16.12.06

O GLOBO E UM CRIME DE LESA-PÁTRIA

Eu escreveria um texto sobre o crime de lesa-pátria cometido pelo jornal O GLOBO, ontem, mas prefiro transcrever, na íntegra, o que escreveu meu mano Simas, no imprescindível "Histórias do Brasil". Mas não sem antes dizer que é triste verificar a vertiginosa queda de qualidade do jornal que é um dos - eis a funesta piada - principais jornais brasileiros. É inadmissível, como vocês verão, uma de suas empregadas escrever o que escreveu. Como é inadmissível que os editores não tenham impedido a publicação do texto mal escrito, burro, deseducador. Com vocês, o texto "O SAMBA DA JORNALISTA DOIDA":

"Senhoras e senhores, escrevo hoje em missão cívica, com a alma exacerbada dos maiores clamores patrióticos. Sinto-me, em essência, um André Vidal de Negreiros combatendo em defesa da terra nas gestas de Guararapes. Um fato gravíssimo, de dimensões maiores do que supomos inicialmente, aconteceu. Explico, ainda trêmulo de indignação.

O metrô do Rio entrou em pane essa manhã. Fiquei mais de uma hora parado na estação Afonso Pena aguardando a normalização do tráfego. Para matar o tempo, comprei um exemplar de O GLOBO, jornal que parei de assinar recentemente. Ao passar os olhos pelo caderno RioShow, deparei-me com uma reportagem sobre a estréia do musical "Besouro Cordão-de-Ouro", com texto e músicas do grande Paulo César Pinheiro. Como fã dos dois, Paulinho e Besouro Mangangá, comecei a ler a reportagem com a curiosidade de um cristão que lê um relato sobre o Santo Sepulcro.

Eis que, em certo trecho, para minha completa estupefação, ponho os olhos no seguinte:

´Amado não escreveu, mas o capoeirista logo voltou à vida do músico por meio dos versos "Quando eu morrer / Não quero choro nem vela / Quero uma fita amarela / Gravada com o nome dela", escritos por Besouro e usados por Pinheiro e Baden Powell no sucesso Lapinha.´

Leitores, eu senti um frio no estômago só comparável ao que sentia quando andava no Bicho da Seda - no saudoso parquinho da Quinta da Boa Vista - e ficava tudo escuro.

Li, reli, tornei a ler e, só então, dei-me conta do inapelável - era isso mesmo que estava lá, nas páginas do jornal de maior circulação da cidade. O nome da herege é Luciana Brum.

Como é que uma empregada de um jornal que se pretende sério, atribui a Besouro Mangangá a autoria de ´Fita Amarela´? Isso é Noel Rosa, criatura. Será que a moça não sabe que os versos atribuídos ao capoeirista são ´Quando eu morrer me enterrem na Lapinha / calça culote, paletó almofadinha´, brilhantemente citados no clássico do Paulo César Pinheiro e do Baden?

Como é que um jornal publica um negócio desses? E um jornal carioca, cacete. Para piorar, tal barbaridade foi escrita na semana em que Noel Rosa completaria 96 anos, fato, aliás, ignorado pelo O GLOBO.

Aposto um time de botões de galalite como essa Luciana Brum resolveu pesquisar no Google as referências sobre a música. Mesma opinião tem o Edu Goldenberg, para quem liguei assim que li o arrazoado bestial. Dez por um como ela colocou o ´quando eu morrer´ para guiar a pesquisa, veio a letra de ´Fita Amarela´ e a ex-jornalista tascou na matéria, com o mesmo rigor com que eu ponho polvilho antisséptico Granado em assadura na bunda e Leite de Rosas no suvaco.

Dona Luciana e O GLOBO deveriam ser processados por quatro tentativas de assassinato, os de Besouro, Baden, Paulinho e Noel. Escrever uma monstruosidade dessas é comparável, em Portugal , a atribuir a Bocage o verso ´as armas e os barões assinalados´. Dá cadeia e tudo.

Se perguntarem pra esses arremedos de jornalistas que inundam a redação de O GLOBO sobre a arte contemporânea pop, a festa High Noon de Santa Teresa, o Rio E-Music Festival , o DJ Mike Relm, a cozinha contemporânea do Manekineko Diferente, o Rio Garden Festival e a reforma de R$500 mil da boate Baronneti - tá tudo isso noticiado na edição de hoje de O GLOBO - os caras vão falar tudo certinho. Botou a cultura brasileira na história, deu merda.

É, meus amigos, o negócio é fortalecer cada vez mais nossas trincheiras, que os bárbaros estão tomando tudo. Roubam nossa língua, nossos butecos, nossos batuques, nossos mitos, nossos heróis... Tá feia a coisa. São os mudernos, queridos, os mudernos...

Eu sugiro, por fim, que a cidadã que escreveu isso seja condenada a varrer a redação por uma semana. A editora do caderno deve ser sumariamente obrigada a comparecer ao bairro de Vila Isabel durante um mês, todos os dias, para respirar o ar que Noel Rosa respirou e parar de compactuar com maluquices. O GLOBO é caso perdido, a redação é um valhacouto de bestas quadradas. Eles que se danem.

Eu, daqui, às margens do rio Maracanã, abro a primeira gelada do dia em homenagem a Besouro, Baden, Paulinho e Noel, cantando, como se canta o Hino Nacional em final de Copa do Mundo, ´Fita Amarela´ e ´Lapinha´.

Não passarão!"


Até.

9 comentários:

Luiz Antonio Simas disse...

Alguém leu o exemplar de hoje? Eles admitiram a cagada? Abraços

Eduardo Goldenberg disse...

Simas, querido: eu li! Eu li! Li na praia. E - adivinhe? - é evidente que não há NENHUMA menção a esse crime. Há, depois você mesmo leia, um texto patético, mal escrito, preconceituoso e repugnante assinado pelo tal do Ximenes, coleguinha da ACR, do caderno ELA, sobre o Trem do Samba... Um troço execrável, depois me diga.

Luiz Antonio Simas disse...

Edu, acabei de ler o tal texto e vou te fazer um pedido, na condição de irmão e carioca - responde a esse Ximenes, pelo amor de Deus e de São Sebastião.
Beijo

Anônimo disse...

Realmente essa foi inacreditável. Mais um motivo para comemorar o cancelamento desse lixo entregue em casa.

Anônimo disse...

Olha, Edu, eu, nas minhas condições de capoeirista, se visse a tal jornalista que cometeu essa lamentável gafe, daria uma meia-lua de compasso e um martelo nos córneos dela! Que que há, porra!, Besouro compositor? Essa foi de doer os ouvidos!!!

Anônimo disse...

Amigos:

O jornalismo está em crise no mundo inteiro, não apenas no Globo. A pobre jornalista que vocês execram com tanta desenvoltura é apenas uma menina, que recebe uma salário miserável (acreditem: miserável) para escrever oito, dez matérias por dia. Se há alguém ou algo que mereça uma meia-lua de compasso nos córneos não é ela (nem o Globo). É o modelo econômico que nos leva a essa situação. Que contribui para a falta de interesse da população por jornalismo de qualidade. Que alimenta a sede da nossa sociedade pelo supérfluo, pelo efêmero, pelo fácil e pelo rasteiro. Que incentiva a explosão dos jornais populares, e obriga os veículos tradicionais a minguarem, enxugarem custos e investimentos, e a se popularizarem também. Os jornais, amigos, vocês sabem, não educam ninguém. A sociedade é que se educa, se reeduca (e, infelizmente, às vezes, como hoje, se deseduca) através dos jornais. E nesse nosso atual inferno pós-moderno-globalizado, a pobre jornalista que vocês desejam espancar é, na verdade, uma guerreira. Uma triste guerreira. Mas, certamente, a que menos tem culpa pelo erro que justificadamente revoltou vocês. O erro merece todo o repúdio, claro, mas o errador merece, certamente, um pouco mais de tolerância. Pois o problema aqui é muito mais grave e comprometedor do que apenas um jornal em decadência.

Um abraço a todos,

Juarez Becoza
Coluna Pé-Sujo
Caderno Rio Show

Diego Moreira disse...

Discordo quase totalmente do que foi escrito aqui em defesa da "jornalista doida". Entendendo que o sistema, vilão escolhido pelo defensor, tem uma queda forte pela exploração do trabalhador. Mas eu, leitor, quando saco minha carteira e pago, caro, diga-se de passagem, pelo jornal que pretende ser um dos melhores do Brasil, não quero saber se a "herege" , como disse o Simas, precisa se virar pra fazer oito ou dez matérias por dia em troca de um salário miserável. Quero um trabalho com um mínimo de qualidade e que não cometa erros grotescos como esse! Que seja realmente supervisionado por alguém que não deve ter um salário tão miserável assim. Ou ainda, se cometido o erro, que o jornal tenha a decência de fazer uma errata, o que, pelo que eu saiba, ainda não foi feito. É por essas e outras já bastante debatidas aqui neste BUTECO que o jornal vem perdendo assinaturas de leitores que não precisam dele para ter opinião, pois são mentes livres e independentes, mas que precisam de um jornal que lhes traga informação com qualidade.

Luís Pini Nader disse...

Caro Edu.
Primeiro, parabéns pelo Buteco. Vou frequentar.
Tenho um blog que tenta contar um pouco da história da música brasileira por meio de algumas letras. (http://portrasdaletra.blogspot.com.br). Acaba sendo, também, uma espécie de buteco. Pelo menos, essa é a idéia.
Sou, também, amigo do Szegeri e endosso todas as palavras carinhosas com que você se refere a ele.
Mas venho aqui para livrar, em parte, o da jornalista da reta. Óbvio que os versos de "Fita Amarela" não são de Paulo César Pinheiro, mas são, como os de "Lapinha", inspirados em Besouro. Senão, veja a ladainha de capoeira abaixo:
"Quando eu morrer
Iê!
Quando eu morrer disse Besouro (bis)
Não quero choro nem vela
tamben não quero barulho
na porta do cemiterio
So quero meu berimbau
com uma fita amarela, gravada com o nome dela
E o meu nome
E Besouro
Como é meu nome
É Besouro
Como é meu nome
É Besouro"
Saudações etílicas!
Luís Pini Nader

Anônimo disse...

Essa discussão encerrou faz tempo, mas cai aqui hoje exatamente pra pesquisar quais eram os versos do besouro nessa música. Sou jornalista e recebi o seguinte release da assessoria de imprensa:
"Existe um samba, chamado Canto do Besouro, cujos versos de sua autoria "Quando eu morrer/Não quero choro nem vela/ quero uma fita amarela/ gravada com o nome dela" fazem parte desse samba conhecido de Noel Rosa, no qual nosso poeta escreveu a segunda parte. Esse refrão também foi usado por Paulo César Pinheiro em Lapinha (em parceira com Baden Powell) - sua primeira música gravada, e sucesso na voz de Elis Regina - com a qual venceu um dos mais concorridos festivais de música popular, a Bienal do Samba, da TV Record, em 1968."
Como tá ultra mal-escrito, faz a gente pensar q a fita amarela é verso do Besouro. A tal jornalista deve ter usado essa fonte.