16.9.08

A TIJUCA EM ESTADO BRUTO

Meu apelo público (leiam aqui) surtiu efeito. Anteontem, domingo, marcamos às oito da noite na pizzaria O FORNO RIO, que fica numa belíssima casa na esquina da Doutor Satamini com a Domício da Gama. Marcamos e marcamos com pompa e circunstância: dona Mathilde, minha amada avó, do alto de seus 84 anos, entre os presentes, assim como meu sogro, o Comandante.

Chegamos e subimos ao segundo andar da pizzaria, a menina dos olhos do dono da casa. É você chegar lá e ouvir os apelos, ainda na calçada:

- Vamos ao segundo andar! Temos TV de plasma, ar-condicionado, adega climatizada, os pedidos são feitos através de palmtop, vamos?

Isso, para o tijucano, é sedutor. E vamos ao que eu vi.

Assim que chegamos ao segundo andar, um casal de noivos posava para fotografias. Chegamos no final da sessão de fotos, mas pude ver a última: os pombinhos de mãos dadas tendo entre eles a adega climatizada da casa, aberta! Foi espocar o flash e a clientela que lotava a pizzaria explodiu em aplausos e assobios histéricos.

Sentamos.

Ao nosso lado, uma mesa com doze pessoas. À cabeceira dessa mesa, uma senhora com aproximadamente 70 anos vestindo um casaco de pele, pesadíssimo, cinza escuro, gritava para a garçonete:

- Filha! Aumenta o ar-condicionado! Quero sentir mais frio! Quero me sentir em Roma no inverno!

Chega-se o garçom à nossa mesa. Faz a pergunta:

- Aceitam o couvert?

As cabeças, todas, fizeram que sim.

- Querem ver nossa carta de vinhos?

Meu sogro interveio:

- Não precisa, não precisa... Traga o mais caro!

Minha avó tremia de frio. As janelas do ambiente, embaçadíssimas. Chovia do lado de fora. Ela chamou a garçonete, que passava:

- Filha, você pode dimunuir a temperatura do ar-condicionado?

- Ih, minha senhora, não tenho como... Aquela mesa condicionou a presença à manutenção do ar-condicionado no mínimo...

- Não tem problema, minha filha, eu trouxe meu xale.

E puxou o xale da bolsa, tornando o ambiente mais europeu que nunca.

Chega-se o garçom à mesa com a garrafa de vinho. Fez que iria a cortar a cápsula, quando meu sogro perguntou:

- Quanto custa essa garrafa?

- Trezentos e oitenta reais, senhor.

- Mas que roubo! Que roubo! No Mundial está por quarenta e cinco reais!
E meu pai:
- Chamem o gerente!!

A mesa ao lado, mesa de cinco, deu força:

- Ladrões! Ladrões! Estão embutindo o aluguel da TV de plasma e da adega climatizada no preço dos vinhos! - disse o cabeça-branca da mesa.

O gerente veio, desfez o mal-entendido (meu sogro confundira os rótulos), e o Comandante fez questão de confirmar:

- Mas é o mais caro da casa? - falava altíssimo para que toda a assistência ouvisse.

- É, senhor.

- Então abra! Abra duas! Abra duas!

O Comandante puxou sua câmera digital do bolso da calça e pediu ao Fefê que o fotografasse abraçado a uma das garrafas de vinho. A Lina, minha queridíssima cunhada, habituada a ambientes mais requintados, balançava permanentemente a cabeça, de leve, em sinal de desaprovação, em direção à minha mãe - que com ela concordava. Disse-me mamãe:
- Isso aqui, hoje, está demais, hein!
Eu, fanático:
- A Tijuca é assim, mamãe... somos feitos disso!
E ela, espírita, fazendo o católico sinal da cruz:
- Eu, não!

Meu pai, que tem mania de temperatura, tirou de sua pochete um termômetro e gritou, contentíssimo:

- Treze graus! Treze graus!

A velha com casaco de pele:

- Treze?

Meu pai, virando o termômetro em sua direção:

- Treze ponto um!

A velhota, chamando a garçonete:

- Dê gás no ar-condicionado! Está quente, está calor!

Vovó, baixinho, pra mim:

- Que falta de touchè, né, Dudu?

Na TV de plasma, em alto volume, um desses DVD´s da série CASA DE SAMBA. Estava impossível conversar. Fefê, que vem adquirindo, é evidente, noções de comportamento com a Lina, gargalhou e disse:

- Música ideal para um restaurante...

Meu pai chamou o gerente (uma de suas atividades preferidas):

- Tem outro DVD?

- O senhor que ver nossa carta de DVD´s? Nós temos carta de DVD´s!!!

- Não precisa, coloque um que não seja tão barulhento, não estamos conseguindo conversar!

- Tom & Jerry? O da loura pianista?

- Loura pianista?

- Daiana Cról! Faz o maior sucesso com os fregueses! Vou pôr!

E pôs.

A velhota, gritando em direção a meu pai:

- Quantos graus?

Papai, orgulhoso, pôs os óculos, olhou para o termômetro de madeira e gritou efusivo:

- Doze! Ou melhor, onze ponto oito!

A velha levantou num pulo e pediu pra ser fotografada ao lado do termômetro.

Nossas pizzas chegaram. Pizza da bacalhau, pizza de muzzarela, pizza de calabresa de javali, pizza vegeteriana, a segunda garrafa de vinho foi aberta e ficamos ali de papo até que papai pediu a conta.

A garçonete, visivelmente exibindo o equipamento, deu de apertar a telinha do palmtop e disse:

- Já enviei os dados para processamento no primeiro andar, no setor de faturas, e já, já, a conta dos senhores chega!

Cinco minutos depois, meu pai impaciente:

- Chame o gerente, filha! Cadê a conta?!

A velhota do casaco de pele, já íntima, veio à nossa mesa e, dando tapinhas no ombro do meu pai, perguntou:

- Quanto? Quanto?

O Comandante:

- Pedimos os vinhos mais caros! Vai passar de mil reais!

A velha:

- Não! A temperatura!

Papai:

- Onze ponto oito.

- Ainda?

- Arrã.

- A Tijuca é um problema... Custa investir num equipamento mais potente! Estou com calor, estou com calor!

Veio a conta.

Rigorosamente errada. Os vinhos não foram cobrados, pizzas que não pedimos constavam da conta, havia sobremesas que jamais pedimos, e papai:

- Cadê o gerente! Pô! Cadê o gerente!

Voltou o gerente à mesa, acertou-se tudo, meu velho pai pagou a conta inteira, não admitiu dividir nada, despedimo-nos da assistência - ah, a intimidade que a Tijuca cria... - meu sogro pediu pra guardar a conta de lembrança - "Quero mostrar pra turma lá de Volta Redonda quanto eu paguei por esse vinho..." - e vivemos, assim, uma noite tijucana em estado bruto.

Até.

18 comentários:

Anônimo disse...

KKKKKK perfeito Edu, perfeito, imagino a cena.

Eduardo Goldenberg disse...

Pois é, Monica, você é relativamente nova aqui no balcão do BUTECO, e talvez não saiba que uma das máximas que me acompanha é essa: sou preciso do início ao fim. O troço deu-se rigorosamente desse jeito.

Anônimo disse...

Sensacional!

Anônimo disse...

Grande Edu Goldenberg! Estou aqui, 07 andares acima da cabeça do seu irmão Szegeri e aproveitei para matar as saudades do blog. Essa sua narrativa da pizzaria me remete aos encontros da minha italiana famiglia, cada um com seu tique, com seu fraco e seu forte, fazendo do conjunto uma divertidissima algazarra. Amei! Beijão pra você e para o Sorriso Maracanã.

Eduardo Goldenberg disse...

Obrigado, Jonas!

Obrigadíssimo, Lu! Seja bem chegada de volta ao balcão! Beijo pra você.

Anônimo disse...

Beleza de noite, Edu! Daquelas que não se precisa falar nada, só notar.

Forte abraço,

Daniel A.

Rodrigo disse...

Simples e, ao mesmo tempo, requintado. Maravilha Edu. Pudera eu ter vivenciado isto. Abraço!!!

Anônimo disse...

O texto estah comico sem deixar de ser completamente verossimil. Otimo!!!!

Anônimo disse...

Olá Edu, desculpa a intimidade, mas como tijucano e frequentador de butecos daqui e de outros cantos, após a leitura de diversos textos de seu blog já me sinto familiarizado...rs

Sensacional!!! Nâo somente esse texto, mas o blog de forma geral e sua proposta.

Abraços.

Anônimo disse...

OLá Edu,

desculpe-me a intimidade, mas como tijucano e frequentador de botecos daqui e de outros cantos,logo senti-me familiarizado...rs

Sensacional! Não somente esse post, mas o blog de forma geral e sua proposta.

Abraços,

Souza

Anônimo disse...

Beleeeeeza! Mijei de rir. abração!

Eduardo Goldenberg disse...

Daniel A.: foi, de fato, uma noite inesquecível. Abraço.

Rodrigo: saia mais, rapaz. Saia mais e preste mais atenção à sua volta. Eu calculo que isso aconteça algumas dezenas de vezes a cada noite pelos restaurantes da Tijuca... Abraço.

Betinha: querida, quando leio seus comentário aqui só me ocorre dizer que sinto uma saudade sua indizível, inexpremível e incomensurável. Não vou repetir "aquilo" para não aborrecer meu amado Xerife! Beijo em vocês. Ou melhor... amo vocês!!!

Romulo e Souza: quem são vocês?!

Zé Sergio: saudade, safado! Seja bem chegado de volta. Beijo.

Anônimo disse...

Na verdade Romulo e Souza são a mesma pessoa, EU um novo admirador de seus textos.
Não havia percebido, até mandar o segundo comentário, que os mesmos precisavam de aceitação.

Só assinei diferente.

Romulo Souza.

Eduardo Goldenberg disse...

Seja bem chegado, Romulo Souza! Achei graça dos comentários idênticos, com intervalo de dois minutos, assinados por nomes diferentes! Um abraço.

Anônimo disse...

Realmente este texto sobrou, muito bom. Concordo lá com o Rômulo da proposta do blog, Parabéns.

Anônimo disse...

No domingo à noite estava com minha esposa e meu filho no RB e vi quando vc passou por lá e buscou seu pai. Imaginei que estivesse realmente indo à pizzaria pois foi tema de seu post da semana passada. Que noite, hein !?
ass. Tande Biar

Eduardo Goldenberg disse...

Tande: bingo! De fato eu passei por lá. Foi, efetivamente, uma senhora noite. Abraços.

Anônimo disse...

Valeu Edu. Frequentei muito o RB qdo ainda não era casado pois minha esposa morava na Prof.Gabizo. Isso há uns cinco anos. Era um dos nossos "passeio de namorados" favoritos.
Hoje moramos em São Cristóvão e quase sempre bebemos umas geladas na Tijuca.
PS: Eu e a patroa estamos programando uma visita ao "Novo Joaquim" nesta sexta. Nos veremos por lá.
ass.: Tande Biar.