30.6.08

PAINEL DE LEITORES - IV

Thaís Pacheco e Marcelo Miranda, Guarulhos, estado de São Paulo... Número 04 para o sorteio do livro... PARTICIPE!!!

28.6.08

PAINEL DE LEITORES - III

Rodrigo Medina, São Paulo, estado de São Paulo... Número 03 para o sorteio do livro... PARTICIPE!!!

8.6.08

OS LEITORES NOS ROTEIROS - I

Meus pais, amados, foram os primeiros a enviar fotos de um de meus roteiros. Abaixo, o relato deles e as fotografias. Lembro, antes que alguém reclame!, que eles mesmos abriram mão do livro, prêmio por conta da primeira fotografia enviada do letreiro do Grapette!

Padaria Trigus na rua Mariz e Barros esquina com Ibituruna, Tijuca, Rio de Janeiro
Edifício Aymoré na rua Lúcio de Mendonça, Tijuca, Rio de Janeiro
barraca de pastel na feira da rua Vicente Licínio, Tijuca, Rio de Janeiro
letreiro do Grapette do Café e Bar Londres, na rua São Francisco Xavier esquina com General Canabarro, Tijuca, Rio de Janeiro


Eis o relato deles:

"Hoje os papéis se invertem e a sugestão do filho é cumprida com todo o rigor. Saímos de casa cedo para cobrirmos a reportagem; o céu encoberto por forte neblina anunciava o forte sol que chegou, de fato, lá pelas 9 horas da manhã. Máquina a tiracolo, como dois turistas, e uma fome canina em busca da TRIGUS e da DOCE ACÁCIA que, afinal, não encontramos no local indicado por você... voltamos à TRIGUS, não sem antes fotografar o belo EDIFÍCIO AYMORÉ, na esquina da Benevenuto Berna.

Na volta, passamos pela Gonçalves Crespo e em seguida pela feira que ainda estava relativamente vazia. Registramos a barraca do que você chama de melhor pastel do mundo, e ficamos na TRIGUS (antigo Regina de bons sundaes e ice cream soda e programa certo para depois do cinema).

A padaria estava LLLOOOTTTAAADDDAAA!! Seu pai, impaciente, nem disfarçou a surpresa. Estava uma muvuca por conta de provas nas redondezas. Gente saindo pelo ladrão! Um café da manhã agitado mas saboroso... pão sem bromato, suco de laranja feito na hora e a missão que nos propusemos a registrar o evento estava cumprida.

Ah, ainda faltava fotografar a placa do GRAPETTE - rumamos para a São Francisco Xavier e demos, felizes, os cliques finais, cumprindo à risca o roteiro.

Vale confessar que fizemos o trajeto de carro porque ainda nos restava caminhar pela FLORESTA DA TIJUCA e chegar em casa a tempo de ver a partida final de Roland Garros.

Tudo planejado e cumprido!!! Tudo o que seu mestre mandar!!! Faremos todos!!!

Beijos...... Maria e Isaac."


PARTICIPE!!!

PAINEL DE LEITORES - II

Cláudio Menezes, Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro... Número 02 para o sorteio do livro... PARTICIPE!!!

Cláudio Menezes, leitor do BUTECO de Volta Redonda, RJ

PAINEL DE LEITORES - I

Inês, Boston, Estados Unidos da América... Número 01 para o sorteio do livro... PARTICIPE!!!

Inês, leitora do BUTECO, de Boston, nos Estados Unidos

6.6.08

PROSSEGUINDO COM A REFORMA

(ou ANÚNCIO DE BREVE RECESSO)
(ou PRIMEIRA PROMOÇÃO DESDE A INAUGURAÇÃO DO BUTECO)
(ou ainda APAREÇA NO BALCÃO DURANTE O RECESSO DE JUNHO)


O BUTECO abre hoje, sexta-feira, para anunciar, primeiramente, que vamos baixar as portas de aço do estabelecimento (eram de ferro, as tais portas, mas foram trocadas por portas de aço na última etapa da reforma do bar!) até o final do mês de junho. E não, meus poucos mas fiéis leitores, não me passa pela cabeça, em absoluto, tomar a decisão (pensada e repensada, diga-se) que tomou meu querido Bruno Ribeiro, que fechou o PÁTRIA FUTEBOL CLUBE (aqui) para abrir, concomitantemente, o BOTEQUIM DO BRUNO (aqui). Nada disso. O BUTECO ficará fechado por um tempo, apenas - é o que francamente espero, eis que nenhum de nós pode, é claro, garantir o que será o dia de amanhã.

Eu, há algumas semanas, comuniquei a vocês, numa prova fideidigna de respeito para com todos os que passam por aqui (o mesmo respeito que teve o meu querido mano de Campinas quando mudou-se para melhor atender a freguesia!), diariamente ou não, que o BUTECO passaria por ampla reforma - foi no texto EM REFORMA, de 07 de maio de 2008 (aqui).

Essa ampla reforma, os que têm olhos de ver, notaram!, representou uma guinada de 180 graus no que diz respeito à condução da conversa de dentro para fora do balcão - eis aí o ponto nodal da reforma do bar que acabou por influenciar, também, os freqüentadores, que passaram a falar mais e a participar mais.

Só que agora, meus poucos mas fiéis leitores, é necessário um descanso.

O BUTECO, aberto em março de 2004, tem 965 postagens. De alguns anos para cá - quem me acompanha há tempos sabe disso - a freqüência de textos é praticamente diária, muitas vezes com o bar sendo aberto aos sábados, domingos e feriados, e algumas vezes, ainda, com mais de um texto por dia.

Não vou repetir, aqui, o que já disse dezenas de vezes, mas farei breve menção à coisa: são quase 500 acessos por dia, perto de 12, 13 mil acessos ao mês; depois da reforma, então, a presença de leitores e freqüentadores à vontade diante do balcão imaginário passou a ser ainda maior (como mencionei, rapidamente, acima); fiz amigos graças ao BUTECO, conheci muita gente bacana e muita gente bacana a quem sequer conheço já faz parte de meu dia-a-dia, gente que me escreve, que comenta, que palpita, que dá vida a isso aqui.

Mas é chegada a hora, definitivamente, de um descanso. Descansar a cabeça, rever a condução da coisa, para voltar com carga total e com a reforma terminada.

Evidentemente que vou continuar atualizando os comentários, se algum comentário houver - e respondendo a cada um deles, como passei a fazer (eis outra faceta da reforma que imprimi ao blog) com a rigidez de um jesuíta. Mas não esperem, pelo menos até 30 de junho (eis o limite das férias que me dei!), qualquer novidade por aqui. Não esperem mesmo. Não vou descumprir a palavra ora empenhada. A bolsa de valores vai disparar, ou despencar, há de ser inaugurado mais um buteco na Tijuca, meu irmão Szegeri fará anos em junho, o inverno há de se fazer presente e fará frio no Rio de Janeiro, vai haver frente fria, mar revolto, o Fluminense encarará seu adversário pela primeira partida da final da Libertadores - tudo isso em junho, e nada disso capaz de me tirar do merecido descanso.

Uma última palavra: se por acaso alguém realmente tiver disposição de enfrentar um dos cinco roteiros de passeios pela Tijuca que propus (o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto), peço um favor: ou me escrevam contando como foi (por aqui) ou deixem um comentário no respectivo texto.

Foi uma experiência interessantíssima escrevê-los e será um prazer do tamanho da Tijuca saber o que vocês acharam do passeio que fizeram. Fico, daqui, a imaginar coisas... Algum leitor esbarrará mesmo com a Dona Olívia durante o passeio pela Praça Xavier de Brito, como sugeri? Se alguém esbarrar com ela - por favor!, por favor! - tire uma foto e me mande!!!!! Algum leitor aceitará a sugestão para uma barba, cabelo ou bigode no Seu Ernesto? Alguém topará o almoço de domingo no Huan Lian? Alguém provará dos pastéis da feira da Vicente Licínio? Alguém irá encarar um café da manhã ou na Trigus ou na Doce Acássia? E o almoço, ou o jantar, no Fiorino? Alguém? Alguém se interessará pela cozinha do Mitsuba? Quem irá conhecer o Edifício Aymoré na esquina da Lúcio de Mendonça com a Benevenuto Berna? Ou o Edifício Moutinho, durante o trajeto para o Bode Cheiroso? E quem irá provar das lingüiças artesanais do Otto? E quem irá beber cerveja de manhã no Aconchego Carioca? E mais, e mais, e mais, e mais... Os cinco roteiros estão cheios de dicas...

Acabo de ter uma idéia e quero me comprometer com uma coisa (se eu não receber uma única foto que seja serei, em julho, um frustrado, um triste, um cabisbaixo, um homem arrasado): mande-me por email (aqui) uma foto sua, ou sua com seu marido, com sua mulher, com seu namorado, sua namorada, seus amigos, vizinhos, seus pais, avós, filhos, filhas, afilhados, papagaio etc durante um dos cinco passeios. Junto com a foto, conte suas impressões sobre a Tijuca e sobre minhas dicas. Prometo publicar, e mesmo durante o mês de recesso! Pronto. Não vou queimar a mufa com textos, não direi um "oba", um "olá" que seja, mas mantenho o blog atualizado com as aventuras tijucanas de meus leitores! Ótima idéia!

(penso enquanto escrevo)

E se você mora longe, em Portugal, em Brasília, em Buenos Aires, em Boston, em Houston, em Natal, em São Paulo, em Campinas, em Belém (lugares onde sei que tenho quem me leia!), mande - se quiser, é claro - uma fotografia com o BUTECO aberto, ao fundo, na tela de seu computador. Publicarei também! Também por email, aqui.

E outra idéia: quem me mandar a PRIMEIRA foto (serei justo, prometo!) do letreiro oval do Grapette (num dos roteiros eu falo sobre ele!!!!!), que fica num buteco na Tijuca (vá atrás da informação, pô!) - e é preciso que o leitor apareça na fotografia também!!!!! - ganha, de presente, um livro meu - MEU LAR É O BOTEQUIM - devidamente autografado. A autorização para publicação da fotografia é expressa e manifestada com o simples envio da mesma, por email, aqui.

Quem participar, com foto, de qualquer outra maneira proposta que não essa do letreiro do Grapette, (pode ser durante um dos passeios na Tijuca ou com a tela do computador com o BUTECO aparecendo), participa de um sorteio para ganhar o mesmíssimo presente - um livro meu.

- Pô, Edu... mas eu já tenho o seu livro...

Ganhe outro e dê de presente!

E larguem mão do preconceito, pô! Tijucano que é tijucano sai de casa com a câmera digital a tiracolo. Celulares, hoje, quase todos, têm câmera digital. Não tenham vergonha, em absoluto, de serem tijucanos em estado bruto por uns momentos apenas: tirem suas fotografias e mandem pra mim. E vocês de fora, de outros estados, do exterior, mandem suas fotos também. Vou contar um troço pra vocês (pequena confissão pública de um carente incorrigível)... Vocês vão me fazer um bem tremendo atendendo a esse pedido que soa - a princípio apenas... - patético. Vai ser muito bacana, depois de quase um mês inteiro, ter um painel de leitores e leitoras exposto aqui. E dar de presente, a dois deles, um livro meu, carinhosamente dedicado!

Ah, sim! Eu disse que o BUTECO tem 965 postagens... Pouquíssima gente (acho que só meu pai...) leu tudo. Ou seja... mãos à obra e divirtam-se!

Até julho, gente!

5.6.08

PROCURA-SE O PÃO JACARÉ

Vejam vocês, meus poucos mas fiéis leitores, que depois da saga de passeios que propus pela Tijuca (o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto) as manifestações, nos comentários, os pitacos no balcão, cresceram vertiginosamente, causando, assim - como eu diria? - uma espécie de epidemia de amor pela Tijuca, uma verdadeira coqueluche, uma febre terçã que faz o tijucano (ou a tijucana), esteja onde estiver, expelir esse orgulho e esse ufanismo bairrista como se exibisse, diante da hemoptise romântica, nostálgica e inevitável, a prova material, vermelha, viscosa, brilhante e abundante de sua condição inefável de tijucano olímpico. Feito o intróito, vamos em frente.

Dentre todas as manifestações com referência à Tijuca e às lembranças de cada um, e foram muitas (até o momento são 72 comentários, incluindo os meus), uma me tocou especialmente. Não porque tenha sido ela feita por Helion Póvoa Neto, uma espécie de reserva intelectual do BUTECO. O Helion Póvoa Neto, eu já lhes disse, é um homem que caminha e que vai deixando, pelo trajeto percorrido, gotas de sabedoria que escorrem, visivelmente, através de seus calcanhares, transbordando de seus sapatos (eu nunca vi o Helion de tênis, de chinelo, nunca!). Eu mesmo, em certa oportunidade, escrevi sobre ele (aqui), o seguinte (e estava sendo, quando escrevi, preciso do início ao fim):

"Foi verificar que era ele, foi perceber que escorriam por baixo das bainhas de suas calças, lubrificando seus sapatos, o seu saber, a sua sabedoria, o seu conhecimento e a sua densidade intelectual, foi apertar suas mãos aindas sujas de giz e olhar dentro de seus olhos capazes de transmitir aquela tranqüilidade que só os intelectuais acadêmicos têm, que fiquei calmo."

Mas não foi por conta dessa devoção que tenho (eis a confissão pública que faço hoje) pelo peso de sua sabedoria que toquei-me com seu comentário, com sua manifestação. Ajudou, não posso mentir. Ajudou, também, a empatia que percebi nascer do encontro (ainda no plano virtual, diga-se) entre ele, Helion Póvoa Neto e meu pai. Dia desses mesmo - pequena digressão - estava eu na casa de meus pais, quando meu velho me cutucou, puxando em seguida a manga de minha camisa:

- Como é esse Helion? Conta, conta!

E eu:

- Uma cabeça. Um crânio. Um gênio!

- Como conhece a Tijuca!

Eu, provocando:

- Conhece tudo, meu pai. Queres conhecê-lo?!

- Claro!

- Mesmo?

- Ué, por que?

- Vais suportar, meu pai?

- O quê? Ele é chato?

- Não, meu velho! O peso acachapante de seu saber, de sua erudição...

- Ora, Eduardo! Marque! Quero conhecê-lo!

Vamos voltar ao tema.

A principal razão pela qual marcou-me, agudamente, a manifestação do Helion, foi a franqueza evidente na manifestação de seu pensamento, a aparente pequenez do objeto de seu desejo exposto pelo pensamento, e a grandeza da saudade que só faz crescer diante da falta do objeto de seu desejo exposto pelo pensamento. Quero lhes dizer que a manifestação a que me refiro - preciso lhes dizer a verdade - foi feita por email, num bate-bola em que estávamos envolvidos eu, meu velho pai, o Felipinho Cereal, o Helion e o Szegeri (pus os nomes em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades). Quebro, pois, sem com isso cometer pecado, o sigilo da correspondência, mas por uma boa causa. Eis o trecho do email de autoria do Helion (e um email do Helion é uma obra-prima):

"Ao lado da galeria Sky tinha uma loja Gebara e, logo em seguida, a melhor panificadora do bairro (acho que se chamava São Sebastião), com o extraordinário Pão Jacaré, as rosquinhas amanteigadas, as mentirinhas, as mãe-bentas. Um dia fechou e me disseram que tinha mudado de bairro, mas não sabiam qual. Até hoje, quando circulo por áreas ainda desconhecidas da Zona Norte, acalento a fantasia de reencontrar a São Sebastião em sua nova (?) filial, e o Pão Jacaré estaria me esperando lá dentro. Com sua cauda de açúcar cristalizado e seus olhos de passas."

Eis aí o que é espantoso.

O Helion Póvoa Neto está dando uma palestra para centenas de espectadores sobre - digamos - dupla cidadania, fluxos migratórios, esses assuntos que ele domina como poucos (ouso dizer que como ninguém!). Tem, diante de si, seiscentos olhos atentos, pregados em sua sóbria figura, e tem o pensamento vagando por conta da nostalgia que o prende ao Pão Jacaré, assim mesmo, maiúsculo, como ele fez questão de escrever. O Helion Póvoa Neto está dando uma entrevista para a GLOBONEWS, holofotes e microfones estão apontados em sua direção, ele tem os olhos fixados na telinha da câmera atendendo orientação da repórter, mas a cabeça só pensa na cauda de açúcar cristalizado e nos olhos de passas do jacaré em forma de pão, que ele perdeu de vista.

Eis o que eu queria lhes pedir, meus poucos mas fiéis leitores.

Se você tiver uma pista da PANIFICADORA SÃO SEBASTIÃO (ele não consegue ter certeza do nome...), se você souber onde pode ser encontrada essa iguaria da gastronomia tijucana, esse PÃO JACARÉ (maiusculíssimo!) com cauda de açúcar cristalizado e com passas pretas fazendo o papel de olhos do réptil carnívoro, por favor, escreva-me por aqui.

Ofereço recompensa.

Até.

4.6.08

A ASSINATURA NO GESSO

Quando ele leu, durante o café da manhã tomado sem pressa por recomendação médica, folheando os jornais, a página do obituário e viu, ali, o nome daquela mulher, tomou um susto capaz de lhe fazer golfar o café com leite e engasgar, e tossir, e tossir mais forte, a ponto de fazer a mulher, com quem é casado há de mais de quarenta anos, sair do quarto enrolada num roupão, a toalha sobre a cabeça, preocupadíssima:

- O que houve, meu bem?!

Ele fez um gesto com a mão, estava de costas para a porta do corredor, e disse que não havia nada, que fora apenas um mal jeito ao engolir uma das fatias de torrada que eram sempre postas à mesa, religiosamente, às sete da manhã, pela empregada de muitos anos também.

A mulher foi até ele, pôs as duas mãos sobre o peito do marido, deu-lhe um beijo no alto da cabeça, um em cada lado do rosto, e disse apenas que voltaria para o quarto por conta de uma enxaqueca.

Ele fechou os olhos e lembrou-se dela, morta...

Deveria estar com o quê - pensou alto - uns 70 anos? Nunca mais a vira, desde a mudança de sua família daquele prédio na Tijuca, na rua Campos Sales, diante da pracinha. Nunca mais a vira mas também nunca mais a esquecera.

Ele, com doze anos de idade, tinha vertigens quando a via passar pelo jardim da portaria do prédio, do alto de seus dezoito anos - seis anos que faziam uma tremenda diferença naquele momento da vida - vestindo a saia plissada de normalista, as coxas morenas com a penugem dourada visível, grossas, uma batata de perna alvíssima graças às meias 3/4 do uniforme, a blusa branca estufada pelos seios em flor com bicos insistentemente presentes e proeminentes, e aquela pasta permanentemente colada ao corpo, que ela levava abraçada.

Jamais, e como ele se ressentia disso, ela lhe lançara um único olhar. A esperavam diante do portão, de segunda a sexta-feira, quatro colegas de Instituto de Educação, e iam as cinco, a pé, em direção às aulas, deixando o menino ali, com a sede do pecado lhe secando a boca e contando as horas para que pudesse acompanhar a chegada da mulher que lhe tirava o sono.

Houve um dia - um dos que marcariam para sempre sua memória e sua vida - em que ela chegou, por volta das cinco da tarde, amparada por duas colegas e por uma mulher que, soube depois, era uma das inspetoras do colégio. Estava com a perna direita engessada, do tornozelo até a altura do joelho. Condoeu-se com aquela cena e reparou que havia várias assinaturas no gesso, e não se conteve quando ela passou por ele:

- Está precisando de ajuda, Manoela?

Ela, que jamais o olhara, virou o rosto para o menino sentado num dos bancos do pátio interno do prédio - e esse girar do rosto levou, para ele, uma eternidade... - e disse, docemente e com um sorriso que a tornava ainda mais bonita:

- Não, obrigada, Artur, muito gentil da sua parte. Muito obrigada! - e seguiu em direção ao elevador.

Como ela sabia seu nome? - eis a pergunta que se fazia enquanto punha as mãos na boca para impedir o salto do coração, sensação efetiva que experimentava. Fantasiava com isso, com essa besteira, quem não haveria de saber o nome do menino que nascera ali, naquele prédio?

O começo da noite, ao deitar-se, como tantas outras - essa mais que as outras, é verdade -, foi dedicada a ataques de onanismo, depois do ataque priáprico que sofrera quando ouviu seu nome ser pronunciado por aquela boca que ele tanto queria para si.

E foi o dia seguinte que entrou, definitivamente, para a história de sua vida. Lá estava ele, esperando a condução para o colégio, quando Manoela abriu a porta do elevador amparada pela mãe. Sentou-se ali, no banco à sua frente. Sorriu pra ele. Lhe deu bom dia. A mãe de Manoela lhe perguntou por seus pais, e ele não respondeu nada que não fosse um aceno com a cabeça, vidrado que estava na mulher com quem dormira, de certo modo.

Ele nem sabe de onde veio a idéia, o ímpeto, mas ele tomou coragem e disse:

- Manoela, posso assinar no gesso também?!

Ela, luminosa, já esticando a perna e ajeitando a saia, disse:

- Claro! Você tem caneta?

E ele já abria, afoito, o estojo em busca de uma esferográfica. Escolheu a de cor preta e foi, sôfrego, em direção a ela.

Ele ajoelhou-se diante de Manoela. Manoela pousou seu pé direito, de chinelo, sobre sua coxa esquerda. Ele pôs a mão esquerda por baixo do gesso, afagou o gesso como se afagasse as pernas da moça, os olhos mal disfarçavam que buscavam, tensos e úmidos, a parte interna das coxas morenas e douradas de Manoela que - é de propósito!, ele pensou - abria, de leve, as pernas, para que o menino visse o que mais queria. O menino Artur suava, respirava como um asmático em plena crise, sentia tremer a mão que segurava a caneta, até que pousou a ponta da caneta sobre o gesso:

- Posso?! - ele tentava ganhar tempo.

- Pode o quê? - pareceu a ele que ela estava gostando daquilo.

- Assinar meu nome.

- Claro! Assine, sim...

Ele continuava a fazer carinho sobre o gesso, como se gesso não houvesse, arriscou um toque, mesmo de leve, sob a coxa da mulher que alucinava seus sonhos de menino, e olhava fixamente para seus olhos que expressavam uma certa satisfação enquanto mantinha a caneta pousada num certo ponto em branco do curativo. Escreveu seu nome, pôs a data, e ela puxou-o pelas mãos, deu-lhe um beijo em cada lado do rosto, agradeceu, e ele mal pode acreditar quando teve a visão dos seios empinados de Manoela sob a blusa alvíssima do colégio quando recebia os beijos de olhos semi-cerrados, que se abriram num instante! A mãe da menina nem estava mais ali, havia ido conversar com uma vizinha no banco em frente, quando ele notou que ela sorria um sorriso que ele conhecia só de ouvir falar, de malícia, de sensualidade, de prazer, e continuou sem acreditar, já ardendo em febre, quando ela pousou suas duas mãos suadas sobre suas coxas, dizendo em seu ouvido, depois de uma mordida de leve no lóbulo esquerdo:

- Artur, seu safado...

Nunca mais houve nada parecido entre eles.

Mas aquela cena foi recorrente durante toda a juventude de Artur, à noite, principalmente, e recorrente de novo, quando seus olhos cansados deram com o nome dela num anúncio retangular do jornal daquele dia.

Uma semana depois era o nome dele, Artur, que aparecia na mesmíssima sessão de obituário, do mesmíssimo jornal.

Tivera um ataque de coração, fulminante, antes mesmo que a mulher acordasse ou que a empregada tivesse chegado da rua com o cachorro do casal.

Até.

3.6.08

TAMARINDOS NOS JARDINS DA RÚSSIA

(para Helion Póvoa Neto)

O menino, filho de pai e mãe russos fugidos da guerra civil num navio que partiu de Odessa, cidade situada na costa da Ucrânia às margens do Mar Negro - isso nos tempos da União Soviética, no qual Odessa era o porto de comércio mais importante do país - , chegados ao Brasil com "uma mão na frente e a outra atrás", como se dizia, nasceu no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, e ainda mais precisamente no bairro do Rio Comprido, na década de 40. O Rio de Janeiro era, portanto, ainda, a capital da República. Era a capital da República e era sensivelmente mais tranqüila, se pensarmos na violência que, hoje, amedronta e aprisiona homens, mulheres e crianças, todos vítimas do medo que parece uma epidemia. Com pouco mais de doze anos, o menino já dominava a região do Rio Comprido, estudava na Tijuca, conhecia, e bem, o Largo do Estácio, a Tijuca quase que toda, e era, pode-se dizer, um menino de rua, de pé no chão, de bola, búlica, de selo, carimbo, estampilha, de muitos sonhos, muitos desejos, muita paixão.

Tinha paixão, por exemplo, por bondes. Dava sempre um jeito de tomar um bonde pelo simples prazer de passear, de ver gente, de ver as moças, de ver as ruas, o movimento, ele que tinha, sem saber dizer exatamente o por quê, verdadeira adoração pela terra que conhecia só de nome... Rússia, berço de seus pais.

Deu-se que um dia tomou um bonde da Companhia Vila Isabel e foi parar na altura da rua Uruguai, no alto da Tijuca (naquele tempo, sim, a rua Uruguai era muito longe do centro do bairro), onde desceu para não ter que pagar mais, o que era imperativo a partir daquele ponto. Tinha o dinheiro sempre contado, já que a mãe tomava conta de casa, dele e de seu irmão mais velho, e do pai, um trabalhador incansável que vivia de revender roupas na rua Campos da Paz, próximo ao Rio Comprido mesmo.

Nesse dia viu, na esquina da Uruguai com a Conde de Bonfim, uma casa belíssima, da qual se aproximou, de muro alto, cercada de árvores e também cheia de árvores nos jardins da casa, as copas vistosas para o alto e para fora, e diante dela duas mulheres altas, louras, de olhos claríssimos e falando uma língua que não compreendia. Ficou ali, atento, os olhos pregados no olhos azuis das moças, azuis como os olhos de seu pai.

As moças acharam graça - ele percebeu - e ele teve um bocado de vergonha diante dos risos entremeados por palavras incompreensíveis. As moças entraram pelo portão imenso de madeira que dava pra rua e o menino aproximou-se do guarda que abrira o portão e que dava, naquele instante, uma espiada para o entorno da casa, gigantesca.

- O que é aí, moço? - perguntou o menino.

O vigia, um senhor na casa dos cinqüenta anos, abanando-se com o quepe, disse:

- É a Embaixada da União Soviética...

Os olhos do garoto se encheram diante do homem:

- Da Rússia?! - e ele sentia o coração pulsando quase que na boca.

- Isso, menino! Também, digamos que também...

- E o que quer dizer embaixada?! - e fez o gesto de uma embaixadinha com os pés e uma bola imaginária.

O vigia riu. E disse:

- É como se isso aqui fosse um pedaço da União Soviética no Brasil, entendeu?!

- Meu pai e minha mãe são de lá, ou daí... - e ele falava com os olhos percrustando tudo à sua volta.

- É?! Um minutinho, só! - disse o vigia quando foi chamado por uma voz de mulher, que o menino também ouvira.

Pediu licença, o guarda, e tornou a abrir a porta uns minutos depois com as mãos em concha, cheias de tamarindo. E disse ao menino:

- Gosta de tamarindo?

- Gosto! - respondeu num sem-pulo.

E o senhor - Vladimir, como ele mesmo anunciou antes de dizer adeus ao menino - pôs nas mãos do menino os tamarindos, dizendo ainda:

- Há muitos pés de tamarindo aqui dentro... Dona Dmitri mandou lhe entregar... - piscando o olho pro garoto - Como você se chama?

- Isaac. Tchau, moço!

E partiu, o menino Isaac, pra tomar o bonde que o levaria de volta. Partiu, é preciso que se diga, excitadíssimo. Nunca imaginara chegar tão perto da terra dos pais, da qual pouco ouvia falar. Foi, pelo caminho, saboreando os tamarindos e com a cabeça voando, imaginando coisas, pensando nos olhos das moças de olhos claros, - "qual das duas será a Dmitri?" - traçando planos, como se o mundo fosse acabar antes do ponto final do bonde!

Ao chegar em casa, deu com a mãe, com o pai e com o irmão mais velho diante da TV em preto e branco, e disse, assim que lhe abriram a porta:

- Hoje cheguei pertinho da Rússia, meu pai! Ouviu, mãe? Sabia, mano?

Nenhum dos três desgrudou da tela, e o menino Isaac foi pro banho, do banho à mesa de jantar, à cama, aos sonhos e acordou no dia seguinte com uma obsessão encravada na alma: precisava entrar naquela casa.

Coisa de duas semanas depois, tornou àquela esquina. Sentou-se diante de uma amendoeira frondosa em frente à casa e esperou, pacientemente, alguém entrar ou sair dali. Esperou quase uma hora, quando um homem, na casa dos trinta e cinco, quarenta anos, uniformizado como o Seu Vladimir, abriu um portão lateral para dar passagem a um automóvel, dirigido por um motorista todo paramentado, que levava um casal no banco de trás. Foi o carro tomar a direção da rua Uruguai, o homem começar a fechar o portão e o garoto disse, diante do homem:

- Boa tarde. O Seu Vladimir está?

- Você, quem é? - tinha cara de poucos amigos e respondeu isso já fechando o portão.

Reapareceu segundos depois no portão principal.

- Isaac. Amigo dele.

- Amigo dele? - acendeu um cigarro, tragou forte, expeliu a fumaça e ficou mirando o menino.

- É. Nos conhecemos aqui mesmo, há uns dias. Ele me deu tamarindo de presente, ficamos conversando...

- Seu Vladimir morreu, menino. Coração. Sinto informá-lo. Posso ajudá-lo com alguma coisa?

Isaac ficou, a seu modo, triste com a notícia. Cravou os olhos no chão e depois olhou fixamente para o homem.

- Qual o seu nome?

- Ivan. Posso ajudá-lo com mais alguma coisa?

- Eu queria conhecer a Embaixada e...

- Ora, dá licença, moleque! - e fechou o portão sem mais conversa.

A volta pra casa foi doída, e Isaac, que não teve coragem de perguntar por Dmitri, não sabia bem explicar por quê sentia aquele aperto por dentro. Vira Vladimir uma vez, apenas, mas havia estabelecido com o velho uma relação de simpatia sem grandes explicações. Chegou em casa cabisbaixo, mudo, a família via TV, como de hábito, e ele foi se deitar, depois do jantar em silêncio, mirando a pedreira iluminada pela lua que avistava da janela de seu quarto, com a obsessão ainda a cutucar-lhe a alma.

Coisa de um mês depois voltou à casa.

Viu, incrível coincidência, as duas mulheres lindíssimas que havia visto quando descobrira a casa, conversando sob a sombra da amendoeira da esquina. Aproximou-se. Elas conversavam em russo mas ele tomou coragem:

- Com licença?

As duas olharam pro menino, se entreolharam, e uma delas disse:

- Pois não...

Ele contou a história que queria contar, num ritmo alucinado. Disse que os pais eram russos, estendeu a carteira de identidade do pai, que levara escondido para dar ares de verdade ao que diria, que conhecera Vladimir no mesmo dia em que as vira pela primeira vez, que tinha alucinada vontade de "pisar na União Soviética" - e elas riram - e de comer de novo os tamarindos do jardim, que Vladimir lhe dera.

Dmitri e Katierina riram de novo, simpatizaram com o menino (que reconheceram), que lhes contara a história visivelmente excitado, ofegante, e foi Dmitri que tirou da bolsa um guardanapo com algo dentro e estendeu ao garoto:

- Prove!

Isaac abriu o guardanapo e deu de cara com uma bela fatia de uma espécie de pastelão, que pôs na boca depois de pedir permissão com os olhos que miravam os olhos azuis das duas beldades à sua frente.

- Kulebiaka! De carne com repolho... Está bom?

De boca cheia, depois da última mordida, Isaac respondeu:

- Delicioso. Vou contar pros meus pais que comi comida russa... - mentiu.

O menino limpava a boca com o guardanapo quando Ivan, o vigia, abriu o portão. Surpreendeu-se com os três ali, diante da casa, Katierina piscou um olho em direção a ele e disse:

- Ivan! Com licença... - e voltou logo depois com as mãos cheias de tamarindo.

Estendeu-as ao menino, que agradeceu, despediu-se, e dobrou a esquina em direção ao alto da rua Uruguai. Comeu tamarindo por tamarindo e resolveu, decidido, que pularia o muro antes de escurecer, pra "pisar na Rússia" e roubar mais tamarindo.

Fez isso faltando pouco para as cinco e meia da tarde.

Ivan, da guarita próxima à entrada principal da casa, viu as mãos do menino no alto do muro. Viu quando Isaac saltou pra dentro do jardim, na ala lateral da casa dos empregados, viu o menino de olhos aparvalhados catando tamarindo no pé e enchendo os bolsos da calça e viu quando ele escalou o muro, de volta, caindo sem fazer barulho na calçada da rua Uruguai, depois de pôr no bolso da camisa um punhado de terra tirado do chão.

Isaac bateu no portão e Ivan, que fez força pra não ser flagrado vendo o menino, o abriu.

- Entrega pra Dona Dmitri, Seu Ivan, por favor. Esqueci comigo. - e estendeu o guardanapo de linho vermelho, com a foice e o martelo costurados em linha amarela.

Ivan riu, fez festinha nos cabelos encaracolados do moleque, e disse:

- Leva, menino. Leva e mostra pro teu pai. E diz a ele que é russo, como ele!

Isaac pulou, durante anos, aqueles muros.

Ivan sempre o via. Jamais disse isso a ele.

O que tornou a aventura de Isaac - eis aí a chave do encanto da criança - definitiva e eternamente inesquecível.

Até.

2.6.08

AGRIPINA E DOMÍCIO

Agripina e Domício estão casados desde o ano 2000. Ambos nascidos e crescidos em Madureira, viram, na Tijuca, quando casaram, o primeiro sinal de ascensão social, o primeiro passo em direção a uma vida mais estável, como dizia sempre Dona Agripina, a Velha, que é como a chama o genro, o pacato Domício.

Em 2005, depois de cinco anos de lua de mel e de muito chamego, evidente até para os vizinhos que se impressionavam com a aura transbordante de alegria do jovem casal, nasceu Lúcio Domício, o primeiro e, até então, único filho. A primeira modificação que veio após a chegada de Domicinho foi a mudança da Velha para a Tijuca. "De mala e cuia", como disse Dona Agripina pras amigas quando se despediu, metida dentro de um táxi, ela que tornou-se viúva durante a Copa de 70, quando perdeu o marido, Tibério, no intervalo da grande final.

De lá pra cá, e já se vão 3 anos, Lúcio Domício mostrou-se um menino arretado, como diz a avó. Inquieto, já passou por todas as agruras pelas quais passam todas as crianças juntas, jamais uma só. Já tomou choque metendo os dedos nas tomadas da casa, já queimou as mãos espalmadas na porta do forno, já quebrou dezenas de copos, taças, já se cortou, até fogo na casa - na TV, mais precisamente - o menino já pôs. Desse dia em diante, a avó passou a chamar o netinho de Nero, personagem a quem a Velha conheceu pela TV, apenas.

Depois que casou-se, Agripina jamais trabalhou e passa todos os dias em função do filho e da mãe (esqueci de dizer que a Velha mudou-se para o apartamento de dois quartos, na Tijuca, no mesmo dia em que chegaram, todos, da maternidade). Domício, dedicadíssimo funcionário público - professor do Município - dobrava o expediente pra dar conta das despesas e pra montar seu pé-de-meia.

Dois assaltos, os dois dentro do 415, foram o suficiente para que uma obsessão perseguisse o pobre Domício: a mudança, urgente, da Tijuca.

Não foi mero acaso, não foi uma infeliz coincidência, não foi o fato de que os dois assaltos aconteceram no quinto dia útil do mês, dia do pagamento de grande parte da população, não foi graças aos laptops do Domício, expostos sobre seu colo (ambos roubados), nada disso. A culpa pelos dois assaltos, que ele chamava, entre dentes, de "péssimas experiências", era, definitivamente, da Tijuca. Isso fez do Domício um homem magoado e permanentemente queixoso. Eram diárias suas lamúrias:

- A Tijuca acabou, Agripina!

- Precisamos nos mudar daqui, Agripina!

- Mais um laptop a Tijuca não me leva!

Esses troços.

A Velha achava graça daquilo. Perguntava, quase sempre durante as refeições, ao genro:

- Vai mudar pra onde, Domício? Vai voltar pra Madureira?! Deus que me livre!

- Ou vai pra zona sul?

Domício, que já não suportava mais a presença da sogra, nada respondia. Mas era entrar no quarto, após o jantar, pra começar:

- Agripina... estou procurando apartamento...

Agripina, que ama (moram até hoje no mesmo lugar) a Tijuca, dizia lânguida diante da penteadeira:

- Pra onde, mô?

E quando ele ameaçava responder, ela dizia fazendo biquinho:

- Eu gosto tanto da Tijuca...

Até que um dia - esses troços são impressionantes, e a história chegou-me sem chance de engodo -, enquanto vasculhava a grande rede no computador que mantêm na sala, entre a porta de entrada e a estante da TV, Agripina veio parar no BUTECO. Ficou maluca.

Encantou-se com tudo o que leu aqui e passou a imprimir, texto por texto, tudo o que lia como exaltação ao bairro. Comprou, numa papelaria do bairro, uma pasta dessas de trilho, e montou o que chamou - está escrito na etiqueta na capa da tal pasta - de DOSSIÊ TIJUCA. Ela e a mãe, a Velha, passaram a ler, diariamente o BUTECO.

E o cerco do Domício aumentando.

Até que numa sexta-feira à noite, chovendo, entra em casa o Domício, joga sua pasta no sofá, ao lado da Velha, abre o jornal que traz debaixo do braço e chama Agripina, na cozinha, preparando o jantar.

- Querida, olha aqui! - e abre a parte dos classificados, todo marcado com caneta vermelha.

Ela está em posição de flamingo, o pé direito apoiado na parte de dentro do joelho esquerdo, a mão direita apoiada no portal da cozinha, e diz:

- Hum.

Ele prossegue:

- Amanhã, a partir das oito, temos visita marcada com vários corretores para vermos apartamentos em Laranjeiras, no Catete, no Flamengo, em Botaf...

Agripina, em fúria, parte pra estante da TV e abre uma das gavetas. O menino, Lúcio Domício, sentado no colo da Velha, acompanha tudo com olhos de criança curiosa. Ela pega a pasta vermelha e branca e a atira na direção do marido. Domício ergue as duas mãos e amortece o arremesso que, seguramente, o machucaria. Pergunta, sem abri-la:

- O que é isso?! Você também está procurando apartamento?!

- Leia, Domício! Leia!

Ele começa a folhear, não entende nada, e volta-se para a mulher:

- O que é isso, Agripina? Fala, mulher!

- O que é isso, Domício?! Isso são textos de um homem, Domício, de um homem que mora na Tijuca, que vive na Tijuca, que ama a Tijuca, que valoriza a Tijuca, que não tem essa babaquicezinha de querer sair daqui pra um lugarzinho mais chique por causa de dois assaltos idiotas dentro de um ônibus, entendeu?!

O cheiro de queimado começava a tomar a sala.

- Filha, o purê! - gritou a Velha.

Agripina foi à cozinha e salvou o purê deitando sobre ele mais leite.

Domício pediu calma à mulher, que soluçava sobre as panelas do jantar que preparava com o denodo de todos os dias.

- E a creche do Lulu? E a mamãe, tão adaptada à vida do bairro? E minhas aulas de pilates? E pra quanto vai passar nosso IPTU? E o condomínio? Eu não quero, Domício, eu não quero!

Domício, estacado diante da porta da cozinha, revezava o olhar, ora pra mulher chorando, ora pra sogra brincando de pocotó com o filho. Prometeu, naquele momento, ler tudo com calma, ponderar novamente sua decisão, até que Agripina arremessou-se no pescoço do marido, feliz da vida.

Isso faz - o quê?! - uns dez meses.

Domício comprou título do Tijuca Tênis Clube, matriculou Lúcio Domício nas aulinhas de natação infantil, pôs a sogra como sua dependente, a Velha preside o CAF (Centro de Atualização Feminina) mantido pelo clube, e todas as noites, antes de dormir, ele beija o rosto de Agripina, pede desculpas, e lê, o BUTECO, em voz alta, pra reforçar - é o que ele diz à mulher - suas convicções.

Até.

1.6.08

UM PASSEIO PELA TIJUCA - V

Vamos ao quinto - e último, por enquanto... - roteiro que proporei a você, leitor disposto a conhecer mais a fundo a Tijuca, a se despir desse preconceito bobo contra a Tijuca, esse bairro carioca ao extremo, zona norte em estado bruto, e a você, tijucano orgulhoso mas - quem sabe? - sem paciência para esse exercício de andar a pé conhecendo, mais de perto, o lugar em que vive.

Vou propor, como ponto de partida, numa manhã de sábado, por volta das dez da manhã, uma casa de café da manhã na rua Lúcio de Mendonça quase na esquina da rua Mariz e Barros, chamada DOCE ACÁSSIA. Antes de entrar, compre no jornaleiro em frente - exatamente em frente! - um exemplar de qualquer jornal, o de seu agrado, para ler enquanto se prepara para forrar o estômago e agüentar o tranco do dia. E torça para encontrar - há chances, há chances! - Luiz Antônio Simas, freguês da casa (já tomei café da manhã lá, com o malandro). Abuse. Chocolates, café preto e forte como petróleo, pães de todo gênero, frios, manteiga, sucos, caia dentro, mas sem pressa. Você pagará baratíssimo, e se você não for da Tijuca, se for, por exemplo, da zona sul da cidade, você vai achar que a conta está muito errada, pra menos! Encerre o café da manhã com uma água geladíssima, com gás, tome a calçada e vá, rapidinho, pra sua direita. Caindo na Mariz e Barros, a menos de dez metros de onde você está, dobre à direita e entre no primeiro buteco que encontrar. Um autêntico pé-sujo, balcão enorme, comprido, e depois de pedir uma Brahma como abrideira (no copo americano, é claro!), lance o primeiro gole ao chão, ofereça a quem de direito, beba a garrafa sem pressa, preste atenção à conversa que acontece ali (há sempre o que ouvir...), fique nessa única garrafa e volte para onde você estava.

Acene para a simpaticíssima dona da casa de café da manhã, despeça-se do jornaleiro e siga a Lúcio de Mendonça no sentido do trânsito (que é quase nenhum). Preste atenção à vila que há no número 21, um paraíso encravado numa rua já paradisíaca. E ainda vou propor o seguinte... Entre na primeira à esquerda, rua Benevenuto Berna. Antes de entrar, entretanto, preste atenção ao belíssimo prédio, EDIFÍCIO AYMORÉ, que fica na esquina da Benevenuto Berna com a Lúcio de Mendonça, de pouquíssimos andares, amarelo, ocupando toda a esquina, agradabilíssimo. Conheço poucos edifícios naquele estilo... Ande até o final da Benevenuto Berna, sem pressa, e veja que beleza de casas, por toda a extensão da rua, dos dois lados...

No final da rua, à esquerda, há o MITSUBA, o melhor restaurante japonês do Brasil. Quem sabe você não se anima a comer lá mais tarde? Mas volte para a Lúcio de Mendonça, volte... Rume para a esquerda e tome a direção da rua Moraes e Silva, onde há, às quintas-feiras, uma outra fabulosa feira livre, que tem seu coração na Praça André Rebouças (que não é praça, é um largo, apenas!), cruzamento das ruas Moares e Silva com Oto de Alencar. É nela, na Oto de Alencar, que você vai entrar.

A Oto de Alencar é outra aprazível rua tijucana, na qual é celebridade um leitor constante do BUTECO, o Marcelo Moutinho. À direita de quem segue em direção à rua General Canabarro, notem!, há o EDIFÍCIO MOUTINHO, uma das jóias da rua, prédio antigo, portaria ampla, apartamentos que parecem ser enormes... uma grande rua, uma grande rua!

Chegando na rua General Canabarro, dobre à direita e você vai dar de cara, logo depois da padaria da esquina, com o BODE CHEIROSO, buteco de primeira.

Pausa rápida.

Deu-me aguda vontade de recomendar a vocês a leitura do texto SZEGERI NO RIO - PARTE III, que pode ser lido aqui, no qual conta uma história que termina, justamente, no BODE CHEIROSO. E foi no BODE CHEIROSO, também, que filmei a sempre comovente cerimônia do lava-pés num buteco, vejam aqui. Mas vamos voltar e ao que interessa.

Lá, no BODE CHEIROSO, comandado por duas irmãs, onde trabalha o legendário Bigode, e no qual tivemos o prazer de beber, recentemente, eu, Bruno Ribeiro e Luiz Antônio Simas (na companhia da doce Candinha), a cerveja é sempre, mas sempre, sem exceção, gelada como deve ser. Serve-se comidinha caseira de primeiríssima, também, e tira-gostos de fazer qualquer um virar freqüentador assíduo. Eu destaco a carne-seca desfiada com farofa e a lingüiça mineira, também com farofa. Mas vá por mim... Peça que não tem erro. Peça uma dica ao Bigode, à Marta, a qualquer um que lhe atender, e você ficará, garanto, satisfeito.

Fique ali por algumas horas e depois siga a caminhada. Saindo do buteco, atravesse a rua, tome a direção da esquerda e entre na primeira à direita, rua Luiz Gama. A Luiz Gama é uma ruazinha mínima, que liga a General Canabarro à avenida Paula Souza, avenida com um canteiro gigantesco que serve de base para um verdadeiro túnel de árvores. Entrou na Luiz Gama, beba um - eu disse um! - chope em pé no BAR DO CHICO´S. E notem que troço tijucano, pô!

O certo seria BAR DO CHICO ou CHICO´S BAR, certo? No Brasil inteiro, certo. Na Tijuca, não. Na Tijuca, o gênio criativo tascou lá, na tabuleta... BAR DO CHICO´S!!!!! E tá certo!

Siga na Luiz Gama mesmo e conheça o mini-estabelecimento que há ali ao lado do bar. Uma mistura de armazém com delicatessen, de vendinha com verdureiro, de mini-mercado com faz-tudo, uma zorra cativante! Ao lado, parede com parede, um pé-sujo dos melhores, mínimo, onde não cabem mais do que cinco pessoas dentro! Mas há mesinhas espalhadas por toda a calçada - aquilo em dia de jogo no Maracanã, a poucos metros dali, é uma festa! - e a cerveja também é gelada a ponto de te fazer perder a hora.

Quando achar que é a hora, volte pra General Canabarro e vire à direita. Vá até a esquina da rua São Francisco Xavier e delire, delire! Você estará num bar que foi infelizmente recém-reformado, mas que mantém, pendurado na marquise do lado de fora, uma jóia rara (sonho em comprar aquilo há anos!!!!!): um letreiro luminoso, antiqüíssimo, ovalado, muito antigo - não conheço nenhum outro na cidade inteira!!! - do refrigerante GRAPETTE!

Peça uma água sem gás, ali mesmo. E repare na beleza que é o COLÉGIO MILITAR, bem à sua frente. Casarios muito antigos, a capela (onde fui batizado!), o portão imponente que se abre para a São Francisco Xavier, e tome o rumo dessa rua, andando em direção à esquerda.

Você passará em frente ao MITSUBA de novo, na esquina da rua Benevenuto Berna. Se você quiser muito comer comida japonesa, é a pedida. Caso contrário, se você estiver a fim de conhecer o melhor restaurante do bairro, um dos melhores do país (que desbanca Cipriani, Fasano, Gero etc), caminhe um pouco mais. Siga pela São Francisco Xavier mesmo, atravesse a rua Mariz e Barros, siga pela mão do trânsito na calçada do seu lado esquerdo, você passará pelo MONTE SINAI, verá à sua direita o ORSINA DA FONSECA, escola pública que ocupa um terreno impressionante, passará pelo EDIFÍCIO JUREVA, número 90 (onde morava um legendário morador da Tijuca, o Seu Bandeira, que fazia sucesso com sua bicicleta motorizada graças a uma bateria de carro instalada no banco traseiro do carona!!!!!), pela vila número 84, onde moraram meus avós e minha bisavó com sua irmã, Idinha, e chegará à esquina da Heitor Beltrão. Antes de entrar à esquerda, repare na IGREJA DE SÃO FRANCISCO XAVIER DO ENGENHO VELHO.

Essa igreja teve sua origem numa pequena ermida construída às margens do rio dos Trapicheiros (que passa em frente ao FIORINO, em toda a extensão da Heitor Beltrão), em terras da Companhia de Jesus, em 1572, tendo sido construída com a participação efetiva de José de Anchieta, considerada por muitos historiadores o berço da Tijuca. A Igreja, tal como se vê hoje, foi construída em 1815, passou por diversas reformas - uma delas bancada, em grande proporção, pelo Duque de Caxias, que morava ali pertinho, na rua do Andaraí Pequeno, hoje a rua Conde de Bonfim) - tendo sido, a última, em 1928.

Entre, pois, à esquerda, caminhe uns metros e pronto: você chegou ao FIORINO. Aproveite!

Até.