21.3.06

O JUIZ


"Ah, meu bom Juiz
Não bata este martelo nem dê a sentença
Antes de ouvir o que o meu samba diz...
Pois este homem nao é tão ruim quanto o senhor pensa..."

(Bezerra da Siva)

O Bigode entrou no bar aos berros:

- O Beto passou no concurso! O Beto passou no concurso!

Seu Osório, que não é lá muito chegado a euforias antes do almoço, espalmou a mão em direção ao Bigode, trovejou um caprichado arroto e berrou ainda mais alto:

- Que concurso, ô putão? E que Beto, animal?

- O Alberto Anil, seu Osório, filho da dona Olívia e do seu Radamés... Passou pra juiz!

- Aquele gordo? - perguntou Bule por trás do balcão.

Seu Osório, Bigode e Zezinho olharam ao mesmo tempo para o obeso Bule, rindo, e foi Bigode quem o respondeu:

- Ele mesmo. Mas não tão gordo quanto tu! - e deu de gargalhar.

No que foi interrompido pelo Bule:

- Experimenta me sacanear pra ver se tu bebe mais uma dose do teu conhaque na base do pendura...

- Foi mal, Bule, foi mal... E já que tu falou o nome do santo, desce um pra mim, vai...

Bule o serviu e Bigode virou num trago só. E continuou:

- E juiz federal, minha gente! Quem diria... Um juiz na nossa rua! E federal! E ó... parece que hoje o seu Radamés vai descer com o filho e com a dona Olívia pra uma comemoração aqui no bar, foi o que me disseram quando chegaram, agorinha mesmo. Tavam numa alegria de fazer gosto...

- Grandes merda - foi o gentil comentário do velho Osório.

Sacomossão as coisas na Vila, né? Em coisa de uma, duas horas, não se falava noutro assunto nas redondezas. O salão de beleza lotou, as senhoras querendo estar nos trinques pra tal festa anunciada pelo Bigode. E o buteco, lá pras seis, seis e meia, já estava lotado. Seis-com-Fome, Amorim, Vidal recém chegado do consultório, Quincas com o táxi estacionado diante do bar e meia dúzia de garrafas de cerveja no teto do carro, Amorim, no lugar de sempre, Zezinho com o mau humor característico, seu Osório de papo com Waldomiro, que não aparecia há várias semanas, tinha até cadeira de praia na calçada, tremenda expectativa pra entrada triunfal da família Anil.

Daí oito em ponto apontam na esquina os três: dona Olívia, Alberto no meio e seu Radamés, os três de mãos dadas, tendo dona Olívia, equilibrado na mão direita, um enorme prato com um bolo ostentando uma figura tosca segurando uma balança, a Justiça.

Explodiram aplausos, e foi um tal de puxa-saquismo de deixar lobista com vergonha:

- Bob, meu querido! - foi o que disse o Waldomiro que estava conhecendo o Alberto naquele instante.

- Ô, Alberto... eu sempre te disse que você levava jeito pra juiz... - disse com um cigarro pendendo da boca o Amorim que vivia dizendo, pra quem quisesse ouvir, durante as peladas, que em matéria de futebol o Alberto tinha talento, no máximo, pra ser o árbitro.

- Vem cá, vem, Betão!

- Excelência!

- Vade mecum!

E levou-se bem uns 15 minutos nessa papagaiada de querer agradar o moço.

Daí o Bule sugeriu, depois de pedir silêncio, antes de partirem o bolo:

- Seu Osório vai subir no banquinho e fazer um discurs...

Alberto irrompeu de dedo em riste e estacou diante do Bule:

- Nã-nã-ni-nã-não. Quem vai falar hoje sou eu.

Um "ohhhhhhhhhhhh" de espanto espocou na esquina.

Seu Osório arrotou assim que o Alberto, apoiando-se nos ombros do Zezinho e do Bule, subiu na cadeira, que o banquinho não ia agüentar o peso.

Alberto, segurando um martelo desses de amaciar carne, começou:

- Minha gente, meus vizinhos, meus amigos, meus afetos e meus desafetos...

Seu Osório só trovejando, coçando a orelha de pé no balcão, bicando sua cerveja, quando disse ao Bule:

- Lá vem merda.

- ... quero me dirigir a você, Amorim, que nunca acreditou em mim. Estou aqui, Amorim. Estudei. Fiz a prova. E hoje sou Juiz Federal, com "j" e com "f" maiúsculos. Quero me dirigir a você, Bule, que vive reclamando do faturamento do bar, meu caro Bule... É difícil manter um bar, Bule? É. É muito difícil. Mas diziam que a prova que eu fiz era difícil. Mas estou aqui. Passei. Sou Juiz Federal...

E ficou nessa ladainha, nessa autopromoção constante, citando um por um, neguinho já bocejando, o bolo já quase no fim, quando seu Osório pediu a palavra. Assustado, Alberto interrompeu o discurso e todos voltaram, de novo, a prestar atenção no troço. Fez sinal com a mão pra que o Alberto descesse. Alberto desceu. E subiu, o velho Osório, no banquinho. Mandou um arroto federal e disse:

- Tenho mais de 60 anos, Excrescência, e abaixa esse nariz de merda quando falar comigo!

Aplausos, muitos aplausos, dona Olívia pálida e seu Radamés abanando a mulher. Alberto, vermelhíssimo, esboçava reagir mas a autoridade do seu Osório ali é impressionante. E ele continuou:

- Sem mais delongas, Alberto, tu me perdoe a intimidade, data vênia, mas vá pra pôta que o pariu com seu cargo, com sua pose, com sua empáfia...

E nem terminou o discurso.

A patuléia assobiava, gritava, carregava seu Osório no colo, e arremessava no pobre Alberto os farelos que restavam do bolo. Partiram pra casa dona Olívia, Alberto no meio e seu Radamés, tendo seu Osório gritado antes dos três atingirem a esquina seguinte:

- A Vila não quer abafar ninguém, ô putão! Por isso não vem querendo abafar, não, que aqui tu só se fode!

3 comentários:

juliana amaral disse...

ô coisa boa... só você pra me fazer rir no meio dessa repartição. Beijo com saudade.

Anônimo disse...

MEU LAR É O BOTEQUIM PARTE II?? Se for, ôba!

Anônimo disse...

Olha o seu Osório na área! Vai com a gente mijar nas mesas do Belmonte neste fim de semana, né mesmo?