5.10.09

COMPLEXO DE VIRA-LATA

Reproduzo, hoje, texto que recebi como indicação de meu mano Bruno Ribeiro, de autoria do jornalista Rodrigo Vianna, que eu assinaria sem pensar duas vezes.

"Estava eu fora do alcance da internet - gravando uma reportagem nas proximidades de Iguape, no litoral sul de São Paulo - quando o Rio foi anunciado vencedor. Comemorei, em mensagens enviadas por celular à minha mulher - que é carioca.

Quando cheguei a São Paulo, na noite desta sexta, também comemorei com meu filho Vicente, outro nascido no Rio de Janeiro.

Em qualquer lugar do planeta seria mesmo motivo para comemorar. Mas, no Brasil, aparecem nessas horas os corvos agourentos: e a a corrupção? e as favelas? e a violência?

Mas que diabos! Parece-me tão óbvio que Olimpíadas não são (nem nunca serão) o remédio para nossos problemas seculares, parece-me isso tão óbvio (repito!) que sinto até vergonha de precisar argumentar diante de certas coisas que comecei a ouvir e a ler, assim que botei os pés de novo em São Paulo, nesta histórica sexta-feira.

Aos poucos, fui-me lembrando das diferenças entre Rio e São Paulo. Paulistano que sou, posso dizer sem medo de errar: parte das pessoas que vivem aqui na minha terra não gosta muito do Brasil. A verdade é essa.

Era esse o tom dos comentários que ouvi no rádio do carro, a caminho de casa. O locutor ia lendo os e-mails dos ouvintes, que criticavam a escolha do Rio: eram comentários mal-humorados, ranhetas, complexados.

No futebol, o brasileiro superou esse complexo de vira-lata. Nelson Rodrigues foi quem cunhou a expressão. Foi ele também quem mostrou como Pelé, com sua pose de rei, indicava a seus colegas em campo: somos fortes, somos bons, falta só acreditar em nós mesmos.

Lá pelas décadas de 50/60, com Pelé, superamos o complexo. Mas só no futebol. A síndrome do vira-lata infeliz continuou a nos abater em outras áreas.

Os mais pobres, em anos recentes, parecem ter vencido o complexo. Até porque não têm muita escolha. São brasileiros até o último fio de cabelo. Para o bem e para o mal. Melhor brigar e trabalhar pra fazer dese país uma terra um pouco melhor.

A vitória e a reeleição de Lula são a prova de que parte dos brasileiros, especialmente os de origem mais humilde, superou o complexo. É uma parcela de brasileiros que foi capaz de eleger um homem monoglota, sem estudo, e além de tudo sem um dedo (ah, como essa marca do trabalho braçal incomoda nossas elites) para liderar o país.

Em contrapartida, a escolha - por duas vezes - de um presidente com esse perfil parece ter acirrado ainda mais o complexo de vira-lata, entre certos setores de nossa classe média. É uma parte dos brasileiros (e como são numerosos em São Paulo) que não gostam de ser brasileiros. Gostam de ser netos de italianos, bisnetos de alemães, trinetos de poloneses, tataranetos de espanhóis.

Eles se envergonham do Lula que discursa em "português" na cerimônia do comitê olímpico (ouvi um sujeito falando disso hoje na rua). Queriam que discursasse em javanês?

Eles se envergonham do Lula que chora. Preferiam, talvez, o tom afetado daquele outro presidente, que adorava fazer piadas sem graça, e preferia discursar em francês ou inglês (tremendo complexo de vira-lata) para agradar os gringos...

Com Lula, o Brasil deixou de se ver como colônia.

Os problemas do Brasil - com ou sem Olimpíadas - são enormes. Cabe a nós resolvê-los. Podemos tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo: cuidar de nossos problemas, e organizar as Olimpíadas. Isso parece uma obviedade sem tamanho!

Ou alguém acha - por exemplo - que um sujeito, só porque ainda está pagando as prestações da casa, não pode fazer uma bela festa de fim-de-ano para os vizinhos e os amigos?

A escolha do Rio é reconhecimento da grandeza do Brasil. Não deve nos fazer ufanistas. Mas a verdade é que merecemos comemorar. Sem dar bola para os corvos agourentos. Eles que curem seus complexos viajando para Miami nas férias. E deixem o Brasil trabalhar para fazer uma bela Olimpíada em 2016.

Parabéns ao Rio. Viva o Brasil."


O texto foi publicado aqui.

Até.

9 comentários:

Unknown disse...

Eu fiquei muito entusiasmado e emocionado com a escolha do Rio, mas aqui em Sao Paulo reações como a minha foram minoritárias.

Infelizmente, o texto diz a verdade: parte da classe média (só não vamos generalizar), especialmente a paulistana, não gosta do Brasil e realmente sente mais orgulho das origens alemãs, italianas, etc. o que, além de grotesco, demonstra grave ignorância da história e ingratidão com o Brasil.

É o mesmo pessoalzinho que, até hoje, faz circular na Internet "piadas" (sem a menor graça, diga-se de passagem) de péssimo gosto sobre o Lula.

O Brasil terá que se fazer apesar dessa gente, e até mesmo contra essa gente, mas felizmente estamos avançando.

alexandre disse...

"Sou Paulista e amo meu País."

.Edu eu ate entendo esse bando de corvos e abutres que vivem nesta capital, a paulada foi grande,- essa gentinha teve que engolir um operário nordestino sendo elevado ao posto de figura política mais importante do país.
Alem das fronteiras dessa capital que vota em Serra, Kassab e Paulo Maluf existe vida, existe um Grande país que se chama Brasil!!!!!!
Foi duro pra essa corja ver a Cidade Maravilhosa ser a representação da cara do Brasil.

Ei, você, que não gosta de alegria. Você, que não quer pagar a conta. Você, que debocha do seu próprio povo: você tem inveja porque é pequeno. Você tem medo porque é medíocre. Você não quer porque não tem alma.

E você vai morrer ouvindo esse povo cantar

Claudio Renato disse...

Grande Rodrigo Vianna!!!

Rodrigo disse...

Independente de que cidade fosse, poderia ser São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Amazonas, aonde quer que for, a vitória é do Brasil, o Lula conseguiu o que os babacas do PSDB não conseguiram.

caíque disse...

edu, concordo em genero número e grau e aplaudo efusivamente de pé.
saudações rubro negras (em sexto e subindo!)
Caíque.

Paulo Henrique disse...

Olá amigo,
passeando pela net encontrei esse site perdido por ai. Cara.... que coisa mais... popular-contemporânea-butequeira-com cheiro de tira gosto literário!!! Muito bom. Continuarei acompanhando. Responda ai ok?

Mauro Rebelo disse...

Viva o Brasil!!!

Rodrigo Ferrari disse...

O engraçado é que essas mesmas críticas (carência de escolas, de hospitais etc) foram feitas quando o Brasil ia sediar a Copa de 50 e os abutres (ou corvos, Lacerda era um deles) eram contra a construção do Maracanã.
Já imaginaram o Rio sem o Maior do Mundo?

Danilo Rodrigues disse...

Haha. Bonito texto, me lembrou daquelas frases de auto-ajuda ou motivacionais. Bem, nao creio que o problema (como se fosse possivel resumi-lo num bordão haha) seja apenas a 'sindrome de vira-lata', mas também o fato de que o brasileiro acha que tudo acaba em festa (ou samba) e tudo se resolve sem sacrifícios ou 'com jeitinho'. Cariocas são mestre nisso, aparentemente. ;)
"Comemorei" a vitoria, mas há que não esquecer que serão gastos muitos $lulas pra essa olimpiadas. E que esse dinheiro seria melhor empregado em outras coisas mais importantes.