31.1.08

CARNAVAL NO CÉU

Ei! Você aí, você que não mora aqui no Rio...

Não leve a mal, não... Mas isso dá um orgulho quase-doente na gente que é daqui...

Clique na imagem abaixo, divirta-se e se emocione, que não é sempre que a Rede Globo faz alguma coisa que preste.

Até.

A RECEPÇÃO QUE NÃO HAVERÁ

Como já lhes contei anteontem, em FERNANDO SZEGERI, UM HOMEM POLIDO, leiam aqui, o homem da barba amazônica, esse funcionário público exemplar, esse comunista empedernido, esse pai de duas meninas, chega amanhã ao Rio de Janeiro. Somente ontem, quarta-feira, me escreveram ou me telefonaram ou me perguntaram pessoalmente, mais de uma dúzia de pessoas:

- A que horas o Szegeri chega?

Eis a resposta que me envergonha e que dei a cada um dos aflitos:

- Não sei.

Até que bati, ontem à noitinha, o telefone para meu pomposo amigo paulista.

Ele não atendeu.

Eu fiquei imaginando a cena que sei real. Estrila o celular de Fernando Szegeri e pisca meu nome em neônio na tela. Segue-se a mais completa indiferença, a mais escancarada repugnância refletida na boquinha de nojo e na testa franzida. Um colega de repartição, desavisado, arremessa em sua direção uma bolinha de papel público e grita:

- Não está ouvindo o telefone?

E ele, com aquela máscara do enfado:

- Estou.

- E não vai atender?

- Em absoluto. Trata-se de uma besta, atende pra mim?

E ouço a voz do outro funcionário público:

- Alô?

- Fernando?

- Ele está no banheiro.

- Posso deixar um recado?

- Não.

Ouvi quando o Fernando disse:

- O que disse, o idiota?

Desliguei antes de ouvir a resposta de meu interlocutor.

A verdade ácida é esta: Fernando José Szegeri chega amanhã e eu não faço idéia da hora de sua chegada, o que a bem da verdade não faz diferença alguma. Desde o início do ano passado que o Pompa tem (há tempos não o chamo assim), graças a uma idéia que tivemos, eu e Dani, durante sabe-se lá que conversa, a chave de nossa casa. Logo, à determinada altura do dia, sua chave girará no tambor da porta e acionará a lingüeta que, por sua vez, sairá da chapatesta de modo a abri-la. Meu vira-latas há de fazer uma pequena festa e tomar um chega-para-lá. Não quero nem pensar nas conseqüências de nosso encontro. Antevejo situações constrangedoras, como eu chegando do trabalho mais cedo - véspera do carnaval... - e tendo de ouvir:

- Mas, já?

Tiago Prata tencionava abrir uma garrafa de Gold Label diante de Fernando Szegeri. Luiz Antonio Simas pretendia armar uma curimba privativa em sua vasta varanda às margens do rio Maracanã em homenagem ao homem. Fefê e Lina tinham planejado uma mega-recepção na mansão de Santa Teresa (soube que, graças às comprinhas para a recepção que não haverá, meu irmão e minha cunhada preferida desabasteceram os mercadinhos do bairro). Papai e mamãe chegaram a pensar em cancelar a viagem a Petrópolis para receber o casal (a doce Stê também vem!). Rodrigo Ferrari remarcou, para baixo, o preço de alguns livros sabidamente do gosto de seu freguês favorito de São Paulo (vejam aqui o por quê). Arthur Mitke antecipou sua chegada à cidade maravilhosa apenas para não perder um único passo do homem da barba amazônica.

Como em julho do ano passado, vejam aqui, a expectativa da chegada do mito faz tremer o céu e a terra.

A diferença é que dessa vez, sabe-se lá a razão, o homem não quer sequer projeto de afago.

Até.

30.1.08

DO BALCÃO AO DIVÃ

No dia 18 de janeiro deste ano de 2008 escrevi, pela primeira vez, o primeiro texto da série que chamei DO BALCÃO AO DIVÃ, vocês podem ler aqui. Sempre que escrever um texto da citada série estarei fazendo, como diria minha bisavó, chiste de mim mesmo, com o objetivo, a ser atingido a longo prazo (duvido um pouco da eficácia da coisa...), de melhorar com relação a esses pequenos sintomas de distúrbios comportamentais aparentemente inofensivos. Naquele primeiro texto expliquei a vocês, meus poucos mas fiéis leitores, sobre minha incompreensível reação diante da falta de uma bata, apenas uma bata, dentre as tantas que ganhei de presente (só lendo pra entender, leiam aqui). Comentando o texto, Fernando Szegeri, esse homem que me conhece como pouca gente, decretou:

"Querido, será que as pessoas tem noção de quanto essa história é a expressão mais lídima, escorreita e irretocável da verdade sobre a vossa pessoa?"

Eu, 59 minutos depois, o respondi:

"Szegeri, meu irmão: acho que não, querido, sinceramente acho que não. Mas note bem que estou fazendo a minha parte, me expondo de maneira olímpica diante do balcão. Quem não quiser crer... que não creia. Dia desses conto sobre o episódio da agenda, tá?, que é bastante elucidativo também. Beijo."

Cumprindo minha palavra, eu que sou preciso do início ao fim, vamos, então, ao episódio da agenda que expõe, cruamente, mais uma de minhas facetas (escrevo isso e sou tomado de gigantesco sentimento de pena da minha menina, coitada, que, sabe-se lá como, suporta o fardo do convívio com minha pessoa).

Lembro-me menino, indo ao trabalho com papai, na avenida Chile, no edifício-sede da Petrobras, o chamado EDISE. Eu passava o dia entre toneladas de papel, caixas de lápis-de-cor, computadores jurássicos da IBM, brincando, saindo pra almoçar com o velho no hoje fechado restaurante Mineirinha, no subsolo do Edifício Avenida Central, vendo meu pai fumar maços e maços de Shelton Lights, e dizendo, sempre ao chegar e ao sair do escritório, alisando uma agenda que repousava sobre sua mesa:

- Eis a melhor agenda do mundo!

Pequena pausa para brevíssima digressão e duas explicações bastante definidas. A primeira: a mesa de trabalho de meu pai era enorme, tinha tampo de vidro, e sob a tampa, dezenas, centenas de fotografias de mamãe e dos três filhos. A segunda: como já lhes contei, em fevereiro de 2006, no texto O PAI ME DISSE (leiam aqui), herdamos, papai e eu, de meu avô, Oizer Goldenberg, esse hiperbolismo ancestral (vejam meu avô aqui). Tudo o que está a nosso alcance, para nós, é o que há de melhor no mundo. Não deixa de ser uma postura diante da vida, mas era apenas o fato, em si, o que eu queria lhes contar.

Então papai ficava:

- Agendas Pombo, meu filho, as melhores do mundo... Quando entrares para a faculdade te darei uma, tá bem?

Eu, que tinha em papai um modelo a ser seguido, ansiava por esse dia.

Esse dia chegou em 1987 e meu pai, implacável, deixou sob minha cabeceira, na manhã do primeiro dia do ano, minha primeira agenda Pombo. Lembro-me do arranco e do arremesso ao passado que sofri naquele instante, eis que diante da visão daquela agenda me vieram à lembrança, de forma aguda, minhas manhãs e minhas tardes passadas na gigantesca sala da Petrobras e a fala de meu pai:

- Quando entrares para a faculdade te darei uma, tá? São as melhores agendas do mundo. Pombo! Pombo!

Vou tentar ser conciso para não tornar enfadonha a leitura de hoje.

São, até o momento, 22 anos usando o MESMO modelo de agenda Pombo (vejam no site da própria empresa, aqui) que meu pai usava.

A cada novembro, o mesmo ritual. Vou a uma papelaria, compro minha agenda semanal Pombo (dizer a palavra POMBO, devagar, essa palavra pomposa, quase-imperial, me dá cócegas imaginárias), modelo B14-23-321V, medindo 19,7cm X 26,5cm, transcrevo aniversário por aniversário, e é ali, na agenda de meu pai, que organizo minha vida profissional, pessoal até.

Em 2007 foi diferente. Na primeira papelaria, o vendedor:

- Não vamos receber agenda Pombo esse ano, senhor.

Na segunda papelaria:

- Está em falta, senhor. O senhor não quer ver de outra marca?

Não o agredi porque era, afinal, a segunda papelaria.

Na terceira:

- Pombo? Sou novo na loja, nunca ouvi falar.

Na quarta (uma papelaria enorme, uma das maiores da cidade):

- Não, senhor. A Pombo, esse ano, nem encomendando.

Foi o estopim.

Dediquei o dia seguinte a fazer uma varredura na cidade, da Praça Mauá à Cinelândia. No mesmo dia, pouco antes do almoço, Tijuca, Praça Saens Pena, rua Conde de Bonfim até o Largo da Segunda-Feira. Em vão.

Fui ao site, à loja virtual da Pombo. Aliviado, escolhi o modelo, preenchi os dados, e quando cliquei em FINALIZAR COMPRA, a mensagem saltou diante de meus olhos em desespero: MODELO ESGOTADO - PRODUTO EM FALTA

Era como se um vaticínio sobre 2008 pairasse sobre minha cabeça, como se um pombo fizesse um pastoso cocô sobre uma estátua imaginária de mim mesmo.

Eu diria que o IBAMA, se me visse, se me ouvisse, se captasse meus pensamentos, me prenderia em flagrante, eis que eu era, em gestos, em expressões, em mãos e em verdade, um criminoso caçador de pombo.

Até que recorri a ele, Fernando José Szegeri. Mandei-lhe pungente email implorando que rodasse São Paulo, e fiz os maiores elogios à São Paulo na esperança de sensibilizar, ainda mais, meu irmão paulista. Eis sua resposta (ligeiramente editada):

"Querido, quando eu acho que já vi todas as manifestações da vossa maluquice, eis que você me surpreende."

O fato é que 48 horas depois, eu fui um homem em estado bruto de felicidade quando estrilou, pela manhã, o interfone. Era o porteiro:

- Edu? Chegou SEDEX 10 pra vo...

Desci como um louco as escadas, ainda de pijamas, arranquei, como um bárbaro, a encomenda das mãos do carteiro, e subi os quatro lances, de volta, abraçado à agenda de meu pai, azul, que reluz, agora, sobre minha mesa de trabalho e até o final de 2008.

Até.

29.1.08

FERNANDO SZEGERI, UM HOMEM POLIDO

O Szegeri, vocês que me lêem sabem, é um folião de mão cheia. JAMAIS (dito com uma ênfase que só ele mesmo) perdeu um desfile do Cordão da Bola Preta, e no ano passado, é claro, estava na Cinelândia mais uma vez, vejam aqui.

O Szegeri, como vocês que me lêem sabem, a-d-o-r-a vestir uma fantasia e encarnar o verdadeiro espírito momesco, adora subverter a ordem das coisas durante o carnaval, cumprindo, assim, o ritual que celebra a vitória da ilusão, apud Aldir Blanc.

Pois esse homem bateu-me o telefone ontem à tarde e foi de uma grossura poucas vezes vista, mesmo se eu levar em conta que me humilhar é uma de suas atividades preferidas:

- Edu?

- Eu!

- Chegamos ao Rio na sexta-feira e ficaremos aí, na casa de vocês, para o carnaval...

- Maravi...

Ele me cortou:

- Maravilha é o cacete! Estou ligando justamente para isso. Não conte conosco para nada. Vamos apenas dormir aí, e sem hora pra chegar, evidentemente. Não quero me programar. Não quero pensar no que fazer. Não quero compromisso. Não quero ver ninguém. Não arranje festinha, rodinha de samba, recepçãozinha, essas merdas que tu adora promover. Falou?

Eu ia responder mas ele bateu o telefone no gancho com uma fúria implacável.

Um homem polido, como se vê.

Até.

28.1.08

BODAS DE ESTANHO

As histórias envolvendo meu pai têm feito tanto sucesso, mas tanto sucesso (rendem parcos comentários, mas uma quantidade impressionante de emails de leitores encantados com essa ímpar figura que é meu velho), que decidi prosseguir nas sendas das memórias de Isaac Goldenberg, que aparece, na fotografia abaixo, ao lado de mamãe, dias antes de meu nascimento, diante da casa de minha bisavó, numa vila na Rua Professor Gabizo, e peço a vocês especial atenção às chinelinhas de mamãe e à frasqueira em sua mão direita, símbolo máximo da maternidade na década de 60 nas bandas da Tijuca, sem falar na calça pescando-siri de papai e na ponta do maço de cigarros que aparece no bolso esquerdo de sua camisa.

Mariazinha Goldenberg (mamãe) e Isaac Goldenberg (papai), abril de 1969

Quero lhes contar, hoje, sobre a comemoração dos dez anos de casamento de meus pais, em 22 de maio de 1978.

Minha bisavó materna, Mathilde, e minha avó, Mathilde também (façam uma idéia do poder de persuasão das duas juntas), desde as comemorações natalinas de 1976, passaram a instigar papai:

- Já tem planos para as Bodas de Estanho, Isaac? - perguntava, com ares de aristocrata, minha bisavó.

Vovó emendava:

- Vê lá, hein, Isaac! Mariazinha é nossa única filha... não é, Milton?! - e alisava as mãos de meu avô, que, alisando o copo cheio de Teacher´s, concordava com a cabeça.

E minha bisavó, enlaçando de vez meu velho, fechava sempre essa rede de comentários, com a mesmíssima frase, em tom grave:

- Dez anos não são dez dias, meu filho... - e batia, de leve, com o leque fechado no ombro de meu pai, para fechar seu discurso perguntando - Compreende?

Papai dizia que sim, sem saída.

O fato é que papai não resistiu às investidas, e acabou certo de que a primeira década de união merecia uma comemoração à altura. Desde maio de 1977, um ano antes, portanto, que um belo percentual de seu salário da Petrobras (primeiro e único emprego de meu velho) era depositado numa caderneta de poupança visando o grande dia.

Quanto mais se aproximava a data, mais as velhas se tornavam inconvenientes:

- Isaac, e aí, meu filho? O que teremos no 22 de maio?

Papai, puto com o verbo na primeira pessoal do plural, respondia seco:

- Surpresa, dona Mathilde, surpresa...

A mais velha, inquieta:

- Mas haverá festa? Haverá?

- Surpresa, dona Mathilde, surpresa...

Quando passou o carnaval de 1978, papai tomou um ônibus para o Leblon (antes precisou tomar coragem) e fez uma reserva para o dia 22 de maio, uma segunda-feira, para duas pessoas, no Antiquarius, um sonho de consumo de mamãe, que até então conhecera, no ápice da escada gastronômica do casal, o La Mole e o Rincão Gaúcho.

Papai fez a reserva e, na saída, espiando o cardápio afixado na porta de entrada, fez as contas aproximadas do custo da noite. Deu um tapa na própria testa e não conseguiu evitar:

- Puta que pariu!!

Um dos manobristas:

- O que houve, senhor?

Papai, ainda atordoado:

- Nada, não...

E tomou o rumo de casa.

Tomou o rumo de casa, as semanas passaram, e papai só foi contar à mamãe o destino na noite do dia 22 de maio quando acordaram, na manhã daquela segunda-feira, com a campainha de casa estrilando. Eram minha vó e minha bisavó, com flores nas mãos e perguntas disparadas como tiros:

- E aí?! O que farão hoje?!

- Isaac, não vá decepcionar a Mariazinha!

Papai, semi-nu, no corredor que dava acesso à porta da entrada social do apartamento, num gesto truculento que hoje me orgulha, empurrou as duas pro corredor do sexto andar e gritou, acompanhando os passos da sogra e de sua mãe, pelo olho mágico:

- Tudo tem um limite, Mathildes! Porra!

De volta ao quarto, contou à mamãe o que fariam à noite, e mamãe foi singela:

- Meudi... Não tenho roupa, querido... Oh, o Leblon... Meudi, Meudi... - e ficou repetindo o apelido enquanto se penteava diante do espelho, treinando caras e bocas para o jantar zona-sul.

Eis que chega a noite.

Papai estaciona sua Variant diante do Antiquarius, entrega a chave ao manobrista e entra triunfante no salão com mamãe, ela deslumbradíssima, num vestido que pegou emprestado com a Dalila Geraldo, amiga de vovó, que tinha um guarda-roupa de primeira.

Sentam-se e vem à mesa o maître.

Papai, sem nem olhar o cardápio:

- Uma garrafa de Sidra e dois copos, magnífico.

Eis o detalhe inescapável. Papai sempre chamou os garçons desse jeito:

- Magnífico! Por favor...

O maître:

- Só temos champagne, senhor...

Papai bufou e disse:

- Pode ser.

O maître, sem afastar-se da mesa, estalou os dedos para um cumim, fez o pedido e serviu papai e mamãe em seguida.

Fizeram o brinde e papai sacou um cigarro do bolso. Foi quando o maître, ainda ali, estendeu o isqueiro dizendo, educamente:

- Senhor...

Papai olhou pro cara, deu nova bufada, mamãe perguntou:

- O que aconteceu, Meudi?

- Nada, nada...

Quando ia dizer alguma coisa à mamãe, o maître:

- Aceitam uma entrada, senhor?

Papai já perdendo a paciência:

- Ô, caralho...! Traz! Traz!

Novo estalar de dedos do maître para o cumim, mamãe pedindo calma à papai.

A idéia do meu velho era uma esticada num motel na avenida Niemeyer, mais uma surpresa que faria à mamãe. Tentava dizer isso a ela mas o maître não arredava o pé da mesa.

Mamãe ainda bebericava a primeira taça do champagne quando o papai mandava a terceira pra dentro. Não agüentou, deu um soco na mesa e perguntou:

- Porra, magnífico! Será que dá pra deixar eu conversar com a minha mulher, porra?!

O cara se desculpava, cheio de salamaleques, e meu pai não agüentou. Perguntou, já de pé, quanto devia pela bebida e pela entrada, o pobre do maître disse que não deviam nada, desculpou-se mais uma vez com o velho Isaac que, a essa altura, já estava entrando na Variant com mamãe, ligeiramente assustada:

- Vamos comer uma coisinha no motel mesmo, Pixuxa! Eu já tô que não me agüento mesmo - alisou os joelhos de minha mãe - e, convenhamos, eu não nasci pra essas coisas chiques demais, não, pô! Me perdoa, tá?

Mamãe, apaixonadíssima e com os olhos dando voltinhas, disse que sim.

Até.

26.1.08

FERRARI E TARTAGLIA

Cesinha Tartaglia, que mantém hospedado n´O GLOBO ON LINE o blog NO FRONT DO RIO, O RIO SEM GRAVATA, publicou ontem o que ele chamou de "entrevistim" com o poço artesiano de doçura, esse carioca fundamental, imprescindível mantenedor do axé da cidade do Rio de Janeiro, Rodrigo Ferrari. Cliquem na fotografia abaixo e leiam. O Digão fala pouco mas diz muito.

Rodrigo Ferrari, Niterói, 26 de dezembro de 2007

Até.

25.1.08

O MAIOR É UM

Faz anos hoje, 25 de janeiro, meu velho pai, o maior. Quem lê o BUTECO sabe o quanto falo do meu velho, um personagem rigorosamente do cacete, pronto pra qualquer história (não fossem verdadeiras todas as histórias que conto e meu pai seria a solução para ficções delirantes, tão perfeito ele é para qualquer boa história), herói declarado da minha infância. E quero, hoje, em homenagem a ele e também ao Carnaval, que se aproxima, mostrar-lhes três pequenos tesouros que encontrei, ontem à noite, após mais uma expedição de prospecção dentro dos armários da casa de papai e mamãe em busca da fotografia que é, há semanas, confesso, minha obsessão (eu já disse que as tenho em profusão).

Um leitor, ontem, me parece, sugeriu que tudo não passa de mis-en-scene em busca de audiência. Erro grosseiro da parte dele. Tivesse eu já encontrado a tal fotografia e ela seria exposta no balcão do BUTECO na primeira oportunidade. Não tenho nem nunca tive sangue frio para surpresas do gênero. Dito isso, em frente.

Ontem, 24 de janeiro, véspera do aniversário do velho, meu irmão Luiz Antonio Simas publicou em seu mais-que-imprescindível blog, o HISTÓRIAS DO BRASIL, um texto monumental intitulado É O BOM! É O BOM! É O BOM! (leia-o aqui), sobre o Bafo da Onça, bloco do coração de meu pai (já, já, vocês entenderão porque refiro-me a este texto de autoria de meu mano).

Se há um troço que tem me comovido agudamente nessa desenfreada busca pela tal imagem, é o cuidado de meu pai e o cuidado de minha mãe com uma coisa que eu prezo demais, que são os registros (já falei sobre a importância dos registros aqui).

Há registro de tudo, de rigorosamente tudo, e esses registros são fundamentais para explicar muita coisa sobre o que somos. E parte desses registros é o que trago hoje para deixar exposto no imaginário balcão.

Papai (seguramente foi ele) teve o cuidado de guardar, dentro de um de meus álbuns de fotografia, o CADERNO B do JORNAL DO BRASIL do dia 06 de fevereiro de 1970, uma sexta-feira, véspera do primeiro carnaval da minha vida.

A matéria de capa, intitulada O MAIOR SÃO DOIS, é assinada por Genison Augusto e trata de dois dos maiores blocos cariocas, justamente o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos.

Abaixo, a imagem da matéria, dividida em dois (ela ocupa toda a capa do CADERNO B), que pode ser lida clicando sobre cada uma delas.

matéria de autoria de Genison Augusto, intitulada O MAIOR SÃO DOIS, publicada no JORNAL DO BRASIL de 06 de fevereiro de 1970, sexta-feira, véspera do carnaval

matéria de autoria de Genison Augusto, intitulada O MAIOR SÃO DOIS, publicada no JORNAL DO BRASIL de 06 de fevereiro de 1970, sexta-feira, véspera do carnaval

A matéria é deliciosa de se ler, e traz uma série de curiosidades, algumas delas hilariantes, como por exemplo:

- o Bloco da Seringa, de Higienópolis, juntou, no desfile de 1969, quinze pessoas incluindo a bateria;

- a Secretaria de Turismo, à época, dava uma subvenção aos dois blocos para que eles desfilassem nos três dias de fevereiro, mesmo sem participarem do desfile oficial;

- o Bafo da Onça nasceu em 12 de dezembro de 1953, oito anos, um mês e nove dias antes do Cacique de Ramos;

- a sede do Cacique de Ramos ocupava, em 1970, todo o andar superior de um shopping-center em Olaria, e a do Bafo da Onça ficava numa casa emprestada, sem telhado, no Catumbi, onde funcionara um cinema;

- o Bafo da Onça ensaiava às sextas e domingos no Clube Minerva, no Catumbi, e aos sábados no Clube Monte Sinai, na Tijuca, na rua São Francisco Xavier 100 (nós morávamos, nessa época, no número 84!!!!!), ao passo que o Cacique de Ramos ensaiava no Palácio do Samba, em Olaria, às sextas e sábados, e aos domingos na sede do Botafogo, no Mourisco.

Falei em curiosidade e quero oferecer essa última imagem, esse último registro de hoje, a meu pai - evidentemente - e também à minha Sorriso Maracanã, ao meu mano Fernando Szegeri e à Lina, minha cunhada favorita, já que os três são useiros e vezeiros do mesmo discurso, de que eu até hoje me porto como uma criança dependente de meu pai, que todos os dias é papai pra lá, papai pra cá, papai isso, papai aquilo.

Há - finalmente descobri uma prova material que me absolve diante deles, quero crer! - uma razão, fortíssima, para tal.

Eis o que descobri num pequeno livro de registros chamado MEU PRIMEIRO ANO DE VIDA!:

anotação em um de meus álbuns de infânciaAté.

24.1.08

PAU NA CANALHA

Tinha que ser na Barra Cada Vez Menos da Tijuca...

matéria publicada no GLOBO ON LINE de 24 de janeiro de 2008

MINHA PRIMEIRA VIAGEM

Vou manter, hoje, a mesmíssima linha que venho tirando do carretel de imagens que amealhei durante a insana procura de uma imagem, uma única imagem minha, como já lhes contei aqui, e expôr, no balcão do BUTECO, uma fotografia feita em 02 de setembro de 1969, tinha eu pouco mais de quatro meses de vida.

Ela está no álbum vermelho, aveludado, onde se lê, na capa, NOSSO FILHO, e onde, logo abaixo, há uma daquelas fitas adesivas, preta, com letras em relevo (todo mundo tinha isso, não há nada que me faça lembrar o nome do troço!), escrito EDUARDO BRAGA GOLDENBERG (imagino que deva ter sido mamãe, pacientemente, girando o disco, letra por letra, quem preparou a tal fita), na décima quinta página.

Sobre a fotografia, um papel com a letra de mamãe anuncia: PRIMEIRA VIAGEM (2-9-69). Abaixo da fotografia, outro papelzinho: TERESÓPOLIS.

Mariazinha (mamãe), Isaac (papai), Mathilde (minha bisavó) comigo no colo, e Alzira (minha tia Zirota)

Eu já lhes contei, quando escrevi DEBUTE NO ENGENHO NOVO (leiam aqui) que uma criança que teve um tio chamado Beneval não pode - não pode mesmo - crescer como as outras. E a mesmíssima obervação vale para quem teve uma tia chamada Alzira que todos chamavam de Zirota (lê-se Ziróta... Fique você aí repetindo, umas cinco, seis vezes, o nome Zirota, veja se não é de causar um frisson de gargalhadas internas e tente dimensionar o que seja isso para uma criança).

Na preto-e-branco acima, que daria arrepios no meu irmão Luiz Antonio Simas, que tem um medo incontrolável dos mortos, daí sua ojeriza à fotografia muito antiga, estou no colo da minha muito amada bisavó (a quem já rendi olímpicas homenagens no BUTECO, notadamente aqui, aqui e aqui), entre mamãe e tia Zirota, irmã de minha bisavó, que morava em Teresópolis. De pé, atrás, a todos escoltando, como sempre, meu velho pai, que fica ainda mais velho amanhã.

Falei em tia Zirota e quero lhes contar um caso muito sério que marcou nossa infância (digo "nossa" porque marcou a de Fefê também, e digo isso sem nem ao menos consultá-lo, tamanha a certeza que tenho do mesmo susto).

Bastava uma brisa mais abusada, um ventinho qualquer, o mais tênue sinal de chuva, e as mulheres da família, mamãe, vovó, minha bisavó, tia Linda, tia Noêmia, tia Irene, partiam para cima de nós e diziam, olhos esbugalhados e em tom dramático:

- Certa ocasião choveu tão forte e ventou tanto, mas tanto, que a pobrezinha da Zirota teve de agarrar-se com as duas mãos nas grades de um portão qualquer para não ser levada!

As mais teatrais juravam de pés juntos:

- Ficou com as pernas em paralelo ao chão, parecia um papel a coitadinha!

Isso fez com que eu NUNCA (com a mais aguda ênfase szegeriana) encarasse uma chuva com naturalidade. Até o dia em que tia Zirota foi oló, bastava um chuvisco inocente e uma lufada de vento para eu discar, com o lápis, o telefone vermelho para Teresópolis:

- Tudo bem, tia Zirota?

E ela ria.

Quando ela estava no Rio, pois passava longas temporadas com as irmãs (Mathilde, minha bisavó, e Hidinha, outra de minhas tias), eu pegava em sua mão na inocente esperança de impedir um novo vôo.

O Fefê, que sempre foi dotado de instintos mais selvagens que os meus, ficava puto:

- Deixa a velha voar, caralho! A gente nunca vai saber se é verdade! - e propunha passeios pelas ruas da Tijuca sempre que o tempo ameaçava virar.

É o que digo sempre...

Os arremessos ao passado me fazem um bem tremendo.

Só vocês estando aqui, diante de mim, para perceberem minha vivíssima expressão de felicidade e de gratidão a meus antepassados.

Até.

23.1.08

O ORGULHO DE MAMÃE

Lá em casa éramos três (somos, ainda, com a graças dos deuses, mas refiro-me à tenra infância, por isso o uso do pretérito imperfeito): eu, de 69, Fefê, de 71, e Cristiano, de 75.

Segunda-feira passada, mantendo uma tradição que começou em 1994, lá se vão quatorze anos, desde os tempos em que vacas obesas tentavam, sem êxito, prejudicar meu pasto, houve jantar de gala na casa de papai e mamãe (a Lina, minha cunhada preferida, há de observar, com sarcasmo, que falo "casa de papai e mamãe" e não "casa de mamãe e papai", eis que para ela mantenho doentia relação de idolatria com meu velho).

Lá estávamos eu, minha Sorriso Maracanã, Fefê, Lina, e - evidentemente - papai e mamãe. O jantar foi aquele tradicional deleite de todas as segundas-feiras... Bebericamos um uísque no salão branco, beliscamos uma coisa ou outra, abrimos um portentoso vinho, fizemos o costumeiro e franco brinde, até que fomos à mesa no salão de jantar, onde nos esperava um verdadeiro banquete, comme il faut.

Os jantares lá são - todos - rigorosamente imperdíveis. Digo e repito: a presença dos meus velhos são, para mim, combustível para manutenção dos alicerces tão bem fundados em mim.

Mas vamos ao que interessa, que estou enrolando vocês, confesso.

Após o jantar, enquanto todos decidiam entre as incontáveis opções de sobremesa postas à mesa (sorvete de creme, sorvete de flocos, sorvete napolitano, jujuba, goiabada com queijo e banana com canela) - é sempre assim -, escapei e voltei à prospecção das fotografias - são milhares, milhares! - com minha história pessoal.

E voltei com um tesouro nas mãos.

Antes, preparei o clima e passei a contar, numa espécie de performance improvisada, sobre uma interessante faceta de mamãe.

Crescemos ouvindo mamãe dizer, orgulhosa, principalmente diante das crescentes notícias sobre a violência no mundo:

- Filho meu JAMAIS - esse jamais era dito de maneira ritmada, as duas sílabas bem pronunciadas - pegou num revólver, numa metralhadora de brinquedo! Imagina! Imagina! - falava olhando para o teto da sala diante da TV como se falasse com Deus.

Bastava aparecer um sobrinho, um afilhado, um filho de uma amiga, que fosse, com um inocente revólver de plástico, desses que esguicham água, para mamãe estrilar:

- Mas onde é que vamos parar? Precisa dar uma arma dessas pra criança?!

Às vezes, lembro-me bem disso, mamãe exigia o testemunho de papai:

- Isaac, algum dia algum dos meninos pôs o dedo numa dessas escabrosas armas de brinquedo?

Hoje, tudo faz sentido. Papai nunca a respondeu. Como ele fumava, nessa época, e fumava muito (coisa de três, quatro maços de Shelton Lights por dia), a resposta sempre foi uma longa e demorada expelida de fumaça em anéis intermináveis.

Eis, meus poucos mas fiéis leitores, a foto em tamanho gigante que encontrei, datada de junho de 1972 (tinha eu, portanto, três anos de idade), obra da Companhia Fotográfica Euclydes, com sede na cidade de Lins, em São Paulo (isso devia ser um luxo!):

Eduardo Goldenberg, junho de 1972

Peço a quem for do ramo - como meu querido Flavinho, por exemplo - que me diga o que é que tenho nas mãos, no instantâneo acima.

Ah, sim. Após a exibição da fotografia na segunda-feira, como não havia mais condições de sustentar seu discurso pacifista, mamãe retirou-se da mesa para dar uma ajeitadinha na cozinha e papai riu, de engasgar, durante dez, doze minutos.

Até.

22.1.08

ENQUANTO ISSO...

... as super escolas de samba S.A. são agraciadas com rios de dinheiro vindo dos governos estadual e federal, e o município, na nefasta pessoa de César Vaia (sem o imerecido negrito), que abre as pernas, como puta, para a LIESA e seus asseclas, assiste, covarde e indiferente, ao despejo do Cordão da Bola Preta, patrimônio da cidade do Rio de Janeiro.

nota publicada no GLOBO ON LINE de 22 de janeiro de 2008

O desfile do Sábado de Carnaval há de marcar a maior vaia da vida desse bosta que nos desgoverna e a mais legítima manifestação contra a canalha que não perde por esperar.

Há uma diferença gritante entre o que é legal e o que é justo, que fique claro, antes que caiam de pau em cima da Juíza.

Quando não há uma saída legal para determinada situação, quem pode - e o Município, in casu, pode - deve e precisa encontrar uma solução viável para evitar tragédias como essa.

Até.

SANGUE

(para Felipinho Cereal)

Já lhes confessei, sei lá quantas vezes, que nasci vascaíno por obra e graça de papai, um vascaíno há muito resignado com a opção do filho feita em dezembro de 1974.

Já lhes contei, também, que mamãe é torcedora do América, assim como a Maria Paula e seu pai, o Dr. Bulhões, assim como meu dileto amigo Felipinho Cereal, a quem dedico a foto (mais que o texto) de hoje. Acho que são os únicos quatro americanos que conheço, isso sem contar o legendário Murilão, figura permanentemente no balcão do glorioso Bar do Chico.

Lhes contei, também, recentemente, aqui, que andei fazendo petrolíferas prospecções na casa de meus pais em busca de uma foto, uma única foto, em que apareço com a mão nas nádegas suculentas de uma mulata em flor, de pé num carro alegórico do Bafo da Onça, bloco do coração de meu pai (como a foto do Fefê, que ilustra o texto a que me referi linhas acima).

Deparei-me, durante a operação, com verdadeiras pérolas, fotografias que me arremessam ao passado de forma truculenta a cada simples passar de olhos.

Dia desses mesmo conversava com o Simas a respeito desse troço, o fuçar das fotos antigas. O que para ele é ligeiramente desagradável é, para mim, mais-que-agradável. É renovador, é inspirador, é emocionante, e qualquer hora volto ao tema.

Deixo com vocês, hoje, exposta no balcão imaginário do BUTECO, e especialmente com Felipinho Cereal - que, tenho certeza, vai se amarrar no troço -, um instântaneo em preto e branco, de 1971, onde apareço - seguramente por obra de mamãe - vestindo a camisa alvirubra do clube tijucano.

Ah, sim. Notem a Conga, a Conga, a Conga...

Eduardo Goldenberg, 1971Até.

21.1.08

O ANTI-RIO DE JANEIRO

Se uma imagem vale por mil palavras, deixo com vocês essa nota que retrata, bem, o que é o bairro do Leblon.

nota publicada na coluna GENTE BOA do SEGUNDO CADERNO de O GLOBO de 21 de janeiro de 2008

Notem o nojo que é a frase "vou pedir para eles nos ajudarem a deixar nosso bairro em paz". Vocês vêem, como eu, o nariz em pé da autora da frase? Notam o tom pernóstico, preconceituoso e anti-carioca da declaração?

Até.

18.1.08

DO BALCÃO AO DIVÃ

Vou dar início, hoje, a uma série chamada DO BALCÃO AO DIVÃ. Sempre que escrever DO BALCÃO AO DIVÃ vou tratar de assuntos rigorosamente meus, pessoais, tentando melhorar, num tratamento moderno e diferente, sob vários aspectos, rindo do meu próprio ridículo.

Vão lendo que vocês vão entendendo.

Quem me conhece, quem me vê por aí, sabe da minha obsessão (eu as tenho, preciso fazer a confissão pública, em profusão) pelas batas africanas desde que ganhei minha primeira, vai fazer - o quê? - uns três anos.

Eduardo Goldenberg e Débora Denizot, a Fumaça, na Lapa, Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2008

Quando a Fumaça (na foto acima, comigo, eu com uma das tais batas, que na verdade são abadás, nome conspurcado pelos baianos e pelos babacas-seguidores-de-baianos espalhados por todo o Brasil) me trouxe a primeira bata de presente, com aquele confessado medo de não agradar, fui um homem em estado bruto de alegria.

Lembro-me bem.

A vesti na hora, pedi aprovação da Dani, que sorriu o mais bonito sorriso do mundo, e a própria Fumaça não escondeu a alegria por ver a minha alegria quase-de-criança com o presente recebido.

Volta a Fumaça para a África.

Meses depois, com nova viagem para o Brasil já marcada, manda-me um email e pergunta se quero mais.

Digo que quero.

E ela vem com duas novas batas, lindíssimas.

Isso se repetiu mais duas vezes, e a gentilíssima Fumaça sempre me dando os abadás (fodam-se os seguidores do Camaleão e outros bichos) de presente, recusando-se a me cobrar o preço pago, mesmo eu tendo dito, em todas as oportunidades (menos na primeira, é evidente), que faria questão de pagar, eu mesmo.

Até que, meses atrás, disse a ela, por email:

- Fumaça, traga mais dessa vez, querida! Mais! Mais! Não apenas duas... E dessa vez faço questão absoluta de pagar!

Ela, internacionalíssima, respondeu-me:

- OK!

Chegou ao Brasil, há semanas (já está de volta...), e bateu-me o telefone:

- Edu?

Eu, sem disfarçar a ansiedade e com uma polidez que só mesmo na Tijuca, fui direto ao ponto:

- Quantas? Quantas? Trouxe quantas batas?

E ela, sorrindo (pude ouvir seu sorriso):

- Cinco.

Até que no dia 12 de janeiro, sábado passado, marcamos na Lapa.

Ela, cedinho:

- Confirmado, Edu?

E eu, sem conseguir manter o controle:

- Cinco, né?

- Cinco? Muito cedo... Mais tarde, Edu...

Eu, tijucaníssimo:

- Referia-me às batas... São cinco, né?

Notei alguma coisa quando ela respondeu:

- Até mais tarde!

Fui um homem aflito no decorrer do dia.

Fomos à praia e Dani notava-me esquisito:

- O que tanto você olha as horas?

- Nada.

Assim foi até a noite.

Quando chegamos, Dani me passando instruções mínimas de etiqueta no caminho, tentei manter a calma e fingir naturalidade. Mas tudo foi por água abaixo quando demos com a Fumaça sentada à mesa, nos esperando, sem nenhuma bolsa por perto.

Fiz força mas não me contive.

Ela deu-me um beijo, um abraço, e eu dei de apalpá-la, farejá-la, apertá-la, até que disse, esganado pela ansiedade:

- Cadê? Cadê? Cadê?

Tomei um leve chute da Dani, e a Fumaça disse, sorrindo (a Fumaça tem essa característica, a de sorrir até em velório):

- Esqueci! - e riu de dar guinchos - Mas minha mãe está trazendo.

Disse a frase mais falsa que já pronunciei na vida:

- Ah! Sem problema...

Por dentro, eu queimava. A ansiedade, como um exército de traças, me corroía.

Uma hora. Duas horas. Três horas.

Disse:

- Fumaç...

Fui cortado:

- Tá chegando, tá chegando! - riu mais, muito mais, riu mais solto graças à cerveja - Espera! Espera! Espera!

Luiz Antonio Simas, nesse exato instante, bateu o telefone pra mim. Convocou-me para um chope, em regime de urgência, no glorioso Galeto Columbia, na Tijuca, na companhia do Mussa.

Dei as coordenadas pra Dani que sugeriu que eu fosse. Disse, cândida:

- Eu levo suas batinhas, amor...

Despedi-me, posei pra foto acima (o sorriso amarelo não disfarça minha decepção com a situação) e às duas da manhã chego em casa, passo a chave na porta e vejo minha garota bebericando uma Brahma sentadinha com uma sacola no colo.

Salto olimpicamente e abro a bolsa, babando indisfarçavelmente.

Uma bata. Duas batas. Três batas. Quatro batas.

Viro do avesso a bola, numa busca estúpida. Não há a quinta bata.

Dani, com doçura:

- Ela pediu mil desculpas, meu amor... Disse que se confundiu... Disse que você ficaria triste... Que besteira, né, amor?

Fui conseguir falar com a Dani apenas no dia seguinte, domingo pela manhã, os olhos vermelhos de tanto chorar.

Minha menina fazia cafuné e dizia:

- Puxa vida, por causa de umazinha só?

E eu, voltando a soluçar - eis a confissão ridícula:

- Por que, meu Deus, por que ela foi dizer CINCO! A expectativa, Dani, minhas expectativas...

As quatro batas - lindíssimas, diga-se de passagem - foram incapazes, naquele momento, de fazer frente à alegria explosiva da primeira bata que ganhei. Tenho, como diz minha menina, mamãe fazendo coro, cinco, seis anos de idade.

Até.

17.1.08

UMA NOITE IMPERIANA

- E aí, Edu! Como foi na Cinelândia?

Foi o que me perguntou, aflito e ansioso pelas notícias, às nove e quarenta da manhã de hoje, o Favela.

Eu poderia ser sucinto, como nunca fui, e responder do alto do orgulho que só os boêmios têm:

- Comecei bebendo uma cervejinha com o João Bosco às seis e cheguei em casa às seis...

Como JAMAIS - com a ênfase szegeriana - fui sucinto, vamos aos fatos.

Às seis da tarde bateu-me um fio (acordei velho, velhíssimo... quem, meu Deus, nas novas gerações, bate um fio para alguém?????), conforme o combinado, o João Bosco. Encontramo-nos no Odeon, pusemos o papo em dia - aliás, belíssimo papo e prenúncio de uma noite histórica, até que estrilou meu telefone. Era papai.

Papai, que recusa-se, como um teimoso incorrigível, a sair de casa à noite, rendeu-se a meu convite e ao amor que sente pelo Império Serrano e foi, com mamãe, para a festa da verde-e-branco de Madureira.

Isaac Goldenberg e Mariazinha Goldenberg, Teatro Rival, 16 de janeiro de 2008

Meu pai estava visivelmente emocionado - ele negará isso até a morte, mas estava -, assim como minha mãe, que derrubou-se à certa altura. Vou lhes contar.

Durante todo o show - que foi belíssimo e emocionante - papai marejava os olhos, cutucava a mim e ao Fefê e dizia em tom paternal:

- Aprendam, meus filhos... Isso é uma escola de samba!

Até que senti as unhas de mamãe cravadas em meu braço.

Jorginho do Império cantava, à capela:

"Uma pequena notável
Cantou muito samba
É motivo de carnaval
Pandeiro, camisa listrada
Tornou a baiana internacional
Seu nome corria chão
Na boca de toda gente

Que grilo é esse?
Vou embarcar nessa onda
É o Império Serrano que canta
Dando uma de Carmem Miranda

Cai, cai, cai, cai
Quem mandou escorregar
Cai, cai, cai, cai
É melhor se levantar, oi..."


Bem a calhar o refrão.

Mamãe estava derrubada, olhos cheios d´água, como cheio de balões esteve, ontem, o céu de Madureira, e disse:

- O primeiro carnaval do Fefê...

E quando seus olhos deitaram-se sobre os meus, lembramos, em comovido silêncio, que era esse um dos sambas que ela cantava, formosa que sempre foi, para me fazer dormir.

Leiam REMINISCÊNCIAS DO CARNAVAL, por favor, escrito em 04 de fevereiro de 2005, há quase três anos, portanto, e vejam que não minto, que sou preciso do início ao fim. Leiam, por favor... aqui, porque é comovente demais a percepção e a confirmação de nossa própria coerência!

João Bosco, Teatro Rival, 16 de janeiro de 2008

As apresentações, todas, foram belíssimas. Além do próprio Jorginho do Império, se apresentaram Moyseis Marques acompanhado por Tiago Prata, Cláudio Jorge, Dorina, Wanderley Monteiro, Nilze Carvalho, Andréia Caffé (a grande surpresa da noite, salve Nova Iguaçu!!!!!) o Jongo da Serrinha comandado por uma sempre iluminada Tia Maria, a Velha Guarda Show do Império Serrano, Zé Luiz, João Bosco, a bateria da verde-e-branco com seus agogôs inconfundíveis e se o objetivo da escola foi angariar axé... estejam certos... o Império Serrano vai pisar forte, fortíssimo, na avenida!

Desnecessário dizer que o Teatro Rival, em uníssono, cantou Oguntê, Marabô, Caiala, Sobá, Oloxum, Ynaê, Janaína e Yemanjá, e que transformou-se em misterioso mar de lágrimas que brotavam dos olhos dos presentes à festa - dessas de não se esquecer jamais.

Danielli Pureza e João Bosco, rua Álvaro Alvim em frente ao Teatro Rival, 16 de janeiro de 2008

Agora prestem atenção.

Saímos do Rival, tontos de felicidade, e sentamos diante do teatro - havia mesas espalhadas pela rua - para mais um bocado de cerveja, que a sede era de anteontem. A escalação da mesa: eu, Dani, João Bosco, Simas, Candinha, Mussa, Elaine, Prata, Luísa, Moutinho e Flávia.

Acontece, meus poucos mas fiéis leitores, que quando a noite é mágica as surpresas se sucedem, a boniteza fica sendo cada vez mais presente e a berzundela não cessa.

Havia uma mesa, ao lado da nossa, na qual bebiam, e jogavam conversa fora, uns cinco, seis malandros. Todos na faixa dos cinqüenta anos - eu conhecia apenas o Ivan Milanez -, os caboclos foram se chegando, como só em buteco mesmo, e começaram a puxar sambas, um atrás do outro - meus amigos testemunharão a meu favor! -, um mais bonito que o outro, até que um deles - Careca, foi como ele se apresentou - disse:

- Canto os sambas do Império de 1948 até hoje, se vocês quiserem!

Sacou de um pandeiro, mandou ver, cantou Silas de Oliveira que nenhum de nós conhecia, cantaram e dançaram jongo nas pedras pisadas daquela rua, durante a madrugada, e o furdunço só terminou quando o dono do bar em frente pediu arrego.

João Bosco, Ivan Milanez, Careca e amigos na rua Álvaro Alvim em frente ao Teatro Rival, 16 de janeiro de 2008

Despedimo-nos, todos rigorosamente embriagados pela beleza da estreladíssima noite de quarta-feira, e foi o João que propôs, às três da manhã:

- Vamos comer um javali no Capela?

De lá saímos, em estado bruto de felicidade, às cinco e meia da manhã, com mesas e cadeiras empilhadas, Miro e Cícero a postos aguardando a debandada, o sol forçando a barra da noite, e eu me despedi de todos, um por um, agradecendo pela graça do encontro e pela força da noitada.

Luiz Antonio Simas, Marcelo Moutinho, Flávia, Elaine, Alberto Mussa e João Bosco, Nova Capela, Lapa, Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 2008

Disse no ouvido do João, antes de entrar no táxi, blanquianamente:

- Eu gosto quando alvorece porque parece que está anoitecendo...

E ele, de volta:

- E gosto quando anoitece que só vendo porque penso que alvorece...

Fui, pelo caminho, cantando:

"... e então parece que eu pude
mais uma vez, outra noite,
reviver a juventude.
Todo boêmio é feliz
porque quanto mais triste
mais se ilude.
Esse é o segredo de quem,
como eu, vive na boemia:
colocar no mesmo barco
realidade e poesia.
Rindo da própria agonia,
vivendo em paz ou sem paz,
pra mim tanto faz
se é noite ou se é dia."


Até.

16.1.08

IMPERIANOS DE FÉ

Hoje, como já lhes disse aqui no balcão do BUTECO, acontecerá, no Teatro Rival, a partir das 19h30min, a festa promovida pelo grandioso Império Serrano para angariar, muito mais que dinheiro, axé para o desfile que acontecerá em poucos dias, pelo carnaval de 2008.

O desfile acontecerá e estarei, se os deuses assim permitirem (hão de permitir, hão de permitir!), ao lado de minha menina, de Luiz Antonio Simas, Candinha, Alberto Mussa e Elaine, assistindo, de uma das frisas da Passarela do Samba, ao desfile do Grupo de Acesso que é - não resta a menor dúvida disso - muito melhor programa que os dois dias de desfile do Grupo Especial, que mais tem se assemelhado a um Rio Fashion Week, se é que vocês me entendem.

Assistirei ao desfile, como lhes disse ontem, aqui, da Escola de Meu Pai.

Da Escola de Meu Pai e da escola de mais gente que homenageio, humílimo, de pé diante do balcão imaginário, por tudo o que fazem, cada um a seu modo, pela verde-e-branco de Madureira.

Em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades.

Álvaro Costa e Silva, o Marechal, que ilustra o texto de hoje, homem que não consegue conter as lágrimas, que brotam como de um Tritão com saudade de Anfitrite, sempre que ouve um samba imperiano - seja ele qual for!

Álvaro Costa e Silva, o Marechal, em 27 de outubro de 2007, na rua do Ouvidor

Luiz Antonio Simas, meu irmão querido, imperiano de fé, que não cansa, e que eu mesmo vi chorar, de apertar o peito, quando assistíamos, juntos, à apuração do Carnaval de 2007, durante feijoada na casa da Sônia.

Marcelo Moutinho, que faz de seu blog uma trincheira em comovida defesa da escola da Serrinha, Congonha e Tamarineira, um dos responsáveis diretos pelo encontro de hoje à noite e o responsável pelo milagre da multiplicação dos ingressos; não fosse ele e não iríamos, eu, Dani, papai, mamãe, Fefê, Lina, Simas e Candinha, ao show de logo mais.

E Tiago Prata, imperiano-aprendiz, que vai emprestar seu talento ao Império Serrano, e que vai fazer ventar na Cinelândia quando acompanhar Moyséis Marques em IMPERIAL, obra-prima de Aldir Blanc e Wilson das Neves.

Até.

15.1.08

MEU PAI, IMPERIANO - PARTE II

Eu já lhes contei, aqui, no texto O PAI ME DISSE, de 15 de fevereiro de 2006 (notem bem o que vai em negrito!):

"Já disse isso mas é preciso repetir. Papai, carnaval atrás de carnaval, me tomava pelas mãos e íamos à Avenida Presidente Vargas só pra ver os carros alegóricos do Cacique de Ramos e do Bafo da Onça. Papai me punha no alto dos carros e eu posava para as fotografias quase sempre ao lado de mulatas estonteantes que fixaram, em mim, uma paixão avassaladora por aquelas cores e aquelas curvas (delas, mulatas)."

Faço, agora, então, a confissão pública de minha tristeza mesclada com ligeira decepção, mas que dura segundos depois da visão impressionante da fotografia abaixo.

Fernando Goldenberg, avenida Presidente Vargas, década de 70

Fiz prospecções que duraram meses, mexi e remexi em gavetas, armários, cômodas, toda a sorte de móveis cuja função é guardar alguma coisa, e nada. Pedi a ajuda de mamãe, de papai, da Marina, secretária de meus pais, e nada. Não encontrei uma única foto minha capaz de comprovar, através da imagem que dispensa palavra, o que vira-e-mexe lhes conto, que papai nos levava, miúdos, à avenida Presidente Vargas durante as manhãs de carnaval, nos punha no alto dos carros alegóricos e gritava, animadíssimo, com sua Olimpus Trip na mão direita enquanto a esquerda dava as diretrizes:

- Pra cá, pra cá! Põe a mãozinha na bunda dessa moça... isso, isso, isso, filhão!

E clique!

- Alisa, alisa, alisa... Isso! Sorria! Isso!

E clique!

Mas encontrei - eis aí minha sorte levemente modificada (queria, mesmo, era encontrar uma foto minha na mesmíssima situação, e sei que existe, essa é outra característica de papai desde sempre... tudo o que o mais velho fazia o do meio fazia depois, não havia exceção, daí a certeza que tenho) - essa fabulosa fotografia do Fefê, meu irmão, de calças curtas, uma faixa na cabeça, sandálias brancas, sem camisa, muito provavelmente no começo da década de 70, eu diria que 1974, 1975, no máximo.

Os métodos de meu pai (usados até hoje) me dão sólida certeza de que, minutos antes desse instantâneo, eu estava no mesmíssimo lugar, com a mão na mesmíssima bunda, ouvindo:

- Vai lá, Dudu! Mete a mão nesse rabão!

E clique!

Como já lhes disse, e repito, a minha fotografia eu não encontrei.

Mas ela existe.

Existe e está, é evidente, em algum lugar.

Tenho, às vezes, a impressão de que papai e mamãe, depois de uma conversa rápida, decidiram mantê-la escondida, e bem escondida, longe de mim. Sabem bem, os dois, o efeito devastador que a simples visão da dita cuja causaria em mim.

Falei em papai, falei em mamãe, falei em efeito devastador, e creio que amanhã, se conseguir os ingressos que não existem mais, sentirei emoção semelhante à que senti quando vi meu irmão entre as flores de plásticos e as mulatas de carne e osso (era carnaval, porra, quem me desmentir não entende nada!) quando entrarmos, juntos, os seis (eu, Dani, papai, mamãe, Fefê e Lina) no Teatro Rival, para vermos o menino de 47 em dia de festa.

Até.

14.1.08

MEU PAI, IMPERIANO

Quando, no domingo retrasado, 06 de janeiro de 2008, meu velho pai chamou-me com a voz ligeiramente embargada (ele desmentirá isso até a morte, mas eu, que sou preciso do início ao fim, sei o que estou dizendo), eu pensei alto (mamãe por testemunha):

- Seja o que for, vai dar merda.

E deu. Fui arremessado ao passado num tranco que vou lhes contar...

Isaac Goldenberg e amigos, Volta Redonda, Estado do Rio de Janeiro

Essa foto, por exemplo, que mostra meu velho (o quarto, da esquerda pra direita, sentado) de mangas curtas, a mão direita sobre o joelho esquerdo, a mão esquerda checando o tríceps do braço direito, ele apontou no monitor e me disse:

- Sabe onde é?

Meus olhos marejados falaram em silêncio e ele prosseguiu, fazendo um cafuné na Dani, que estava também a seu lado:

- Volta Redonda...

Tive, naquele instante que seguiu-se à curiosa revelação de papai - minha menina nasceu lá! -, febre de quarenta graus e tremores nas mãos que tentei disfarçar (com êxito, devo dizer) sentando-me sobre elas.

Criou-se em mim o enredo que jamais será contestado.

Papai, caboclo viajante, caboclo da mata, foi à Volta Redonda, naquele ano, caminhando, abrindo picada pela Serra das Araras com um facão de cabo verde, em busca da mulher da vida do filho mais velho, ainda por nascer. E teve certeza, quando bebeu umas cervejas com Wlader Dutra Miranda, o Comandante, num buteco qualquer da Vila Santa Cecília, que seria dele a filha que ensinaria seu primogênito a sorrir, anos depois.

Dito isso, vamos ao que quero lhes dizer, precipuamente.

Sugiro, entretanto, antes, a leitura de MEU PAI, MEU MOLDE, aqui.

Papai tentou fazer de mim um vascaíno e não teve sucesso. Papai tentou fazer de mim um imperiano e não teve sucesso.

Vivia dizendo, e enquanto escrevo ouço sua voz:

- O Vascão Machão da Gama é o maior time do mundo! - e cantava "Casaca, Casaca, Casaca-saca-saca!" para meu delírio.

- Escola de samba só tem uma: Império Serrano!

Da mesma forma, com o mesmo fanatismo, me dizia que a Claudete Soares e a Leny Andrade eram as maiores cantoras brasileiras, que o Dick Farney era o tal, que o Bafo da Onça era o grande bloco da cidade, esses troços.

Falei do Império Serrano e quero lhes fazer uma confissão e um convite.

De tanto papai falar, aprendi a ter um respeito agudo pela verde-e-branco de Madureira. O tempo, as histórias que li, as histórias que vi, as histórias que ouvi, sedimentou em mim, eu diria, mais que respeito. Por uma razão que é absolutamente inexplicável vejo o Império Serrano como a Escola de Meu Pai, assim mesmo, com maiúsculas, eis que o troço é forte demais dentro de mim.

É também a escola do meu irmão Luiz Antonio Simas (que escreveu sobre a situação do Império Serrano no carnaval deste ano, aqui), é a escola do Marcelo Moutinho (que faz, de seu blog, aqui, uma trincheira em defesa de sua escola), do Tiago Prata, do Marechal, do João Bosco, todos eles envolvidos até o pescoço, nesse começo de ano, num projeto de esperança para levar a escola de volta ao Grupo Especial.

O Império Serrano, que faz hoje ensaio técnico na Marquês de Sapucaí, vai mal das pernas para o desfile de 2008. Enfrenta intensa falta de dinheiro que - quem me conta são os próprios imperianos acima citados - pode prejudicar, e muito, o trabalho de um ano inteiro. A poucas semanas do desfile, o barracão do Império Serrano exibe carros inacabados, alegorias incompletas e toda a sorte de baldão que sua grandiosa história não merece conhecer.

E disse isso tudo para convidá-los, todos, imperianos ou não, para o show que esses caras estão organizando e que acontecerá na quarta-feira, depois de amanhã, dia 16 de janeiro, a partir das 19h30min, no Teatro Rival, com partipação de Cláudio Jorge, Nilze Carvalho, Dorina, Wanderley Monteiro, Moyséis Marques, Tiago Prata e João Bosco entre outros, que irão se apresentar ao lado do pessoal do jongo da Serrinha, da Velha Guarda Show e da bateria nota 10 de Mestre Átila, considerada a melhor do carnaval carioca. O puxador oficial – Gonzaguinha – e o casal de mestre-sala e porta-bandeira também estarão presentes.

Muito mais do que dinheiro, eles pretendem arrecadar axé para essa reta final.

Eles são imperianos de fé.

Eu, como eles, não me canso de lutar pelo que há de mais bonito. Por isso estarei lá. Ao lado de meu pai, se os deuses assim permitirem.

Até.

11.1.08

O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE III

Leia O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE I aqui e O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE II aqui.

Zezinho está empenhado com a churrasqueira, a esquina vai ficando cada vez mais cheia, as horas vão passando, bebe-se industrialmente graças ao anúncio do seu Osório – “Pago tudo! Pago tudo!” – e a certa altura o Simas convoca seu Osório com um dobrar do dedo indicador.

O velho, já meio cambaleante, ajeita os óculos e se aproxima.

Simas faz um gesto com a mão direita como se, novamente manipulando uma capa imaginária, cobrisse aos dois.

- Joga no Waldomiro, seu Osório, pro jogo das dezoito.

- Hoje tem Loteria Federal, Simão... O sorteio é mais tarde... – brinca.

- Seu Osório... você entendeu, não entendeu? – disse falando ainda mais baixo.

- Entendi. Mas qual o bicho, putão?

- Burro.

Sai seu Osório e vai ao ponto novamente. Faz o jogo em silêncio e pede o segredo inviolável ao apontador que jamais – registre-se – descumpriu palavra.

Waldomiro, adicto em matéria de jogo, vê a cena e estrila:

- Jogou no quê, velho?

- Velho é a puta que te pariu, corno! – e gargalhou estrepitosamente, imitando seu mais novo companheiro.

E lá se foi o Waldomiro até a esquina seguinte fazer sua fezinha com o Venceslau, seu apontador preferido na área:

- Crava aí, Lau – a intimidade era uma novidade – Cavalo e vaca!

Jogo feito.

Banca forte.

Qual foi o bicho que deu?

Às oito e meia atravessa a rua o Fernando gritando:

- Burro, seu Osório! Deu burro na cabeça, seu Osório! Mais mil e oitocentos reais!!!!!

Houve uma grita geral.

Waldomiro saiu sem nem sequer se despedir ou mesmo agradecer a festa que seria para comemorar o batizado de Adriano Augusto.

E dessa vez foi o velho Osório que foi até o Simas de braços abertos devolver o abraço afetuoso daquela manhã.

Já bêbados, levemente bêbados, saíram dançando, os dois, ali, até que seu Osório disse:

- Me solta aí, putão! Pelo amor de Deus, que eu tenho um nome a zelar!

E o Simas, cravando a frase como um paralelepípedo na calçada:

- Eu não acredito em um deus que não dança, meu filho! Não acredito!

Estavam ainda rodopiando na calçada quando surgiu Gracinha, que riu muito quando viu o pai naquela situação. Cutucou o Sérgio, filho de seu vizinho, e perguntou:

- Quem é?

- Simas.

- É novo na área?

- É.

Quando a viu, seu Osório fez questão de chamá-la para perto:

- Ô, filhinha... Vem cá, vem... Quero te apresentar um amigo meu... – ah, as intimidades num buteco...

Gracinha chegou-se pra perto, guardou a mão esquerda do pai entre as suas, e disse:

- Papai... o senhor já bebeu demais, não?

- Bebi, filha. Bebi, sim. Mas é que estou feliz hoje... – e ajeitou os óculos para o momento que entendia solene.

Gracinha riu, piscando o olho para o Simas como a demonstrar sua preocupação com o estado do pai.

- Deixe-me apresentar a você, Gracinha... Simas... Um amigo! Um amigo! – e ficou repetindo isso.

Simas estendeu a mão em direção à filha do velho Osório. Tomou sua mão e beijou-a, respeitosa e repetidamente. E lhe disse, em seguida, baixinho, ao pé do ouvido:

- O menino ali se enganou, viu, filha? Não sou novo aqui na área, não... – e gargalhando dirigiu-se ao balcão para mais uma dose.

- O que ele lhe disse, filha? – perguntou seu Osório.

- Nada não, pai. Mas gostei dele, sabe?

- Eu também, filhinha, eu também... Sabe que eu tenho a impressão de que eu o conheço há muito tempo?

- Que bom, meu pai... Mas gostei mesmo. Gostei dele!

Eis que estaciona um carro vermelho diante da porta do Xodó. Abre-se a janela do motorista. E uma mulher, sem saltar, grita:

- Luiz Antônio! Luiz Antônio! Vamos?

Simas sai de lá de dentro, dá um adeus geral, abraça de novo o velho Osório e diz, dessa vez sem pretender segredo, para Gracinha:

- Também gosto d´ocê, viu, filha?

Ela não escondeu o espanto.

Espanto que foi infinitas vezes maior quando ele gritou, já entrando no carro:

- Seu Osório! Idinha vai bem! Idinha vai bem!

Foram, pai e filha, chorando para casa.

- Um bruxo, papai, esse Simas... – disse Gracinha quando entraram na sala.

Seu Osório, olhos cheios d´água, trôpego, de pé e tonto, fez festinha no retrato da saudosa companheira sobre o móvel da sala.

Os dois só notariam o copo americano com cachaça atrás da porta da entrada de casa no dia seguinte.

(final)

10.1.08

O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE II

Leia O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE I aqui.

Partiram os sete em direção ao Xodó. Vidal, atento, fez a observação:

- Estranho, isso, minha gente. Batizado coletivo não é cobrado... – e cofiou os cabelos grisalhos que o vento – finalmente um vento, uma brisa! – despenteava.

Os sete dobraram a esquina e Waldomiro saltou imediatamente de trás da porta da igreja. Atravessou a rua arfando, suado, a gravata já devidamente afrouxada. Foi ao apontador com o talão de apostas na mão.

- Deu o quê?

- 1996, veado na cabeça!

- Putaquemepariu! – gemeu Waldomiro.

- Acontece, chefe, acontece... Vai refazer o jogo pras dezoito?

- Vou não, vou não... – e tomou, atônito, o rumo do Xodó.

Quando os sete amigos estão se aproximando do Xodó, seu Osório está aos berros na esquina, voltando da banca do jogo, contando o maço de notas:

- A cerveja é por minha conta, porra! Pago tudo! Pago tudo!

- Ganhou no bicho, seu Osório? – perguntou Bule.

- Não, ô, imbecil! Assaltei seu caixa!

E neguinho rindo.

- Cravei centena e grupo na cabeça! Três mil, quatrocentos e cinqüenta reais, pôta! Deixei cem pratas com o Fernando Apontador e vou dar dez pro cento pro Simas! – e procurou pelo novo parceiro.

- Simas? O caboclo veio? – perguntou Bigode.

- Veio e veio quente! O palpite foi dele!

Simas a tudo assistia de dentro do bar, apoiado no balcão, bebericando mais uma dose de cachaça. Gritou de lá mesmo:

- Nada disso, filho! Nada disso! É teu, é tudo teu! – e deu de gargalhar – Paga a cerveja pro povo da rua que fica tudo certo...

Passam-se mais vinte minutos e dobra a esquina um cabisbaixo, ensebado, suado, amarrotado e visivelmente cansado Waldomiro.

Vê a confusão, fica sabendo do fato, intriga-se com a figura do Simas – arrepia-se, na verdade, ao ser apresentado a ele – mas isso não impede o cochicho pouco depois:

- Simas, qual seu palpite para o jogo das dezoito horas, hã? – pergunta nervoso, baixinho, ao pé do ouvido do cara.

Simas abre os braços, manipula uma capa imaginária, gargalha lançando aquele bafo quente da cachaça rente ao rosto do Waldomiro e grita:

- Não interessa, corno! Não interessa!

- Como é que tu sabe que o cara é corno? – é seu Osório que, rindo muito, pergunta.

Simas, estrepitando, nada diz.

(continua)

9.1.08

O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE I

O batizado foi aquela mixórdia.

Batizado coletivo, mais de vinte crianças, todas, sem exceção, com menos de seis meses de idade e uma única exceção: Adriano Augusto, filho de Waldomiro e Maria Rita. Cinco anos de idade, gordo puxando ao pai, quando chamado pelo padre ao pé da pia batismal, Bigode gritou, da primeira fila da igreja:

- Duvido que ele caiba na banheira!

Vidal deu nova cotovelada no porteiro de seu prédio.

Todos os olhares se voltaram para o Bigode que, envergonhado, pediu desculpa, ainda mais alto, tropeçando na própria língua, que já enrolava:

- Foi mal, gente. Com jeitinho ele entra, sim!

Maria Rita, de tanta vergonha, chorava copiosamente. Waldomiro, segurando a vela, fingia chorar num gesto raríssimo de solidariedade matrimonial, fungando falsamente, assoando imaginariamente o nariz na manga do paletó, deixando pingar cera da vela nos sapatos novos que comprara para a ocasião.

Adriano Augusto não disfarçava o incômodo com aquela situação, pateticamente deitado no colo da mãe que, por sua vez, não escondia de ninguém, bufando sem parar, que não estava mais agüentando o peso do garoto.

E assim, na mais perfeita desordem, transcorreu a cerimônia.

Um tumulto daqueles no altar, e Waldomiro fez questão de posar para umas fotografias com os amigos do bar, implorando ao padre que posasse entre eles. A fim de evitar mais tumulto, postou-se atrás da turbamulta.

- Padre...

- Sim, meu filho... – atendeu pacientemente ao chamado do Bigode.

- Não vai ter vinho que nem em dia de missa comum, não?

Vidal desferiu outro golpe no Bigode, desculpou-se com o pároco e fizeram, todos, o convite coletivo:

- Waldomiro! Maria Rita! Demais familiares! – Amorim era o porta-voz – A gente gostaria, muito humildemente, de convidar todos vocês prum churrasco lá no Xodó... Fizemos uma vaquinha – e Waldomiro olhou pro relógio tomando nota do palpite, vaca! – e compramos tudo. Só a bebida é que é paga por fora! Vamos?

Maria Rita deu um chilique, sem pudor:

- Churrasco em buteco pra comemorar o batizado do Adriano Augusto?

- Calma, meu amor... – Waldomiro tentando pôr panos quentes... – Eu não sabia de nada...

- Não sabia?

- Não!

- Melhor, então! Não vamos!

Houve um conclave familiar no estacionamento da igreja.

Os sete amigos aguardavam a decisão da família.

- Melhor mesmo... – resmungou Bigode – Sobra mais pra gente!

Vidal, concordando, poupou Bigode de mais um safanão.

Waldomiro vem caminhando em passos lentos e diz:

- Eu vou com vocês... Mas Maria Rita prefere ir para uma churrascaria rodízio... Os padrinhos vão pagar...

Ia dizer à mulher que ao menos se despedisse dos amigos, mas quando virou-se a mulher já estava dentro do carro dos padrinhos, que quase o atropelara, com Adriano Augusto em seu colo, no banco de trás, ao lado da mãe e do pai.

Fino, Waldomiro disse:

- Foda-se.

- O que é que tu falou, cavalo? – gritou Maria Rita.

- Cavalo? Eu? – e tomou nota mentalmente de mais um palpite, o segundo para o sorteio das dezoito horas.

O carro arrancou e Amorim disse:

- Vamos conosco, Waldomiro... Vamos a pé mesmo... Vamos?

- Que horas são? – perguntou Waldomiro.

- Duas e quarenta. Vamos ou não?

Não conseguiu disfarçar o nervosismo.

- Vão indo, vão indo! Tenho que pagar o padre.

E voltou, forjando a cena, para dentro da igreja.

(continua)

8.1.08

O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE III

Leia O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE I aqui e O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE II aqui.

Foram todos, sem exceção, a pé até a igreja. Saíram do Xodó faltando poucos minutos pras onze horas – “Pra dar tempo de ir parando no caminho...”, como sugeriu seu Osório – quando o sol já ia alto, quente, sem nuvem que pudesse lhe obstruir caminho.

Bule ficara com o dinheiro arrecadado pelo seu Osório, a fim de mandar o Zezinho no mercado mais próximo pra comprar as carnes, o carvão, o sal grosso.

Onze horas e já estavam na igreja, Waldomiro, Maria Rita, Adriano Augusto, os avós maternos – Waldomiro ficara órfão de pai e mãe antes dos doze anos, ao mesmo tempo, perdera os pais num acidente de carro ao qual ele, e apenas ele, sobrevivera – os padrinhos, todos tendo chegado cedo por recomendação do pároco.

- Batizado coletivo, ainda mais aqui na Vila, já viu, né? – disse o padre depois da entrevista de praxe com os pais do batizando.

Às onze e meia chega o Zezinho com as compras.

- Vai armando a churrasqueira, Zezinho! Quando for uma da tarde a gente acende o carvão.

Bule disse isso de costas pro balcão, lavando copos, talheres, quando virou-se ao perceber um cheiro diferente. Tomou violento susto ao dar de cara com o sujeito que pitava um charuto imenso diante de si.

- Si-Simas! – gaguejou Bule.

E qual assombração, gargalhando estrepitosamente, Simas apontou pra garrafa da mesma cachaça que bebera horas antes:

- Mais uma dose, filho. Faz esse favor, faz... – e tornou a gargalhar, baforando a espessa fumaça em direção ao teto.

Simas serviu-se e foi à calçada. Ficou observando o Zezinho montar a churrasqueira. Perguntou:

- Seu Osório... a que horas chega?

Naquele humor que lhe é peculiar, respondeu:

- Não sei. Depois do batizado. Umas duas, talvez.

Pararam em três butecos no caminho. Eis a comitiva: seu Osório, Quincas, Seis-com-Fome, Vidal, Bigode, Amorim e Sérgio – o novo protegido do velho (nota: para entender o porquê, leia aqui). O resto da patuléia preferira, e isso foi deliberadamente dito, esperar pelo churrasco.

Estavam entrando na igreja faltando pouco para o meio-dia.

E viram, da calçada musical, os braços aflitos do Waldomiro, dentro de um terno branco, acenando. Ele passou então a assoviar com os dois dedos mindinhos dentro da boca, num espetáculo patético na escadaria sacrossanta.

- Pôta, mas que vergonha... – disse seu Osório.

Disse isso e pôs a mão no peito. Amparou-se no portão da igreja.

- O que houve, seu Osório? – Vidal, aflito.

- O senhor está bem? – Sérgio, afoito.

- Vai morrer feito Pixinguinha dentro da igreja, meu velho? – Amorim sacaneando.

Seu Osório espanou a mão em sinal de “nada disso” e disse apenas:

- Uma pequena tonteira, porra! Saiam! Saiam! Saiam, porra!

O velho, por dentro, olhando em volta: mas que porra é essa? de onde vêm essas gargalhadas? e esse cheiro de charuto?

Waldomiro, já suado, e já completamente amarrotado – viera correndo socorrer o velho Osório – chegou-se:

- O que é que há, seu Osório?

E o Bigode respondeu:

- Ô, seu Waldomiro... O seu Osório bebeu foi rabo-de-galo demais da conta hoje de manhã! – e riu, dando uns tapinhas nas costas do velho.

Quando Waldomiro ouviu a palavra “galo” engoliu em seco. Havia sido chamado de “viado” por Maria Rita na noite da véspera. Já tinha palpite. E agora, cacete?, foi o que pensou quando disse:

- Bigodão, tu que é da área... Tu sabe onde tem ponto do bicho por aqui?

- Pôta, mas nem no dia do batizado do teu garoto...

- Justo por isso, seu Osório, justo por isso!

- E qual o palpite? – perguntou Bigode mostrando o apontador na calçada, do outro lado do boulevard.

- Gato! Gato! Como o pai! – e atravessou a rua como se fora um rinoceronte na savana.

Fez seu jogo. Dividido entre o galo e o veado, optou pela primeira opção. Era dia de batizado do filho, afinal. Antes um filho galinha, pensou enquanto pagava a aposta.

Seu Osório disse:

- Está quente demais. Deve ser isso. Vou voltar de táxi.

Nem esperou a opinião alheia. Tomou o primeiro amarelinho que passou:

- Toca pra esquina da rua dos Artistas com Ribeiro Guimarães, fazendo o favor. E desliga esse ar-condicionado, porra!

Salta o velho diante do Xodó.

Vê o Simas em pé, ao lado da churrasqueira, ao lado do Zezinho, charuto aceso – “era esse o cheiro, pôta!”, empalideceu seu Osório – e os braços abertos:

- Grande seu Osório! Grande seu Osório! – e deu de rir ruidoso, forte, demoradamente.

Seu Osório sentiu uma leve inquietação diante da figura, calvíssima, de brinco na orelha, guias no pescoço, baixo, barrigudo – como descrevera o Bule –, de chinelos, os olhos claros e semi-cerrados, mas não foi capaz de negar o abraço que não poderia mesmo ser negado, tamanha a receptividade do cara.

Seu Osório, pra não perder a pose e o rebolado, arrotou no ouvido do Simas, que em seguida beijou repetidas vezes a mão do velho. E disse, o Simas, baixinho em seu ouvido:

- Joga no veado, seu Osório. Joga no veado...

Seu Osório nada disse. Olhou com a testa franzida praquele tipo diante de si, atravessou a rua e fez o jogo.

Na volta, pediu uma cerveja ao Bule, e dois copos.

- Bebe comigo, putão? – disse o velho.

- Como sempre... – respondeu.

Bule mesmo os serviu.

Zezinho dava um jeito no carvão e começava a limpar as carnes.

Seu Osório, depois do primeiro gole e de outro arroto, ainda mais potente que o primeiro, disse:

- Acho que conheço você de algum canto, Simão... – chamou-o assim.

Simas nada disse. Tomou a garrafa das mãos do velho Osório, bebeu no gargalo, arrotou como ele, e disse, não sem antes despejar no chão o resto que sobrara na garrafa:

- Claro que sim, meu filho, claro que sim! – e trovejou, de tanto que ria.

(final)