5.9.07

É NECESSÁRIO LER O SIMAS

Vira-e-mexe eu digo: leiam o Simas, leiam o Simas, leiam o Simas! Professor maiúsculo de História, o Simas, como quem me lê sabe (já o indiquei efusivamente diversas vezes), mantém o HISTÓRIAS DO BRASIL, blog mais-que-fundamental.

Mas há dias - como hoje - em que o Simas se supera. Não apenas pela importância do tema que trata, não apenas pela clareza das idéias que defende, não apenas pela capacidade de dizer o que eu não consegui dizer.

Hoje, com o texto, É NECESSÁRIA, meu irmão Luiz Antonio Simas crava mais um golaço. Razão pela qual, mesmo sem sua expressa autorização, reproduzo, na íntegra, sua lição. Antes, porém, um detalhe. O tal texto já recebeu um comentário do Prata:

"E muito provavelmente essa única música em português, para cada cinco em inglês, é uma versão, ou uma copiazinha barata de algum desses gêneros barulhentos e estranhos (juro que não consigo entender essas musicas) que se ouvem no mundo"

Eis a razão pela qual, em setembro de 2006, mais precisamente em 18 de setembro de 2006, há quase um ano, portanto, escrevi o texto PRATA QUE VALE OURO, que pode ser lido aqui. Lá, neste texto, conto sobre quando o Simas, a meu lado, disse-me comovidíssimo, vendo a garotada matar a pau durante apresentação no Centro da cidade:

- O Brasil tá salvo, Edu!

Enquanto houver um Prata, um que seja, há esperança!

Não passarão!

"O Ministério da Educação estabeleceu, faz algum tempo, a obrigatoriedade de se estudar nos programas do ensino médio no Brasil a História da África e da cultura afro-brasileira. É um avanço, mas é pouco.

Afirmo, com conhecimento de causa, que os programas de História do ensino médio continuam sofrendo de um mal difícil de curar; a visão marcadamente eurocêntrica da História que é ensinada aos brasileiros. Passamos aulas e aulas falando dos Estados Modernos europeus, das grandes navegações, do humanismo, das reformas religiosas, das revoluções liberais e de uma penca de temas que tomam o velho mundo como referência de análise.

Não consigo conceber, por exemplo, que se estude detalhadamente a revolução inglesa do século XVII e não se estude com esmero a grande revolução mexicana de 1911, marco fundamental da luta pela terra na América Latina. Não entendo como se pode jogar conversa fora em detalhes absolutamente irrelevantes sobre a revolução francesa - há professores capazes de descrever a cor da cueca que Robespierre usou na abertura da Convenção - e ignorar completamente a intervenção norte-americana na Guatemala em 1954, durante a presidência do líder nacionalista Jacobo Arbenz, mártir da reforma agrária em nosso continente.

Outro dia comentei com uma turma que a copa do mundo de 2014 será, provavelmente, no Brasil. Disse que somos os únicos candidatos a sediar o evento, já que a Colômbia, que era pré-candidata, desistiu da empreitada. Alguns alunos exclamaram coisas como:

- Mas a Colômbia, também, não tem a menor condição...

Imediatamente chamei a atenção dos garotos sobre os comentários infelizes. Da mesma maneira como eles fazem pouco caso da Colômbia, reação semelhante devem ter, por exemplo, estudantes franceses quando sabem que a Copa poderá ser no Brasil.

Cito este pequeno episódio como um exemplo de um problema que me parece da maior seriedade; estamos formando gerações de brasileiros incapazes de perceber as peculiaridades de um Brasil que é afro-íbero-ameríndio. Falta a esses garotos algo que chamo de pertencimento. É necessário que cada um deles se sinta pertencendo ao Brasil, a África e a América Latina. Não concebo que um jovem brasileiro consiga se identificar com um jovem norte-americano, inglês ou australiano e, ao mesmo tempo, olhe com tremendo estranhamento um boliviano, um guatemalteco, um costa-riquenho, um colombiano, um venezuelano, um angolano, um nigeriano, um cabo-verdiano, e por aí vai. É essa a perversidade de um sistema que diferencia as pessoas onde elas deveriam ser iguais - o campo da economia - e as iguala como gado marcado onde elas deveriam exercer plenamente suas diferenças - o campo da cultura, entendido aqui como um espaço de elaboração de símbolos e sentidos para a vida.

É moda agora, entre as famílias mais abastadas, enviar os filhos para fazer intercâmbios culturais nas oropas ou nos esteites. Valha-me Deus! Que eu saiba, intercâmbio é troca de informações. Sejamos sinceros; que informações os garotos vão trocar, se cada vez menos conhecem a própria cultura? Os intercâmbios colaboram, apenas, para que mais e mais brasileiros percam as referências da terra de origem e adquiram costumes e hábitos dos povos do hemisfério norte. Esses jovens já saem daqui contaminados pelas referências dos dominadores e, apenas, aprofundam essa tendência. Estamos formando uma elite que domina com fluência o inglês mas é incapaz de entender uma mísera linha escrita por Guimarães Rosa.

A moda agora entre a garotada é passar o tempo ouvindo músicas em seus i-pods. Não há um intervalo em que eu não veja um bando de alunos com aqueles aparelhinhos safados nos ouvidos. Só por curiosidade, resolvi observar o que alguns escutavam nesses troços. Fiz uma rápida pesquisa. Pasmem. Para cada música cantada em português, eles ouviam, em média, umas cinco porcarias em inglês. Só me resta constatar que a coisa está feia.

Como sou um antigo, continuo acreditando firmemente na existência da luta de classes. Me parece muito claro que, nos dias de hoje, o campo em que a luta de classes é travada com mais afinco é exatamente o terreno de bens simbólicos e manifestações culturais. É aí que estamos perdendo a partida. Quando incorporamos, como se fossem nossos, símbolos e referências culturais de quem nos domina, estamos fadados a desaparecer como projeto de nação. Mais do que nunca, precisamos hoje de guerrilheiros culturais; tinhorões, quixotes, suassunas, zumbis, dandaras, guevaras, zapatas, arbenz, cunhambebes, aimberês e sepés que digam não a tudo isso.

Enquanto o Brasil continuar insistindo num sistema educacional que nega quem somos e, portanto, não permite a elaboração da utopia sobre o que pretendemos, soberanamente, ser, a tarefa da transformação será bem mais difícil. Mas não podemos desistir . Vale, na hora em que bate a desesperança, recordar a lição do Che, antídoto ideal contra o conformismo:
- Não se luta pela revolução porque ela é possível; se luta porque ela é necessária."

O texto pode ser lido, também, aqui.

Até.

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu não sei quem tem o blog mais fundamental: você ou o Simas. Eu amo os dois. São as minhas primeiras leituras de todos os dias. Vocês estão sem dúvida nenhuma entre os melhores textos da blogosfera brasileira.

Eugenia disse...

meu Deus, q lindo... fiquei arrepiada. copiarei agora (com créditos, claaaro) e enviarei p minha lista!
q bom q estudei no CEAT, colégio q , pelo menos em alguma escala, nos dava essas preciosas informações.

Gustavo Mehl disse...

Edu,

Conheci seu blog ontem e já "fecho" contigo muito forte.

Como propagandeei a amigos:

Pelo boteco da esquina, contra o pé-limpo de grife;
pela cultura de rua, contra o jornalismo vendido;
pela defesa dos fudidos, contra o elitismo;
pelo porralouquismo, contra melindres e frescuras em geral....:
leiam --> http://butecodoedu.blogspot.com

Um abraço,
Gustavo Mehl.

Anônimo disse...

Leio seu blog todos os dias. Você, Simas e Bruno são necessários! Sobre o texto em questão, nem posso traduzir em palavras tudo o que gostaria de dizer sobre. Ainda bem que o Simas de novo (como vc costuma dizer): disse tudo!
Abraço