13.12.07

FAVELA NO RJ - PARTE III

Eu lhes disse ontem que a belezura do sábado (sobre o qual falei aqui e aqui) foi prenúncio de um domingo mais-que-perfeito. Vamos, então, a ele.

Antes, um intróito.

Fui, na segunda-feira, um dia depois da partida dos quatro (Arthur Favela, Milena, Brunão e Daniel, carinhosamente chamado de Gordo), comprar pão na Padaria Milú, na esquina da Hadock Lobo com a rua do Matoso.

O malandro que atende no balcão dos lanches, ao me ver na fila do caixa, fez como os bonecos infláveis dos postos de gasolina e me chamou:

- Diga lá, malandro, bom dia.

E ele, coçando o ouvido com a tampa da caneta que mantém equilibrada na orelha direita:

- Cadê seus amigos?

Estranhei:

- Que amigos?

- Dois paulistas que tomaram café da manhã ontem aqui...

Lembrei-me, então, do que os dois - Brunão e Gordo - haviam me contado no final da manhã de domingo, quando bateram lá em casa.

- Ah, foram embora ontem à noite...

E ele, com aquela classe da Tijuca:

- Porra... dois porcos, Edu...

Eis o que os dois me contaram cheios de um orgulho da Barra Funda, do Bom Retiro, bairros co-irmãos da minha Tijuca - e leiam com os erres dobrados, com todo o sotaque possível:

- Porra, Eduzão... Eu e o Gordo comemos doze mistos-quentes hoje da manhã na padaria da esquina... O tiozinho que nos atendeu, Eduzão, porra, não tava acreditando... E o Gordo ainda pediu um bolo de cenoura no final, Edu, do tamanho de um paralelepípedo!

E por aí.

Às onze da manhã de domingo, quando eu voltava do passeio com o meu fiel vira-latas, e enquanto reinava a paz em nossa casa, Dani, Favela e Milena ainda no oitavo sono, deparei-me com os dois ogros na portaria do prédio.

Subimos e, de cara, abri a primeira Brahma.

Todos de pé por volta de uma da tarde - nós já na caninha também - e tomamos o rumo do Salete, a pedidos.

Daniel Frangiotti no Salete, 09 de dezembro de 2007

Um troço impressionante, confesso.

Eu já havia me impressionado, recentemente, quando levei o Prata, também pela primeira vez, ao Salete. O menino de 87 comeu seis empadas.

O Brunão e o Gordo, em questão de minutos, devastaram - somente os dois! - vinte e seis empadas! Eu disse VINTE E SEIS, com a ênfase szegeriana.

E notem bem que as empadas do Salete não são do tamanho dessas empadas que vendem as redes de franquia de empadas, não. São enormes. Têm polpudo recheio.

E os caras sorviam, junto com as empadas, litros de chope. Pensei com meus botões estufados da camisa apertada:

- Se tudo der certo hoje, como dizia o avô do Simas, vai dar merda.

empadas do Salete, Tijuca, 09 de dezembro de 2007
Daniel Frangiotti, Arthur Favela, Milena, Bruno Tirone e Dani Pureza, Salete, Tijuca, 09 de dezembro de 2007

Ali ficamos por uma hora, hora e meia.

Atravessamos a rua, então, e tomamos a direção do Bar do Chico - de novo e de novo a pedidos.

Minha garota, que estava mais-linda-que-nunca de bicicleta pra lá e pra cá pelas ruas da Tijuca, parando pra um chope conosco no glorioso Salete, tomou o rumo de casa.

Derrubamos algumas garrafas de Brahma enquanto esperávamos o preparo dos impressionantes lombos de bacalhau por mim encomendados com o próprio Chico, que vira-e-mexe organiza uma compra industrial pra baratear o custo. Meus queridos de São Paulo não me deixarão mentir: os lombos de bacalhau que recebi mais parecem os mais altos saltos dos monstruosos sapatos da Carmen Miranda.

Conta paga, alma lavada, tomamos a direção da casa do casal anfitrião do Trapiche Gamboa, Claudinha e Clevison, em Botafogo, onde um churrasco preparado em homenagem aos Inimigos do Batente nos aguardava.

Começamos a subir o caminho rumo ao Mundo Novo e os quatro, dentro do carro, ganiam diante da beleza aguda da cidade.

Enontramos lá uma pá de gente querida, uma pá de cerveja de gelada, uma pá de samba de primeira - reencontrei, depois de um bom tempo, Jayminho Vignolli, Mariana e a dupla dinâmica, Chico e Flora!.

Arthur Favela, Piruca, Daniel Frangiotti e Arthur Mitke, 09 de dezembro de 2007

Eis a nota triste da tarde, a única.

Bastou que chegássemos pro Szegeri me cutucar:

- O que você está fazendo aqui?

Eu, nada constrangido - acho que por conta das cervejas da manhã - respondi:

- Ué... o Clevison me convidou ontem...

E ele, seco como a carapinha negra que ostenta:

- Estou indo embora.

E foi.

Não sem antes impingir-me mais uma humilhação:

- Está de carro?

- Arrã.

- Leve-me até lá embaixo.

Resignado e mudo, o atendi.

De lá saímos às sete para encontrarmos Luiz Antonio Simas no Rio-Brasília, marcando meu retorno ao buteco do meu coração depois de ligeiro entrevero com o Joaquim, resolvido num cessar-fogo comovente no sábado pela manhã.

E foi fabuloso estarmos lá.

Notem a seqüência.

Simas entrega ao Favela, assim que chegamos, uma camisa do Nova Iguaçu Futebol Clube (site oficial, aqui). O Favela, emocionadíssimo, entrega ao Simas uma camisa da Camisa Verde e Branco, de SP, onde se lê, no peito, "100% BARRA FUNDA". E não se tratou de retribuição por conveniência, não. Desde a véspera que eu já sabia das intenções do Favela. Beto Mussa, à mesa conosco, desfia comovente, impressionante e inacreditável repertório de sambas-de-enredo. Estrila meu celular e em segundos chega o Vidal. Minha menina também aparece, na esquina, e minha alma gane que só fico à vontade na minha cidade.

Chegam Craudio e Eva, o malandro trazendo nas mãos uma garrafa de Jack Daniels que eu não merecia. As garrafas de cerveja se acumulam à mesa, doses magníficas de maracujá, carne assada com batatas coradas, tudo constrói um cenário de uma ceia santa que irmana almas afins num final de domingo carioca, suburbano, tijucano, da várzea.

Descobri no domingo que meu coração é um campo de várzea.

À certa altura precisam se despedir Brunão e Daniel, o Gordo.

Eu puxei, tímido e esperando a adesão imediata - que aconteceu! -, Roda de Sampa, do Kiko Dinucci.

Talvez isso explique o por quê do choro convulsivo daquela doce figura do Daniel, gordo de tanto afeto que traz dentro de si, enquanto se despedia de nós, com um até breve engasgado na voz que teimava em não sair.

Até.

12 comentários:

Craudio disse...

Coisa mais bonita isso tudo, Edu. E essa fome do pessoal da Barra Funda me lembrou um tal beirute do Marques, que fica aqui em Santana, zona norte. A coisa é monstruosa. Acho que eles e o Prata comem, facinho...

No mais, a garrafa é mais que merecida. E note, no verso da tampa daquela caixa, as marcas de dedo com tinta que denotam o nível de artesanato que foi feito o negócio. Quando bati o olho nela, lembrei de ti na hora.

Abraços!

Anônimo disse...

Que beleza de samba! Lembrei do Geraldo Filme, por motivos óbvios, e do Assis Valente, por causa do "fazendo visage". Aí eu desconfiei que o autor desse clássico era outro, claro que sim, anta eu! Mas, como diria Adoniran, "não tem portança", mesmo sendo o samba "Faceira" do Ari Barroso. É tudo a mesma coisa (boa): quer um autor mais parecido com o Ari do que o Assis Valente? Porra, gostei demais desse samba do Kiko Vanucci e dessa malta da Barra Funda, ô Animal polemista! Chama o Kiko e essa raça dos Favelas pra roda de São Domingos. O Sze vem dirigindo, as filhas já cresceram, tão quase casando. Se não vier, é um bom filho da puta. Tá bom que faltei aos últimos Inimigos do Batente no Trapiche, mas andei pegado em todas as ocasiões. Sabiá, me aguarde ave canora (sabiá canta? se não cantar, foda-se). Edu, que blog bom, eu também tô aí nessa boca.

Eduardo Goldenberg disse...

Craudio: obrigadíssimo, novamente, pela garrafa de bourbon, que será devidamente tragada com o respeito que merece. Quanto a eu merecer, malandro, é generosidade sua. Mas vamos parar com essa viadagem pública que isso é um buteco, porra!

Zé Sergio, minha madrinha querida: tive oportunidade de ver o Kiko algumas poucas vezes em SP, no Ó do Borogodó - o segundo melhor bar de SP depois do Sabiá, mas o primeiro melhor com música ao vivo! - e o cara é fera. Compõe pra burro, é um troço mais bonito que o outro.

E torço pra que a família Favela venha em peso (se o Daniel vier sozinho o peso, pelo menos, tá garantido!) pra roda de samba do dia 26.

O Szegeri vir é mais difícil. Ele nunca atende pedido meu... E o pássaro canoro toma tempo demais dele ultimamente...

E fechando: já pensou se o Favela consegue trazer o Kiko?

Vá ensaiando, madrinha. Você fará parte do coro.

Anônimo disse...

Capitão,

Uma pequena observação: o monumental Jack Daniel's, ao contrário do que muitos pensam, não é um "bourbon", mas um "Tennessee Whiskey" - a diferença é que este último sofre um processo de filtragem em carvão vegetal, antes de envelhecer em barril.

Ave, Jasper Newton "Jack" Daniel!

Saravá!

Craudio disse...

Verdade, Edu. Tá uma viadagem...

Parei hahahahaha

Eduardo Goldenberg disse...

Fraga: eu sou um incorrigível, querido, um dos piores. Registrei para sempre - garanto - a informação.

Mas para todos os efeitos, de tanto ouvir que trata-se de um bourbon, morrerei, polemista como sou (apud Aldir e agora o Zé Sergio), pedindo:

- Uma dose de Jack Daniel´s, por favor, meu bourbon favorito.

Até porque, mano velho, se eu entrar num buteco aqui na Tijuca com esse papo de "filtragem em carvão vegetal" eu corro sério risco de ser linchado aos gritos de "viado", "bicha", esses troços... que tijucano, você sabe, é casca-grossa.

Beijo, querido, e saravá.

Anônimo disse...

Capitão,

Na Tijuca, falar bourbon ou Tennessee Whiskey dá rigorosamente no mesmo, e a filtragem é processo não tipo.

Aliás, quando beberemos o seu "bourbon"?

Saravá!

Anônimo disse...

Confesso estar emocionado de forma imunda de novo, que texto Edu!
Mais que saudades, de tudo e todos!

Nossa, umas empadas do Salete agora...que fome!!!

Um grande abraço malandro
Obrigado de novo!!!

Arthur Tirone disse...

Teve neguinho dentro do Salete que parou pra ver os dois comendo as vinte e seis empadas. Não tem pra ninguém. Após as três primeiras empadas que o Gordo engoliu, perguntei: "E aí? Boa?". A resposta: "Não sei. Agora que vou provar!".

Causo rápido: Um cara tinha um trailer de cachorro quente na Av. Sumaré. Só trabalhava na madrugada e tinha uma promoção, que ele julgava impossível ser conquistada: "Coma quatro dogues e não pague a conta!". Era um colosso, o tal dog. Daniel e Bruno, após descobrirem essa "boca livre", fizeram o cara mudar de endereço. Sumiu dali, o trailer.

Dia 26, Edu. Estou tentando dar meu jeito. Já falei pro Augusto!

Anônimo disse...

Madrinha é o que tu tem entre as pernas, ó Animal polemista!

Unknown disse...

É tortura demais continuar lendo esses relatos, Edu... E ninguém me convidou! Vou ali, cortar os pulsos no banheiro do Rio-Brasília, e já volto...rs

Anônimo disse...

Putz Edu!

Obrigado pelo carinho. Apareça no Ó qualquer quarta dessas. Fico feliz em saber que você gosta do Roda de Sampa.

Abração mano,
Kiko Dinucci