29.6.07

SZEGERI & FERRARI

Eu perguntei, já alcoolizado:

- Szegeri, você gosta mais dele ou de mim?

Ele apontou o dedo em direção ao Digão e disse:

- Dele, é claro!

Foi nesse átimo que eu, humilhadíssimo, fiz a fotografia.

Rodrigo Ferrari e Fernando Szegeri, São Paulo, 23 de junho de 2007

E riram, os dois, como se sapateassem em cima de mim sem piedade.

Dedicaram-se, ao longo do final de semana, a um ritual estranhíssimo, primitivo, objetivando - com que propósito? - meu esmagamento moral.

No que - confesso - obtiveram êxito.

O troço foi pior, ainda, quando pediram em uníssono:

- Faz uma foto nossa com os presentes!

Bruno Ribeiro, Roberta Valente, Fernando Szegeri, Rodrigo Ferrari e Tiago Prata, São Paulo, 23 de junho de 2007

Eu fiz, como se vê.

E, foi pior, quero explicar por quê.

No meu aniversário, o Trapiche Gamboa, onde comemorei a data, parecia, a certa altura, uma gaiola gigantesca. Sendo mais específico, meus convidados pareciam pássaros. E sendo ainda mais preciso, Fernando Szegeri, Rodrigo Folha Seca e Tiago Prata, pareciam ter asas. As mãos abanando eram, definitivamente, o símbolo do que eu represento para eles: nada.

E em São Paulo - para onde foram o Folha Seca e o Prata - os dois entupiram, literalmente, o bom Szegeri de presentes.

Livros, discos, roupas...
Eu, eis a triste constatação que me constipa o coração, NUNCA ganhei metade daqueles presentes num único aniversário meu...

Até.

28.6.07

FARTURA

E disse Luiz Antônio Simas, aqui, quando escreveu, com a discrição que lhe é peculiar, sobre nosso irmão paulista, Fernando Szegeri:

"Vem daí a conhecida hospitalidade do povo Yorubá, farta em gentilezas, bebidas, comidas e danças."

Meu querido Simas foi, e é isso que é importante destacar, extremamente econômico, moderado, parco - eu diria - e modestíssimo.

O simples ato de misturar gentileza, bebida, comida e dança, dentro da mesma gamela da fartura, faz com que o leitor se distraia e não preste atenção num dos troços mais impressionantes do final de semana - principalmente para um tijucano confesso: a quantidade de comida oferecida pelo casal anfitrião.

Vamos aos fatos.

Ao chegar à casa de meus irmãos queridos, Szegeri e Stê, na sexta-feira passada no final da manhã, deparei-me com uma perna traseira de porco, o festejadíssimo presunto cru, inteira - vou repetir... INTEIRA - sobre a pia da cozinha. Eu jamais havia visto coisa igual, só no cinema.

presunto cru

Tomado por uma alegria juvenil deslumbrada, perguntei:

- Posso cortar?

Szegeri, à moda de Xangô, como um trovão, gritou um não que fez tremer a Vila Romana.

Pequena pausa elucidativa: ao chegarem Bruno Ribeiro e Luiz Antônio Simas, o Szegeri foi um verdadeiro distribuidor de facas, dirigindo-se aos dois o tempo inteiro:

- Brunão, quer cortar uma fatia?

- Simas, vá fundo no lado esquerdo!

E fazia essas ofertas com um sorriso que eu, e apenas eu, percebia.

Mas o presunto cru, gigantesco - quero repetir - a próxima foto não engana -, era apenas um detalhe do farnel aparatoso.

Fernando Szegeri cortando presunto cru, São Paulo, 22 de junho de 2007

Pepinos em conserva, lingüiças defumadas de variadas bitolas e temperos, tremoços portugueses, panceta de leitão, panceta defumada - para quem não sabe, a panceta é um embutido de porco que vem com o próprio couro, com toicinho e carne da barriga dentro, alimento salubérrimo, como se vê -, pães de enlouquecer um padeiro tijucano, queijos indescritíves no que diz repeito à quantidade, qualidade e variedade, e eu, acostumado à simplicidade carioca e à falta de dinheiro disponível para tantos arroubos gastronômicos - eu seria, vê-se, vaiado dentro de uma comunidade Yorubá - sofria de pequenos arremessos e falta de ar diante das etiquetas com códigos de barra e preços ofuscando minha visão zona-norte.

Eu não seria deselegante a ponto de dar o preço de cada produto. Mas o presunto cru, apenas o presunto cru, custou mais que minha ida e minha volta, de avião.

O Prata, por exemplo, quando deu de cara com a etiqueta pregada na ponta do osso do presunto, a arrancou e veio engatinhando em minha direção. Dizia, com as mãos trêmulas:

- Você viu isso? Você viu isso?

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E os camarões?

Se lhes parecem pequenos, ou mesmo médios, ou ainda grandinhos - este último adjetivo dito com ar de deboche - deve-se à minha incompetência como fotógrafo ou à qualidade tosca de minha câmera digital.

Quando retirados da geladeira pelo Szegeri, ainda crus, evidentemente, pareciam lagostas.

Foi quando o Szegeri, vendo o brilho nos meus olhos e a baba escorrendo da boca do Simas - que confessadamente devota ao camarão um amor que a mais nenhum alimento devota - deu uma de Flavinho - entenda aqui o por quê:

- Cem reais o quilo! Cem reais!

Quando ele disse "cem reais o quilo", é preciso ser preciso do início ao fim, houve um silêncio na cozinha. Não exatamente pelo choque - que foi evidente e coletivo. Mas porque as pessoas estudavam, mudas, a melhor posição para o ataque aos crustáceos.

E eis que chega o domingo.

Chega o domingo e há, no rosto de cada um, uma tristeza carimbada.

Mas o Szegeri não deixa pedra sobre pedra.

O Prata disse, assim que levantou:

- Hoje é o enterro dos ossos? - perguntou referindo-se a uma cerimônia típica na Tijuca, na qual os convidados acabam com o resto da comida da véspera.

O Pompa, nosso bom Szegeri, riu.

Riu, fez festinha na vasta cabeleira do Prata, e disse algo que ninguém compreendeu, mas que foi:

- Ah, essa escumalha carioca...

Estalou os dedos e deu-se a mágica.

churrasco

Em questão de segundos Capitão Leo Gola - o maior e melhor churrasqueiro do mundo - comandava a churrasqueira da casa vermelha para delírios dos presentes.

Eu digo delírios dos presentes tijucanos de alma, nos quais o Prata, apesar de morar em Botafogo, se inclui.

Jamais vimos - a impressão foi unânime - tantas carnes e tão variadas.

Tanto que ontem, no final do dia, enquanto comemorávamos entre amigos o aniversário do querido Mussa - que faz anos hoje e para quem ergo o copo cheio diante do balcão imaginário - o Rodrigo Folha Seca, esse poço artesiano de ternura, abriu a mochila e de lá tirou uma peça inteira de picanha argentina maturada que estendeu sobre um papel laminado cuidadosamente forrando o balcão.

Para espanto dos presentes, fatiou a carne como se fosse um carpaccio, e disse, oferecendo o primeiro pedaço ao aniversariante:

- Roubei da casa do Szegeri!

Até.

27.6.07

SIMAS, UM ASTRO

Em 16 de abril de 2007, no texto chamado O DOMINGO, que pode ser lido aqui, expus meu queridíssimo irmão Luís Antônio Simas cantando acompanhado pelo violão endiabrado do Prata.

Mais à frente, em 30 de maio, foi a vez de, no texto SIMAS, O POLIGLOTA, que pode ser lido aqui, mostrar a vocês nosso herói cantando, nas línguas nativas, os hinos de Portugal, da Alemanha e da África do Sul.

No princípio deste mês de junho, mais precisamente no dia 09, foi a vez de publicar UMA AULA DO PROFESSOR SIMAS, que pode ser lido aqui, onde o carioca máximo aparece atuando em saula de aula, filmado às escondidas por um dentre seus milhares de alunos.

Como todos já sabem, estivemos em São Paulo no último final de semana com o objetivo precípuo de render homenagens a Fernando Szegeri, um ser humano incrível e que dedica-se, a cada dia com mais afinco, a me pespegar os piores castigos e as piores humilhações.

Fomos, no sábado, ao Ó do Borogodó, para a tradicionalíssima feijoada e para o samba comandado pelos Inimigos do Batente.

Samba comendo solto.

Até que Fernando Szegeri chama à mesa Luiz Antônio Simas para cantar.

Pequena pausa: o Szegeri JAMAIS chamou-me à mesa para cantar a mais singela das cantigas. Eu diria, até, que JAMAIS me disse, publicamente e ao microfone, para meu instantâneo regozijo - ah, as vaidades... - um "obrigado", um "seja bem-vindo", um "diretamente do Rio...", esses troços.

Simas foi anunciado com isso e muito mais, eu diria até, sem exagero, que com honras de chefe de Estado - o que de fato, convenhamos, ele é. E cantou, para deleite dos presentes. Com vocês, em mais um video estrelado por esse sujeito imprescindível, Luiz Antônio Simas cantando PERNAMBUCO LEÃO DO NORTE, samba de 1968 defendido pelo G.R.E.S. Império Serrano, acompanhado pelos Inimigos do Batente.


Até.

26.6.07

CADÊ A CHIADEIRA DA CANALHA?

Escrevi, em fevereiro de 2007, aqui, esse troço que reproduzo abaixo:

"Ali ficamos, bebendo, jogando conversa, num clima que só mesmo a cidade do Rio de Janeiro - na rua, no centro, na zona norte, nos subúrbios da cidade - propicia. Cidade que, diga-se, continua linda e em paz apesar do massacre a que vem sendo submetida pela imprensa sórdida e nojenta, que dá a esse menino que morreu recentemente, João, um tratamento jamais dado às vítimas anônimas de violências muito mais brutais do que a verificada no assalto que não deu certo. Uma única pergunta, a que faço: se são monstros os meninos que roubaram o carro da mulher que perdeu abruptamente o filho que por uma fatalidade ficou preso do lado de fora do carro pelo cinto de segurança e que recebeu em casa, poucos dias depois da tragédia, Fátima Bernardes e a equipe do Fantástico (câmeras, auxiliares de câmera, maquiadores etc etc etc), o que são os meninos de classe média que atearam fogo no índio pataxó, em Brasília, há não muitos anos? Pigarreio e sigo."

Eis que agora, recentemente, cinco vermes, cinco vermes de merda que se acham reis em seu mundinho de bosta na Barra da Tijuca, paraíso da canalha que cria, nas redomas dos condomínios de luxo fechados, autênticas bestas-feras que têm desprezo por gente, espancaram, covardemente, uma trabalhadora, uma empregada doméstica, a quem meu querido Bruno Ribeiro dedicou comovente carta aberta, leiam aqui.

Eu pergunto a vocês com um leve sorriso de satisfação no rosto - satisfação por ver como é nítida a diferença de tratamento que denuncia quem é, de fato, quem: onde os protestos da canalha pelo endurecimento da legislação? Onde as faixinhas estendidas nas janelas pedindo paz e outras babaquices? Onde as manifestações promovidas pela gentalha querendo abraçar a Lagoa, querendo abraçar uma praça qualquer, querendo abraçar o - perdão - caralho a quatro?

À merda, a canalha; sua hora - ouço o grito imaginário - vai chegar.

Abaixo, os cinco porcos covardes, escondendo o focinho, tomando o rumo da cadeia.

fotografia de Guilherme Pinto para o jornal EXTRA

Até.

UM HOMEM DE BEM

Quando, em 06 de março de 2007, publiquei SZEGERI NO RIO - PARTE II - leiam aqui - contando a vocês sobre o encontro do Szegeri com o Simas e com o Rodrigo Folha Seca, eu escrevi:

"No Rio-Brasília eu fiquei, como um espectador embevecido, assistindo o encontro dos titãs. Szegeri e Simas, numa afinidade de há séculos, cantaram, contaram histórias, e a quantidade de cerveja, de maracujá, de carne assada com coradas, servia apenas de pano de fundo praquela noite mágica."

Pois bem.

Estivemos neste último final de semana, como vocês já sabem - eu, Dani, Simas, Candinha, Rodrigo Folha Seca e Prata, do Rio de Janeiro, e Bruno Ribeiro, de Campinas -, em São Paulo, hospedados na casa vermelha, onde moram meus irmãos Szegeri e Stê, na companhia da mais-que-amada Rosa.

Quando fala o Simas eu tenho pouco a dizer.

Por isso, como já fiz ontem (quando transcrevi texto do Bruno Ribeiro sobre o mesmo tema), segue emocionadíssimo - e preciso do início ao fim - texto de autoria desse brasileiro máximo e imprescindível, Luiz Antonio Simas, cujo título é IFÉ E A CASA VERMELHA:

"Disse Ifá que a raça humana, a única que existe, veio ao mundo em Ilê Ifé, a cidade sagrada fundada por Odudua. Exatamente por isso, na entrada de Ifé, ao lado do busto do herói fundador, há um portal com os dizeres: Sejam bem-vindos de volta à casa. Cada homem que visita Ifé está retornando ao conforto da primeira aldeia. Vem daí a conhecida hospitalidade do povo Yorubá, farta em gentilezas, bebidas, comidas e danças.

Até hoje, em alguns lugares do Brasil (os que ainda não sucumbiram ao desencantamento do mundo), as pessoas humildes abrem suas portas para louvar os foliões das bandeiras do Divino Espírito Santo. Com muita comida, café sempre quente, cachacinha da boa e alegria na alma, as casas escancaram seus portões e janelas para receber os devotos do Divino. A mesma coisa acontece na época de Santos Reis.

Este Brasil, o meu Brasil, país em que a delicadeza não está perdida, aldeia que festeja seus deuses no tempo, canta seus sambas, bate tambores e resiste aos condomínios fechados onde a elite cria suas bestas-feras e chacais assassinos; este Brasil continua existindo. O meu país, sei disso, continua existindo e resistindo, na alma de homens e mulheres que sabem, com o afeto que supera as palavras, que somos oriundos da distante aldeia de Ifé - irmãos, portanto.

Olorum Modupé, de todo coração, é o que desejo a todos aqueles que no último fim-de-semana, em outras terras, receberam-me como se estivesse voltando de onde, verdadeiramente, nunca me ausentei - o país dos homens, umbigo do mundo, a Ifé de todos nós - recriada nas gentilezas de uma casa vermelha de portas abertas; morada de um homem de bem.

Axé."


O homem de bem é ele: Fernando Szegeri.

Fernando Szegeri, na livraria Folha Seca, em 05 de março de 2007

Com a licença do Simas, axé.

25.6.07

FINAL DE SEMANA HISTÓRICO

A correria da segunda-feira me impede de começar a relatar, como de hábito, o que foi a viagem para São Paulo neste último final de semana.

Enquanto não o faço, fiquem com o texto publicado por Bruno Ribeiro em seu PÁTRIA FUTEBOL CLUBE:

"O encontro que se dará hoje e só termina na segunda-feira terá contornos épicos e fatalmente entrará para a história como o encontro que mudou - senão o mundo - ao menos nossas vidas. Será um encontro para lembrarmos, daqui há alguns anos, e que haverá de produzir fotografias antológicas (...). (...). Pois a hora da feitura desta foto se aproxima, já que pela primeira vez conseguiremos nos reunir todos no mesmo lugar: a casa vermelha do aniversariante Fernando Szegeri, o melhor dos seres humanos que respiram neste instante sobre a face da Terra - nas palavras de Eduardo Goldenberg, mestre da paixão, do exagero e da precisão catedrática, que virá do Rio para São Paulo especialmente para a ocasião - e trará consigo ninguém menos que Luiz Antonio Simas, professor de todos nós, brasileiro fundamental, preferido filho de Ogum. E como se não bastasse reunir de uma só vez o trio mais famoso depois de Pepe, Pelé e Pagão, ainda virão compor a histórica pororoca gente como Rodrigo Folha Seca, nosso livreiro de fé no Rio de Janeiro, e Tiago Prata, anjo das sete cordas, que deverá ser responsabilizado por nossos desabamentos emocionais durante as madrugadas de violão que fatalmente encararemos em nosso cárcere privado de três dias. Lamento em nome de todos os brasileiros que ficarão de fora do maior fim semana do ano; do inesquecível; do que mudará definitivamente a ordem das coisas; ao menos em nós, como bem disse o Edu, alguma coisa deverá mudar para sempre."

Leia-o na íntegra aqui.

Fernando Szegeri, Bruno Ribeiro, Eduardo Goldenberg e Luiz Antonio Simas em São Paulo, em 22 de junho de 2007

Na foto, Fernando Szegeri, Bruno Ribeiro, eu e Luiz Antonio Simas, em 22 de junho último.

Aguardem o relato, preciso do início ao fim, como sempre, da viagem.

Até.

21.6.07

PRATA, A OBSESSÃO COLETIVA

Conforme lhes contei aqui, em janeiro de 2007, tenho compradas, desde o começo do ano, as passagens aéreas para comemorar, in loco, o aniversário do maior dentre os seres humanos que respiram, neste exato instante, sobre a Terra, Fernando Szegeri.

No domingo, 24 de junho, faz anos o Pompa, meu irmão paulista. E percebam a diferença abissal que nos distancia.

Às vésperas de meu aniversário, escrevi o texto EU, COADJUVANTE, leiam aqui, onde, em apertada síntese, contei sobre a angustiante experiência de se perceber coadjuvante na festa de seu próprio aniversário.

Angustiante experiência que o Szegeri nunca (dito com a fúria e a intensidade szegeriana) conheceu ou conhecerá. Explico.

Eu estou indo para São Paulo. Dani, evidentemente, também. Luiz Antonio Simas e sua doce Candinha, idem. De Campinas, convocado para compôr o exército, Bruno Ribeiro comparecerá. E atentem, meus poucos mas fiéis leitores, que todos chegarão na sexta-feira, amanhã - quando começa recesso no BUTECO até segunda-feira -, e só voltarão na segunda-feira.

Tudo - rigorosamente tudo - por causa do Szegeri.

Eu diria, a título ilustrativo, que nenhum dentre os pouquíssimos amigos que compareceram à comemoração do meu aniversário, gastou mais do que os R$2,00 do coletivo. Nenhum.

E com o aniversário do Pompa, um evento que movimenta a economia da cidade - e eu diria sem medo do erro que a economia do País -, as pessoas gastam o que não gastam comigo no curso de toda a vida. Vejam o Simas, por exemplo: ele e Candida rasparam do cofrinho, só com as passagens aéreas, pra mais de R$500,00. E há, ainda, o presente de aniversário, o gasto com transporte, alimentação, esses troços. Gastarão - essa a verdade econômica - os tubos. Mas não é exatamente nada disso o que quero lhes contar (acabo de escrever o maior intróito da história do BUTECO!).

Quer dizer, minto. É sobre isso, sim, mas sobre outra ótica, e vou explicar.

Vão também para São Paulo, e gastando muito, mas muito mais dinheiro (já que decidiram a viagem de última hora), Rodrigo Folha Seca, esse extenso poço artesiano de ternura, e Tiago Prata, o gênio do 7 cordas, filho de todos nós, filho meu, sobretudo, que pleitei, em primeiro lugar, a paternidade do menino.


Tiago Prata no Adonis, em 06 de março de 2007


Eis aí o ponto nodal, o personagem sobre o qual quero trabalhar - Tiago Prata.

Bati o telefone pro Szegeri na semana passada:

- O que foi, porra? - atendeu-me assim.

- O Prata também vai pra São Paulo - eu disse, ligeiramente magoado com a receptividade que meu nome piscando na tela de seu aparelho gerou.

Ele desligou o telefone.

Eu pensei - confesso agora - que a ligação caíra.

Mas em segundos estrilou meu celular:

- Fala, mano.

- Jura que ele vem?

- Por Deus.

- Meu filho vem! Meu filho vem! - e desligou de novo.

Vai daí que comecei a receber emails dos amigos do Szegeri - meus também, quero crer, embora meu irmão paulista diga que todos têm apenas piedade de mim - querendo detalhes - vão tomando nota! - da visita do Prata.

Eu cheguei a responder um, o primeiro, com um texto visivelmente escrito por um pai que é todo orgulho por conta do talento do filho.

Mas a resposta me veio implacável. Trancrevo-a:

"Edu: deixe de ser patético! Faça um filho seu e não encha o saco com essas histórias delirantes. Quero saber, apenas, onde posso ver o Pratinha em ação em São Paulo. Simples assim. Seu chato!"

Que doce, não?

Essa a razão pela qual não respondi a mais ninguém.

Mas eu diria, sem a mínima possibilidade de errar, que o Prata tornou-se a obsessão dos paulistanos. Todos querem vê-lo, tocá-lo, farejá-lo, num espetáculo que se anuncia à beira da histeria.

As reservas para o sábado, no Ó do Borogodó - tomem nota, tomem nota! -, estão esgotadas, mesmo com o aviso na porta, desde a semana passada, que a chegada do Querubim é, ainda, uma incógnita em razão do caos aéreo.


Tiago Prata no Adonis, em 06 de março de 2007


E isso porque o garoto tocará, no sábado à tarde, durante a festa de lançamento de dois livros na rua do Ouvidor, na livraria Folha Seca. Parte de lá, na companhia do Rodrigo, direto para o Santos Dumont. Ritmo, como se vê, de astro de primeira grandeza.

Relatou-me, o Szegeri, por email, e ele fez isso apenas para me deixar com ciúmes (sou ciumentíssimo), que há gente querendo contratar o menino a peso de ouro para - vá lá! - a execução de uma música, um choro, um samba.

Chegou-se, então, ao seguinte ponto.

O Szegeri mobiliza, como já provei, multidões.


Tiago Prata no Adonis, em 06 de março de 2007


Mas Tiago Prata, e vá entender como se deu, da noite pro dia, a transformação do menino em astro disputado a tapa, reverteu a ordem natural das coisas, talvez com a mesma maestria e com a mesma mágica com que reverte mãos e dedos nos passeios de encantamento que faz com o bojo do violão no peito, tornou-se a bola da vez dessa viagem que se anuncia - guardem o que estou dizendo! - histórica.

Há meses, muitos meses, que venho desejando e guardando no coração a ansiedade pelo nosso encontro, a um só tempo.

Fará falta o Fefê, por exemplo. Fará falta mais um ou mais outro - e não direi outros nomes.

Mas quando sentarmos à mesa de um buteco qualquer, sob o comando do Szegeri, eu, Bruno Ribeiro, Simas, Rodrigo Folha Seca, Prata, Favela, Leo Golla, Deco, Borgonovi, Julio Vellozo, Augusto, Marcão, Craudio e quem mais chegar - algo mudará pra sempre.

Ao menos em mim, disso não tenho dúvida.


Tiago Prata no Adonis, em 06 de março de 2007


E quando virarmos todos saudade, ele, o caçula, metade da idade, no mínimo, de cada um de nós, será o guardião dos segredos que da mesa emergirão.

Quem viver verá.

Até.

UMA NOITE COM O BEMOREIRA

Fui, ontem, já no final da tarde, à livraria Folha Seca, livraria do meu coração, para comprar o presente de aniversário de minha afilhada, Iara Szegeri - sim, filha d´Ele -. Lá, é evidente, encontrei-me com o Rodrigo Folha Seca, esse ser humano que é, praticamente, um poço artesiano de ternura. E encontrei-me, ainda, com a Betinha, que telefonara horas antes numa ansiedade que sua voz não escondia.

Estávamos os três, então, jogando conversa fora, quando deu-se a primeira surpresa da noite.

Chega, esbaforido e suadíssimo, o Leo Boechat, a quem chamamos - diz-se que por causa de seu guarda-roupas de antiquário - Bemoreira. Trazia nas mãos um pratinho embrulhado num desses papelões cor-de-rosa, através do qual notava-se seis marcas evidentes de gordura, com um delicado laço de barbante em volta.

- A Dani está aí? - disse enxugando a testa com o antebraço do braço direito, cuja mão segurava o pratinho, num espetáculo pendular esplendoroso.

- Acabou de sair! - respondeu o Rodrigo.

A resposta, a ausência inesperada da namorada, transformaram a feição do pobre Bemoreira numa máscara, num simulacro.

E ainda com a bandejinha pendurada pelo laço do barbante, disse, tristíssimo:

- Querem empada? - para então pousar, sobre o balcão da livraria, a bandeja.

Ficamos ali comendo as empadas - deliciosas, diga-se -, o tempo foi passando, até que eu fiz o convite:

- Vamos ver o jogo lá em casa?

Betinha disse que sim, Rodrigo justificou a negativa com a sagrada pelada das quartas-feiras, e o estático Bemoreira, ainda se refazendo do choque, e com a boca cheia de empada - ele preferiu a de palmito - perguntou:

- Que jogo?

Foi o Rodrigo, limpando o rosto, quem respondeu:

- Grêmio e Boca.

- Na sua casa? - dirigindo-se a mim.

- Arrã...

Contraiu-se o rosto do Bemoreira. Sua testa parecia um varal de vincos. E veio a pergunta:

- Na Tijuca?

- Arrã.

- Vamos.

Ele disse "vamos" mas era, visivelmente, um ser contrariado.

Ainda paramos na Toca do Baiacu, buteco ao lado da livraria, bebemos uma, duas garrafas de cerveja e eu propus:

- Vamos?

A Betinha disse que sim. E o aflito:

- Pra Tijuca?

- Qual o problema, porra? - eu disse, já de pé.

- Nada, nada... Vamos... - respondeu desolado.

Tomamos o táxi e ao chegarmos em casa, o espetáculo patético.

Bemoreira, já levemente alcoolizado (bebera pouco, é verdade, mas sua resistência é a de um bebê), pôs-se a andar de gatinhas pelo apartamento farejando cada almofada, cada centímetro quadrado do piso, cada planta, cada pé de cadeira e mesa, cada cômodo, até que disse maravilhado:

- Mas seu apartamento é direitinho, hein!

- Nem parece que é na Tijuca!

- Estou impressionado!

Como se aproximava a hora do jogo, sugeri que pedíssemos comida japonesa.

- Tem japonês na Tijuca?

Jantamos - eis a triste verdade - ouvindo barbaridades do mesmo gênero da lavra do Bemoreira, um morador do bairro de Botafogo.

E assistimos ao jogo - eis aí outra surpresa da noite - na companhia agradabilíssima de Candinha, de Luiz Antonio Simas e do Mussa. Os três, que desde o meio-dia bebiam na Pedra do Sal, fecharam a noite - eis a ironia que choca-se com o deslumbramento incompreensível do Bemoreira - na Tijuca.

Até.

20.6.07

QUASE-ANIVERSÁRIO DA DENÚNCIA DO PLÁGIO

Luciana Fróes, de O GLOBO, tem também um blog hospedado no site do jornalão. Dizendo-se uma gastromaníaca (o que é uma tremenda besteira, já que a palavrinha inventada NÃO remete à gastronomia, como pretendia a moça, tenho certeza), postou, recentemente, leia aqui na íntegra, um texto chamado BLOGAGEM, cujos trechos detaco:

"A luta (e a cópia!) continua

De acordo com a legislação brasileira, a autoria de pratos não é passível de registro. Só as receitas, mas, atenção, qualquer pitadinha de sal a menos ou a mais na hora de cozinhar já caracteriza uma outra criação.

(...)

O mestre sorveteiro Severino Aragão, da Sorvete Brasil, prefere evitar discussões. Com 40 anos de profissão, conta que foi o primeiro a combinar abacaxi com hortelã, banana com canela, tapioca com coco...

(...)

Renata Saboya conta que convive com problemas de cópias até no estilo das suas casas, pintadas de vermelho, desde 1990:

(...)

Marcos Modiano, do Armazém do Café, também anda às voltas com o plágio visual.

(...)

E patentear o nome de um prato pode ser a receita do sucesso? Não necessariamente: o mesmo prato pode aparecer rebatizado no cardápio do vizinho. E exemplos não faltam. O mais clássico deles é o escondinho da Academia da Cachaça, campeão em clonagem e em apelidos. Foram tantas cópias do purê de aipim com carne de charque desfiada e requeijão gratinado, receita de família da sócia Edméia Falcão, que o prato ganhou vida própria. E foi incorporado aos cardápios de grande parte dos bares e botequins cariocas. Servir o prato hoje está mais do que liberado.

(...)

O ravióli de pêra com sementes de papoula de Silvana Bianchi, do Quadrifoglio, é outro top no ranking dos mais copiados.

(...)

Stromboli, uma massa crocante recheada, é um dos poucos pratos patenteados de que se tem notícia. A receita foi criada há 20 anos pelo chef Giancarlo Junyent, hoje dono do La Botticella, que vendeu seu então restaurante Giancarli, com o stromboli patenteado junto, para a chef Guida Carvalho (foto), hoje à frente do Dona Guida. O prato é hit da casa. E só tem lá.

A massa crocante recheada e... patenteada. Foi criada pelo chef Giancarlo Junyent (hoje do La Botticella), que vendeu seu então restaurante, o Giancarli, com o stromboli patenteado junto, para a chef Guida Carvalho (hoje do Dona Guida). O prato virou hit da casa. E só é encontrado lá.

Outra iguaria patenteada é o milk-shake de Ovomaltine do Bob’s. Por conta da proteção legal, a rede já acionou juridicamente um sem-número de lanchonetes que tentaram, sem sucesso, comercializar a criação.

No caso da Fiammetta, citada no primeiro caso desta reportagem, a briga foi parar na Justiça. A Speranza, de São Paulo, acusou a pizzaria carioca de usar indevidamente a receita e o nome do Tortano, um pão de lingüiça. A Fiammetta se defendeu dizendo que tortano é um nome tão genérico quanto pizza e fettuccini. Também ajudou os sócios João Luiz Garcia e Gastão Braconnot o fato de eles terem um livro clássico de gastronomia que traz a receita.

Carla Pernambuco, do Carlota, não se incomoda com os plágios. "Na cozinha só se copia o que é bom", costuma dizer a chef, que já publicou a receita do seu suflê de goiabada em livro. Mas processou uma editora que reproduziu a receita do doce sem dar o seu crédito.

Outra vítima de clonagem é Heloísa Porto, da Torta & Cia., que garante: sua receita de torta de nata com chocolate - hoje copiada até pelas padarias de bairro - foi roubada por uma ex-funcionária.

(...)

E água no caldinho que chegou mais uma: a polêmica acerca da pirataria gastronômica foi parar nos botecos. A turma do Bracarense acusa a do Belmonte de imitar o bolinho de aipim com camarão da mestre-cuca Alaíde. Antônio Rodrigues, do Belmonte, alega que o bolinho é petisco comum. E bota azeitona na sua empada:

- Nossa empada de camarão é que foi parar no Bracarense.

É briga para muitas rodadas."


Como se vê, tudo uma tremenda babaquice. Onde já se viu discutir quem "inventou" a mistura de abacaxi com hortelã, banana com canela, tapioca com coco? É babaquice demais. Demais da conta.

Mas eu disse tudo isso, e citei tudo isso, e transcrevi tudo isso - sobre cópias, clonagens, plágios, enfim - apenas para lembrar que no dia 30 de junho de 2007 fará aniversário, o primeiro, a minha denúncia - humílima e sem resposta até hoje - do escancarado plágio cometido por uma coleguinha da Luciana Fróes.

O plágio? Leia aqui!

Ah, sim! E por falar em datas marcantes (!), no dia 18 de junho, anteontem portanto, completou-se o segundo mês sem que o Jota, também colega da plagiadora, citasse um mísero bar-de-merda. Alvíssaras!

Até.

19.6.07

FESTA NO BUTECO

Há em minha casa, como lhes contei aqui, em texto datado de maio de 2004, um buteco de verdade, criação da mulher que me ensinou a sorrir. Saquem a descrição que fiz do lugar, naquele longínquo maio de 2004:

"Atentem para o cenário.

Um janelão que nos permite ver o céu, vista arejada. Uma Árvore da Felicidade, duas jibóias gigantescas que começam a lamber as paredes verdejando o ambiente, uma mesa original de buteco, pés de ferro, base de madeira e tampo de mármore, cadeiras em volta dela, um quadro de autoria do Mello Menezes desenhado numa toalha do Bar Lagoa, uma bolacha imensa da Original, que nunca falta, um quadro comemorando um dos campeonatos do Flamengo e outro, de autoria do Lan, com o time dos sonhos do rubro-negro.

Uma prateleira que sustenta uma bromélia, outra com cachaças, bolachas de várias marcas de cerveja, um filtro de barro que vovó nos deu, um balde lindo da Bohemia dado pela Guerreira e pela Maria Paula, e por enquanto é só.

Há ainda, em andamento, projetos que porão a imagem de São Judas Tadeu com a bandeira do mais querido no alto de tudo, mais algumas plantas, enfim, detalhes, que as mulheres são especialistas em fomentá-los.

Sem modéstia, que nunca foi o meu forte, não há, entre os 50 bares citados no Guia Rio Botequim 2004, nenhum que chegue perto da força que o buteco daqui de casa imprime aos poucos e seletos freqüentadores."


O buteco, que fica na outrora área de serviço de nosso apartamento, pouco mudou de lá pra cá. Foi ganhando corpo, digamos, já que chegou um quadro novo, uma planta nova, uma vela rubro-negra de 21 dias comprada no Mercadão de Madureira - e a vela é meu mais novo xodó -, um pé de arruda, um vaso de comigo-ninguém-pode, essas bossas.

Ocorre que, como lhes contei aqui, em texto de maio de 2007, ganhei, de surpresa, depois de um agradabilíssimo jantar para o qual fomos convidados, eu e Dani, uma placa lindíssima contendo uma frase que, convenhamos, diz muito sobre mim.

E a tal placa estava, desde então, esperando o momento certo para ser devidamente incorporada ao ambiente sacro, se é que vocês me entendem.

Esse momento chegou e deu-se a inauguração, com pompa e circunstância, no domingo passado, 17 de junho de 2007.

Após brevíssimo e econômico discurso da minha garota (dona da voz em off), a Betinha nos deu a honra de descerrar o pano de prato (salve a Tijuca e seus hábitos!) e inaugurar a dita cuja.

Momento que eu, prudentemente, registrei.


Até.

UM SÁBADO DE ALMANAQUE

Foi um desses sábados de almanaque. 26 de maio de 2007. Cedo, coisa de nove, nove e meia da manhã, e estrilou meu telefone. Era a Betinha:

- Bom dia, Edu! Estou indo com o Flávio ao Mercadão de Madureira. Vocês querem alguma coisa?

Eu, de voleio:

- Carona!

- Vinte minutinhos? - perguntou-me ela, doce como sempre.

Velho como uma múmia, topei:

- OK!

E foi, de fato, um passeio comovente. Foi um passeio comovente e com direito a todas as nuanças que cabem naquele pedaço de Madureira, onde o Rio é mais Rio, se é que vocês me entendem. O pretexto - preciso confessar - era comprar ginjinha, bebida portuguesa pela qual somos - eu e Betinha, diga-se - fanáticos. E que se faça o registro: não se encontra a ginjinha em lugar nenhum, a não ser - eis a surpresa - no Mercadão de Madureira. E compramos, além da ginjinha, uma quantidade absurda de coisas que, a bem da verdade, não vem ao caso enumerar. Mas quando estacamos, os quatro - eu, Dani, Betinha e Flavinho - diante do balcão de um buteco dentro do Mercadão, tínhamos umas dez, onze, talvez doze sacolas com produtos os mais variados.

Por volta das duas da tarde decidimos tomar o rumo de casa.

Breve pausa: quando se está na companhia da Betinha, essa amiga a quem amo de maneira torpe - tomar o rumo de casa é, em 100% dos casos, uma piada. E não foi diferente dessa vez.

Descíamos a avenida Suburbana - Dom Hélder Câmara para os mais novos - quando, na altura da Abolição, terra de nosso querido Zé Sergio Rocha, a dinda de todos nós, a Betinha gritou:

- Pára, Flávio, pára!

E o Flavinho, marido exemplar, dedicação full time e em agudo grau, freou bruscamente:

- O que foi? - disse esbaforido.

- Um buteco! Um buteco! Parece lindo! Vamos descer!

Não direi, jamais, o nome da transversal. Não apontarei, em nenhuma hipótese, a esquina em questão. Trata-se, meus poucos mas fiéis leitores, de um tesouro encravado na Estrada Real de Santa Cruz.

Sentamos, os quatro, à mesa, e a cerveja era a mais gelada. O queijo que pedimos veio à mesa em cubos simétricos e a porção daria para alimentar mesa de vinte. Uma, duas, três, quatro garrafas, até que eu avisto, do outro lado da rua, um senhor com um tabuleiro armado à sua frente. Avisto um senhor do outro lado da rua e vejo, sobre o tal tabuleiro, um aspirador de pó ARNO igualzinho ao que mamãe tinha quando eu era pequeno (e lá se vão muitos anos), um toca-discos, um abajur, um pingüim de geladeira, e dá-se, neste exato instante - em que miro o dito pingüim - um arremesso violentíssimo, um tranco repentino em direção ao passado.

Não sei em que geladeira o vira, não sei em que casa, mas a sensação do reencontro e o conforto da saudade amainada somados à infância incorporada naquele momento mágico - eu era cavalo de mim mesmo - me fizeram um estático. E mais que um estático, um baboso apaixonado. Ergui-me, como que guiado, e atravessei a rua.

Fui em direção ao velho - eu diria, em razão de sua aparência, que ele tinha o dobro da idade do mais antigo objeto que vendia - e disse, já com o pingüim entre as mãos, farejando-o:

- Quanto?

O velho olhou-me da cabeça às havaianas e eu notei que notava minhas mãos trêmulas.

- Cinqüenta.

Virei o pingüim de ponta-cabeça e dei de cara com a marca: IPB RIO. Lembrei-me, naquele instante em que o velho me olhava aplicadíssimo, da cena passada na Praça XV há uns anos.

Eu pro vendedor:

- Quanto custa este pingüim?

- Duzentos e cinqüenta.

- Duzentos e cinqüenta? Mesmo deste tamaninho? - o pingüim era praticamente um chaveiro.

- É IPB RIO, garoto!

Voltei à Abolição e disse, mais Goldenberg que nunca, com o pequeno barrete imaginário sobre a cabeça, ainda com o cheiro, também imaginário, de sinagoga saindo pelos poros:

- Cinqüenta?

- Pô... era da dona Alaíde, moço... - e enxugou uma lágrima que escorreu de seu olho direito.

- Dona Alaíde?

- Minha amante durante trinta e cinco anos... Deixou o pingüim pra mim no testamento...

Eu, os pés fincados em Tel Aviv:

- Quarenta.

- Fechado...

E tomei a direção do buteco com meu tesouro entre os braços.

pingüim de geladeira

Dani, Betinha e Flavinho, que já sacavam o movimento desde o meu atravessar de rua, não acreditavam naquilo. Eu tinha holofotes nos olhos, tamanho o orgulho que não escondia. Eu tinha, afinal, no colo, um pingüim IPB RIO do tamanho de uma garrafa de cerveja e que me custara apenas R$40,00. Contei-lhes a história da Praça XV. E Betinha atravessou, de mãos dadas com a Dani, numa dessas alegrias juvenis, a rua em fúria.

Voltaram, Betinha visivelmente frustrada:

- Ele só tinha esse... Encomendei um pra mim e dei seu telefone, tá, Edu?

Foi quando ingressou no buteco um outro senhor, barbudíssimo, barbas brancas e amarelas, sem camisa, mais patuás em volta do pescoço do que Mãe Menininha no auge, chinelos, fumando um mata-rato qualquer (fedia de forma absurda, o cigarro do sujeito).

Bateu os olhos em nossa mesa, deu de cara com o pingüim e perguntou, cínico, pra toda a assistência:

- Quem foi que acabou de comprar um pingüim de geladeira?

Eu, sentindo o enredo, ergui o pingüim:

- Aqui!

Fez uma cara de profundo espanto, cofiou a barba de bronze, e eu saquei o clima, o bar inteiro cochichando, como se piscasse um neon gigantesco com a frase LÁ VEM MERDA.

- Doutor, quem lhe vendeu o pingüim foi meu irmão... - e apontou para o bufarinheiro - E ele errou o preço...

Fiz sinal pro balcão e pedi mais uma cerveja.

A cerveja veio com véu-de-noiva, enchi o copo, dei o primeiro gole, limpei o bigodão de espuma e disse:

- É?

- Infelizmente. As mercadorias são minhas e...

- E quanto você perdeu? - perguntei já em tom de sacanagem.

- O preço é duzentos.

- Então você perdeu cento e sessenta.

O bar explodiu numa gargalhada.

pingüim de geladeira

O malandro então, vendo que ali, naquela mesa, não arrumaria nada, perguntou:

- E quem foi que encomendou outro?

A Betinha, doce:

- Eu.

- O seu é duzentos! O seu é duzentos! - gritando, dedo em riste.

Flavinho ficou de pé, alisou a cintura, e disse:

- Acha o pingüim primeiro, porra. Depois a gente conversa. Entendeu?

O sujeito saiu de mansinho, houve nova explosão de gargalhadas no salão, e até a dona - uma dessas simpatias que só no subúrbio - veio à mesa:

- Tremendo 171! - e deu de rir.

Partimos já quase no final da tarde, embriagados de tanto Rio de Janeiro.

Até.

15.6.07

RIOSHOW: E A MERDA CONTINUA

A revista RioShow, que vem encartada no jornal O GLOBO às sextas-feiras, esse lixo editado pela jornalista (pausa para rir) Gabriela Goulart (perguntem a ela, por aqui, qual o critério para a seleção das matérias-de-merda que se sucedem semana após semana), exibe, hoje, como matéria de capa, um troço que enoja pelo que guarda de arrogância e prepotência. Não é à toa que eu tenho dito: a canalha não perde por esperar.

matéria publicada na revista RioShow de 15 de junho de 2007

É isso mesmo! As casas noturnas situadas na zona sul da cidade (onde mais?), inspiradas, segundo a palpitante matéria assinada pela jornalista (pausa para rir ainda mais alto) Joana Dale (a mesma que escreveu uma matéria-de-merda sobre a rua do Ouvidor para o JB, pondo palavras na boca de meu querido Rodrigo Folha Seca) na noite de São Paulo e de Ibiza (pausa para o vômito coletivo) estão vendendo camarotes (que eles chamam inapropriadamente de curral, as pobres vacas não merecem isso) para os vips.

O conteúdo (?!) da matéria é de causar violentas náuseas e não vou perder tempo, aqui, reproduzindo o paupérrimo texto da moça.

Mas não resisto a destacar um trecho:

matéria publicada na revista RioShow de 15 de junho de 2007

Disso eu não sabia...

Na zona sul, agora, putas são chamadas de quebretes.

À merda, toda a canalha.

Até.

13.6.07

HERANÇA

Dentre as incontáveis e inarredáveis lições contidas na colossal herança que minha bisavó me deixou - minha saudosa bisavó, a conheça aqui - está uma que eu, confesso cheio de um evidente orgulho, aproveito, mas aproveito mesmo; a de lembrar, sempre, dos entes queridos durante um rega-bofe. Explico.

Eu era bem pequenino e notava, desde cedo, um alvoroço pelos corredores da casa. Minha vó pra lá, tia Idinha pra cá, minha bisavó comandando a ordem-unida, e sempre que seus olhinhos pousavam sobre mim, eu muito atento àquele movimento, ela dizia:

- Hoje há uma pândega daquelas!

O que significava dizer que ela sairia elegante, de vestido estampado, estola, rede nos cabelos e uma bolsa gigantesca sem nada dentro. Uma bolsa gigantesca sem nada dentro e forrada com guardanapos - não havia, ainda, o papel laminado - para acondicionar salgadinhos, docinhos e pedaços taludos de bolo. Tudo para os bisnetos. Uma generosa, minha bisavó.

Cresci, notem bem, encantado com tamanha devoção. E nunca - e digo nunca com a ênfase szegeriana - deixei a peteca cair, desde que dona Mathilde cantou pra subir. Imito-a deslavadamente e o faço com uma emoção indizível. Sinto, durante a subtração dos doces - desconheço a razão pela qual desprezo o furto dos salgadinhos - como se suas mãos tocassem as minhas, numa espécie tijucana de psicografia onde o lápis é substituído por brigadeiros, olhos-de-sogra, bem-casados, e os bolsos de meu terno fazem o papel da folha de papel sobre a qual o médium trabalha.

Sábado passado foi assim.

Foi assim e eu, como sou preciso do início ao fim, quero lhes provar que o que conto é a mais absoluta expressão da verdade.

Tínhamos, eu e Dani Sorriso Maracanã, um casamento à noite.

Como é praxe, chequei pela manhã o estado dos bolsos, a integridade da costura, a resistência dos forros. Dani, que é de Volta Redonda (uma Tijuca com ar mais pesado), testava diversas bolsas para ver qual oferecia maior espaço interno. Valia-se de bombons Sonho de Valsa para os testes:

- Eles têm o tamanho da média de doces de casamento!

E lá fomos nós.

Chegamos. Em menos de cinco minutos eu já havia mapeado o terreno. Sentamo-nos, eu, Dani, Betinha e Flavinho. Fiz sinal pro garçom:

- Pois não, senhor...

- Uísque, por favor!

- Senhor, temos ordens da noiva para só servir depois da ceri...

Eu estendi uma nota de dez reais:

- Quantos copos, senhor?

Enquanto os grã-finos - ou os supostos grã-finos - se debruçavam numa espécie de vale para assistir à cerimônia, nós bebíamos de maneira torpe até que bateu a fome. Tornei a chamar o pingüim:

- É coquetel ou jantar?

- Os dois, senhor...

- Cadê?

- Senhor, temos ordens dos noivos... - a mão já estendida.

Flavinho pôs outra nota de dez na mão do caboclo e os salgadinhos começaram a chegar.

E assim transcorreu a festa. Até que eu disse à Dani:

- Vamos?

- Arrã. Vamos!

Fui à mesa de doces, essa invenção maravilhosa que facilitou demais as ações de subtração dos mesmos, e comecei. Nos bolsos laterais, os bem-casados. Empilhados um a um, com cuidado, e eu pensei na Magali, na Maria Helena, na Ana Clara. Nos bolsos internos, os brigadeiros, as trufas, os doces mais elaborados, todos acondicionados em guardanapos afanados comme il faut e foi a vez de me lembrar da mamãe e do Fefê. Com os bolsos esgarçados, dei um, dois, três, quatro quiques para acomodar os doces. Obtive êxito. Uma senhora do cerimonial me olhava com olhar de reprovação e eu me dirigi a ela:

- Algum problema?

- Não, imagine... - disse debochada.

- Ainda bem. Ainda cabem mais alguns.

E fui à mesa, onde recebi o abraço da Dani, que estendeu-me a bolsa:

- Encha! Encha!

As mulheres me olhavam admiradas. Estenderam suas bolsas e pediram pateticamente:

- Completa a minha depois?

- Você pode encher só com trufas?

Atendi a cada um dos pedidos.

E partimos, felizes, eu com a sensação do dever cumprido.

No dia seguinte de manhã convidei Magali e as meninas para um almoço.

- A sobremesa é surpresa! - eu avisei.

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Até.

10.6.07

O DILEMA DE PEDRO

Eu confesso a vocês que tem um troço que me intriga profundamente sempre que leio os jornais (as revistas também): a seção de cartas dos leitores. Invariavelmente, enquanto leio - e em geral me divirto muito com a quantidade industrial de besteira despejada pelos solitários, o escritor de cartas para periódicos é, não tenho sombra de dúvida, um solitário empedernido - me pergunto curioso:

- Pra quê, meu Deus, por quê escrever esta merda?

E são, os tais autores das tais cartas, uns idiotas implacáveis. Ficam amiguinhos uns dos outros. Mencionam, em suas cartas, as cartas alheias. Travam diálogos doentes através da estúpida seção e foi justamente lendo a seção de cartas publicada na revista que vem encartada aos domingos no jornal O GLOBO - chamada "QUAL É O SEU PROBLEMA?" - que deparei-me com o dilema de Pedro.

O jornal O GLOBO tem, aos domingos, tiragem aproximada de 400 mil exemplares. Se pensarmos muito comedidamente, podemos dizer que cada exemplar do jornal é lido por 2 pessoas, o que faz com que possamos afirmar, a título meramente ilustrativo, evidentemente, que 800 mil pessoas lêem O GLOBO a cada domingo. Mas como eu sou exagerado, e como quero crer que a partir de amanhã milhares de consultórios exibirão a revista em suas cestas na salinha de recepção, vou trabalhar com esse número redondo (como eu, que ando gordíssimo): 1.000.000 de pessoas lerão a revista publicada hoje.

Logo - eis o que eu queria lhes contar desde o início - um milhão de pessoas (é inevitável lembrar da locução que daria a esse número o Sílvio Santos) saberão que a boceta (perdão pelo tabuísmo inevitável) da namorada do Pedro fede.

Eu afirmo isso (que fede) porque o Pedro é, além de solitário e doente, um tímido (sua timidez emerge da curta carta como um pacu das águas dos rios). Só sua timidez explica a preferência pela expressão "cheiro muito forte" em vez de "fedor abjeto", que me parece mais apropriado. Não fedesse o troço e o Pedro não escreveria justo para a seção "QUAL É O SEU PROBLEMA?".

E eu fico imaginando o teor da conversa entre Pedro e sua namorada (Pedro diz a um milhão de leitores que conversou com a moça antes de recorrer ao jornal):

- Meu amor... - diz lânguido, olhando para os próprios pés.

- Hã... - lixando as unhas do pé.

- Posso perguntar uma coisa assim meia... - pigarreio - delicada?

- Lá vem tu com esses papos de viado... Fala logo!

- É que sua vagina tem um cheiro assim... é... muito forte...

- Só tu reclama, Pedro. Só tu! Ninguém reclama do cheiro da chavasca da mamãe aqui, ó - e ela diz isso dando tapinhas na dita cuja.

Encerraram assim o ilustrativo diálogo.

Razão pela qual o solitário, o doente, o tímido e o corno do Pedro precisou recorrer ao jornal.

A resposta é falha. Faltou franqueza à médica, que foi politicamente correta demais: começou explicando ao pobre Pedro que a vagina é uma cavidade com odor característico e não desagradável e depois se perdeu.

Queria ser uma mosca - eis a última confissão do dia - para acompanhar Pedro, sôfrego, folheando ansioso a revista - quando terá mandado a carta? - e dando de cara com a resposta.

E mais: acompanhar a reação de sua namorada quando descobrir que Pedro, marqueteiro, anunciou para um milhão de pessoas que sua boceta - tão cheirosa na visão da vizinhança - fede. Implacavelmente fede.

Até.

9.6.07

UMA AULA DO PROFESSOR SIMAS

Luiz Antonio Simas - e isso não é surpresa para o mais bissexto leitor do BUTECO - é personagem recorrente aqui no pedaço. Pudera! Sujeito imprenscindível, carioca máximo, coração incomensurável, criado em Nova Iguaçu com raízes fincadas na Tijuca, olhos de sabedoria e sempre pronto pro abraço, o Simas é, ainda - o que na verdade vem a ser conseqüência de tantas qualidades reunidas num só ser - um sujeito capaz de nos surpreender a cada momento.

Encabeça, nesse instante, por exemplo, um movimento para levar a estátua de Cícero Romão Batista, o Padre Cícero - ou o Padim Ciço, como prefere chamá-lo, carinhosamente, o povo sertanejo - ao topo das sete maravilhas do mundo moderno. Ontem mesmo - sou testemunha - fazia, na rua do Ouvidor, espetacular comício em prol de sua mais recente batalha, prometendo arregimentar sua horda de alunos e seus seguidores - e estamos falando de milhares de almas encarnadas e desencarnadas. Mas vamos em frente.

Como se não bastasse ser personagem recorrente, o Simas é, também, o sujeito mais documentado do BUTECO se tomarmos imagens gravadas em video como parâmetro. Explico.

No dia 04 de abril de 2007, expus cinco - eu disse cinco! - sensacionais videos de nosso herói em ação no Maracanã, revejam aqui.

Em 16 de abril, mostrei Luiz Antonio Simas cantando comovido acompanhado pelo violão argênteo, revejam aqui.

Mais recentemente, em 30 de maio, expus três gloriosos momentos eternizados pelo Simas no Rio-Brasília, videos mostrando o festejado Professor (maiúsculo) cantando o hino de Portugal, da Alemanha e da África do Sul, revejam tudo aqui.

Vai daí que hoje pela manhã, farejando o YouTube, deparei-me com outro momentoso episódio protagonizado por ele.

Trata-se de hilariante filme feito por um de seus alunos - e são todos, todos, sem exceção, fãs ardorosos do Mestre (igualmente maiúsculo). Um aluno tímido, seguramente. Tímido e com medo de ser flagrado filmando a aula pelo Professor. Assim não fosse e a filmagem não teria sido feita com a câmera de pé, deixando a imagem do portentoso Simas na horizontal, o que não tira o brilho do troço.

Com vocês, interpretando "Cachaça", de Héber Lobato, Lúcio Girão, Marinósio Filho e Mirabeau Pinheiro, ele próprio no cavaquinho, Luiz Antonio Simas!


Até.

8.6.07

ANHANGÜERA É RESISTÊNCIA

É rigorosamente sem pudor que eu dou nome a este post, copiando descaradamente o gênio da raça, meu irmão Fernando Szegeri, que na quarta-feira passada apresentou a todos o blog dessa grande figura que é Arthur Tirone, o Favela, freqüentador assíduo do balcão do BUTECO, soldado da linha de frente.

Como eu não tenho capacidade de dizer nada sobre nenhum assunto depois do Szegeri, trancrevo trecho do texto do meu mano paulista, recomendando intensamente que você dedique um tempo para ler as fabulosas histórias que nos conta o Favela, um sujeito que devota à Barra Funda, seu futebol de várzea, suas histórias, seus butecos e seus personagens, o mesmo amor que eu devoto à Tijuca e à zona norte da minha cidade, onde fico, sempre, à vontade:

"Hoje, especialmente, faço este breve intróito para recomendar vivamente a leitura de um estreante, que independentemente de ser um grande companheiro no samba, nas noites e na vida, tem vivência, memória, verve e animus narrandi - as quatro qualidades suficientes e necessárias - de um grande contador de histórias: Arthur Favela Tirone, figura habitual nesta e noutras plagas virtuais já citadas. No seu Anhangüera vêm sendo pintadas a doçura e a vileza desta Cidade que se agigantou, com suas cores tão naturais quanto algo desbotadas de poluição e antigüidade, com sua gente verdadeira, sua malandragem meio-bruta, meio-caipira, bem longe dos estereótipos e paradigmas importados que os seus usurpadores teimam em querer enfiar-lhe goela abaixo. Porque essa é a nossa verdade mestiça de guaianás acaboclados e negros oprimidos! Ali estão presentes o butiquim vagabundo, o futebol de várzea, as rodas de samba, a barafunda destas ruas de inigualável sotaque!

E vamos em frente, que as trincheiras estão cavadas e nós temos soldados destemidos e munição pesada, ainda que o inimigo seja mais numeroso e tão desleal. Porque a resistência também está plantada nesta Terra da Garoa. Tem nome de diabo velho e mora na Barra Funda!"


Vocês podem ler o texto do Szegeri, na íntegra, aqui.

E conhecer o imperdível ANHANGÜERA, um espaço que - a definição é do próprio malandro - se destina às fantasias e exageros das velhas histórias e ao cotidiano de anônimos, jogadores, brigões, loucos, vadios, bêbados, onde o grande Favela despeja do futebol à cachaça, passando pelo samba e devaneios pessoais, aqui!

Até.

7.6.07

CAIXINHA DE SURPRESAS

Pronto. Eis o BUTECO aberto, e notem como o retorno sine die foi curto, curtíssimo, ao contrário do que possa lhes ter parecido depois do anúncio feito ontem, aqui. É que afinal de contas é preciso manter sempre acesa a chama do humor, mesmo quando assolados por um frio que atenta contra as tradições do Rio de Janeiro. Feito o breve intróito, em frente.

Sou Flamengo - sou repetitivo propositalmente - há mais de trinta encarnações. Razão pela qual assisti ontem à final da Copa do Brasil, entre Figueirense e Fluminense, e à semi-final da Copa Libertadores, entre Santos e Grêmio, com a fleuma de um membro da Câmara dos Lordes. Assistimos, sendo mais preciso, eu e Luiz Antonio Simas, enquanto Dani e Candida tricotavam na sala.

Tricotavam e davam chutes mais absurdos dos que os desferidos pelos atacantes das Laranjeiras quando passávamos em busca de mais gelo.

- Estou torcendo pelo Friburguense! - decretou uma.

- Mas o Fluminense não está na Segunda Divisão? - perguntou a outra.

Eu disse que assistíamos ao jogo com a fleuma de um lorde inglês, mas a certa altura o quadro foi se modificando. Explico.

Antes de explicar, até mesmo para que fique evidente que a paixão pelo Flamengo não me cega, leiam isso aqui, que escrevi em abril de 2005, logo após a conquista do Campeonato Estadual pelo mesmíssimo Fluminense, que sagrou-se ontem campeão da Copa do Brasil 2007.

Ficamos, eu e Simas, com o controle remoto ativíssimo, ora assistindo ao jogo do Fluminense, ora assistindo à épica tentativa do Santos de reverter o resultado. Até que estacamos diante da transmissão feita pelo Luciano do Vale. E aí, meus poucos mas fiéis leitores, flagramo-nos cariocas em defesa do patrimônio. O locutor - mantendo triste tradição - torcia deslavadamente para o time do Figueirense, secava sem piedade o tricolor das Laranjeiras, exaltava as qualidades da torcida local, despejando uma quantidade inacreditável de merdas por metro falado.

Foi, portanto, melhor do jeito que foi.

De pé, diante do balcão imaginário, ergo meu copo em homenagem ao tio Osias, tricolor, literalmente, das Laranjeiras, e que deve estar, hoje, numa alegria daquelas!

Até.

6.6.07

RECESSO GELADO

Porque faz um frio absurdo antes mesmo da chegada do inverno, porque nem o sol que sobe à minha esquerda é capaz de aquecer a casa, porque o Rio de Janeiro combina mesmo é com calor e pés descalços - calço meias neste instante -, porque nem o Pepperoni anima-se para o passeio da manhã mesmo após o barulho das chaves da porta, é que o BUTECO entra, hoje, em recesso, com retorno sine die.

Pepperoni, 05 de maio de 2007

Posso voltar a abrir as portas de ferro imaginárias, mas que rangem, amanhã mesmo. Nunca se sabe. A vida - salve a filosofia futebolística, sempre muito profunda - é uma caixinha de surpresas.

Até.

4.6.07

CUMPRINDO COM A OBRIGAÇÃO

Depois de ter divulgado nota sobre o tal "clube do talher", leiam aqui, o Jota foi procurado pela assessoria de imprensa do Fasano, suposta sede da nojeira, que desmentiu com veemência sua existência, leiam aqui.

Eu tinha certeza de que o Jota e seus ajudantes (seis mãos) não poriam o rabo entre as pernas. Mas enganei-me.

nota publicada no O GLOBO de 04 de junho de 2007

Resta saber - mas aí seria demais, e eu estou apenas lucubrando... - quem embaralhou - estou valendo-me da paupérrima imagem criada pelo homúnculo - os talheres, quem foi a fonte da mentira, quem foi que ouviu, absorveu e divulgou a mentira.

Se for mentira.

Não descarto a possibilidade de estarmos diante de um, digamos, recuo estratégico por parte do proprietário do restaurante.

Até.

2.6.07

GENTE BOA?!

Em mais de uma oportunidade, aqui no balcão do BUTECO, apontei erros grosseiros cometidos por jornalistas e lamentei a falta de humildade e de profissionalismo que não permitiram uma simples errata no dia seguinte, uma espécie de mea culpa, algo do gênero. A mais recente discussão sobre o tema pode ser lida aqui.

É bem verdade, também, que eu não tinha prova, até então, de que os responsáveis pelos tais erros grosseiros teriam sido notificados desses erros, hipótese, convenhamos, pouquíssimo provável - mas que deve ser levada em conta.

Mas agora, meus poucos mas fiéis leitores, tenho prova de que somente a arrogância, a prepotência, a falta de profissionalismo e uma sensação abjeta de intocabilidade justifica o silêncio diante de uma situação como a que refiro.

Rendeu intensa discussão o texto "NÃO, EU NÃO SABIA", que pode ser lido aqui.

No citado texto, vemos uma nota publicada na coluna de nome GENTE BOA, publicada diariamente n´O GLOBO, do seguinte teor:

nota publicada no Segundo Caderno de O GLOBO em 31 de maio de 2007

É evidente que houve comoção, revolta, indignação e mais que tais - somente no BUTECO foram dez comentários, todos bastante duros.

Fiquei tão curioso - digamos - para saber detalhes do negócio de extremo mau gosto, que mandei email para a assessoria de imprensa do Fasano.

Para minha surpresa, eis a resposta:

email

Transcrevendo, na íntegra:

"Caro Eduardo,

Creio que você se refere à nota publicada no jornal "O Globo", infelizmente ela não procede e o divulgado "clube" não existe. Já contatamos a coluna para corrigir a notícia."


Eis a resposta e eis minha pergunta: vocês acham que o pessoal gente boa (pausa para gargalhar) que escreve a tal coluna se retrará? Vocês acha que irão corrigir a notícia?

Vão tomando nota do modus operandi dessa gente...

Até.

1.6.07

AS ASSESSORIAS DE IMPRENSA

As assessorias de imprensa dos bares-de-merda - não me cansarei jamais de espancar esses dois lixos, sei que me faço entender - seriam pó se a imprensa brasileira, e atenho-me à carioca, fosse maiúscula. Ocorre que nossa imprensa, salvo raríssimas e valiosas exceções, é minúscula, vendida e está, parece que irremediavelmente, - oxalá eu esteja errado! - invadida por um exército competente de incompetentes, faço-me entender novamente.

Vou ser didático e mostrar meu conjunto probatório.

Estamos no dia 20 de maio de 2007, portanto há dez dias. As poderosas assessorias de imprensa dos bares-de-merda conseguem emplacar enorme matéria no suplemento BARRA dos jornais de bairro de O GLOBO, leiam aqui o texto "EXAME DE FEZES".

Vale lembrar o título da lamentável matéria que foi publicada sem estar devidamente assinada: "SHOPPINGS SE RENDEM À BOEMIA. DE GRIFE.".

Pois bem. Agora, vejam o poder da máfia. Eis o título da matéria de capa da revista PROGRAMA do JB de hoje, primeiro de junho de 2007: "BOTECO DE SHOPPING: POR QUE OS BARES DAS PRAÇAS DE ALIMENTAÇÃO ESTÃO ATRAINDO A BOEMIA CARIOCA".

Essa matéria, imunda, podre, mal escrita e mentirosa do início ao fim - provarei o por quê -, que sai assinada por Carlos Braga, quer convencer o leitor de que a nova tendência - pausa para o vômito coletivo - é o surgimento do "baixo indoor". Isso mesmo.

Quero dizer de pé, diante do balcão imaginário do BUTECO, com o indicador a um milímetro do nariz desse jornalista (é preciso rir), que eu não sou purista nem preconceituoso, como o mesmo quer fazer crer com seu texto pífio. Quero dizer, mais, que ele deveria ser processado pelas famílias do Tom e do Vinícius que NUNCA, NUNCA, em NENHUMA HIPÓTESE, poriam os pés nesses templos nojentos de consumo (o exagero quanto à sugestão de um processo indenizatório é fundamental para amenizar os piores instintos que vêm à tona sempre que leio uma merda dessas).

Não custa transcrever a definição do Houaiss para boêmia:

1 roda de intelectuais, artistas etc. que leva a vida de modo hedonista e livre, bebendo e divertindo-se
2 Derivação: por metonímia.
a vida dessa roda ou vida semelhante que levam outras pessoas
3 Derivação: por extensão de sentido.
vida de quem ama dormir a desoras, divertindo-se em grupo e ger. ingerindo bebidas alcoólicas
4 Derivação: por extensão de sentido. Uso: pejorativo.
procedimento de quem é vadio e pândego
Ex.: vida de b.


Pausa: os novos jornalistas (tenho que rir de novo...) não sabem o que é dicionário. Recorrem, sempre - e por isso cometem erros cada vez mais imbecis - ao Google.

Creio que já ficou evidente qual a nova orientação das assessorias de imprensa desses bares-de-merda, que pautam, sem pudor, as redações (não há mais redações, dia desses falo sobre isso...) dos jornais. Voltemos, então, ao exame das fezes expostas no JB de hoje. Título da capa: "ÀS COMPRAS E AO BOM E VELHO CHOPE - SHOPPINGS INVESTEM EM NOVOS BARES E ATRAEM CARIOCAS QUE BUSCAM SEGURANÇA, CONFORTO E MAIS ENTRETENIMENTO".

Diante dessa frase escrota, que liga essa praga chamada shopping center à segurança, conforto e mais entretenimento, eu preciso recomendar a vocês - e ao Carlos Braga (qual será a idade desse sujeito?) - a leitura de Valquíria Padilha - vejam seu currículo aqui.

Os textos a que me refiro, e um deles foi publicado justamente no JB de 27 de maio de 2007, no caderno CIÊNCIA HOJE - A REVISTA DO BRASIL INTELIGENTE, podem ser lidos aqui, aqui, aqui e também aqui, este um dos mais provocativos.

Eu tenho dito, principalmente à mamãe, que recomenda-me diariamente mais doçura e resignação, que eu não tenho o talento para essas análises frias, científicas, justamente as únicas capazes de convencer o, digamos, opositor. Meu papel é, estou convencido disso, estar na linha de frente, anunciar o confronto e pôr a cabeça a prêmio, se preciso for. Razão pela qual, voltemos à sessão de hoje.

Eu queria, apenas, que o meu irmão Simas - Professor de História, maiúsculo - notem como o autor da matéria-de-merda escreveu... - comentasse o comentário sujo de seu colega, acima reproduzido. (nota: a imagem da matéria a que me refiro foi perdida e não recuperada até o momento)

E o verbo rarear?! O jornalista responsável pela matéria-cocô escreveu RAREAM, quando o certo é RAREIAM. Vão tomando nota do nível, do nível...

Enfim, vida que segue. Hoje é sexta-feira. Dia de ir encontrar os amigos - todos os dias eu faço isso, mas... - na livraria do meu coração, a Folha Seca, na rua que guarda o axé dessa cidade, a rua do Ouvidor, e ficar bebendo e jogando conversa fora ao ar livre, com os pés no chão, pisando as pedras pisadas há séculos, e que são a antítese do piso frio e imaculado desses templos de consumo, estufas de uma geração doente.

Até.