do mundo, quatro amigos em estado bruto de graça. A eles dois, a ela, Betinha, especialmente pelo gesto indizível, meu carinho, meu amor, meu muito obrigado, mesmo ciente de que não há agradecimento capaz de dimensionar o que a gente sente numa hora dessas.

Até.