27.11.06

DE CARONA COM O PRATINHA

Isso, sim, é uma segunda-feira clássica. Céu nubladíssimo, como eu, há exatos sete dias sem o mais lindo sorriso do mundo ao meu lado. Curitiba é, há uma semana, um lugar mais bonito e justamente por isso. Os curitibanos e curitibanas, tenho certeza disso e ai de quem duvidar de mim, sequer desconfiam disso, mas notam um troço diferente, a cidade mais iluminada, e é por causa dela. Mas quarta-feira, ainda que o tempo se mantenha nublado, como agora, será dia de céu azul em mim. Feita a romântica introdução, já que sonhei com minha Sorriso Maracanã, vamos em frente.

Antes de ir em frente eu tenho - infelizmente - que citar o Jota mais uma vez. Saquem uma das notas de hoje na coluneta:

"Nova Profissão

Dono de sete botecos no Rio, entre eles a Taberna do Juca, na Lapa, o português Juca Ribeiro, 67 anos, virou consultor para assuntos de botequim. Recebeu cachê de R$1.600 para ensinar os segredos de um bom boteco aos formandos de Turismo da Facha. No início do mês, ganhou hospedagem em hotel cinco estrelas para professorar numa festa da Ambev em São Paulo: ´O segredo de um bom boteco é o cozinheiro e, como disse meu amigo Moacyr Luz, banheiro limpinho´, ensina."


Como é possível isso? Antes de qualquer coisa me chama a atenção a qualidade do curso de Turismo da Facha. O quê - meu Deus - um investidor, dono de sete bares espalhados pela cidade, tem a ensinar a alunos de turismo????? E mais: depois de incensar garçons-estrela, de incensar pesquisadores de comida de buteco, agora mais essa: consultor para assuntos de botequim. Parece até sacanagem.

E pra fechar o texto dessa segunda-feira chuvosa - começou a chover há segundos - um relato rápido sobre minha primeira experiência como carona do Pratinha. E explico. O Prata, muito recentemente, tirou carteira de motorista. E evidentemente, é sempre assim quando se obtém a habilitação, com a carteira exibida como troféu, o Prata pega o carro até pra comprar pão na esquina de casa.

Bateu-me o telefone ontem cedo:

- Edu? Vamos ao lançamento do CD da Velha Guarda do Império Serrano?

Nem titubeei:

- Vamos.

E ele, numa euforia menineira:

- Eu vou dirigindo! Eu vou dirigindo!

Nem titubeei:

- O.K. - disse disfarçando o medo.

E arranjamos a coisa. Prata ficou de passar aqui em casa às duas. Foi desligar o telefone com ele e eu disquei pro Simas:

- Simão? Vamos ao...

- Prata já me ligou...

- Vamos?

- Vamos.

- Ele passará aqui às duas.

E o Simas, num tom que me pareceu preocupado:

- Vamos nos encontrar uma hora antes no Rio-Brasília.

- O.K.

Cheguei no Rio-Brasília e lá estava, já com a cara enterrada num copo de maracujá, o meu amigo mais calvo:

- Edu, estou preocupadíssimo...

- Eu também.

- Você já andou com ele?

- Nunca. E você?

- Também não.

E ficamos ali, os dois, numa neura que não alcança um menino de 19 anos.

Antes da história propriamente dita, um detalhe: o Prata gosta tanto de seu carango que até batizou o bicho. O carro se chama Dorival. E ele vive dizendo isso: "Ontem saímos eu, Luisa e o Dorival", "Vou almoçar na casa de minha tia, em Vila Isabel, com o Dorival", "Fui pro Escravos da Mauá com o Dorival", sempre assim.

Eis que chega o Dorival.

E chega numa espécie de galope, quicando desde a esquina da Hadock Lobo até parar diante do bar. Eu e Simas com a expressão do mais absoluto pânico. E salta o Prata:

- Acho que acabando a gasolina.

- Então não vamos! - gritamos os dois em uníssono.

Ele aflitíssimo:

- Vamos, gente, vamos que eu quero aprender o caminho pra Madureira!

Entramos os dois no banco traseiro. E o Prata manda a piada evidente:

- Pô! Eu vou de motorista?

Um par ou ímpar decidiu. Eu pedi par. Um-dois-três e já! Pus 1. O Simas pôs 2.

- Ganhei! Vai você na frente!

Fui.

Eis a realidade. Fomos e voltamos sem arranhão. Mas vivemos momentos inconcebíveis. Antes de qualquer coisa, Prata e Dorival são incompatíveis. Ou melhor, o automóvel e o Prata são incompatíveis. Dono de pernas muito longas, o menino mantém o banco do motorista colado ao volante, e o carona tem uma visão terrível. Os joelhos esbarram ora no comando das setas, ora no comando do limpador do pára-brisa. Mais grave, ainda, é o fato de que ele foi, daqui à Madureira, sem olhar uma única vez pra frente por mais de 10 segundos seguidos. Trocava as faixas do CD, falava no celular, o Simas entoando cânticos religiosos deitado no banco de trás e eu dando a direção, o caminho, e Prata, desligado, subindo em gelo baiano, jogando o pobre Dorival sobre os sinalizadores da pista, submetendo os pneus e a suspensão a testes que nem a Quatro Rodas admite fazer, avançando sinal, quase-atropelando pedestres, um horror, um horror.

Quarenta minutos depois, chegamos.

Atentem para o final! Atentem, que a perícia do menino ao volante é inversamente proporcional a que demonstra com o sete cordas nas mãos.

- Onde eu vou arrumar vaga?

- Ali! Ali! - disse eu apontando um guardador que fazia sinal com os braços, como os bonecos de pláticos dos postos de gasolina.

Lá fomos nós. Prata engatou a primeira, o Dorival ricocheteou no asfalto (por sorte os cintos de segurança funcionam a contento) e ainda em primeira, devagarinho:

- Ali?

- É. Ali.

O guardador pôs uma tremenda tábua de madeira no asfalto para reduzir a altura da calçada e, evidentemente, o impacto sobre os veículos.

Eis que o Prata sobe em direção à vaga, a absurdos 60km/h, e freia bruscamente diante dos portões de ferro de uma loja, ainda bem, fechada. Sorri, orgulhoso do feito.

Eu, branco até a alma, de pânico.

Simas, verde até a alma, enjoado.

Bebemos para esquecer que teríamos de voltar.

E quando chegamos ao Estephanio´s, na volta, humildemente o menino pediu:

- Estaciona pra mim?

Em menos de 10 segundos Dorival estava estacionado entre um BMW e um HONDA, numa vaga mínima, exígua.

Quando eu saí do carro, o Prata, gentilíssimo, com a mão no meu ombro esquerdo, disse, pela primeira e provavelmente pela última vez, o que eu digo a ele com freqüência:

- Gênio!

Até.

10 comentários:

Anônimo disse...

É... Edu, bem que ontem, quando você havia me dito que faria a conexão Rio-Brasília-Império Serrano, imaginei que sairia uma boa - e engraçada sobretudo - história desse teu programa, hehehehehe...

Como foi lá na Império em si - creio que deve ter sido muito bacana o lançamento do CD.

Unknown disse...

Estou dobrado de rir com essa história, Edu! E me solidarizo com o Pratinha. Eu faria pior!

Anônimo disse...

Ahahahaha. Encontrei o Pratinha no Bip à noite e ele não parecia te vivido isso horas mais cedo...

Anônimo disse...

A história é mesmo engraçada. Mas como acontece sempre que você fala dela, a parte mais emocionante é quando você cita a Sorriso Maracanã. Tenho vocês como parâmetros. Mesmo sem conhecer vocês ainda. Um beijo.

ps: sou sua leitora de todos os dias.

Anônimo disse...

Estou feito o Bruno, dobrando de tanto rir. E eu também acho maneiríssima a devoção que você tem pela sua esposa. Parabéns. E um abraço.

Anônimo disse...

Bom, não podemos esquecer, é lógico, da tentativa do Simão de tirar o carro da vaga na saída do Estephanio's.

Ele disse, querendo mostrar que sabe dirigir:

-Eu tiro o carro, Prata, me passa a chave (nisso ele já tinha arrancado a chave da minha mão).

Ficamos, eu e Edu, do lado de fora para ajudar o Simas, que foi engatar a ré, olhou pra trás e não viu que engatou a primeira, porrou o carro que estava parado na frente... uma catástrofe... sorte que existe o pára-choque!

Bom, não foi tão trágico assim, lógico, mas foi divertido!

Abraços
Tiago Prata

Anônimo disse...

Pratinha,

Tudo intriga da oposição ... Vida longa ao Dorival!

Saravá!

Szegeri disse...

Luciane, tenho certeza que o sentimento é recíproco.
ESPOSA, Romualdo??? Sorte tua que o Edu não é mais o mesmo...

Anônimo disse...

Parabéns a Edu e Simas pela coragem de encarar essa aventura com o Silver no volante. Eu já havia passado momentos não tão assustadores pelo aterro do Flamengo com o distinto condutor…

pituco disse...

Eduardo e Simas...essa é a maior prova de amizade...parabéns!...namaste