8.1.08

O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE III

Leia O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE I aqui e O BATIZADO DO FILHO DO WALDOMIRO - PARTE II aqui.

Foram todos, sem exceção, a pé até a igreja. Saíram do Xodó faltando poucos minutos pras onze horas – “Pra dar tempo de ir parando no caminho...”, como sugeriu seu Osório – quando o sol já ia alto, quente, sem nuvem que pudesse lhe obstruir caminho.

Bule ficara com o dinheiro arrecadado pelo seu Osório, a fim de mandar o Zezinho no mercado mais próximo pra comprar as carnes, o carvão, o sal grosso.

Onze horas e já estavam na igreja, Waldomiro, Maria Rita, Adriano Augusto, os avós maternos – Waldomiro ficara órfão de pai e mãe antes dos doze anos, ao mesmo tempo, perdera os pais num acidente de carro ao qual ele, e apenas ele, sobrevivera – os padrinhos, todos tendo chegado cedo por recomendação do pároco.

- Batizado coletivo, ainda mais aqui na Vila, já viu, né? – disse o padre depois da entrevista de praxe com os pais do batizando.

Às onze e meia chega o Zezinho com as compras.

- Vai armando a churrasqueira, Zezinho! Quando for uma da tarde a gente acende o carvão.

Bule disse isso de costas pro balcão, lavando copos, talheres, quando virou-se ao perceber um cheiro diferente. Tomou violento susto ao dar de cara com o sujeito que pitava um charuto imenso diante de si.

- Si-Simas! – gaguejou Bule.

E qual assombração, gargalhando estrepitosamente, Simas apontou pra garrafa da mesma cachaça que bebera horas antes:

- Mais uma dose, filho. Faz esse favor, faz... – e tornou a gargalhar, baforando a espessa fumaça em direção ao teto.

Simas serviu-se e foi à calçada. Ficou observando o Zezinho montar a churrasqueira. Perguntou:

- Seu Osório... a que horas chega?

Naquele humor que lhe é peculiar, respondeu:

- Não sei. Depois do batizado. Umas duas, talvez.

Pararam em três butecos no caminho. Eis a comitiva: seu Osório, Quincas, Seis-com-Fome, Vidal, Bigode, Amorim e Sérgio – o novo protegido do velho (nota: para entender o porquê, leia aqui). O resto da patuléia preferira, e isso foi deliberadamente dito, esperar pelo churrasco.

Estavam entrando na igreja faltando pouco para o meio-dia.

E viram, da calçada musical, os braços aflitos do Waldomiro, dentro de um terno branco, acenando. Ele passou então a assoviar com os dois dedos mindinhos dentro da boca, num espetáculo patético na escadaria sacrossanta.

- Pôta, mas que vergonha... – disse seu Osório.

Disse isso e pôs a mão no peito. Amparou-se no portão da igreja.

- O que houve, seu Osório? – Vidal, aflito.

- O senhor está bem? – Sérgio, afoito.

- Vai morrer feito Pixinguinha dentro da igreja, meu velho? – Amorim sacaneando.

Seu Osório espanou a mão em sinal de “nada disso” e disse apenas:

- Uma pequena tonteira, porra! Saiam! Saiam! Saiam, porra!

O velho, por dentro, olhando em volta: mas que porra é essa? de onde vêm essas gargalhadas? e esse cheiro de charuto?

Waldomiro, já suado, e já completamente amarrotado – viera correndo socorrer o velho Osório – chegou-se:

- O que é que há, seu Osório?

E o Bigode respondeu:

- Ô, seu Waldomiro... O seu Osório bebeu foi rabo-de-galo demais da conta hoje de manhã! – e riu, dando uns tapinhas nas costas do velho.

Quando Waldomiro ouviu a palavra “galo” engoliu em seco. Havia sido chamado de “viado” por Maria Rita na noite da véspera. Já tinha palpite. E agora, cacete?, foi o que pensou quando disse:

- Bigodão, tu que é da área... Tu sabe onde tem ponto do bicho por aqui?

- Pôta, mas nem no dia do batizado do teu garoto...

- Justo por isso, seu Osório, justo por isso!

- E qual o palpite? – perguntou Bigode mostrando o apontador na calçada, do outro lado do boulevard.

- Gato! Gato! Como o pai! – e atravessou a rua como se fora um rinoceronte na savana.

Fez seu jogo. Dividido entre o galo e o veado, optou pela primeira opção. Era dia de batizado do filho, afinal. Antes um filho galinha, pensou enquanto pagava a aposta.

Seu Osório disse:

- Está quente demais. Deve ser isso. Vou voltar de táxi.

Nem esperou a opinião alheia. Tomou o primeiro amarelinho que passou:

- Toca pra esquina da rua dos Artistas com Ribeiro Guimarães, fazendo o favor. E desliga esse ar-condicionado, porra!

Salta o velho diante do Xodó.

Vê o Simas em pé, ao lado da churrasqueira, ao lado do Zezinho, charuto aceso – “era esse o cheiro, pôta!”, empalideceu seu Osório – e os braços abertos:

- Grande seu Osório! Grande seu Osório! – e deu de rir ruidoso, forte, demoradamente.

Seu Osório sentiu uma leve inquietação diante da figura, calvíssima, de brinco na orelha, guias no pescoço, baixo, barrigudo – como descrevera o Bule –, de chinelos, os olhos claros e semi-cerrados, mas não foi capaz de negar o abraço que não poderia mesmo ser negado, tamanha a receptividade do cara.

Seu Osório, pra não perder a pose e o rebolado, arrotou no ouvido do Simas, que em seguida beijou repetidas vezes a mão do velho. E disse, o Simas, baixinho em seu ouvido:

- Joga no veado, seu Osório. Joga no veado...

Seu Osório nada disse. Olhou com a testa franzida praquele tipo diante de si, atravessou a rua e fez o jogo.

Na volta, pediu uma cerveja ao Bule, e dois copos.

- Bebe comigo, putão? – disse o velho.

- Como sempre... – respondeu.

Bule mesmo os serviu.

Zezinho dava um jeito no carvão e começava a limpar as carnes.

Seu Osório, depois do primeiro gole e de outro arroto, ainda mais potente que o primeiro, disse:

- Acho que conheço você de algum canto, Simão... – chamou-o assim.

Simas nada disse. Tomou a garrafa das mãos do velho Osório, bebeu no gargalo, arrotou como ele, e disse, não sem antes despejar no chão o resto que sobrara na garrafa:

- Claro que sim, meu filho, claro que sim! – e trovejou, de tanto que ria.

(final)

4 comentários:

4rthur disse...

Texto delicioso, Edu. Trouxe-me as lembranças das histórias do Meu Lar é o Botequim.

Salve seu Osório!

Salve Simão!

Grande abraço.

Eduardo Goldenberg disse...

Valeu, 4rthur, obrigadíssimo pelo imerecido elogio, você é suspeito. Amanhã tem mais, camarada, amanhã tem a história do churrasco. Aguarde! Forte abraço.

David da Silva disse...

Eduardo!
Não foi à toa que, por intermédio do teu blog, descobrí a caverna internética do meu sempre idolatrado (profanamente, é claro!) Aldir. Siga firme nas trilhas do citado mestre, do Afonso Henriques, e do João Antônio. Teu texto os honra.
Curtí pra cacête!!!

Eduardo Goldenberg disse...

Valeu, David, tirante o evidente exagero... obrigadíssimo! Abração.