22.5.07

E O BRUNO DISSE TUDO!

Há exatamente uma semana eu postava aqui o texto "E O SIMAS DISSE TUDO", leiam aqui.

Comentando o imprescindível texto do igualmente imprescindível Simas, escreveu o Bruno Ribeiro, lá de Campinas:

"Dizer o que diante disso? Camaradas, às armas! Salve nosso Comandante!"

E como o Bruno não é homem de descumprir a palavra, e como o Bruno é também imprescindível na luta pelo que é nosso, faço questão de transcrever, na íntegra, seu fundamental texto "VIRADA CULTURAL É O CARALHO", publicado no excelente PÁTRIA FUTEBOL CLUBE.

Pátria Futebol Clube

É preciso perceber, de cara, a beleza do título do texto, a agressividade contida no título de texto, que demonstra que o camarada Bruno segue à risca o ensinamento que manda endurecer sem perder jamais a doçura. Leiam o texto, do início ao fim, e vocês perceberão que eu assino embaixo, na íntegra. Há tempos eu defendo deixar a resignação e a política da boa vizinhança de lado. É dedo na cara da canalha, mesmo!

"Durante toda a semana passada só se falou na Virada Cultural Paulista, que pela primeira vez teve uma edição campineira. De sábado para domingo foram 24 horas ininterruptas de música, teatro, cinema e exposições. Trabalhei na cobertura do show do grupo Sistema Negro, no Jardim Ieda. A expectativa (não a minha, evidente) era de que o show de rap, que ocorreu diante do sexto distrito policial de Campinas, acabasse em confusão - à exemplo do show dos Racionais, em São Paulo. Típica associação preconceituosa que a classe média faz do rap com a violência - reforçada depois que a Rede Globo culpou o público pelo confronto com a polícia militar. Não cabe agora discutir de quem foi a culpa pela pancadaria, mas é sempre bom lembrar que o problema é o homem e não o lugar de onde ele vem. Só discorda quem não conhece a periferia de perto.

Eu já sabia que seria um show tranqüilo. Depois fui para a redação escrever a matéria, mas não quis participar da Virada Cultural. Comprei um vinho na volta e fiz uma sopa na santa paz do lar, ouvindo a música que gosto, na altura que gosto, na companhia de quem gosto. E isso me basta.

Não participei em nenhum momento do oba-oba geral. Primeiro porque, danem-se os politicamente corretos, esse papo de virada é coisa de viado. E segundo que não tenho mais paciência para shows. Não agüento mais encontrar a mesma "turminha da balada" ou, como gosto de chamar, a "turminha do u-hu". Ela está no "samba-rock pra quem começou a gostar de preto há pouco tempo"; ela está no "rock psicodélico com influências de folclore pernambucano e literatura de cordel"; está no "forró sem cabeça-chata para meninas que dançam ciranda" e agora também na "gafieira que acha que é gafieira só porque tem sax e trombone na formação, mas que não canta samba sincopado e nem samba de breque". Estou cantando a bola em primeira mão: atentem para o surgimento da mais nova moda universitária: a gafieira. E eu, como estou cada vez mais decidido a firmar um pacto com a vida, pacto de só viver o que for verdadeiro, me recuso a estar nesses lugares onde todo mundo se acha o i do mississipi.

A Virada Cultural é feita para essa classe média que, além de não ser produtora de cultura, não entende picas do assunto (embora se ache a grande mantenedora das vanguardas artísticas) e se limita apenas a consumir shows sem qualquer critério. Aliás, o critério que ela conhece é sempre o da quantidade e nunca o da qualidade: se o show está lotado, então é bom. E mesmo assim não pode estar lotado de pobre: tem que ter muita "gente bonita". Cultura no cu dos outros é refresco. Essa é a mentalidade da classe média e é por isso que me recuso terminantemente a compartilhar de seus mesmos gostos e interesses. Venho da classe média também, mas nunca aderi ao seu modo de vida. Estou seguro de não estar falando nenhum absurdo.

Vou explicar melhor a minha bronca. Antes, porém, peço licença ao Eduardo Goldenberg para roubar descaradamente uma citação do Ariano Suassuna publicado primeiro no seu Buteco do Edu:


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O Ariano disse tudo: se for preciso assumo essa briga sozinho, como já tenho feito nos últimos dez anos. O país ainda não está pronto para ser nação e é por isso que alguém tem de meter o dedo no nariz da classe média e dizer para ela: "Você está errada". Também estou certo de não cometer nenhuma injustiça. Injustiça, por exemplo, é o que fizeram com o samba e o choro na programação da Virada. À eles foram dedicados os piores horários e locais: ao grupo Choro Bandido, que está lançando seu segundo CD e tem entre seus integrantes craques como Chiquinho do Pandeiro e Daniel Romanetto, foi reservada uma apresentação às 8h de domingo, no Bosque dos Jequitibás. A mentalidade é: "chorinho é coisa de velho; velho acorda cedo; chorinho é bucólico; manda o chorinho para o bosque". O samba também foi tratado como moeda de troca: apenas Ilcéi Miriam e o grupo do Cupinzeiro foram convidados, entre tantos grupos bons que poderiam ter ocupado outros horários do programa. Sem falar que samba é sempre na praça e nunca no teatro ou nas grandes salas de espetáculo. E também ao samba deram um horário ingrato, quando as pessoas estavam saindo do trabalho. Muita gente saiu da periferia para ver o samba e não conseguiu chegar a tempo, porque dependia de ônibus e às seis da tarde não há ônibus para quem mora do outro lado da ponte. Engraçado como as duas maiores expressões da música popular brasileira são sempre tratadas com desdém pelo poder público e pela classe média - a mesma que gosta de "valorizar" o samba e "resgatá-lo" de algum lugar que ninguém sabe qual seja.

As noites são reservadas sempre aos ritmos estrangeiros (rock, blues, jazz) ou à música com discurso pop de bandas como Cordel do Fogo Encantado. O argumento - posso até ouvir vozes aí do outro lado da tela - é de que o samba não é capaz de lotar o espaço público. Não fossem a hipocrisia e o eufemismo, diriam abertamente: "O samba não é capaz de lotar o espaço público de gente bonita, de gente da nossa laia". Mas então é a hora de nos perguntarmos por que e para quem é feita a Virada Cultural. Para que tipo de público os governos municipais movem seus esforços e investem o dinheiro de nossos impostos? E, Deus meu, de onde tiraram a idéia de que em Campinas não há cultura acontecendo o ano todo?

Domingo, enquanto muita gente ia para a Estação Cultura gritar u-hu, eu fui para a periferia, onde me criei com muito orgulho. E só me arrependo de não ter uma máquina fotográfica para mostrar aqui no blog, batendo o pau na mesa, que o samba não precisa de cartaz e nem do aval da classe média para acontecer e reunir muita gente. A roda, aliás, não é show, é cultura no sentido profundo do termo. Está acontecendo porque tem de acontecer, porque é passada de pai para filho, porque é uma necessidade e toda a comunidade está ao seu redor, confraternizando, dividindo a garrafa de cerveja, o churrasquinho feito na hora, a alegria e a tristeza da vida real. A vida de verdade, sem que ninguém precise fazer tipo para se sentir inserido ou representado. As relações não passam pela questão da roupa, do padrão de beleza, do julgamento moral. Todo mundo é truta, todo mundo é irmão, a partir do momento em que o samba pega e você o respeita. Estou falando do Pagode da Vó Tiana, terreiro localizado na Vila Teixeira, comandado pelo parceiro Juninho Fortaleza (com quem emplaquei Salve a Defumação, um sambão de macumba que já anda nas bocas da negrada da Vila).

"Pessoal, andaram dizendo que a roda de hoje ia ficar vazia por causa da Virada Cultural. Falaram que tava todo mundo indo ver o jazz e ver o rock. E a Vila Teixeira disse não. Todos aqui disseram não à esse papo furado de que a cultura estaria lá, do outro lado da ponte, e que a gente só teria uma opção: atravessar a cidade para poder se divertir um pouco. E nós dissemos não. Dissemos que não é verdade. Porque nós somos a cultura de Campinas. Ela está aqui, na periferia. E não precisa ser convidada para subir no palco. A casa cheia de amigos em dia de samba é a prova de que a nossa cultura é viva e é forte" - disse o pandeirista Cilão, na abertura dos trabalhos, sendo aplaudido de pé por cerca de 300 pessoas.

Lá encontrei Amaury "Velha Arte" e Nelsinho Fidélis - este o maior cantor de samba do Estado de São Paulo. E banco a afirmação se alguém duvidar. Terminada a roda - que contou com a presença de Sombrinha, parceiro de Arlindo Cruz - fomos de táxi para a Vila União, no maravilhoso Bar do Neto. Detalhe: fomos tão longe que o taxímetro marcou R$ 80 ao final da corrida. Adivinha se pagamos? É claro que não! Na quebrada é todo mundo camarada e uma mão lava a outra. E o Amaury tinha crédito na praça. De modo que o taxista também entrou para beber com a gente. E o samba comendo solto na mesa do butiquim. Candeia, Aniceto, Xangô. Vou repetir: Candeia, Aniceto, Xangô. Só sabe a dimensão disso quem é do riscado. E ouvir o primeiro verso é sacar que a cidade não conhece a cidade. E ainda tem muito o que aprender se quiser falar em cultura.

Pergunta se eu paguei a conta? Claro que não de novo! Aliás, acho que ninguém nunca paga a conta. Porque sempre tem alguém que se oferece para pagar a sua, da mesma maneira que alguém pagou a dele e assim por diante. No fim, vai ver, o sujeito pendura e acerta no fim do mês. Eu volto lá em outra oportunidade, deixo uma meia dúzia de Brahmas pagas na conta do cidadão, sem esperar nada em troca. E essas pequenas gentilezas vão gerando mais gentilezas, de modo que cria-se uma espécie de segunda família (para muitos, a primeira) e a roda de samba é onde estas relações se exacerbam, como que num transe. A roda de samba propicia um momento mágico em que você se sente realmente parte de um grupo e sua pessoa passa a ter alguma importância. O sujeito deixa de ser um consumidor passivo para ser agente histórico do que está acontecendo naquela hora. E a alma do bairro, da cidade, da pátria, da humanidade, percorre cada músculo e cada nervo de seu corpo. Sem luxo, sem frescura, sem glamour. Na vivência da única democracia que conheço, que é a roda de samba feita na mesa do buteco. Ali, onde a vida acontece e as pessoas são naturalmente felizes (sem esconder suas dores), a cultura é parte integrante do cotidiano. Não precisa que lhe dediquem um final de semana, nem que a classe média reconheça sua existência e seu valor. O povo lhe faz imortal, não é meu camarada?

PS: O endereço? Não dou nem sob tortura."


Vão, o texto do Simas e o texto do Bruno, para a sessão "EU ASSINO EMBAIXO".

Até.

7 comentários:

Unknown disse...

Obrigado, mano!

Às armas contra a canalha.

E enquanto houver gelo, há esperança!

4rthur disse...

Não conheço pessoalmente o Bruno e não sabia dessa atuação e militância do cara. Mas considero que a crítica à apropriação da cultura popular pela classe média, e sua consequente ressignificação (pra não dizer esvaziamento de significado), é um dos debates mais urgentes no campo da cultura.

vou lá pra reler o texto no original.

juliana amaral disse...

puta que o pariu. pu-te-que-o-pa-riu mil vezes! Ler coisas como esta me fazem ter de volta esperança de que temos ainda vida inteligente nesse mundo.
Edu, tenho de contar. Participei da virada paulista (da na cidade de Sâo Paulo não pude por ser servidora municipal), e fui mandada pro "palco de samba" em Araçatuba. A programação tinha às 13h um grupo de choro ótimo (com uma molecada mordendo o canto da parede, incluindo o Adriano do Bandolim, filho de ninguém menos que o Luizinho Sete Cordas), às 15h euzinha e às 17h Lecy Brandão. O local, claro, era o palco externo, afinal de contas o samba não entra no teatro, mas eu tinha imaginado que seria a praça da cidade, quem sabe o coreto, pros velhinhos e desocupados. Certo? Não, sempre pode piorar: o palco de samba era num pavilhão de exposições - provavelmente pra feira de gado - completamente longe de tudo, sem uma única árvore, banco, pedra, nada, um asfaltão, debaixo de um sol senegalês (afinal de contas, samba é mesmo coisa de preto e pobre, conforto pra quê, né?). Preciso dizer mais alguma coisa? No show de choro, tinham 2 (eu disse DUAS) pessoas na frente do palco, e no meu, umas 20 - incluindo o povo da produção, motoristas, carregadores e afins. No mesmo horário, um show suspeitíssimo no teatro (de mpb ilustrada, maranhão com eletrônico, sacumé?), com ar condicionado, sombra e som frescos. Não fiquei pra saber se tinha gente pra ver a Lecy, mas sinceramente, duvido.
Enfim, Edu, eu não sou porra nenhuma, canto samba porque meu corpo pede, porque sou apaixonada, e porque tenho uma devoção imensa, dolorosa e inexplicável por estas pessoas, sei que estou do lado de fora, mas no mínimo, sei disso muito bem, e tenho um respeito ancestral, colossal, peço licença três vezes, com lágrimas nos olhos.
Mas posso falar porque sou do governo, sei e sinto aqui na minha mesa, na sala ao lado dos programadores dessa baboseira toda, que a mentalidade reinante é a eventista, pão e circo travestido de democracia, sem nenhuma preocupação com qualquer coisa que possa se dizer formadora, ou sei lá, que no mínimo tenha respeito por aquilo que é muito, muito maior do que eles todos.
Quero dizer que queria eu ter escrito isso tudo.
Obrigada, Bruno. Beijo, Edu (e saudade...)

Unknown disse...

Juliana querida: por favor, vc poderia publicar esse mesmo comentário lá no blog? Seria de muita valia ter seu depoimento na discussão. Um grande beijo!

Craudio disse...

Concordo em gênero, grau, número e acentuação com o que disse o Bruno Ribeiro em relação à classe média. É média em tudo, aliás. Diz amém ao que a tal da elite define como "o que há de melhor" e se afasta da verdadeira fonte de conhecimento cultural: o povo.

Também é fato o caráter separatista da Virada. E não é nem surpresa, haja vista o holocausto dos bicudos que estão no poder sobre qualquer manifestação artística de valor - aquele grupinho paulista que faz um samba diferente, por exemplo, ficou sem casa às sextas.

Para as grandes produtoras de eventos, o samba só serve no carnaval. E hoje é aquele samba ligado na batedeira.

Aí os caras colocam um show dos Racionais MCs na Praça da Sé e avisam a PM: qualquer motivo - até um espirro - é a deixa para descer o sarrafo em todo mundo e mostrar para a mídia que pobre é ladrão e marginal e não está preparado para absorver o fino da música.

Nossa classe média aqui em SP elege Clodovil, Maluf e Eneias... Mas temos alguns templos onde nos refugiar, como esse que o Bruno mencionou. E eu também não dou o endereço nem debaixo de muita porrada.

E sexta-feira última, Alicate e Szegeri: que dupla, Edu! abraços!

Gabriel Andrade disse...

Meus caros amigos, e Edu, tenho há algum tempo acompanhado o blog e surge então um momento em que me sinto convocado a prestar meu comentário. o texto do Bruno, retrata uma realidade muito triste. A de que o Brasil adora agitar sua bandeira, para os outros verem, mas é incapaz de hastiar uma em sua propria casa.
O que acontece com o samba é isso. muitos adoram o samba e conseguem admitir que é precursor de nossa cultura. Mas apesar disso são incapazes de ir a uma roda de samba pois tudo é muito "rustico". ao inves disso, pagam mais de cem reais para assistir uma hora de Chico Buarque no Canecão.
Edu, eu, juntamente com o Caio, que te entrevistou recentemente, estamos com um blog com uma luta parecida com a sua, mas nossa defesa é pelo bom samba e cultura que o evolve. deixo aqui o convite. doisdosamba.blogspot.com
grande abraço,
Gabriel Andrade

Anônimo disse...

Pelamordedeus! Qual o endereço do blog do Bruno? Do e-mail dele? Não consigo acessar pelo link...
Esse cara é genial!!!