11.1.08

O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE III

Leia O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE I aqui e O CHURRASCO DO BATIZADO - PARTE II aqui.

Zezinho está empenhado com a churrasqueira, a esquina vai ficando cada vez mais cheia, as horas vão passando, bebe-se industrialmente graças ao anúncio do seu Osório – “Pago tudo! Pago tudo!” – e a certa altura o Simas convoca seu Osório com um dobrar do dedo indicador.

O velho, já meio cambaleante, ajeita os óculos e se aproxima.

Simas faz um gesto com a mão direita como se, novamente manipulando uma capa imaginária, cobrisse aos dois.

- Joga no Waldomiro, seu Osório, pro jogo das dezoito.

- Hoje tem Loteria Federal, Simão... O sorteio é mais tarde... – brinca.

- Seu Osório... você entendeu, não entendeu? – disse falando ainda mais baixo.

- Entendi. Mas qual o bicho, putão?

- Burro.

Sai seu Osório e vai ao ponto novamente. Faz o jogo em silêncio e pede o segredo inviolável ao apontador que jamais – registre-se – descumpriu palavra.

Waldomiro, adicto em matéria de jogo, vê a cena e estrila:

- Jogou no quê, velho?

- Velho é a puta que te pariu, corno! – e gargalhou estrepitosamente, imitando seu mais novo companheiro.

E lá se foi o Waldomiro até a esquina seguinte fazer sua fezinha com o Venceslau, seu apontador preferido na área:

- Crava aí, Lau – a intimidade era uma novidade – Cavalo e vaca!

Jogo feito.

Banca forte.

Qual foi o bicho que deu?

Às oito e meia atravessa a rua o Fernando gritando:

- Burro, seu Osório! Deu burro na cabeça, seu Osório! Mais mil e oitocentos reais!!!!!

Houve uma grita geral.

Waldomiro saiu sem nem sequer se despedir ou mesmo agradecer a festa que seria para comemorar o batizado de Adriano Augusto.

E dessa vez foi o velho Osório que foi até o Simas de braços abertos devolver o abraço afetuoso daquela manhã.

Já bêbados, levemente bêbados, saíram dançando, os dois, ali, até que seu Osório disse:

- Me solta aí, putão! Pelo amor de Deus, que eu tenho um nome a zelar!

E o Simas, cravando a frase como um paralelepípedo na calçada:

- Eu não acredito em um deus que não dança, meu filho! Não acredito!

Estavam ainda rodopiando na calçada quando surgiu Gracinha, que riu muito quando viu o pai naquela situação. Cutucou o Sérgio, filho de seu vizinho, e perguntou:

- Quem é?

- Simas.

- É novo na área?

- É.

Quando a viu, seu Osório fez questão de chamá-la para perto:

- Ô, filhinha... Vem cá, vem... Quero te apresentar um amigo meu... – ah, as intimidades num buteco...

Gracinha chegou-se pra perto, guardou a mão esquerda do pai entre as suas, e disse:

- Papai... o senhor já bebeu demais, não?

- Bebi, filha. Bebi, sim. Mas é que estou feliz hoje... – e ajeitou os óculos para o momento que entendia solene.

Gracinha riu, piscando o olho para o Simas como a demonstrar sua preocupação com o estado do pai.

- Deixe-me apresentar a você, Gracinha... Simas... Um amigo! Um amigo! – e ficou repetindo isso.

Simas estendeu a mão em direção à filha do velho Osório. Tomou sua mão e beijou-a, respeitosa e repetidamente. E lhe disse, em seguida, baixinho, ao pé do ouvido:

- O menino ali se enganou, viu, filha? Não sou novo aqui na área, não... – e gargalhando dirigiu-se ao balcão para mais uma dose.

- O que ele lhe disse, filha? – perguntou seu Osório.

- Nada não, pai. Mas gostei dele, sabe?

- Eu também, filhinha, eu também... Sabe que eu tenho a impressão de que eu o conheço há muito tempo?

- Que bom, meu pai... Mas gostei mesmo. Gostei dele!

Eis que estaciona um carro vermelho diante da porta do Xodó. Abre-se a janela do motorista. E uma mulher, sem saltar, grita:

- Luiz Antônio! Luiz Antônio! Vamos?

Simas sai de lá de dentro, dá um adeus geral, abraça de novo o velho Osório e diz, dessa vez sem pretender segredo, para Gracinha:

- Também gosto d´ocê, viu, filha?

Ela não escondeu o espanto.

Espanto que foi infinitas vezes maior quando ele gritou, já entrando no carro:

- Seu Osório! Idinha vai bem! Idinha vai bem!

Foram, pai e filha, chorando para casa.

- Um bruxo, papai, esse Simas... – disse Gracinha quando entraram na sala.

Seu Osório, olhos cheios d´água, trôpego, de pé e tonto, fez festinha no retrato da saudosa companheira sobre o móvel da sala.

Os dois só notariam o copo americano com cachaça atrás da porta da entrada de casa no dia seguinte.

(final)

2 comentários:

4rthur disse...

Comovente final. E bela entrada do Professor no rol dos personagens daquela movimentada esquina da... Tijuca? Vila Isabel? Aldeia Campista? Pra tirar a dúvida, só recorrendo ao livro.

Abraço e saúde!

Anônimo disse...

Bonita história. Parabéns!