4.1.08

O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE I

A noite de sexta-feira, véspera do batizado de Adriano Augusto, filho temporão de Waldomiro e Maria Rita, fora tumultuada e por inúmeras razões. Waldomiro aparecera na quarta-feira, dois dias antes portanto, dando a notícia. Seu Osório, sempre ele, recebeu o convite coletivo e reclamou imediatamente após um arroto em lá maior:

- Convite verbal, Waldomiro? Mas que lamentável falta de elegância... A que horas é essa merda? – foi o que disse, sem sequer sombra de elegância e sutileza, o mais antigo freqüentador do pedaço.

- Acho que meio-dia... – respondeu.

- Pôta! Acha? Tu tá de sacanagem, Waldomiro! Acha?

Waldomiro, num gesto mecânico, como que atendendo à ordem do olhar imperativo e reprovador do velho Osório, tomou a direção do orelhão na esquina. Foi colocar os pés na rua e o arrasta-pé explodiu no balcão:

- O filho é dele, seu Osório?

A blague do Amorim foi o estopim para uma gargalhada coletiva.

- Alguém sabia da existência desse filho? – perguntou, sisudo, o velho.

Uma flanela gigantesca e imaginária abafou a grita.

E um murmurinho confuso tomou de assalto o buteco. Ninguém, eis a verdade, jamais soubera da existência da criança. O que não fazia, eis aí outra verdade, qualquer diferença na vida de quem quer que fosse.

Eis que adentra o buteco, voltando do orelhão, coçando a nuca e a testa com o cartão telefônico, um Waldomiro embebido em suor. O terno amarfanhado, como de praxe, a gravata de crochê, antiqüíssima, aquela quantidade absurda de anéis nos dedos das mãos, e vamos à cena repugnante.

Waldomiro, com cuidado, enxuga o suor da testa com as costas do cartão telefônico, leva-o à boca, lambe o líquido salgado, lambe os beiços, torna a lamber o cartão, enxuga-o na manga esquerda do paletó de linho branco e diz:

- Meio-dia.

Isso foi dito diante de uma expressão de asco de toda a assistência, resumida por um enojado seu Osório:

- Que porco, Waldomiro! Que porco! Vai ter festa depois?

- Infelizmente, não... Mas eu gostaria de contar com a presença dos amigos...

Seu Osório piscou um olho sem que Waldomiro visse, combinando alguma coisa.

Waldomiro, jogador dedicado, pediu licença:

- Minha gente, tenho que ir. Maria Rita e Adriano Augusto me esperam para o jantar...

- Quantos meses tem o puto, Waldomiro? – era seu Osório tentando matar a curiosidade evidente de todos.

- Cinco...

E emendou:

- ... anos.

- Cinco anos? Por que, seu puto velho, tu nunca disse um nada sobre o menino?

- E havia necessidade? Preciso ir!

Foi com essa resposta estranhíssima que partiu Waldomiro em direção à esquina do Siri. Fez o jogo, burro na cabeça, e tomou a direção de casa, no Grajaú.

Pediu ao motorista que não tivesse pressa.

Queria esperar o sorteio do jogo, Waldomiro levava uma fé inquebrantável nesses palpites que, como gás, bóiam pelos ares e que somente quem tem olhos de ver e ouvidor de ouvir – ele adora a imagem que criou – capta.

- Vou ficar no Largo do Verdun...

Foi deixado em frente a um buteco escolhido a esmo não sem antes queixar-se com o motorista:

- Destruíram o Largo do Verdun, não reconheço mais nada...

Telefonou de um orelhão usando o mesmo cartão com que fizera a repugnante toalete no Xodó. Avisou à mulher, Maria Rita, sobre seu pequeno atraso. Bebeu, sozinho e em silêncio, duas garrafas de cerveja. Quando avistou o apontador colando no poste em frente o resultado do jogo, com extrema calma, apenas aparente, pôs sobre o balcão uma nota que daria para pagar três cervejas sobrando troco. Disse:

- O troco é seu. Obrigado.

- Olha a caixinha gorda! – anunciou o rapaz.

- Gordo como o freguês... – foi a resposta do português, que não saíra do caixa um só segundo, mal humorado e impaciente.

Waldomiro ouviu.

Mas fez que não ouviu.

Foi lentamente ao poste.

Sorriu diante do resultado.

Voltou ao orelhão. Disse à mulher que demoraria mais uma meia-hora.

Tomou outro táxi:

- Rua dos Artistas com Almirante João Cândido Brasil, chefia!

Chegou em dez minutos. Pediu ao motorista que o aguardasse. Saltou do carro com dificuldade, arfando, caminhou paquidérmico em direção ao ponto do jogo do bicho, estendeu o bilhete para o Venceslau, que já sorria desde que vira o táxi parando na esquina, deu dois tapinhas em seu ombro, pediu silêncio com o indicador nos lábios espichando o nariz em direção ao Xodó, contou nota por nota, dezoito notas de cinqüenta reais, pôs uma delas no bolso do apontador, o resto do bolinho de notas no bolso do paletó, voltou ao táxi e disse apenas:

- De volta, chefia. Pro mesmo lugar.

Saltou diante do buteco, pediu ao motorista que o aguardasse mais uma vez, entrou triunfante – mesmo paquidérmico – e espalmou as duas mãos no balcão bem diante do português.

A assistência, que ouvira minutos antes o jocoso comentário do português, acompanhava aquela cena esperando o próximo lance.

Waldomiro pôs a mão no bolso em câmera lenta, olhos nos olhos do sujeito, puxou uma nota de cinqüenta reais, estendeu-a para o português e disse, depois de pedir silêncio, imitando o bom e velho Osório:

- Cinqüenta reais de cerveja por conta do gordo aqui! Cinqüenta reais por conta do balofo!

O português explodiu numa gargalhada, a assistência junto, e aplaudiram Waldomiro, que saiu do buteco dando adeus sem nem olhar pra trás.

Entrou no táxi, deu a direção ao motorista, saltou diante de casa, o taxímetro marcando pouco mais de trinta reais, estendeu a terceira nota de cinqüenta reais e disse:

- O troco é seu, chefia! Obrigado pela paciência...

- Ô, doutor... Não precisava...

Waldomiro já estava do lado do fora, deu duas batidinhas na janela do carona quando fechou a porta, viu o táxi partir, olhou pro relógio, quase onze da noite. Subiu os nove andares pensando no que diria à mulher.

Não disse nada.

Maria Rita já dormia, Adriano Augusto também.

Tirou o terno pacientemente, pôs o bolinho de notas na mesinha de cabeceira, com extremíssima dificuldade tirou os sapatos, as meias, e sem tomar banho, para não fazer barulho, deitou-se nu ao lado de Maria Rita.

- Isso são horas, viado?

- Ô, amorzinho...

E mais não disseram.

Mas Waldomiro já sabia. Jogaria no 24 no dia seguinte.

(continua)

5 comentários:

Anônimo disse...

Quando vem a segunda parte???

Eduardo Goldenberg disse...

Segunda-feira, querida!

gigi disse...

adorei. foda. carioquíssimo.

Anônimo disse...

que beleza o osório de novo na área. se derrubar é pênalti!

4rthur disse...

o largo do Verdun tá mesmo muito mudado.