26.4.08

PÂNICO NO JARDIM BOTÂNICO

Ontem, sexta-feira, graças a compromissos profissionais (uma audiência às 14h30min no Juizado Especial Cível, na Rua J. Carlos, no Jardim Botânico), fui convidado por minha cliente para um almoço no qual conversaríamos sobre as nuanças do processo, planos de ação no curso da audiência etc etc etc. Ela ficou - o convite partiu no final da tarde de quinta-feira - de me bater o telefone na sexta-feira pela manhã para combinarmos o restaurante (eu torcia, no meu íntimo, pelo Filé de Ouro).

Eis que na sexta pela manhã, conforme o combinado, estrila meu telefone:

- Podemos nos encontrar às 13h na esquina da Alexandre Ferreira com a Maria Angélica? - disse-me ela.

Diante da incongruência entre o endereço do Filé de Ouro e o fornecido, desanimei. Esfregando o lenço na testa suada (suo cada vez mais), fingindo estar achando tudo ótimo, perguntei:

- Qual o restaurante?

Quando ela disse o nome, em tom blasè, - Gula Gula - eu tossi de nervoso. Pensei na minha reputação, pensei no meu corpinho moldado à base de torresmo e cerveja, pernil e maracujá, salaminho e uísque, meus cotovelos calejados nos balcões mais simplórios, meus pés que deixam marcas na marola de água e sabão nos finais de noite do Rio-Brasília, todos eles lá, num restaurante grã-fino na zona sul da cidade... Mas fazer o quê? Trabalho é trabalho, prossegui refletindo no percurso dentro do táxi, tamborilando os dedos sobre a pasta em meu colo, eu no banco da frente, até que chegamos. Paguei a corrida, pedi o recibo, e não avistando minha cliente, bati o celular pra ela:

- Vou entrando, o.k.?

Seguramente eu estava audivelmente tenso. Eis sua resposta:

- Tudo bem?

- Arrã.

- O.K., então. Encontro você no restaurante...

Entrei. Três moças lindas abriram a porta pra mim.

- Quantos lugares, senhor?

- Dois - disse, desacostumado a esse excesso de atenção.

Sentei-me e uma quarta moça, lindíssima, estendeu-me três cardápios (carta de vinhos, cardápio de bebidas em geral e cardápio comum). Agradeci e fiz, dos três, uma espécie de biombo para não ser visto.

Um troço me martelava a cabeça... E se algum de meus poucos mas fiéis leitores me flagrar justo aqui?! O que dirá? O que ME dirá? O que pensará a meu respeito? Estava eu divagando quando aproximou-se um homem - o maître - e perguntou:

- Algum problema, senhor?

De dentro de minha fortaleza de cartolina eu disse que não. Foi quando chegou minha cliente.

Ela estranhou um pouco - confesso - a formação da espécie de quebra-vento que construí diante de mim. Foi solícita:

- Quer escolher?

- Faz-me um favor?

- Claro!

- Escolha tudo. Pelo amor de Deus.

- Está tudo bem, Eduardo?

- Arrã.

Ela fez os pedidos - suco de abacaxi com hortelã para mim, água com gás para ela e duas quiches de espinafre com queijo com uma salada de frango ao pesto.

E eu preocupadíssimo.

Ela não agüentou e perguntou:

- Por que esses cardápios à sua frente?! Mal consigo vê-lo!

- Não posso com golpe de ar! Golpe de ar me faz muito mal!

Foi quando - para meu absoluto desespero - vi entrando um leitor do BUTECO. Um querido, um elegante, um sóbrio, um ponderado, é verdade, mas o choque foi mais forte que tudo. Helion Póvoa (veja-o aqui ao lado do Nando e do Rodrigo Ferrari) aproximava-se de mim, com a mão já estendida - é um lorde, o Helion! - mas eu via, em seu sorriso simpático, o escárnio, o deboche, a troça, a caçoada, o menosprezo pelo meu caráter e por minhas opiniões.

O cumprimentei, apresentei-o à minha cliente, e fui patético:

- Olá, Helion! Sabes que eu ODEIO o Gula Gula, né?

Ele, sempre ponderadíssimo, apenas balançou a cabeça. Eu prossegui:

- Minha cliente escolheu essa merda, fazer o quê? - e ria dando tapinhas em seu braço.

Ela estava em choque.

- E isso aqui não é suco, não! Tem um quentinho dentro, um quentinho dentro!

Esses troços que, agora, me envergonham solenemente.

Vejam vocês... Eu dou a sorte de encontrar, naquela situação para mim desconfortável, um homem sem mancha, um homem educado e incapaz de uma grosseria, uma inconfidência que seja, e nem assim mantenho o controle.

Notem vocês que o Helion Póvoa Neto é, dentre os queridos e caríssimos que me cercam, aquele que mais carrega títulos e qualificações, saber e conhecimento. Ele tem graduação em Geografia (licenciatura e Bacharelado!) pela PUC/RJ, mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela USP. Realizou Estágio Pós-Doutoral em 2003, como bolsista Capes, no Centro Studi Emigrazione Roma e no Scalabrinian International Migration Institute em Roma, Itália. Atualmente é professor adjunto do IPPUR-UFRJ. Coordena, na UFRJ, o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM), e é cadastrado Grupo de Pesquisa junto ao CNPq, do qual é líder. É membro da Comissão Editorial dos Cadernos IPPUR (UFRJ), do Conselho Editorial da Travessia e da Revista do Migrante (Centro de Estudos Migratórios - SP). Ou seja... do homem, de Helio Póvoa Neto, goteja sabedoria. E eu, poltrão, com medo e vergonha por ter sido descoberto justo por ele!

Tivesse eu encontrado um dedo-duro, um canalha, um indiscreto, um sacana, um simples sacana, e já estaria justificado meu pânico.

Mas encontrar o Helion, não.

Foi verificar que era ele, foi perceber que escorriam por baixo das bainhas de suas calças, lubrificando seus sapatos, o seu saber, a sua sabedoria, o seu conhecimento e a sua densidade intelectual, foi apertar suas mãos aindas sujas de giz e olhar dentro de seus olhos capazes de transmitir aquela tranqüilidade que só os intelectuais acadêmicos têm, que fiquei calmo.

A ponto de pedir chá de camomila, no final do almoço, comendo, ainda, sem medo de ser visto, uns biscoitinhos de canela parecidíssimos com perfex.

E ainda fui cumprimentá-lo ao sair, calmíssimo.

Até.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimo Edu,

Os tantos títulos e qualificações que você despeja sobre mim foram certamente copiados, à sorrelfa, de um treco chamado currículo lattes (au, au!), o qual todos nós que lidamos com pesquisa na universidade somos obrigados a manter atualizado e completo.

Só que, de tal coleção vazia de títulos, não consta o que mais definiria para mim a sabedoria, ou tentativa de. Significa não avaliar um homem por coisas comezinhas, menores. Mesmo quando as coisas comezinhas são as quiches de espinafre com queijo que você com tanto gosto saboreava ontem. Assim, fique tranqüilo, que não havia de minha parte nem uma pitada de escárnio.

Fique tranqüilo também pois não será por mim julgado – e saberei manter a necessária discrição – no dia em que o vir, de óculos, bigode, e nariz falso – a degustar uma empadinha com chope no Belmonte. Pois eu aprendi, ou venho aprendendo, a valorizar as coisas que mais importam numa pessoa. Que pairam bem acima de zonas norte e sul, das quiches, do torresmo e da moela.

E, exatamente por saber valorizar essas coisas, mando desde hoje (pois dificilmente poderei ir à sua comemoração) o abraço forte de quem aprendeu a te respeitar e estimar.

Helion

4rthur disse...

eu ia te sacanear dizendo que você recorreu ao currículo lattes do Helion para escrever o texto, e morri de rir ao ver que o próprio já havia feito isso.

Fico só imaginando a graça de ver você suando frio no Gula Gula... mas a empadinha tava ruim mesmo?

Eduardo Goldenberg disse...

Não, Arthur, estava ótima a comida do Gula Gula (quiche de espinafre com salada de frango ao pesto)... Não comi empada, não!

E o Helion, meu caro, não apenas fez menção ao currículo... mas pespegou-me o maior foralhaço que já recebi, publicamente, aqui no balcão.

Um fora, confesso, acachapante.

Bem feito pra mim.