Mas posso, sim, falar sobre o que fui eu durante os 120 minutos de espetáculo.
Antes de mais nada eu preciso lhes dizer: "Sassaricando" é um musical eminentemente carioca. Acho que senti troço semelhante quando li "Carnaval no fogo", do Ruy Castro. Eu fui lendo, fui lendo, e pensava, enquanto me deliciava com as magnifícias histórias do livro, que dificilmente um não-carioca compreenderia na íntegra o que aquilo tudo significava e representava. Talvez o mesmo aconteça com "Sassaricando".
É evidente que a música tem um alcance fabuloso, e é bem possível que um não-carioca, um gaúcho, por exemplo, tenha relinchos de alegria ao ouvir os primeiros versos de "Sassaricando". Ou que um paulista, daqueles feitos de cimento armado e que odeiam o Carnaval, esboce um sorriso de canto de boca escutando "Aurora".
Mas já na abertura do musical, quando Juliana Diniz abre um baú de memórias deixado por seu avô - não confundam com o Monarco, pô! - e lê, em off, uma carta deixada pelo velho endereçada a ela, fica claro: os cariocas, os cariocas de alma é que saberão o que vai ali e sentirão a mesma saudade, junto com a neta do avô folião que não existe mais.
Pausa para breve informação: eu e Dani éramos os mais novos da platéia. Guardem essa informação. À nossa frente - ficamos na última fila - um mar ártico, se me entendem. Ou cabelos brancos ou carecas reluzentes.
Durante a apresentação das 89 marchinhas que compõem o espetáculo, entremeadas por dois vídeos mortalmente emocionantes ("A Cidade" e "A marchinha e o carnaval"), o primeiro narrado pelo carioquíssimo Hugo Carvana e o segundo pelo não menos carioca Sérgio Cabral, pai, choramos inúmeras vezes.
Não chegamos, depois do espetáculo, a comentar sobre isso. É como se tivéssemos combinado de brincar separados com as emoções daquela tarde.
Eu quis dançar de mãos dadas com a Soraya Ravenle quando ela cantou, sozinha, "Bandeira Branca", ou ainda quando me feriu a alma já combalida cantando "Paris", quando eu, fungando, para completo assombro da velhota ao meu lado, cantei junto "mas eu gosto muito mais do Leme!". Eu quis fazer pas-de-deux com a Sabrina Korgut quando ela invadiu o palco pra cantar "Lig, lig, lig, lé". Eu quis entrar debaixo do mesmo guarda-chuva branco da Juliana Diniz quando ela pediu à Alá, sestrosa, água pra iaiá. Ali eu era o ioiô.
Eu senti uma puta felicidade por estar ali, vendo e ouvindo meus contemporâneos, Eduardo Dussek e os garotos, Alfredo Del-Penho e Pedro Paulo Malta, os dois bicudos que conseguiram a façanha de me fazer perder um CD arranhado de tanto que não me saía da vitrola, cantando cada vez melhor, sendo que esse último - confissão pública!!!!!, perdão Pedro Paulo! - eu vi bebê, em Caxambu, sul de Minas.
Eu senti um estranhíssimo orgulho de ver o Pratinha, moleque de 19 anos de idade, segurando as pontas dos músicos, com o bastão que lhe foi passado pelo craque Luís Filipe de Lima, que já é uma espécie de ISO 9000 em termos de musicais. O cara tá lá? Vai sem erro!
E - causa maior do meu quase passamento - o que foi pior.
A cada intervalo, a cada estouro das palmas, eu insistia em procurar, dentre aquelas cabecinhas brancas, a redezinha de pérolas em volta dos cabelos macios da minha bisavó.
Até.
PS: a temporada no "Teatro SESC Ginástico" termina no dia 18 de março. Tudo indica que a temporada vai prosseguir no "Teatro João Caetano", na Praça Tiradentes. Se você é carioca, não perca. Szegeri, meu mano, venha! Pensei em você grande parte do espetáculo!