2.7.06

UM TRAÇO

Tinha tudo pra ser um dia perfeito. Sábado, um sol e um céu lindíssimos sem o calor que abafa, dia de feira, e aquela esquina, do Estephanio´s, parecia ser o cenário ideal para mais uma vitória brasileira, para a vingança contra os franceses atravessados na garganta desde 1998.

barraca de flores na feira

Dia de feira significa dizer que havia inúmeras barracas de flores, caminhão de peixe, kombi com embutidos, verduras mais-verdes-que-nunca, legumes pra-que-te-quero, e papai comprou três dúzias de sardinha, e eu comprei um quilo de lingüiça, e a Betinha comprou girassóis, e o Flavinho de olho comprido comprou mais sardinha, e o Vidal comprou nirá, neguinho comprou toneladas de camarão, o Fraga telefonou de Londres (!!!!!), e foi nesse astral e nessa festa que assistimos à dramática vitória de Portugal sobre a Inglaterra, nos pênaltis, o troço mais injusto do mundo (a disputa por pênaltis, não a vitória de Portugal!).

É evidente que à medida que o tempo passava mais nervoso ficávamos todos. E todos éramos muito mais que em todos os jogos anteriores do Brasil. Havia, como eu disse ontem, a tal sede de vingança. E era preciso que os jogadores brasileiros entrassem em campo com ódio e com a mesma sede que tínhamos. E era preciso que houvesse, no banco, um treinador com a mesma gana (sem trocadilho) do Felipão, disparado o maior responsável pelo êxito português até o momento.

girassóis
arruda

Mas não foi o que se viu, e é claro que tudo vai soar como desculpa e como choro de perdedor (e nenhuma das duas possibilidades está descartada).

Vidal, a Lenda, percebeu de cara que havia algo errado:

- Cadê o Dalton?

Diante do meu silêncio, a preocupação.

- Senta do meu lado, então.

Diante do medo, obedeci.

Não foi possível não chorar durante a execução do hino. Patriotismo? Não. Era o ódio arranhando a garganta, machucando a alma, embaçando os olhos.

- Tem mulher demais no bar hoje... - era o Vidal em pânico.

E a necessária irracionalidade do torcedor não admitiu os tapinhas no ombro do Zidane, o carrasco, dados por um risonho Roberto Carlos (rindo de quê?), por um sorridente Cafu (de quê também?). E a necessária irracionalidade do torcedor não admitiu o chocho zero a zero no primeiro tempo, não admitiu a passividade do Parreira que manteve o mesmíssimo apático time (nunca estamos satisfeitos, mas é nosso papel, pô!) e veio o gol, e veio o golpe, e não fomos capazes de empatar o jogo, e não fomos dignos da vingança, e chega.

Houve muito choro e revolta.

Dentro do bar.

Em campo o que se viu foi festa. Dos dois lados, por mais incrível que pareça. Mas isso, como diria Stanislaw Ponte Preta, deixa para lá.

Tomamos o rumo do Galeto Columbia (tradição é isso, pombas!) e depois do Rio-Brasília. Foi de lá que partimos, eu e minha garota, a pé, pra casa, pouco antes da meia-noite. Foi, aliás, esse momento, nós dois caminhando a passos lentíssimos, o melhor momento do dia. Como sempre, aliás.

Pausa para um cochicho confessional: ando mais apaixonado a cada dia.

Somos, nós dois, invencíveis.

E agora é o seguinte...

Eu sou Flamengo até a alma e há mais de vinte vidas.

Mas é preciso lembrar do hino do Vasco:

"No atletismo és um braço,
no remo és imortal,
no futebol és um traço
de união Brasi-Portugal
!"


Quarta-feira, portanto, tendo como alegoria imaginária a barraca que ontem vi, e fotografei, na feira, estaremos todos diante da TV torcendo como nunca para Portugal. Para que sintamo-nos vingados. Para que a França volte para casa. E para que na final contra a Alemanha (que deverá derrubar facilmente a pífia seleção italiana) os portugueses possam sentir, pela primeira vez, o gostinho que já sentimos cinco vezes e que perseguiremos, como loucos, no ano de 2010.

barraca de feira com as bandeiras de Portugal e do Brasil

Ergo o copo, pois, de pé no balcão imaginário, num brinde transatlântico em homenagem aos mais-que-queridos (em ordem alfabética para evitar rusgas!) Cidália, Eduarda, Eurico, Inês e Próspero.

Estarei com vocês, queridos, em pensamento e na torcida!

Assim como estarei com a Susana (fidelíssima leitora do Buteco), com a Cristina, com o Rui e com a Leonor, dividindo a angústia e multiplicando a torcida nessa reta final de Copa do Mundo.

Ouçam daqui o grito, com o copo erguido, a língua lá no alto do palato, ó:

- P´r-t-galllll! P´r-t-galllll! P´r-t-galllll!

Não é assim?

Até.

14 comentários:

Marco Aurélio disse...

Eduardo

Futebol se ganha no campo no final da partida e não com falatório antes dos jogos. Onde está o favoritismo? Quem acompanhou as eliminatórias sabe que este time era fraco mesmo. Com esta onda de que o importante é ganhar que o gavião bueno insistia em propagar só podia dar nisso mesmo. Ia ganhando empurrado de qualquer jeito e tudo bem. Voltaram para casa num voo da Varig!

Um abraço

Marco Aurélio

Eduardo Goldenberg disse...

Marco Aurélio: abjeta sua piada com a Varig e a seleção brasileira, não me darei ao trabalho de responder.

Apenas uma observação: qual das seleções , até o momento (incluindo todas, inclusive as desclassificadas), ganhou sem ser empurrando de qualquer jeito? Qual seleção apresenta um futebol digno de um campeonato mundial?

Nenhuma, respondo eu mesmo.

É que ao contrário do que afirmou o Parreira ao longo de todo esse tempo, não é a Copa da saúde.

É, como sempre, a Copa da garra. Da alma. Do coração na ponta da chuteira.

Disso não tivemos nem projeto.

Um abraço.

∫nês disse...

Edu querido,

Sendo todos nós fruto de uma teia, como lhe chamas, incomensurável e de um bem-querer enorme, é conforto e certeza de que o triângulo trans-atlântico que formamos (Portugal-Brasil-USA) será o melhor amuleto para apoiar a selecção Lusa.

E juntaremos as nossa vozes e lágrimas:

- P´r-t-galllll! P´r-t-galllll! P´r-t-galllll!

Estarão connosco.

Beijo enorme para ti e para a Dani e para todos os sorrisos extraordinários que aí conheci.

Saudade imensa,

Nês

Eduardo Goldenberg disse...

... e a gente percebe que ainda sofre os revezes da derrota quando simplesmente chora de esguichos depois de ler o doce comentário da Inês.

Eduardo Goldenberg disse...

... e a gente percebe que ainda sofre mesmo os revezes da derrota quando, atendendo pedido da Sorriso Maracanã, que acabou de acordar, lê o texto do Buteco, lê os comentários e chora de esguichos de novo. Dessa vez a dois.

Fadalê disse...

Meu querido Amigo.
Comungo contigo, primeiro a teia,o dó de uma eliminação e a solidariedade transatlântica. Estivemos com o Brasil e dá gosto sentir a "transferência" do voto para Portugal.
Que a vingança se sirva fria (geladíssima...também temos contas a ajustar com os "baguettes" ) e que o calor da vitória adoce todos os corações.
A santíssima trindade (Ptgl-Brsl-USa) fecha-se em torno do nosso "graal" e reforça a "teia". Que possamos erguer o "Caneco"..também por vocês.

Anônimo disse...

Pelo menos, essa derrota nos livrou definitivamente do Cafu e do Roberto Carlos. Agora, nos resta torcer, para o competente Felipão e os queridos portugueses.
Bruno Gaya

Anônimo disse...

É uma tristeza! Faltou para nossos jogadores "brasilidade', a garra do brasileiro só esteve presente na torcida e orgulho do brasileiro segue agora sendo Felipão!

seguimos firmes!
Cris

Anônimo disse...

Torça por nós Edu, precisaremos como nunca!!

Tenha um bom dia.
Beijos, Susana.

Eduardo Goldenberg disse...

Inês: é como eu já disse. Essa sua mensagem nos comoveu sobremaneira. Vá explicar esse turbilhão que nos assalta quando o assunto é futebol, né? Ainda misturou tudo com saudade e deu nisso. Muito chororô. Mas dos bons!

Meu caro Próspero: esteja certo, meu nobre, que verei o jogo com uma garrafa de vinho verde à minha frente torcendo como nunca por Portugal, terra que aprendi a amar (em tão pouco tempo aí...) e de gente que verdadeiramente amo. Abraço, beije a Cidália por nós!

Bruninho: malandro... e o Cafu não foi capaz de dizer que seu ciclo na seleção brasileira ainda não terminou? Como pode isso? Se ele aparece no Estephanio´s acaba o ciclo dele, te garanto. De vida! Abração!

Ô, Cris... faltou foi vergonha na cara deles. Mas não tem nada não... Em 2010 há de haver uma molecada com mais a nossa cara! Suas fotos em Frankfurt estão ótimas! Beijo e saudade.

Susana: é como eu já disse, redisse e digo de novo... na quarta-feira estarei com vocês todos, portugueses, na corrente pra frente! E não se dispensa torcida de pentacampeão do mundo, certo? Um beijo.

Anônimo disse...

Sou mais um engrossar a torcida lusa!

Szegeri disse...

Eduzinho: tive o prenúncio claro (e todos os isolamentos não puderam afastar) de uma tarde negra quando: 1) entrei, por descuido absoluto, com o pé esquerdo em casa (coisa que não faço NUNCA, que dirá em dia de jogo de Copa); 2) tua pandeirista favorita que eu amo de paixão, apareceu na porta, 30 segundos antes do jogo, times postados em torno do círculo central.
E já que o assunto é mandinga, vocês aí em cima vão me desculpar muito, mas um calafrio mais gelado que a Brahma do Rio-BRasília percorreu-me a espinha quando li esse negócio de triângulo... Pelamordedeus. Isolem. E muito.

Eduardo Goldenberg disse...

Inês: sabe de uma coisa?

Lendo e (re)lendo o comentário do Pompa, meu irmão Szegeri, sempre sábio, deparei-me mesmo com essa figura geométrica mal desenhada.

Brasil-Portugal, sim.

Mas EUA no meio?!

Nunca!

∫nês disse...

Que queres "meu"?

Vim aqui parar... mas so mesmo parar, porque o coraçao, esse esta' em terras de expressao Portuguesa: Portugal e Brasil.

E que se lixem os USA, que ja' foram de patins no Mundial ha muito :)