20.2.09

CARNAVAL 2009

O blog está prestes a completar 5 anos de vida e eu, o dono, a completar 40. Pela primeira vez, no blog e na vida, deixo de externar minha mais intrínseca euforia (eu disse euforia, não disse alegria) com a chegada do Carnaval. Talvez - pensei demais nisso ontem, quando fui à Madureira e pude ver as ruas em festa - pelo fato de que jamais, nem de longe, vesti, como agora, a fantasia de pierrô.

A todos vocês, um grande Carnaval.

15.2.09

ENTREVISTA - ANDRÉ PERECMANIS

Quem me conhece minimamente sabe que uma das minhas frases de bolso é:

- Não gosto de advogados.

Trata-se, é evidente, de uma redonda brincadeira. Mais que uma brincadeira, é uma crítica a uma classe, a qual pertenço, que parece não ter noção de seu papel fundamental na sociedade, como capacitador (da) e elemento indispensável (à) justiça.

Sempre me senti (e ainda me sinto) peixe fora d´água ao lado de advogados que, mais que a justiça, buscam pose e status.

Há as exceções, é claro. E muitas. Valendo-me de meu espaço, presto homenagem a três colegas meus que honram o diploma que obtiveram e que fazem da advocacia um verdadeiro sacerdócio capaz de lhes dar o sustento com honestidade e a consciência tranquila do dever cumprido, dia após dia, sem contradições no que diz respeito ao modo de pensar e ao modo de agir profissionalmente. São eles Marcus Gramegna, o Marcão, Rodrigo Sousa (ainda estudando, e graças ao PROUNI (!!!), e no qual aposto minhas fichas) e André Perecmanis. E é sobre o André que quero lhes falar no dia de hoje.

Conheço o André há um bom número de anos. Identificamo-nos, de cara. Fomos descobrindo, ao longo do tempo, inúmeras afinidades que estreitaram, na medida permitida pela correria de nossas vidas, nosso relacionamento.

Criminalista competentíssimo, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro tendo colado grau em janeiro de 2001 (e eu em 1992..., notem como sou uma múmia ao lado dele), começou como estagiário na área de Advocacia Criminal no Escritório Arthur Lavigne Advogados Associados em 1997. Em janeiro de 2001, foi contratado como advogado pelo mesmo escritório, do qual veio a se tornar sócio em 2006.

Desde 2007 é Professor Substituto de Prática Jurídica (área penal) da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), aprovado em primeiro lugar. E desde 2008 é Professor Auxiliar de Prática Jurídica (área penal) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

É, acima de tudo, um grande homem. Um homem de bem.

Pensei em publicar uma pequena entrevista com o André movido por uma sucessão de fatos curiosos. Sai na imprensa uma notícia sobre o resultado do julgamento de um crime de clamor público e meu telefone não para. O STF mandar soltar um ou outro preso e minha caixa de emails fica cheia. Dia desses, almoçando comigo, o Vidal apontou-me o indicador no nariz, aos gritos:

- Que beleza, hein!? Absolveram o assassino e você continua achando a Justiça ótima, né?

Como não trabalho na área criminal e como confio absolutamente no André, que lhes apresento virtualmente hoje, propus a ele esse pequeno bate-papo, que foi também virtual. Enviei-lhe as perguntas por email, sem pressa, e ele, gentil como sempre, em menos de 24h devolveu-me tudo devidamente respondido.

Com vocês, André Perecmanis, a quem agradeço, publicamente, a atenção e o carinho costumeiros:

EG: é sabido que os assuntos relacionados ao direito criminal, e parece-me que especialmente os que envolvem o direito processual penal, mexem demais com a opinião pública. Mais que isso, mexem com as pessoas individualmente, que passam a expressar suas opiniões sem o necessário conhecimento técnico, fazendo com que, as mais das vezes, a Justiça seja alvo de críticas, o Direito seja alvo de críticas, os Juízes, Desembargadores e Ministros sejam alvo de críticas - quase sempre infundadas pois emitidas no calor da paixão que cega. Diante disso, gostaria de saber o que você pensa sobre isso, sobre esse envolvimento entre as leis penais e o cidadão comum. Até que ponto, André, a sensação de injustiça e de impunidade é compreensível?

AP: acho absolutamente compreensível, até mesmo porque corresponde à realidade. As investigações são lentas e muitas vezes ineficazes. Os processos, demorados em demasia. A resposta judicial, quando vem, se dá muito tempo após o crime. Discordo frontalmente, entretanto, das causas e das soluções que a opinião pública apresenta. Não concordo com a idéia de que o excesso de direitos dos acusados seja a causa da impunidade. Tais direitos, ao revés, são a garantia de um julgamento justo, segundo o qual o acusado somente possa ser condenado com base em provas concretas. Quanto a isso, não posso conceber a idéia de diminuir direitos dos acusados, mas sim de fazer com que tais direitos sejam aplicados igualmente para todos, independentemente da condição social, econômica, da crença religiosa, da etnia, enfim, de caracteres pessoais. Não concordo com a idéia de que os processos são muito demorados porque o acusado tem direito a muitos recursos. O que faz com que os processos demorem anos para chegar ao fim é a escassez de juízes, em número muito inferior ao necessário para julgar tantos casos. Não concordo com a idéia de que pouco se condena porque a Justiça é complacente com os acusados. Se o acusado não é condenado é porque prova a sua inocência ou porque as investigações feitas pela polícia são ineficazes. E assim o são porque os policiais são mal preparados, mal aparelhados e, principalmente, muito mal pagos. Além disso, o código de processo penal não confere ao acusado o direito de se defender nas investigações policiais, só vindo a permitir-lhe a assistência jurídica efetiva na ação judicial. Se o acusado pudesse se defender adequadamente ao longo da investigação prévia, talvez muitos processos pudessem ser evitados, diminuindo-se a sobrecarga no Judiciário e permitindo-se uma justiça mais rápida e eficaz. Não concordo com a idéia de que mais punição, em especial com a privação da liberdade, vá reduzir a criminalidade ou a impunidade. Acho mesmo que isso é fácil de se demonstrar. Por acaso a criminalidade e a impunidade diminuíram com a criação da lei de crimes hediondos? Por acaso a criminalidade e a impunidade diminuíram com o endurecimento da legislação de trânsito? Creio que a resposta negativa seja evidente.

EG: valendo-me desses casos rumorosos que abalam a opinião pública, muitas vezes manipulada por uma imprensa sensacionalista, diga-me o que você pensa sobre a decisão que absolveu o policial envolvido na morte daquela criança na rua Uruguai, na Tijuca, baleada durante uma abordagem equivocada por parte da polícia.

AP: sinceramente não me sinto confortável em opinar sobre um caso em relação ao qual não vi as provas. A experiência que venho tendo em minha carreira me mostra que as informações constantes dos jornais muitas vezes não apresentam um quadro exato do que consta no processo. De todo modo, do que pude ler a respeito do caso, ao menos em tese a decisão dos jurados me pareceu bastante equivocada. Se realmente não tiver sido efetuado disparo algum em direção aos policiais, como dizer que eles atuaram no estrito cumprimento do dever legal? Acho válido chamar a atenção para um dado que foi divulgado. Se bem entendi, os policiais teriam afirmado que pensaram tratar-se de ladrões de carro e, por isso, dispararam aquela enormidade de tiros. Ora, quer dizer que se fossem efetivamente ladrões a conduta correta seria o extermínio? De qualquer forma, o despreparo dos policiais é flagrante e certamente deve ser analisado com o cuidado necessário. Por fim, reitero que não li o processo e não sei o que efetivamente foi produzido como prova.

EG: e sobre a decisão tomada pelo STF (por sete votos a quatro), e considerada histórica, que determinou que um réu pode recorrer em liberdade caso não tenha sido condenado em última instância...

AP: a decisão é irretocável e nada mais faz do que dar cumprimento efetivo a um dos princípios mais importantes previstos em nossa Constituição, qual seja, o princípio da presunção de inocência. De acordo com o referido princípio, aplicável a todos os cidadãos, independente da gravidade do crime atribuído, ninguém pode ser tratado como culpado antes de ser condenado definitivamente. A razão de ser do aludido princípio consiste no fato de que enquanto houver recurso pendente de julgamento, a condenação poderá ser revista. Justamente por esse motivo não se pode permitir que alguém que ainda pode vir a ser absolvido seja obrigado a cumprir pena. Importante destacar, ainda, que mesmo réus confessos podem vir a ser absolvidos. Cito um exemplo: um indivíduo confessa ter matado outra pessoa. Esse fato, por si só, não significa que tenha ele cometido o crime de homicídio. Se, por exemplo, o assassinato tiver sido a única forma possível do acusado proteger a sua integridade física de uma ameaça real e iminente à qual mão tenha dado causa, estará agindo em legítima defesa e o próprio Código Penal impedirá a sua condenação.

EG: você acha que procede o sentimento comum de que a Justiça é uma para pobres e outra para ricos?

AP: em parte, sim. Todavia, creio ser importante destacar alguns aspectos a esse respeito. Em primeiro lugar, é de se esclarecer que pessoas mais pobres dificilmente têm acesso a bons advogados, que possam dedicar a atenção e o cuidado necessários à defesa. Infelizmente, a defensoria pública, apesar de contar com excelentes profissionais, trabalha em condições ruins, muito aquém daquelas que poderiam ser consideradas adequadas. Tal fato reflete uma decisão política bastante clara. Outro dado que me parece relevante é o de que os crimes que o Código Penal define como patrimoniais, como furto e roubo, possuem natureza eminentemente social, sendo praticados eminentemente por pessoas mais desfavorecidas economicamente. Tais crimes, por sua própria natureza, são cometidos nas ruas, avenidas, em locais públicos e, portanto, mais facilmente investigáveis pela polícia. Por sua vez, os vulgarmente denominados crimes financeiros, praticados eminentemente por pessoas de condição sócio-econômica mais favorecida, são, via de regra, cometidos dentro de salas fechadas, gabinetes e por meio de complicadas operações financeiras, sendo, assim, de investigação muito mais difícil. Por essas razões, é indiscutível que o índice de condenações de pessoas mais pobres é muito superior ao de condenações de pessoas mais favorecidas economicamente.

EG: outra opinião comum que se ouve diz que não há mais jeito de combater a criminalidade e o crescimento vertiginoso da violência. Você concorda com isso?

AP: não. Certamente não há como combater criminalidade por meio de endurecimento de penas e redução de direitos. Isso só aumentará as injustiças, os erros judiciários e contribuirá para o embrutecimento ainda maior do tecido social. Creio que o melhor a ser feito é a implementação de políticas sociais efetivas, reduzindo-se os fatores que propiciam o surgimento da criminalidade. Se um adolescente souber que estudando, poderá ter uma vida digna, visibilidade social, respeito de seus concidadãos e acesso a bens de consumo que lhe são apresentados diariamente pelos mais diversos meios de comunicação, será que vai optar por uma vida marginal, perigosa e indiscutivelmente curta? Outra medida que me parece interessante e já vem sendo, ainda que de maneira muito tímida, implementada, é a adoção de programas de reinserção social de egressos do sistema penitenciário. Afinal, se o condenado sabe que, após ser afastado da sociedade e cumprir a sua pena, estará para sempre estigmatizado e com as portas do mercado fechadas, que opção terá?

EG: eu sou radicalmente contra a pena de morte, apontada por grande parte da população como medida necessária ao combate à violência, uma das mais crassas incongruências. Sei que você também é contra a pena de morte. Diga-me por quê.

AP: a esse respeito, creio ser importante estabelecer algumas premissas. Inicialmente, entendo estar estatisticamente comprovado que a pena de morte não reduz criminalidade. Dessa forma, o motivo de uma eventual implementação da pena capital seria a crença de que determinados criminosos mereceriam morrer. Todavia, um dos maiores equívocos que se pode cometer é achar-se que somente aqueles delinqüentes que supostamente merecessem a morte seriam executados. Qualquer sistema judiciário é composto por seres humanos, dotados de emoções, conceitos, preconceitos, vaidades, defeitos, e, portanto, passíveis de erros. Se considerarmos que os crimes que dariam ensejo à pena de morte seriam justamente aqueles reputados mais graves, hediondos e que maior repulsa social causassem, parece-me claro que a pressão pública (natural, é bom que se diga) para o encontro de um culpado aumentaria consideravelmente a chance de um erro judiciário. Além disso, é bastante comum o juiz, sendo um cidadão como qualquer outro, se deixar levar pela gravidade da acusação feita e não conseguir analisar com o distanciamento necessário se tal imputação está baseada em provas efetivamente concretas. Assim, por estar convencido de que nenhum sistema é infalível e, ainda, por acreditar que a execução de dezenas de criminosos jamais justificaria a morte de um inocente que fosse, é que sou terminantemente contra a adoção da pena de morte. Aspectos como o embrutecimento oficial do tecido social com a implantação da pena capital só vêm demonstrar de forma ainda mais evidente quão nociva seria a implementação da pena de morte.

EG: qual a participação da corrupção (em todos os níveis) nesse processo de brutal descrença na Justiça Criminal?

AP: é difícil mensurar, mas certamente uma participação relevante. Como ainda predomina um forte sentimento corporativista em nossas instituições, a ausência de investigações sérias para apurar desvios de conduta acaba fazendo com que paire sobre determinados agentes públicos uma perigosa, e muitas vezes falsa, presunção de culpabilidade, o que causa enorme prejuízo ao sistema judiciário como um todo. Isso porque, pairando a idéia de que o sistema é corrupto, qualquer absolvição acaba sendo vista não como fruto da prova da inocência do acusado, mas da corrupção ou da troca de favores envolvendo os agentes envolvidos no julgamento.

EG: quais as medidas mais urgentes a serem tomadas pelos legisladores a fim de que haja maior eficácia por parte do Estado no combate à impunidade?

AP: sinceramente, não visualizo nenhuma medida legislativa verdadeiramente eficaz que seja de rápida implementação. No plano legislativo, creio que a alteração do Código de Processo Penal para garantir aos acusados o direito à ampla defesa no inquérito policial poderia evitar a instauração de processos desnecessários, diminuindo a sobrecarga dos juízes e permitindo julgamentos mais rápidos e precisos. O combate à impunidade e à criminalidade, no entanto, está longe de ser simples e passará sempre pela implementação de medidas sociais efetivas que importem em distribuição de renda e melhoria das condições de vida das parcelas mais carentes de nossa sociedade. No que se refere especificamente à investigação criminal, entendo que sem a reformulação geral nas polícias, com o incremento, por um lado, das condições de trabalho, como melhoria nos salários, no aparelhamento e no desenvolvimento de técnicas investigativas, e a instalação, por outro, de órgãos verdadeiramente independentes destinados à fiscalização das atividades policiais e apuração de eventuais desvios de conduta, não se poderá cogitar da redução na criminalidade. Creio que cargos vinculados às ouvidorias e corregedorias deveriam ser separados da estrutura comum das polícias, de modo a evitar o desenvolvimento de relações promíscuas entre investigadores e investigados.

EG: está correndo a internet uma carta supostamente escrita por uma mãe, que teve seu filho assassinado, endereçada à mãe do assassino. O título da carta é "DIREITOS HUMANOS SÃO PARA HUMANOS DIREITOS", outra incongruência aguda. Você pode me dizer o que pensa desse sentimento, a meu ver incompreensível, de que advogados e organizações não-governamentais só se preocupam com os criminosos e nunca com as vítimas?

AP: acredito que haja dois aspectos importantes nessa questão. Em primeiro lugar, a idéia de que haveria humanos direitos e humanos errados. Comportamentos desviantes não são simples de se analisar pois podem ter diversas causas concomitantes, mas certamente aqueles que os praticam não são necessariamente “humanos errados”. O simples fato de se realizar uma conduta que a lei define como crime, por si só, não diz tanto a respeito da índole do cidadão. Cito o exemplo da abolitio criminis. Diz-se ter ocorrido abolitio criminis quando uma conduta que a lei reputada criminosa deixa de ser assim considerada por uma lei posterior, tendo como conseqüência imediata a extinção de todos os processos e penas instaurados por aquela conduta. Ou seja, a própria sociedade, por meio de seus representantes eleitos, reconheceu que aquela conduta não deveria ter sido criminalizada. Assim, o simples fato de um cidadão realizar uma conduta que, em determinado momento histórico, a lei considerada como crime, não pode dar ensejo à sua classificação como “humano errado”. Outro aspecto importante é a idéia equivocada de que organizações de direitos humanos e advogados somente levantam a voz em favor de quem é acusado da prática de um crime. Essa idéia nasce, infelizmente, da ignorância com relação à atuação de tais agentes. Cito como exemplo a comissão de direitos humanos da OAB/RJ, da qual fui delegado. Há todo mês uma sessão aberta ao público denominada “OAB DE PORTAS ABERTAS”, em que vítimas da violência levam ao conhecimento da comissão suas vivências pessoais e recebem o apoio jurídico necessário. Na realidade, a atuação de organismos não governamentais e advogados acaba possuindo destaque maior em defesa de acusados por uma única razão, qual seja, a violação aos direitos humanos de qualquer cidadão é sempre grave, mas assume especial relevância quando quem pratica tal violação é o próprio Estado, por meio de seus agentes públicos, pagos justamente para impor e fazer respeitar as leis.

EG: você pode contar, sem dar nomes, evidentemente, qual foi o caso em que você atuou e que lhe rendeu a mais grata sensação de partícipe efetivo para que a Justiça fosse feita? O caso em que a sensação de dever cumprido foi completa...

AP: é realmente difícil citar um caso específico. Em todas as ocasiões em que tive a oportunidade de atender pessoas pobres, desassistidas, abandonadas pela sociedade à própria sorte, e, de alguma forma, consegui obter uma solução adequada, tive a sensação de participar ativamente do processo de fornecimento da justiça. Mas creio que um bom exemplo desse sentimento se deu quando atendi gratuitamente, a pedido de uma ONG de defesa dos direitos da mulher, uma jovem muito pobre, que não tinha familiares no Rio de Janeiro, morava em um trailer com um filho pequeno, trabalhava mais de doze horas por dia e estava sendo acusada da prática de homicídio duplamente qualificado, crime considerado hediondo e cuja pena máxima poderia chegar a 30 anos de prisão. Segundo me foi relatado, a jovem, grávida do segundo filho, sem saber quem seria o pai, desesperada, já no sexto mês de gravidez, decidiu tentar realizar o aborto por meio da introdução em sua vagina de uma pílula de Cytotec (remédio abortivo). Imediatamente, a jovem começou a sentir-se mal e foi levada ao hospital. Ao realizar o exame de toque, a médica descobriu a pílula que havia sido inserida e, tomada de fúria, deixou a jovem no soro sem atendimento e chamou a polícia. Antes da chegada da polícia, a jovem sentiu vontade de ir ao banheiro e, ao lá chegar, sentiu o movimento de expulsão da criança, que acabou caindo na privada. Completamente desorientada e ensangüentada, a jovem clamou por ajuda. A médica, então, chegou ao local, pegou a criança e, aos gritos, inventando que a jovem teria dado a descarga, acusou-a de assassina. Pouco após chegou a policia e algemou a jovem ao pé da cama. Na manhã seguinte, a jovem foi levada à delegacia, onde se lavrou o auto de prisão em flagrante por infanticídio (homicídio praticado pela mãe sob influência do estado puerperal). Comunicado o flagrante ao Ministério Público, a Promotora de Justiça (que posteriormente soubemos estava grávida), fez uma acusação formal muito mais grave contra a jovem, na qual lhe atribuiu o crime de homicídio duplamente qualificado, ao argumento de que a acusada teria jogado a criança na privada e dado a descarga. A defensoria pública já havia pedido a liberdade provisória da jovem e o juiz havia negado, sob a alegação de que por se tratar de crime hediondo, a lei proibiria tal beneficio. Logo na primeira semana, consegui convencer o juiz a reconsiderar a sua decisão e a conceder a liberdade à jovem. Ao longo do processo, consegui demonstrar, inclusive com a retratação da médica, que a jovem jamais jogara a criança na privada e, menos ainda, dera descarga. Assim, o promotor de justiça que veio a assumir o caso pediu a desclassificação da acusação para o crime de aborto e a suspensão do processo por dois anos mediante condições, benefício previsto na lei. O juiz concordou com o pedido, suspendeu o processo e, ao final do prazo, tendo a jovem cumprido todas as condições estabelecidas, o caso foi arquivado, mantendo-se a sua primariedade e seus bons antecedentes. Creio que esse caso ilustra bem uma hipótese em que tive a oportunidade de contribuir para evitar uma terrível e irreparável injustiça contra uma jovem muito pobre e desacostumada a ter alguém falando em sua defesa.

13.2.09

DATAFOLHA, UMA FINA ABORDAGEM

Saio do escritório pra almoçar, na terça-feira, e me dirijo, a pé, pro mesmíssimo restaurante de todos os dias, no comecinho de Laranjeiras. Não é nem meio-dia, ainda. Sou parado por um senhor, na casa de seus cinquenta anos, que me segura pelo braço exibindo um crachá onde se lê DATAFOLHA.

- Bom dia, senhor. Posso dispor do seu tempo não mais do que cinco, dez minutinhos?

Imaginando, patriótico, que eu daria entrevista para uma pesquisa de sondagem sobre a eleição de 2010, e já me imaginando a dizer "Dilma", de boca cheia, topei.

O homem sorriu exultante (pensei com meus botões que a grande maioria das pessoas não cede a esse tipo de apelo). Ajeitou a prancheta numa das mãos, tomou da caneta, respirou fundo e disse:

- Posso começar?

- Pode.

- Antes farei umas perguntinhas sobre o senhor, tá? Tudo sigiloso.

- Pois não.

- Seu primeiro nome, apenas.

Eu disse.

Daí ele perguntou se eu morava em imóvel próprio. Se eu tinha diarista em casa. Perguntou quantos televisores, quantos rádios, quantas geladeiras, freezers, máquinas de lavar, carros, esses troços. Perguntou qual meu grau de instrução (acho que foi a última pergunta).

Respondi tudo, solícito, vendo o homem marcar "x" em sua tabelinha.

Ele franziu a testa.

Olhou-me tristíssimo.

Não resisti:

- Algo errado, chefe?

Ele começou a contar em voz alta, correndo a canetinha sobre os "x":

- Dois, três, cinco, sete, dez, doze... - foi contando.

À certa altura, depois de fazer a conta três vezes (eu o ajudei na terceira vez, havia uma tabelinha conversora abaixo do questionário), ele me disse pesaroso:

- Obrigado, senhor... Mas não podemos continuar...

- Não?

- A soma deu 34. E a pesquisa só pode ser feita com membros da classe A.

Eu ri. Ri e perguntei:

- E eu sou de qual classe?!

Constrangido, pedindo desculpas (!!!!!), ele respondeu olhando pro chão:

- B1.

Até.

11.2.09

IMPERIANO DE FÉ NÃO CANSA

São três os imperianos de fé a quem homenageio nessa quarta-feira de sol, prenúncio de uma noite luminosa, quando a Álvaro Alvim, como em magia, transformar-se-á numa prateada faixa de areia. E o Teatro Rival no mar para que a sereia verde-e-branca, de setenta vezes sete nomes, abençoe os romeiros de fé, todos descendo a pé da Serrinha (lembrem-se da mágica da noite), que para lá irão em procissão.

São eles (em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades) Carlos Andreazza (saravá, camarada!), Luiz Antonio Simas (saravá, camarada!) e Marcelo Moutinho (saravá, camarada!).

O primeiro, que há dias teve a honra de beijar, com todo o respeito e tradição que a honraria pede, o pavilhão do Império Serrano (vejam aqui). O segundo, sabedor dos segredos que tornam possível o suposto delírio do primeiro parágrafo deste texto. E o terceiro, autor do roteiro de toda a mágica que irá emocionar os presentes, como em 2008, quando a noite foi profética (leiam aqui para entender).

Até.

4.2.09

MAÇÃ TATUADA EM OSWALDO CRUZ

publicado no GLOBO ON LINE de 04 de fevereiro de 2009Maçã tatuada

Moacyr Luz e Aldir Blanc

Numa esquina de Copa ficava parada
alvejada pelas setas do vício
e o início tinha sido divino:
um amante latino...
Sua boca vermelha, a maçã tatuada
sobre o ombro (a sombra de veludo)
a pele onde um homem que é nada
pensa que é capaz de tudo

Entre o ouro e a miçanga ofegava a audácia
entre a joalheria e a farmácia
entre ser a nova estrela da Banda
e uma filha de Umbanda...
Toda vez que as pestanas castanhas batiam
o olhar trocava mil slides
Na praia, na lambada,
com a amiga que já faleceu de Aids...

E na bolsa quando ia ao toalete
a gilete, o sempre-livre
e o chiclete importado
o velho exemplar do despertar de algum mago...
O apelido que não posso esquecer:
a Jezebel da Duvivier
Saiu assassinada na manchete
entre a greve e os motins urbanos...
Chamava-se Moema, era morena,
e tinha apenas treze anos

Até.

2.2.09

SENTENÇA JUDICIAL, INACREDITÁVEL

ESTE TEXTO AGORA PODE SER LIDO AQUI.