5.9.09

INTERPRETANDO UM COMENTÁRIO

Segue sem arrefecer a polêmica causada pela nobilíssima iniciativa da Secretaria Municipal de Habitação de construir, na Conde de Bonfim, mais precisamente na Usina, onde há um imenso terreno outrora ocupado por um hipermercado (hoje abandonado), um conjunto habitacional para 400 famílias. A bulha causada pela classe média tijucana (generais de pijama, síndicos da região, pensionistas de cabelo azul, histéricas incuráveis, alcaguetes empedernidos etc) não cessa. Basta ler (com calma e olhos de ver) isso aqui, isso aqui, isso aqui, isso aqui, isso aqui, isso aqui e isso aqui.

Nessa manhã de sábado quero transcrever um comentário deixado no blog de Cesar Tartaglia - vejam aqui - de autoria de Gustavo de Brito Colombo (não o conheço, que fique claro).

E quero transcrever o comentário porque acho fundamental expôr, o mais possível, a cara do preconceito mais rasteiro e quase sempre (mais ainda nesse caso específico) mal disfarçado. Ainda que, mais à frente, a Secretaria Municipal de Habitação engavete a idéia, tudo isso terá servido para uma visão mais clara do jogo "quem é quem" na sociedade.

Em negrito, o comentário a que me refiro. Em vermelho, o que fui pensando enquanto lia (com ânsia de vômito) o troço:

"Existe sim muito preconceito dos moradores da Tijuca que protestaram, mas parte dessa reação digamos... "acalorada" é porque essa ação será desastrosa para o bairro. Em pouco tempo se tornará outra favela e degradará a Conde de Bonfim como ocorreu com a Rua São Miguel. Deve-se urbanizar a favela e não favelizar o asfalto."

Alguém, finalmente, assume o preconceito às claras. Qual a lógica (e por que a certeza do leitor?) que leva o leitor a afirmar que um conjunto habitacional se tornará outra favela? O que há de comum entre o conjunto habitacional (planejado, com saneamento básico, infraestrutura etc) e a favela (jamais urbanizada) da rua São Miguel? Desde quando um conjunto habitacional faveliza o asfalto? Quanta incongruência...

"Aquelas famílias merecem ser removidas sim, e também não acho que deveria ser para locais distantes como Santa Cruz ou Sepetiba. Acredito que deveria ser feito na própria Tijuca, mas de modo mais planejado. Essa ação só acabará de vez com a região da Usina. O ideal seria construir uma Faetec nesse prédio beneficiando outras comunidades ao redor assim como outros moradores da Tijuca."

Onde se lê "(...) deveria ser feito na própria Tijuca, mas de modo mais planejado." leia-se "deveria ser feito na própria Tijuca mas bem longe da minha casa". Por que - o leitor se perde... - um conjunto habitacional haveria de acabar de vez com a região da Usina? Pensaria da mesma forma se ali fosse lançado um condomínio de casas de luxo? Ele propõe uma escola técnica naquele local? Teria sido, ele próprio, um entusiasta do projeto dos CIEPS? Evidente que não. E eu afirmo: eles propõe escolas, centros culturais, vilas olímpicas etc apenas como alternativas em desespero contra a construção de moradia digna para gente capaz de - como foi que ele disse mesmo? - "favelizar o asfalto". Esses caras nem sabem o que é o cheiro do asfalto, o cheiro das ruas, das feiras livres, dos botequins. Eles gostam mesmo é do granito, dos corredores e das escadas rolantes, dos hortifrutis e das praças de alimentação do ambiente doentio dos shopping-centers.

Até.

4 comentários:

André Zamprogna Roque disse...

Edu, segundo o blog do Tartaglia, haveria um abaixo contra o projeto. Que tal criarmos um a favor, mesmo que eletrônico?

Zumbi da Saúde disse...

O mais interessante é o discurso polido, procurando ser razoavel, entretanto, carregado de ódio e preconceito! Não passarão!
PS: Não sei se vc conhece o livro de Luïc Wacquant "Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos". O que ele escreve já é praticado por aqui há muito tempo!

AOS QUARENTA A MIL disse...

Isso não chega a lugar nenhum , as familias irão mudar e os babacas vão ter que aturar.

Monica Machado disse...

Edu, já tinha falado com você antes sobre a familiaridade desse caso tijucano com outro que ocorre aqui, a meu redor, em Santa Teresa: o antigo hospital 4º Centenário também vai para o "Minha casa, minha vida". Achei ótimo. A maior parte da vizinhança achou ótimo também. Um povo que defendia a vinda da polícia (um batalhão inteiro), graças aos mais doces deuses de nossa terra, desistiu. O caso é que o prédio é tão grande, tão enorme, que não tem como receber gente para morar sem oferecer uns serviços básicos. O povo pensou em farmácia, escola, padaria e açougue. Há espaço para clínica e farmácia homeopática, para escola de restauração e creche, para escola do que quer que seja, e acho que ainda cabe mais. Sinceramente, a coisa está sendo feita pela vizinhança e eu, sinceramente, terei enorme prazer de ir lá e beber uma gelada [é infalível, com essa afluência de vizinhos, logo logo alguém vai abrir um bar], meus vizinhos vão levar as crianças para comprar sorvete; e acho que estamos vendo nascer uma vila! [Vertical, que seja.] Sinto o cheiro dos meninos suados se acabando em futebol e bicicleta. As meninas em batons, saiotas e penduricalhos de bonecas [elas mesmas e as de plástico]. Já estou desejando que chegue o carnaval, a semana santa, o são João! vai misturar tudo, quem chegou e quem já estava vão esquecer a diferença! Vão, uma hora vão!