28.1.08

BODAS DE ESTANHO

As histórias envolvendo meu pai têm feito tanto sucesso, mas tanto sucesso (rendem parcos comentários, mas uma quantidade impressionante de emails de leitores encantados com essa ímpar figura que é meu velho), que decidi prosseguir nas sendas das memórias de Isaac Goldenberg, que aparece, na fotografia abaixo, ao lado de mamãe, dias antes de meu nascimento, diante da casa de minha bisavó, numa vila na Rua Professor Gabizo, e peço a vocês especial atenção às chinelinhas de mamãe e à frasqueira em sua mão direita, símbolo máximo da maternidade na década de 60 nas bandas da Tijuca, sem falar na calça pescando-siri de papai e na ponta do maço de cigarros que aparece no bolso esquerdo de sua camisa.

Mariazinha Goldenberg (mamãe) e Isaac Goldenberg (papai), abril de 1969

Quero lhes contar, hoje, sobre a comemoração dos dez anos de casamento de meus pais, em 22 de maio de 1978.

Minha bisavó materna, Mathilde, e minha avó, Mathilde também (façam uma idéia do poder de persuasão das duas juntas), desde as comemorações natalinas de 1976, passaram a instigar papai:

- Já tem planos para as Bodas de Estanho, Isaac? - perguntava, com ares de aristocrata, minha bisavó.

Vovó emendava:

- Vê lá, hein, Isaac! Mariazinha é nossa única filha... não é, Milton?! - e alisava as mãos de meu avô, que, alisando o copo cheio de Teacher´s, concordava com a cabeça.

E minha bisavó, enlaçando de vez meu velho, fechava sempre essa rede de comentários, com a mesmíssima frase, em tom grave:

- Dez anos não são dez dias, meu filho... - e batia, de leve, com o leque fechado no ombro de meu pai, para fechar seu discurso perguntando - Compreende?

Papai dizia que sim, sem saída.

O fato é que papai não resistiu às investidas, e acabou certo de que a primeira década de união merecia uma comemoração à altura. Desde maio de 1977, um ano antes, portanto, que um belo percentual de seu salário da Petrobras (primeiro e único emprego de meu velho) era depositado numa caderneta de poupança visando o grande dia.

Quanto mais se aproximava a data, mais as velhas se tornavam inconvenientes:

- Isaac, e aí, meu filho? O que teremos no 22 de maio?

Papai, puto com o verbo na primeira pessoal do plural, respondia seco:

- Surpresa, dona Mathilde, surpresa...

A mais velha, inquieta:

- Mas haverá festa? Haverá?

- Surpresa, dona Mathilde, surpresa...

Quando passou o carnaval de 1978, papai tomou um ônibus para o Leblon (antes precisou tomar coragem) e fez uma reserva para o dia 22 de maio, uma segunda-feira, para duas pessoas, no Antiquarius, um sonho de consumo de mamãe, que até então conhecera, no ápice da escada gastronômica do casal, o La Mole e o Rincão Gaúcho.

Papai fez a reserva e, na saída, espiando o cardápio afixado na porta de entrada, fez as contas aproximadas do custo da noite. Deu um tapa na própria testa e não conseguiu evitar:

- Puta que pariu!!

Um dos manobristas:

- O que houve, senhor?

Papai, ainda atordoado:

- Nada, não...

E tomou o rumo de casa.

Tomou o rumo de casa, as semanas passaram, e papai só foi contar à mamãe o destino na noite do dia 22 de maio quando acordaram, na manhã daquela segunda-feira, com a campainha de casa estrilando. Eram minha vó e minha bisavó, com flores nas mãos e perguntas disparadas como tiros:

- E aí?! O que farão hoje?!

- Isaac, não vá decepcionar a Mariazinha!

Papai, semi-nu, no corredor que dava acesso à porta da entrada social do apartamento, num gesto truculento que hoje me orgulha, empurrou as duas pro corredor do sexto andar e gritou, acompanhando os passos da sogra e de sua mãe, pelo olho mágico:

- Tudo tem um limite, Mathildes! Porra!

De volta ao quarto, contou à mamãe o que fariam à noite, e mamãe foi singela:

- Meudi... Não tenho roupa, querido... Oh, o Leblon... Meudi, Meudi... - e ficou repetindo o apelido enquanto se penteava diante do espelho, treinando caras e bocas para o jantar zona-sul.

Eis que chega a noite.

Papai estaciona sua Variant diante do Antiquarius, entrega a chave ao manobrista e entra triunfante no salão com mamãe, ela deslumbradíssima, num vestido que pegou emprestado com a Dalila Geraldo, amiga de vovó, que tinha um guarda-roupa de primeira.

Sentam-se e vem à mesa o maître.

Papai, sem nem olhar o cardápio:

- Uma garrafa de Sidra e dois copos, magnífico.

Eis o detalhe inescapável. Papai sempre chamou os garçons desse jeito:

- Magnífico! Por favor...

O maître:

- Só temos champagne, senhor...

Papai bufou e disse:

- Pode ser.

O maître, sem afastar-se da mesa, estalou os dedos para um cumim, fez o pedido e serviu papai e mamãe em seguida.

Fizeram o brinde e papai sacou um cigarro do bolso. Foi quando o maître, ainda ali, estendeu o isqueiro dizendo, educamente:

- Senhor...

Papai olhou pro cara, deu nova bufada, mamãe perguntou:

- O que aconteceu, Meudi?

- Nada, nada...

Quando ia dizer alguma coisa à mamãe, o maître:

- Aceitam uma entrada, senhor?

Papai já perdendo a paciência:

- Ô, caralho...! Traz! Traz!

Novo estalar de dedos do maître para o cumim, mamãe pedindo calma à papai.

A idéia do meu velho era uma esticada num motel na avenida Niemeyer, mais uma surpresa que faria à mamãe. Tentava dizer isso a ela mas o maître não arredava o pé da mesa.

Mamãe ainda bebericava a primeira taça do champagne quando o papai mandava a terceira pra dentro. Não agüentou, deu um soco na mesa e perguntou:

- Porra, magnífico! Será que dá pra deixar eu conversar com a minha mulher, porra?!

O cara se desculpava, cheio de salamaleques, e meu pai não agüentou. Perguntou, já de pé, quanto devia pela bebida e pela entrada, o pobre do maître disse que não deviam nada, desculpou-se mais uma vez com o velho Isaac que, a essa altura, já estava entrando na Variant com mamãe, ligeiramente assustada:

- Vamos comer uma coisinha no motel mesmo, Pixuxa! Eu já tô que não me agüento mesmo - alisou os joelhos de minha mãe - e, convenhamos, eu não nasci pra essas coisas chiques demais, não, pô! Me perdoa, tá?

Mamãe, apaixonadíssima e com os olhos dando voltinhas, disse que sim.

Até.

6 comentários:

Anônimo disse...

Grande pai!

Uncle Bob disse...

Edu, pelos "causos" que você narra, não tenho dúvidas de que o seu velho é uma figura adorável!

Unknown disse...

Magnífico é muito bom!! heheheh Vou chamar o reitor de minha faculdade de garçom só pra ver no que dá. heheheheh.

Anônimo disse...

Edu querido!!
Leio sempre e nunca fiz nenhum comentário!!Mas como ADORO o casal,não pude resistir!!!
Você está se superando contando a estória dos dois!
Um grande beijo!!

Eugenia disse...

hahahahah!!!
hilário!!!
aliás, q casal bonito!!!

4rthur disse...

Edu, acho que as histórias do teu pai, conforme narradas por você, dariam um excelente segundo livro. Pense bem nisso: um livro repleto dessas histórias! E uma boa parte dele já está sendo escrita e trabalhada aqui.

Se rolar, será uma maravilha!!!