24.9.09

HIPOCRISIA

Nem precisa muito para chegarmos à triste conclusão de que a hipocrisia, a mais sólida e explícita hipocrisia, as manifestações abjetas de beatice por parte de verdadeiras bestas que desonram a condição livre do homem, estão tomando conta do mundo, corroendo o mundo, derretendo o mundo, fundindo o mundo. Lendo, por exemplo, mais um magnífico texto de autoria de Luiz Antonio Simas, aqui - ele dá aulas de História como quem respira! -, verificamos que essa onda do politicamente correto, propulsionada por essa escumalha que bate no peito pra gritar "somos cidadãos de bem", "somos pagadores de impostos" e outros bichos, há de matar - e talvez mais brevemente do que desejamos todos - o homem. O homem sem humor (que é sempre a primeira vítima da postura supostamente elevada dessa gente) é o anti-homem. O homem sem humor é a máquina a seguir regras, regras de postura, regras de condura, e quando olharmos seremos todos iguais, desgraçadamente iguais numa noite sem lua e sem graça.

Vamos ao que tenho a lhes dizer hoje.

As sandálias havaianas (já falei sobre elas, aqui), que há tempos deixou de ser marca de pobre (lendo o texto acima você entenderá, minimamente, o que quero dizer com isso), lançou, dia desses, um comercial para a TV. Assista-o (o filme está imediatamente depois desse parágrafo) e continuamos a conversa.


Um comercial - convenhamos - bem humoradíssimo. Um comercial que mostra uma avó chocando a neta (que deixa de ficar chocada em questão de segundos!) por conta de um simples comentário feito depois de um rápido diálogo que começa quando o ator Cauã Reymond, no papel dele mesmo, entra no restaurante em que avó e neta almoçavam.

Tudo em ordem.

Comercial curtíssimo, texto bem humorado (não é demais repetir) - a avó que se mostra incomodada com o fato da neta ir ao restaurante de chinelos é a mesma que dá um susto na neta, segundos depois, com uma tirada hilariante -, uma atriz com cara de vovó no papel da avó, uma atriz lindíssima (com pés igualmente lindos) no papel na neta, e um ator que também abusa do direito de ser bonito no papel de alvo da conversa entre as duas. Algo de errado?

É evidente que não.

Errada, lamentável, reprovável e abjeta foi (e é) a postura da canalha que brande por aí a bandeira da moral e dos bons costumes. Vejam, agora, o filme abaixo. Continuo em seguida.


O que dizer diante disso? Não lhes parece sintomática a ameaça final "em minha casa todos são clientes, não compramos este produto em sexshop"????? Não lhes soa familiar e próxima da frase chavão "nós, cidadãos de bem que pagamos impostos..."?????

E o que dizer da desonesta, burra e rasa associação que tenta fazer, o autor do filme, ao sexo fora do casamento com a pedofilia?!

A empresa, que visa o lucro acima de tudo (e não vai, aqui, qualquer espécie de reprovação a isso, afinal é uma empresa capitalista), optou por uma inteligente, elegante e mais uma vez bem humorada saída.

Está no ar o filme abaixo. Com a mesma avó, ainda mais moderna - agora indicando, com um laptop no colo, o site da empresa que ainda mantém no ar o filme que só é polêmico na cabeça doente dos "cidadãos de bem".


Até.

PS: pelo que pude apurar, o movimento para retirar o comercial do ar começou - ou foi fomentado - aqui.

19 comentários:

Blog do Ernestão disse...

Então Edu...

Putz...

Como comentar? É meio dificil verbalizar (escrever), mas um exemplo crasso:

Interpretar a Bíblia como está escrito, palavra por palavra é uma coisa e interpretar o que ela quer dizer nas entrelinhas, no coração, no sentimento e dependendo do seu estado de espirito é outra.

Acho que é mais ou menos assim... complicado.
Mas a saída encontrada foi inteligente.

E o que dizer então destes que gostam de bater no peito, moralistas, tipo TFP (Tradição, Família e Propriedade.

Nossa... é melhor parar por aqui!.

Abração

Ernesto

Eduardo Goldenberg disse...

Ernesto: você esqueceu de fechar um dos parênteses... Aquele abraço.

Vania e Chris disse...

Edu,
caí na besteira de mostrar minha indignação com a censura ao excelente comercial da Havaianas, num fórum, e fui "apedrejada" pelos hipócritas.
Eu queria, de verdade, que todas as meninas tivessem uma avózinha que conversasse com elas sobre sexo. Quem sabe, assim, elas não engravidariam precocemente ou coisa que o valha?!
beijo

Olga disse...

Edu, você sabe que eu fiquei em dúvida quando vi a 2ª propaganda, com a senhorinha moderna e linda explicando. Achei tão absurdo imaginar que alguém, ainda, em pleno século XXI, pudesse se sentir ofendido com coisa tão natural e inerente como o sexo, que pensei se tratar de mais uma jogada de marketing. Ainda mais que a propaganda é de uma beleza, de um bom gosto e um humor incomparáveis. Ao ler o seu texto agora fiquei passada.

A propaganda fez um tremendo sucesso na minha família. Os netos associaram a "velhinha moderna" à minha mãe, uma senhorinha de fato "prafrentex". E ela adorou a comparação, achou a propaganda maravilhosa.

Perfeita a sua indignação!

Vanessa Dantas disse...

Esse comercial é ótimo! E a linda vovó instigará ainda mais o acesso via internet. Que assim seja. Beijo.

Luiz Souza disse...

Acho fantástico uma avó falar sobre sexo com seus netos. Mas, de falar sobre sexo a aconselhar uma neta a fazer sexo com um desconhecido são léguas de distância. OK, tudo de acordo com o padrão de qualidade da propaganda brasileira atual, ou seja, uma porcaria. Aposto que a senhora deve ter gravado a parte do laptop no mesmo dia, de tão esperada que deve ter sido a reação ao comercial.

O pastor consegue ser ainda pior quando faz ilação com a criança grávida.

Enfim, em homenagem ao enfermo Niemeyer faço minhas as palavras dele: "Tá tudo uma merda! Tudo uma merda! Uma merda!"

Olga disse...

Edu, o que vale a pena no blogue fomentador, do pastor Cristiano (não sei por quê, mas não fiquei nem um pouco surpresa em saber a origem do troço asqueroso), é o solitário comentário.

Claudio Renato disse...

Todo mundo vai correr pro site...A empresa foi muito esperta e aproveitou a polêmica criada pelos fundamentalistas...

Unknown disse...

Ah os moralistas... Adoro-os, pois são, na maioria das vezes, os mais imorais. Roubam umzinho em nome de Deus, associam-se a políticos para fazer lobbies dos mais escusos, marcham com Deus e com a família para apoiar um golpe militar... Se espremer só escorre hipocrisia, mais nada.

E, sinceramente, o que é mais perigoso para um futuro cidadão: esse comercial ou deixar os filhos em casa vendo os desenhos matinais?

João Romão disse...

Antes de mais nada deixo claro que gramática e concordância não é o meu forte.

Fico pensando que nós, filhos dos anos 80, somos um bando de depravados e pedófilos. Passamos a infância toda assistindo Porks na Sessão da Tarde, seios e mais seios a mostra nos filmes do SBT. Duvido que quem fez a crítica nunca tenha assitido algum desses filmes.

De qualquer forma, vejo necessidade de fazer uma réplica a sua crítica: falta muito do homem um pouco de moral e do policitamente correto que você comenta. Isso não tem nada a ver com religião ou fé, e sim com respeito.

Uma coisa é a sacada fantástica da empresa Havaianas, e mais delicioso ainda foi como reagiu em relação ao problema causado. (Isso daria ainda horas de conversa de como isso foi inteligente, mas não é o caso).

Outra coisa é uma corrupção desmedida que acontece com todos. Todos, eu inclusivo. Furar filas, aproveitar do conhecido médico pra conseguir uma consulta num hospital público mais rapidamente, marcar o ponto no trabalho na hora errada pra ganhar mais. Isso tem o mesmo peso que os lobbys de licitações escancaradamente roubadas ou prefeitos que gastam milhões em suas próprias candidaturas sendo que o próprio salário de prefeito por 4 anos jamais bancaria tal propaganda.

Em especial ao Brasil, as coisas aqui tendem a acontecerem de forma imoral. Criamos leis e formas de defesa "pega espertinhos". É lei tapando buraco de lei tapando buraco de lei. É o orgulho do jeitinho brasileiro.

Já estive fora e digo que até agora não encontrei lugar melhor que as terras tupiniquins. E logo fico puto com pessoas que estragam tal fantástico país por ganho próprio que muitas vezes não precisam.

Para fechar, sou uma pessoa bastante idealista, tento ao máximo ser justo, mesmo que seja baseado no meu senso de justiça. E, logo, sou sem dúvida um hipócrita.

Afinal, todos que criticam são.

Um grande abraço.

PS: A única irregularidade permitida é não pagar alfândega e tenho dito.

Eduardo Goldenberg disse...

Vania: é assim mesmo que eles agem. E posso apostar com você que poucos se identificaram. São assim, os hipócritas. É assim, a canalha. Beijo.

Olga: e salve a nossa indignação, permanente, contra a canalha! Beijo.

Vanessa: que assim seja. Tomara! Beijo.

Luiz Souza: não entendi, não entendi. Onde a vovó sugere, assim, "sexo com desconhecidos"? Aquele abraço.

Claudio Renato: tomara que todo mundo corra mesmo pro site da empresa! Abraço!

Antonio: abraço, seja bem chegado!

João Romão: algumas coisas... Eu sou filho dos anos 60. Não entendi, franca e sinceramente, sua visão quando você diz que "falta muito ao homem um pouco de moral e do politicamente correto". O que isso tem a ver com respeito? Eis a confusão que fazem por aí. Chamar meu amigo negro de crioulo, chamar meu amigo baixinho de anão, o dono da loja de esquina de judeu, nada disso é falta de respeito. Repito: a onda do falso moralismo e do politicamente correto vão acabar com o que resta de Brasil. Aquele abraço.

Unknown disse...

Existe um ditado inglês que adverte que não existe bom humor de fato , se não existir uma certa dose de "auto-desprezo". O "não-levar-se-muito-a-sério".

Toda pessoa que se leva muito a sério escorregará, cedo ou tarde, para a chatice. O que me conduz as lembranças para um professor que tive na faculdade de Direito da UERJ , talvez você, Edu, conheça, o Luiz Fernando Couto. Chamando-nos sempre pelo seu jeito peculiar, antes de aceitar receber um a um para reclamarmos um que outro ponto nas provas, repetia seu bordão condicional: "mas, "doutores", não sejam chatos na argumentação...ser chato é indesculpável ! "

Eu me dou aqui, com a sua devida vênia, como um exemplo. Sou diabético e , putz !, quantas vezes me sacaneio publicamente por isso. Quando sinto aquela sede, que só os diabéticos conhecem, digo "porra, parece até que estou diabético". Ou , por outra, digo que , quando eu ficar "broxa" , por conta da diabetes, não me intimidarei, a medicina protética está muito evoluída, e minha "performance" só poderá ser melhor.

E por aí vai.

Guerra à chatice !

abraços

Marcio

P.S. quase pontuando este post, lembrei-me de outra boutade (será inglesa ?) sobre o moralismo : "moralismo é o medo de que alguém, em algum lugar, esteja sendo feliz".

Rodrigo Nonno disse...

Opa, Edu!

Sei que vai muito além, mas são esses aí mesmo que sempre pegaram no pé dos centros espíritas, dos terreiros...

São os intolerantes religiosos, que perseguem religiões e seitas, julgadas por eles, não por Deus.

Lamentável.

Mauro Rebelo disse...

Texto adorável Edu. Que bom que você encontra e divulga essas coisas. Seria bom se a Vânia desse o link desse fórum onde ela foi apedrejada pra gente entrar lá também e fazer coro com ela. Mas o que me irrita é a síndrome de vira latíce de alguns brasileiros. Eu só posso imaginar que 'morar fora' é diferente de 'viver fora' e que as vezes um se confunde com o outro. Porque quem já viveu em outro lugar sabe que é tudo igual, só muda o endereço. Nossa, nem precisa viver ou morar fora, basta ler jornal. Busch, Berlusconi, Príncipe Charles, Sarkozy, Akihito... me digam onde, em qualquer um desses países 'desenvolvidos', a começar pelos seus governantes, não reina a hipocrisia? Certo estava Tom Jobim quando dizia que 'Morar fora é bonzão, mas é uma merda. E morar aqui é uma merda, mas é bonzão.' Viva o povo brasileiro!

Paulo Rogerio disse...

é,

As pessoas de modo cínico ainda acham que ninguém deve fazer sexo fora do casamento (excetuando os próprios).

Porque não tentam fechar os motéis também?

Daniel Banho disse...

Que satisfação ler o comentário do Marcio H. sobre o professor Luiz Fernando Couto. Pode não ser o professor mais didático do mundo, ou o maior especialista em Direito Constitucional da face da Terra, mas é, sem dúvida, o maior mente aberta daquela faculdade (não é à toa que o as alunos mais frescos, chatos, nerds e mal amados o desprezam). Nunca vou esquecer sua frase "o professor é um motivador do Direito". Tem gente que acha que seu aprendizado vem todo do professor (aliás, o que não falta é professor "de grife" idolatrado na Uerj), quando na verdade ele é um agente motivador pra que você abra o livro e se aprofunde.

Abraços

Unknown disse...

Salve, Daniel.
Não sei qual ,hoje em dia,a realidade docente da minha, nossa, velha Faculdade de Direito da UERJ.

Existiu, quero dizer, brilhou, naquela Casa, um prócer chamado Celso Albuquerque de Mello, que, ao meu tempo, defendia a cadeira de Direito Internacional Público.Não sei se foi seu contemporâneo. Ocasião que tive, única, concorde comigo, única !, de ver 3 tempos seguidos , em plena sexta-feira, à noite, lotarem, a ponto de faltarem cadeiras , até nas salas ao derredor. Digo "3 tempos seguidos, em plena sexta-feira,à noite", pq tenho certeza que todos aqui sabem o vácuo que se dá neste período na , digamos, "contracultura universitária".(e ouça aqui uma sonora gargalhada)

O jurista Celso Albuquerque de Mello, de já saudosa memória, foi, sem exagero, a pessoa mais despojada que conheci nestes meus 37 anos de vida. Um homem de cultura vasta e hábitos , os mais humildes. Um Mestre que se fazia adorar sem custo, sem truques, sem prestidigitações.

Vou te jurar que ouvi-o dizendo a uma aluna, certa feita: "minha querida, você poderia repetir a pergunta, pq , além de psicótico maníaco-depressivo e com uma prótese peniana, eu estou ficando surdo ?"

E é precisamente a figura máxima do Mestre Celso de Mello que me vem à mente, quando penso no ditado inglês, sobre o "auto-desprezo",exposto lá em cima.

Edu, desculpe se desvirtuamos o tema do seu excelente artigo, mas acho que um buteco é isso, um lugar de encontros surpreendentes e boa nostalgia.

abraços

Marcio

Eduardo Goldenberg disse...

Esteja sempre à vontade, Marcio. O BUTECO é pra isso também! E tu sabes que fui aluno do Celso também? Na PUC. Grande figura, ele. Um abraço!

Daniel Banho disse...

Marcio, acredito que o professor Celso de Mello faleceu pouco antes ou logo assim que entrei na faculdade (início de 2005), não tenho certeza. Por isso, infelizmente, nunca tive oportunidade de assistir a uma de suas aulas.
Mas já ouvi histórias maravilhosas dele, como esse que você acaba de contar; permita-me invejá-lo profundamente. rs
Abraços!