Sentei-me aqui para lhes escrever e ocorreu-me um troço: começo o texto na condição de jurado do festival
COMIDA DI BUTECO (que terminou ontem, com a entrega dos prêmios, vale ler o relato de
Janir Júnior, irmão de meu irmão
Luiz Antonio Simas em seu
RIO DE CHINELO,
aqui) e o terminarei na condição de jurado de morte. Vejamos.
Vocês que me acompanham sabem que nunca fui, digamos, um entusiasta da idéia. Vejam o que escrevi
aqui, em agosto de 2008, e
aqui, no começo de maio de 2009, e vocês verão que nunca fui um empolgado com a idéia. A idéia, diga-se, é ótima, precipuamente, para os organizadores. Segundo é sabido e consabido os organizadores, dentre eles o sr.
Eduardo Maya, o pai da idéia, vivem disso e nisso são geniais. Lucram com a idéia
COMIDA DI BUTECO (que virou grife), a idéia de fato fomenta o ramo dos bares e botequins (e dos restaurantes também, eis que restaurantes também participam da festa) e, no final das contas, todo mundo que orbita em torno do festival sai ganhando. O grande problema, graaaaande problema, com ênfase szegeriana, é tomar o resultado do festival (pífio, pífio, eu diria ridículo) como parâmetro.
Quando chamado para ser jurado, fui convocado para uma reunião na qual seriam apresentados os critérios do festival, e que deveriam ser respeitados pelos julgadores. A caminho da tal reunião, no Leblon, uma frase de meu pai martelava minha cabeça: "seja o que for que tu fores fazer, faz teu melhor". Ficamos sabendo, nós, os jurados, que deveríamos julgar a criatividade e a originalidade dos petiscos (é um festival que se anuncia como um festival de petiscos), a apresentação dos mesmos e, evidentemente, o sabor. Além disso, envolvendo o petisco em si, a higiene do local e o atendimento.
Já na reunião, como um aluno atento, e polemista (como disse, certa vez,
Aldir Blanc), levantei o dedo após a exposição feita por uma das organizadoras:
- Se é comida de buteco o que está em jogo, como pode a Academia da Cachaça, na Barra, a antítese do Rio de Janeiro, um deserto agudo de botequins e afins, com uma filial no Leblon, inclusive, participar do troço?
A resposta foi, a meu ver, vaga:
- Tem filial mas não é franquia. São os mesmos donos.
Redargui:
- Mas não é buteco.
Ela disse um troço que eu jamais ouvi:
- Como você é radical!
Fui jurado de quatro bares. A princípio eu seria de três, mas fui convocado de última hora para julgar um quarto por conta de um imprevisto com outro julgador. Julguei a comida (pela ordem de visita) do
CACHAMBEER (costela no bafo), do
BAR VARNHAGEN (vaca atolada), do
BAR BRASIL (kassler) e do
ARMAZÉM CARDOSÃO (bolinho de carne).
Eu disse "outro julgador" e quero lhes contar outra coisa. Na tal reunião a que me referi, imediatamente após o sorteio dos bares que caberiam aos jurados, ouvi frases inacreditáveis dos meus - digamos - colegas:
- Não dá pra trocar o meu, não? Queria só na zona sul.
- Cachambi?! Cruzes! Alguém quer trocar comigo?
- Ah, gente, Brás de Pina ninguém merece. Consegue um no Leblon, onde moro...
Eu - e estou querendo dizer com isso que busquei honrar o conselho de meu pai o tempo todo - recebi o
ACONCHEGO CARIOCA no sorteio. E disse, no ato:
- Declaro-me impedido! Sou amigo da Kátia e da Rosa, as donas.
Esse não foi o critério de nenhum dos demais, preocupados apenas - a grande maioria - com o conforto geográfico.
Eu ainda disse pro cidadão que queria "só na zona sul":
- Você não deveria ser jurado do festival. Espere um festival só na zona sul e aceite o encargo!
Houve um burburinho, um princípio de bate-boca e ficou tudo por isso mesmo.
Guiando-me pelos critérios do festival, perderam pontos no quesito criatividade e originalidade os quatro que eu julguei. Costela no bafo já fazia parte do cardápio do
CACHAMBEER, o kassler está há milênios no
BAR BRASIL, vaca atolada não foi inventada ontem e bolinho de carne, convenhamos...
Não lhes direi sobre minhas notas, mas eis aí o que me guiou.
A apresentação da costela no bafo era a mesma que se vê em qualquer lugar que serve costela no bafo, o kassler vinha cortado num prato pequeno (sem comentários), a vaca atolada vinha à mesa numa original arrumação, com o aipim fazendo papel de muro e a carne, fumegante, no meio, e o bolinho de carne bem bacana, com alecrim e um molho bastante diferente.
Eis que ontem foi a festa de entrega dos prêmios.
Uma da organização me dizia:
- Nem nós sabemos os vencedores! Só no dia! Só no dia!
O bobalhão aqui acreditou.
Os cinco primeiros colocados receberam, na noite da festa, pratos de louça como prêmios, indicando sua colocação (feitos quando, hein?!).
O quinto lugar coube ao
PAVÃO AZUL, em Copacabana, com caldinho de feijão. Não comi, não posso opinar. O quarto lugar coube ao
BAR VARNHAGEN, na Tijuca, e fiquei feliz pela conquista da dona
Natalina e de sua família. O terceiro lugar ficou com o ENCHENDO LINGÜIÇA, no Grajaú, com lingüiça enrolada numa fatia finíssima de batata chips, que provei e gostei. Original, além de tudo. O segundo lugar coube ao
ORIGINAL DO BRÁS, que concorreu com um prato de extremíssimo mau gosto. O prato, batizado de Doce Refúgio, numa homenagem, segundo os donos do bar, ao
Luiz Carlos da Vila, era composto por lombinho, massa folheada com farofa (o quê é isso, minha gente!) e uma redução lamentável de tamarindo. A apresentação, pernóstica, cafona e muito feia, fazia com que o incauto provador corresse risco de ficar cego. Fincados em alguns pedaços de lombinho, espetos de madeira enormes de onde pendiam folhinhas de tamarineira. Bom, isso aí ganhou o segundo lugar. O primeiro lugar - tirem as crianças da sala! - ficou com a
ACADEMIA DA CACHAÇA, na Barra da Tijuca, que concorreu com uma empadinha de queijo coalho com alecrim. Não comi e não gostei. Não gosto do bar. Empada não é petisco. Barra não é Rio de Janeiro. E o festival provou que não entende nada do riscado (como eu já desconfiava).
A festa foi no
CENTRO CULTURAL CARIOCA e teve show de um grupo chamado
TIO SAMBA. Eu posso dizer a vocês que o show foi à altura da festa e do resultado final.
PETIT PAULETTE ficar de fora foi a maior prova da barbaridade do resultado. Com seu croquelete, fabuloso, criativo, original, bem apresentado e saborosíssimo, ele foi, desde o instante em que provei o prato, o franco e absoluto favorito.
Mas sabem de uma coisa?!
Melhor assim.
A Praça da Bandeira fica com quem reconhece o valor do cara, a encarnação do
Barão de Iguatemi, com quem curte
Kátia,
Rosa,
Mariana e o povo daquela rua - e vem mais coisa boa por aí! - e os otários de plantão seguirão com suas vans, suas caravanas, suas excursões, em direção à Barra da Tijuca e à Brás de Pina.
Não passarão!
Até.