8.4.06

ABRIL, O MÊS CRUEL

"Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu."


(Soneto de Maio, Vinicius de Moraes)

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Eis trecho do "Soneto de Maio", que meu irmão Szegeri mandou-me por email ontem à noite, quando valeu-se da mensagem para elogiar o Buteco e para dizer-me, ainda - e tive uma pena olímpica de meu mano paulista quando li isso:

"Não ligue para abril (que eu, particularmente, adoro: é a única época do ano em que o céu é azul em SP...). Ouça o poeta, ouça..."

Ora. Por que teves pena, Edu?, hão de perguntar vocês, e sou capaz de ouvir daqui o côro dos curiosos. Explico.

Porque enquanto o bom Szegeri saúda o abril por ser o único mês (e somente quem já o ouviu pronunciar a palavra "único", com a sílaba tônica "u" agudíssima, sabe como isso é verdade) em que o céu é azul, eu, daqui da minha janelinha com vasta vista para o horizonte tijucano, contemplo o céu cor-de-rosa, vermelho, cor-de-abóbora, alaranjado, durante o ano inteiro.
Essas duas primeiras fotos foram tiradas, por exemplo, e a terceira, logo abaixo, no dia 29 de março de 2006 por volta das seis da manhã.

Sim. Seis da manhã. Eu, quando sem fumar (agora definitivamente, mas já parei tantas vezes que sei, de cor, todos os sintomas, todos os comportamentos que terei, tudo, timtim por timtim), acordo cedíssimo, coisa de cinco da manhã, um pouco antes, um pouco depois. E vou ora escrever meu texto no Buteco, ora ler um bocado, ora ficar admirando a Sorriso Maracanã dormindo, ora estacar diante da janela e da explosão de cores no céu da Tijuca.

E tenho, ainda mais em abril, quando sinto intensamente as mesmas dores de todos os abris, como recentemente confessei, vontades colossais de registrar esses momentos de beleza e dividi-los com quem eu amo.

Notem bem uma coisa. A despeito de eu amar profundamente a Tijuca, onde nasci e fui criado, onde me reconheço em cada paralelepípedo e em cada buteco, em cada esquina e em cada rio, sei o quanto massacram por aí o velho bairro e pelas mais estúpidas razões. Daí nos meus delírios - sim, sei que são delírios - somente na Tijuca é assim a cor do céu. Não é apenas São Paulo que tem escassos céus azuis e apenas em abril. É em toda a parte. No meu delírio, Paulo Emílio vira e mexe, pela manhã, toma da caixa de lápis de cor e risca cores impressionantes no céu da Tijuca que ele tanto amou. Tanto amou que cantou, e volta e meia canto eu:

"Amor eu queria te dar
O sistema solar, e o fundo do mar
Amor eu queria te dar
A minha caixa de lápis de cor
Amor eu queria te dar
Meu Botafogo e meu Salgueiro
Amor eu queria te dar
A Tijuca e o Rio de Janeiro..."


E vai daí que eu tenho estado permanentemente com os cotovelos apoiados no parapeito da minha janela e com os olhos embaçadíssimos diante de quadros como esse aí de cima, especialmente esse, tingido com cores cujos nomes desconheço, texturas inéditas, que me fazem crer que a Natureza transforma mesmo a vida em canção, como disse meu Poeta.

E eu que fico nesse despertar cedíssimo, e eu que fico nesse apoiar de cotovelos cansados no parapeito da janela, como se não me bastassem esses arrebatadores quadros vistos e fotografados em março, ainda pude ver, e fotografar, em 12 de janeiro deste mesmo ano, outros tantos quadros, de um laranja vivo, como se fosse lava a escorrer do céu em direção a mim.

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Eram cinco horas da manhã, registrei, e bem me lembro da euforia que me tomou naquele instante, quando um vulcão imaginário entrava em erupção noutra dimensão e eu sofria sozinho na janelinha (não sei por que razão vali-me do diminutivo que aqui me parece ridículo, mas vou mantê-lo para ser coerente e honesto), angustiado por saber-me quase que a única - sabe-se lá se não a única mesmo - testemunha do espetáculo de cor e luz.

Tenho agora, enquanto escrevo, a nostalgia do momento, e lamento profundamente não ter me lembrado, na hora, do meu mano Szegeri. Não sabia eu, ainda, de sua agora confessada tristeza pelo fato de que em abril, e apenas em abril, justo o mês que menos gosto, o céu fica azul em São Paulo.

Não sinto falta nenhuma do azul no céu.

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E para que eu mantenha meu firme propósito de ser preciso do início ao fim, e para que tudo não soe como mentira ou como delírio, eis essa fotografia impressionante, e de fato impressionante eis que não sei manusear qualquer programa capaz de manipular as cores ou qualquer outro detalhe da imagem.

Foi isso, foi exatamente isso que eu vi às cinco da manhã do dia 12 do último janeiro.

Foi essa a imagem - e dirijo-me agora ao Szegeri - que até hoje mantém-se em mim, e que busco, desde aquele dia, em todas as manhãs. E o que é mais incrível - e é isso que eu queria exatamente dizer a ele - é que em fevereiro houve manhãs também impressionantes, em março também, e as haverá em maio, em junho, em julho, até que dezembro venha.

Mas as manhãs de abril, meu mano, são feias demais.

Talvez porque não haja sol, em mim, durante todo o mês de abril. Inexplicavelmente.

Até.

5 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimas fotos, belíssimo texto! Parabéns!

Anônimo disse...

Idem, ibidem!!!!

Anônimo disse...

Lindas fotos, Edu!

Anônimo disse...

A terceira e a última fotos são impressionantes mesmo.

Anônimo disse...

Eu ia calar, eu ia calar...

Abril pra mim tem um gosto parecido, um mês em que coisas muito ruins, as piores, aconteceram na minha vida, e São Paulo com esse céu azul, sarcástico e azul, fica um desconcerto difícil de administrar. Acho que o problema é o outono, Edu, a quaresma e a páscoa, esse tempo de estar morto pra renascer, essa hibernação na alma, esse tijolo no meio do peito.

O que me salva é que também em abril tive a maior das felicidades possíveis, o nascimento do meu primeiro filho, que na sexta-feira passada completou 11 anos, e cresce lindo com seus olhos de floresta. O que me salva é a Luiza, minha pequena, que coloca um sol no meio do dia. O que me salva é a realidade imperativa que não me permite alguns luxos, graças a Deus.

E sigo adiante, desesperada para que maio chegue pra colocar os cachecóis e beber muito café durante o dia, e abrir o vinho no jantar e ver televisão debaixo do cobertor em noites de namorar bem pertinho.

Mas enquanto o frio não chega, nesse tempo ruim de agora, lembro-me sempre de um texto que queria escrever dentro dos olhos pra não esquecer jamais:

"e, circunstancialmente, entre posturas mais urgentes, cada um deve sentar-se num banco, plantar bem os pés no chão, curvar a espinha, fincar o cotovelo do braço no joelho, e, depois, na altura do queixo, apoiar a cabeça no dorso da mão, e com olhos amenos assistir ao movimento do sol e das chuvas e dos ventos, e com os mesmos olhos amenos, assistir à manipulação misteriosa de outras ferramentas que o tempo habilmente emprega em suas transformações, não questionando jamais sobre seus desígnios insondáveis, sinuosos, como não se questionam nos puros planos das planícies as trilhas tortuosas, debaixo dos cascos, traçados nos pastos pelos rebanhos: que o gado vai ao poço."

(Lavoura Arcaica, Raduan Nassar)

Vai passar.

Beijo em carinho,
Juliana