23.3.06

TIJUCA


"Tenho impressa no meu rosto
e no peito, lado oposto ao direito, uma saudade
(que saudade!)..."


(Wilson Moreira - Nei Lopes)

Eis-me aí, nem um ano de idade, em 1969, na Praça Afonso Pena, na Tijuca, onde nasci e fui criado, entre as pernas de meu pai. E pra Tijuca, um poema:

Há na Tijuca, onde estão minhas raízes, e onde me basto,
uma tristeza indefinida, intrínseca, nenhum alento,
uma melancolia insuportável e um torpor nefasto,
que me angustiam quando inutilmente tento
suportar domingos que me asfixiam.
Há na Tijuca, principalmente aos domingos,
onde passei dias tão felizes,
torneios de bocha, porrinha, bingos,
gigolôs de folga, elegantes meretrizes,
bares vazios, corações baldios,
casamentos destruídos, adultérios, incestos,
restaurantes desonestos, bordéis frios,
macarronadas e toneladas de restos de dores
boiando sem rumo certo.
É sempre domingo na Tijuca.
E há sempre uma filha reprimida,
um rapaz que freqüenta clubes,
um homem de Rider, bermuda e meia,
encardida,
uma mulher de bobe no cabelo, feia,
sozinha na vida,
uns aposentados saudosistas que cantam,
famílias reunidas por força da rotina,
a tevê ligada, as festas, as bodas,
os quinze anos da menina que à tola mãe encantam,
as debutantes, as valsas, muitas virgens,
filas na churrascaria, avós e tias solteiras,
devaneios, overdoses, vertigens,
gaiolas de passarinhos,
fofocas, disse-me-disse,
mafuá,
vizinhos, vizinhos, vizinhos,
e minhas raízes, que por mais que eu tente,
não saem de lá.
Há na Tijuca um mórbido incentivo ao suicídio
e uma legião de suicidas que vagam tristes
pelas ruas da Tijuca aos domingos.

Há nas praças da Tijuca uma tristeza de preces dominicais,
e uma comunhão funesta,
e a Tijuca não presta,
e a Tijuca dói tanto,
a Tijuca, meu canto,
meus ais...
E é sempre domingo na Tijuca...
E é tudo tão pequeno na Tijuca...
E faz tanto calor na Tijuca...
E há, ainda, muito tédio na Tijuca, onde o tempo não passa,
onde o tempo se arrasta e não pode mover-se...
Não fosse o tempo dos noventa sagrados minutos dos jogos
aos domingos, no Maracanã,
e a Tijuca seria um nada, um silêncio ensurdecedor,
um inferno de asfalto e sangue.
É sempre domingo na Tijuca.
E faz sempre domingo na Tijuca.
E a Tijuca é um mangue.
E minhas raízes que de lá não saem...
E ainda que saiam, hão de retornar sempre,
como um bumerangue,
vítimas da arapuca que a Tijuca arma.
A Tijuca
é meu inevitável e inexorável carma.

Até.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa Edu que lindo!

Anônimo disse...

Mais um quadro, Edu. Dessa vez em forma de poema. Um belo quadro. E embora muito melancólico capaz de expressar o tamanho do seu amor pela Tijuca. Muito bonito.