16.10.09

HÁ UM ANO, NO BUTECO...

Estou pra conhecer alguém mais otimista que mamãe. E o otimismo de minha mãe tem um quê que só na Tijuca, sinceramente. Mamãe é salgueirense, teve uma babá que era baiana da escola e moradora do morro (mamãe morava na rua dos Araújos), mamãe estudou no Instituto de Educação, recitava (era aluna e afilhada da então famosíssima Dalila Geraldo - falo sobre ela, de leve, aqui), presidiu um grupo de jovens de um centro espírita no Andaraí (uma das maiores alegrias de minha avó, a maior espírita da Terra depois de Allan Kardec - até mais que o francês), casou-se com um aluno do Instituto La-Fayette e morou, a vida inteira, até o presente momento, no glorioso bairro da Tijuca.

E quero lhes contar, hoje, dentro dessa série que cresce a olhos vistos - A TIJUCA EM ESTADO BRUTO -, sobre as manifestações brutais de otimismo de mamãe.

Lembro-me de um dia em que, por muito pouco, não vivenciei uma tragédia. Estávamos eu e minha menina em Cabo Frio. Era uma sexta-feira. Sábado, pela manhã, chegariam papai e mamãe. E fomos dormir, na sexta à noite, depois do Jornal Nacional (não, não, foi depois do Jornal da Globo). Acordamos de madrugada graças aos latidos alucinados do nosso carismático vira-latas. E eis o que vimos: as almofadas do sofá da sala pareciam buchas de balão junino. As chamas atingiam dois metros de altura, os porta-retratos na mesinha ao lado do sofá derretiam, as fotografias queimadas exalavam um cheiro pavoroso e salvamos tudo graças a arremessos precisos dos objetos que ardiam em direção à rua, diante de casa. Havíamos esquecido uma daquelas espirais verdes contra mosquitos acesa. E deu no que deu.

Papai e mamãe chegam sábado pela manhã e nos percebem assustadíssimos. Contamos o drama da noite anterior. E mamãe tem, ao final do relato, os olhos cheios de lágrimas. Estende as duas mãos em nossa direção. Com a mão direita, agasalha minha mão direita, com a mão esquerda, agasalha a mão esquerda da Dani:

- Que bom, meus filhos...

- Bom? - pregunta papai servindo-se de uísque às dez da manhã.

- Dizem que fogo é sinal de vida, de luz, de energia. Que bom! Que bom! Que bom! - e dá um beijo em cada uma de nossas mãos.

Outro lance: estou em sua casa e mamãe está preparando um café com leite para nós. Ajeita a mesa, esquenta o leite, prepara o café e esbarra na bandeja sobre a mesa da cozinha, deixando cair uma das xícaras de porcelana inglesa de seu jogo de seis. A xícara quica no chão e parte-se em dezenas de pedaços. Mamãe grita com as mãos pro alto, sendo 100% espírita:

- Graças a Deus!

Dani, ali perto, e papai, a seu lado, morrem de rir.

- Graças a Deus, mãe? - pergunto.

- Dizem que é algo ruim indo embora!

E uma das mais recentes provas de seu otimismo exacerbado ou de seu talento para jogar o chamado "jogo do contente" deu-se durante as Olimpíadas. Corria a prova final do atletismo, a final da prova de solo, e Diego Hypólito era esperança de medalha. Papai roía as unhas e bebia seu Red Label sem nem piscar. Mamãe, a seu lado, lixava as unhas e bicava, também, sua dose de uísque.

O brasileiro ia bem, ia muito bem. Papai, um empolgado com os esportes, gritava:

- Vai, Diego! Vai, prrrrr! Vai!

No último movimento de sua apresentação, entretanto, sofreu uma queda na aterrissagem.

No que ele caiu, mamãe levantou-se.

Com as mãos unidas, em prece, gritou olhando para o teto da sala:

- Graças a Deus! Graças a Deus!

Papai quase enlouqueceu:

- Ah, não! Graças a Deus, Pixuxa?! Ele caiu! Perdemos a medalha! Assim é demais! Vá ser espírita assim lá na China!

E mamãe:

- Coitado! Quantas cobranças se ele ganhasse esse ouro. Brasileiro nunca está satisfeito. Quer sempre mais. Tadinho do menino!

Uma otimista, minha mãe.

Volto a ela, dia desses.

Até.

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