17.12.09

DO DOSADOR

* Quero, antes de entregar-me ao salubérrimo exercício da digressão, fazer uma pergunta a meus amigos e leitores e leitoras jornalistas - os não jornalistas, é claro, podem dar seus palpites (e falo sério, não pensem, por favor, que se trata de pilhéria). É lícito a um(a) jornalista que exerce a função de crítico(a) gastronômico(a) sair por aí, tomando café da manhã, almoçando, lanchando, jantando e ceiando pelos bares, restaurantes, lanchonetes e que tais da cidade, previamente identificado(a) para que os donos e/ou gerentes das casas visitadas saibam da visita, não pagando um mísero centavo pela conta?; mais: é lícito após uma refeição mal sucedida atender ao pedido do dono e/ou do gerente para livrar a cara do estabelecimento em uma eventual avaliação a ser publicada? Faço, assim - como dizer? - mero exercício diante do que sei acontecer por aí;

* por falar em mero exercício do que sei acontecer por aí, quero lhes dizer uma coisa. O BUTECO DO EDU também está no TWITTER (aqui), e lá - ao contrário do que acontece aqui no blog - o dono do estabelecimento só fala besteira (não consigo compreender os que usam aquilo com seriedade beneditina). Mas lá, como aqui, ouço cada coisa que vou lhes contar! É imperdível, por exemplo, acompanhar o BOCA DE SABÃO, aparentemente comandado por policiais militares indignados com a farra na cúpula da PM. Ontem mesmo foi possível ler troços como "Vc, policial, quer comprar talão de multa de transito? O preço é 500, talão do Estado e 800 talão do municipio.", ou "Alô @mp_rj, PF, @reporterdecrime A jogatina continua na Rua Firmino Fragoso nº 287, LOJA F, em Madureira, área do 9º BPM". Ou ainda "O Maj Castro Neto do 2º BPM continua tentando extorquir a casa de show Vivo Rio e já ameaçou tirar o trailler da PM de lá". Ou "Na PMERJ existe um BUDA! É o Sgt Gama do BPFMA. Fica o dia inteiro sentado com o barrigão em cima da mesa esperando o $$$ do pessoal da rua.". É engraçado demais se você pensar que pode ser tudo verdade e imaginar a cara dos denunciados diante da exposição para milhares de pessoas (o BOCA DE SABÃO tem, por exemplo, o triplo de seguidores que tem o compositor Moacyr Luz). Mas é triste e lamentável verificarmos o quão podre é a estrutura da polícia do Estado. Leia (ou siga) o BOCA DE SABÃO aqui;

* tenho um conhecido que notabiliza-se por uma característica muito peculiar: NUNCA (com a ênfase szegeriana) pagou UMA (com a mesmíssima ênfase) conta que fosse (ou que seja, já que ele continua comendo e bebendo por aí, às expensas de quem o convida). Eu, com esses olhos que a terra há de comer (um deles com ptose palpebral), já vi a cena centenas de vezes. Vem a conta à mesa e ele vai ao banheiro, levanta-se, abraça o garçom, elogia o dono, o gerente, gargalha e farfalha os braços elogiando o que comeu e o que bebeu - coçar o bolso, que é bom, neca de pitibiriba, como diria minha bisavó. E é - convenhamos - um craque na arte da bajulação. Bajula, bajula, eleogia, elogia, elege novos ídolos, novos ícones e novos points, sempre à espera do convite que, tem sido inevitável, acaba chegando. É chamado - eu mesmo já ouvi, e fui ao chão de tanto rir - de Jacarepaguá. Segundo o autor da alcunha, por conta de que é lá, em Jacarepaguá, que será inaugurada uma estátua em homenagem ao sujeito. No Largo do Bicão;

* eu queria entender o que se passa na cabeça dos homens que dirigem as escolas de samba do Rio de Janeiro (salvo raríssimas exceções). Luiz Antonio Simas, um de meus ídolos vivos, contou que, dia desses, a BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS anunciou show com o padre Fábio de Melo em sua quadra (aqui). E eu leio, hoje, nos jornais, que no próximo sábado, 19 de dezembro, a UNIDOS DE VILA ISABEL receberá o cantor Lulu Santos, o tricolor que se orgulha de fazer parte da torcida mais cheirosa do Brasil. Mais patético - tirem as crianças da sala! - é ler que o show faz parte do projeto CASA DE BAMBA!!!!! Vejam o "bamba" Lulu Santos aqui, com a Xuxa, e vejam a que ponto pode chegar a capacidade do rídiculo. Adendo: tenho intensa piedade das crianças que, bisonhamente, pulam como cabritos em volta do cenário do tal clipe. Depois, mais à frente, os pais reclamarão... isso deixa para lá. Adendo: vejam aqui, constrangidos, o padre Fábio de Melo cantando na quadra da escola da BEIJA-FLOR a música (?!) que compôs em homenagem à azul-e-branco de Nilópolis. É inacreditável (para não dizer ridículo, e as risadas ao fundo dão bem conta do papelão do padre), aos 4m30s do filme, vermos o religioso ensaiando passos de samba travestido de mestre-sala para, depois, assistirmos à entrada, no palco, do prefeito da cidade acompanhado dos dirigentes da escola (do crime e de samba);

* e pra encerrar quero lhes dizer que, na primeira semana de janeiro, vou almoçar no restaurante de Roberta Sudbrack, no Jardim Botânico. E por várias razões. Fui convidado e convite não se nega, ainda mais partindo de quem partiu, um fraterno amigo que me pede, gesto muito nobre, a omissão de seu nome (desconfio dos que fazem gentilezas em troca da promoção). Em segundo lugar, porque quero, eu mesmo, provar da comida da festejadíssima gaúcha, conterrânea de meu eterno e saudoso governador Leonel de Moura Brizola. Como são muito controversas as opiniões sobre sua cozinha, vou lá tirar minha prova. E, em terceiro lugar, porque quero poder cumprimentá-la e lhe dizer, franca e sinceramente, que minhas críticas, feitas com veemência aqui no BUTECO, nada têm de pessoal;

* ah, sim, eu ia me esquecendo. Ontem, durante a crise belga no cada vez mais imperdível AL-FÁRÁBI, na rua do Rosário, na companhia de meus caríssimos (em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades) Bruno Gaya, Carlinhos Alves, Guto, Leo Boechat, Luiz Antonio Simas e Luiz Carlos Fraga, provei da nova cerveja PAULISTÂNIA, dizem que lançada para fazer frente à THEREZÓPOLIS GOLD. Fabulosa, a cerveja, fabulosa! Leo Boechat, degustador de gosto apurado (o meu provador favorito), depois de meter o nariz dentro do copo, fungar ruidosamente, fechar os olhinhos, franzir a testa e beber o primeiro gole, deu a sentença: excelente! - e só quem sabe como soa o "excelente" expelido pela boca do meu compadre sabe o quão excelente é, de fato, a nova cerveja do mercado. Disse mais, o especialista:

- É, seguramente, uma puro malte Lager Premium com teor alcoólico de 4,8%. Feita com duas variedades de malte e duas de lúpulo, a cerveja tem um paladar refrescante e aroma lupulado. A análise sensorial foi desenvolvida por Cilene Saorin e a produção pelo mestre cervejeiro Matthias Reinold, tendo sido usado um lúpulo que não é comercializado no Brasil, o Hersbrucker.

Um craque, o Leo!

Até.

P.S.: recomendo, viva e efusivamente, a leitura dos comentários. O freqüentador bissexto deste balcão, José Sergio Rocha, está dando aula como quem respira em seus, até então, dois comentários.

39 comentários:

leo boechat disse...

Essa cerveja tem propriedades causadoras de amnésia. Não me lembro de nada disso. Mas se você está dizendo…

Unknown disse...

Sobre a pergunta feita no início do Dosador:

É lícito identificar-se como jornalista? Sim, é lícito, mas não é ético. O correto seria ir ao local como um cliente comum e pagar pelo prato consumido. A intimidade entre o jornalista e o dono do restaurante interfere diretamente no teor da opinião publicada.

PS: mas não vejo problema em, depois da matéria ser veiculada, aceitar um jantar de cortesia ou coisa do tipo. Desde que, é claro, haja bom senso de ambas as partes e que o gesto não venha revestido de futuros vínculos ou compromissos.

Marcelo disse...

Espero que goste da comida da Roberta.
Divirta-se no seu almoço.
Grande abraço

Anônimo disse...

Não é lícito!
E aí já não existe mais crítica, o negócio virou assessoria de imprensa!

Abraço,

Carlos Andreazza disse...

Veículos sérios costumam assegurar os recursos - a verba - para que o crítico pague a conta do restaurante.

Com essa condição assegurada, ainda que o anonimato melhor servisse a este tipo de trabalho, não me parece um grande problema que o jornalista se identifique - até porque, no caso do Rio, os profissionais da crítica gastronômica são mais manjados que o "Jacarepaguá".

(Considero complicado, isto sim, que o jornalista aceite um jantar de cortesia ou coisa do tipo, antes ou depois da matéria publicada, pois, por bem intencionados que estejam todos, o risco de desaguar, cedo ou tarde, numa situação inconveniente/desagradável - ainda que mais pessoal que profissional - é monumental).

Saudações!

Eduardo Goldenberg disse...

Leo: você ainda chegou a comentar sobre esta específica propriedade do lúpulo Hersbrucker, causador de profunda amnésia. E fiquei feliz por saber que você confia no que digo. Sou, lembre-se sempre disso, preciso do início ao fim. Um abraço.

Bruno, querido: aos críticos e críticas gastronômicos do Rio, ao menos aos que conheço de ouvir falar, falta bom-senso. Beijo.

Marcelo: eu também espero. Acho que vou com algum medo, já que lá os azulejos da cozinha falam, as comidas cantam, enfim... Acho que vou me sentir no Sítio do Pica-Pau Amarelo, mas depois eu conto como foi. Abraço.

Bruno Chagas: "assessoria de imprensa"... Boa! Abraço.

Andreazza: sensatíssimo comentário. De acordo, integralmente. Como o Jacarepaguá não é crítico gastronômico, ele pode, né? Abraço.

Claudio Renato disse...

Eduardo. Não é licito uma coisa nem outra. O crítico de gastronomia não se identifica nunca justamente para evitar constrangimentos e não livra a cara de ninguém.

Eduardo Goldenberg disse...

É, Claudio Renato, pode ser. Mas como bem disse o Andreazza, aqui no RJ é difícil um dono e/ou um gerente de qualquer casa do ramo não reconhecer um(a) crítico(a), né? Um abraço.

José Sergio Rocha disse...

Gastronomia não é jornalismo. Gastronomia é prazer, é negócio. Playboy foi pioneira nisso, dava dicas de lugares. Vamos que Susan Sontag, Norman Mailer, Gore Vidal etc. gostassem de um restaurante chinês em Nova York. Isso podia ser dito em alguma seção de dicas, onde os gourmets intelectuais comem, etc. Não sei se tinha jabá no início. Depois passou a ter, não só nos EUA, mas em todos os lugares. Um dia desses, o Marechal me pediu uma resenha. Ainda nem tive tempo de ler, mas achei o livro uma merda. Bem escrito, mas uma merda. Uma bosta que pode ser inscrita como precursora do tal do new journalism. Jornalismo precursor de bom jornalismo você encontra em John Reed, para citar um americano, que foi à Rússia, ao México, e contou histórias sérias. Acho uma perda de tempo. Conheci um cara da antiga que foi o vovô dessa rapaziada, ou melhor, vovó. Uma única vez estive com a figura, no meio de um grupo grande que saíra do fechamento do JB, no Bar Lagoa. Usava o pseudônimo de Apicius (o nome verdadeiro era Roberto Marinho de Azevedo, mas acho que não tinha qualquer parentesco com o homem). Escrevia bem pacas mas creio que tinha consciência que aquilo que fazia tinha mais a ver com literatura (boa ou ruim, não importa) do que com jornalismo. Era um sujeito engraçado, blasé, rico e se divertia no jornalismo escrevendo sobre esses assuntos bobos. O jornalismo tenta acompanhar o mundo, que está ficando cada vez mais babaca, e deu no que deu. Nada contra quem ganha seu dinheiro fazendo isso. Assim como assessor de imprensa (eu faço as vezes esse papel, estou à vontade) não faz jornalismo. Crítico de gastronomia, a moça do tempo, crítico de cinema (apesar das origens jornalísticas de muitos desses) etc. não produzem jornalismo. O nome certo é SERVIÇO. E o certo seria o jornal pagar a conta do cara que entra num Antiquarius ou num Bode Cheiroso para comer e se sentir à vontade para criticar. O erro, portanto, não é dos seguidores do Apicius. O erro é do jornal, que hoje chamam mais apropriadamente de PRODUTO.

Eduardo Goldenberg disse...

Matou a pau, !

Claudio Renato disse...

Zé, se partirmos desse princípio, com o qual concordo em parte, os testes de automóveis da Quatro Rodas também nada tem a ver com jornalismo.

Zé Rocha, de jornalismo você entende mesmo!!! Craque!!

José Sergio Rocha disse...

Evidente que testar automóveis (o Jason Vogel, que é ótima figura, deve saber disso, e o antecessor dele no Carro Etc do Globo, Paulo Cesar Martins, idem idem) não é jornalismo, é SERVIÇO. O velho e bom SERVIÇO que abrange os tijolinhos da seção de cinema, os textos sobre os "suculentos filés" não sei de onde, a Meteorologia do jornal Hoje, etc. Não tem nada de mais não ser jornalismo. É parte importante do jornal ou do telejornal, mas não é jornalismo. Serviço é importante, importantíssimo, importantésimo, mas não é jornalismo.

Rafael Leal disse...

Edu,
posso estar redondamente enganado, mas tenho a impressão de que o Largo do Bicão, salvo existência de um homônimo em Jacarepaguá, fica na Vila da Penha, quase em Brás de Pina.
Na época de faculdade, levado por alguns amigos que moravam em VP, tomei litros de chope ali, sempre muito gelado.
grande abraço,
Rafael

Eduardo Goldenberg disse...

Rafael: a ser verdadeira a informação que você traz, fica a certeza de que, fora da Tijuca, conheço pouca coisa. Mas aqui há o registro de um Largo do Bicão em Jacarepaguá. Vá saber! O fato é que o apelido do cara a quem me refiro é, mesmo, e por conta do que contei, Jacarepaguá. Abraço e obrigado.

Carlos Andreazza disse...

Pode haver um em Jacarepaguá, mas é fato que há também o Largo da Bicão na Vila da Penha. Luiz Carlos da Vila morava lá - e foi lá que o entrevistei longamente, em 2002. Grande momento da minha existência.

José Sergio Rocha disse...

Largo do Bicão é na Vila da Penha

jb disse...

edu,

tudo bem?

não pagar a conta em um restaurante não permite a distância necessária para uma crítica isenta.

minha opinião.

abraço!

Marcelo Moutinho disse...

Vila da Penha, quase Brás de Pina. Flávia, inclusive, morava lá.

Eduardo Goldenberg disse...

É como penso, Julio (e continuamos a nos dever aquela cerveja com a Katia!). Mas o que mais tem por aqui - estou cansado e literalmente careca de saber - é "jornalista" indo comer de graça, levando convidado, e pautando suas colunas pela conveniência suja que macula a isenção. E isso se dá com jurados e curadores de concursos do ramo que indicam, preferencialmente, bares, botequins e restaurantes onde não pagam NADA - com a ênfase szegeriana. É preciso jogar luz sobre o tema. Um abraço.

Unknown disse...

O Largo do Bicão não fica em Jacarepagua e sim na Vila da Penha. Será necessário mudar o apelido do cara que nunca pagou uma conta. Parabens para o meu amigo Zé Sergio pelo comentário.

Olga disse...

Que maravilha a lembrança do Apicius! Eu lia suas avaliações e adorava. Ele escrevia bem, era elegante, mas impiedoso quando não gostava do restaurante. E fora que não usar sua verdadeira identidade criou um mistério que deu um quê a mais nas suas avaliações. E acho que mais liberdade também.

Lembro de uma entrevista que li com ele, já com a identidade revelada, acho que na Veja, excelente, em que ele ironiza um monte de bobagem que se pratica em nome da alta-gastronomia. Esses novos famosos "chefs" deveriam ler com atenção o que ele diz, pois é uma lição de quem entende.

Diego Moreira disse...

Edu, em Jacarepaguá, o Largo é do Tanque, na entrada da Geremário Dantas, depois da Praça Seca. O do Bicão - ah meus tempos de menino! - fica no cruzamento da Av Bras de Pina com a Av Meriti e a Av Padre Roser.

Eu estudei no Pio XII, na Meriti, altura de Vila Kosmos, namorei muita menina bonita da Av. Bras de Pina - que pernas! que pernas! - e guardo no peito a saudade de um grande amigo - Daniel - que morava na Padre Roser, 620.

Tinha outro amigo que morava na Meriti, depois do Palanca Negra, que também chamava Daniel. Mais um do peito. O terceiro amigo do peito, de nome Daniel, mora na Ilha.

Os três amigos de nome Daniel inspiraram o nome do meu primogênito, que amizade é coisa séria.

É isso.

Beijo, mano velho.

AOS QUARENTA A MIL disse...

Pior do que ler crítica gastrônomica é alguém "eleger" um quitute nestas revistas especializadas e por conta disto todos os "antenados" repetirem que o quitute é o máximo e quando vou experimentar é uma bosta!
Minha comadre está terminando um curso de gastronomia e me convidou para comer uma "Barca de Pupunha assada com purê de Baroa e Camarão gratinado e de sobremesa, sorvete de mandioca com calda de café" Argh! Isso lá combina com um monte de cervejas?!

Daniel disse...

Edu, peço licença para colocar meus cotovelos no balcão e meter o bedelho nesse papo jornalístico.

Pra começar, não dá pra fazer como o excelentíssimo ministro Gilmar Mendes e falar de jornalismo como se fosse uma coisa só, de Rubem Braga a Joel Silveira, de Nelson Rodrigues a Zé Hamilton Ribeiro, de Pasquim à Realidade. Existe aí uma cacetada de gêneros jornalísticos. E não sou eu quem diz, mas os professores Nilson Lage e José Marques de Melo - pra ficar só nos mais citados.

Crítica – seja ela gastronômica, cinematográfica, musical – é texto de opinião, como a crônica e o editorial. Serviço é dizer que o restaurante funciona das 11h às 23h, aceita cartão de crédito e tem manobrista. Serviço é o obituário, a programação do cinema. E mesmo que às vezes tenha cara, crítica também não é release. Não dá pra levar a sério um profissional que faça assessoria por um prato de comida.

Feitas as devidas ressalvas, vamos às questões principais. Em se tratando de crítica, é desnecessário o sujeito se apresentar como jornalista – o que beira o patético quando se trata de um rosto conhecido. E também não é o caso de o sujeito colocar um bigode postiço e um chapéu de mexicano pra provar um “resultado vanguardístico” no RS. Entra na birosca, come a buchada, faz uma pose, paga a conta e vai embora. Agora se fosse uma reportagem, as normas éticas exigiriam a pronta identificação. O anonimato só é tolerável quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração – mais uma vez, não sou eu quem diz, mas a maioria dos códigos de ética jornalísticos. E já que chegamos ao mais “nobre” gênero jornalístico, acho que não só a gastronomia, mas também o cinema, o teatro, o turfe e as barbies podem ser pauta de boas reportagens. Só depende do repórter, a história do jornalismo é rica em exemplos.

Esse negócio de pagar ou não pagar é mais complicado. Não que eu tenha dúvidas de que o certo é pagar, mas os jornais estão sempre regulando a mixaria e adoram um press kit. Só que como o crítico de cinema que viaja a convite do festival ou aquele outro que recebe o novo livro do Chico Buarque, o jornalista tem que deixar claro que não está ali pra ser amigão. E não é nem pra poder bater no peito e se dizer “uma fortaleza ética”, mas por uma simples questão de sobrevivência. A credibilidade é o maior patrimônio de um jornalista – não dá pra trocar por um canelone de atum ou um tartare de chuchu.

José Sergio Rocha disse...

Jornalismo é reportagem bem feita sobre assunto de interesse público, com apuração caprichada e edição correta. Não é balcão de ecletismos, não devia ser balcão de negócios e nem é picolé, que tem um monte de sabores.

Daniel disse...

Desculpa o abuso, Edu. Mas esse negócio de “isso não é jornalismo” mexe comigo. hehehe

Reportagem é jornalismo, mas jornalismo não é só reportagem. Ou Nelson Rodrigues não era jornalista? E o Pasquim? E a Bundas? Não faziam jornalismo? Nenhum dos dois tinha reportagens. E se jornalismo é reportagem, o que dizer dos pobres jornais diários? Sim, porque a maioria do conteúdo de um jornal diário não é feito de reportagens, mas de notícias - aquele gênero que tem lead, sub-lead e é pautado por critérios de noticiabilidade como o “importante” e o “interessante” (esses dois aí são do Lorenzo Gomis).

Reportagem não é notícia, que fique bem claro. O sujeito não sai da redação e volta no mesmo dia com uma reportagem – quanto mais com quatro ou cinco. Reportagem exige uma apuração mais demorada, uma angulação diferente e um texto mais bem cuidado. A reportagem não precisa se ater à factualidade. É claro que podem (e devem) ser feitas reportagens sobre assuntos com alto grau de noticiabilidade, mas o factual também pode ser usado apenas como gancho ou simplesmente ignorado, como é o caso das pautas “frias”.

Vamos tomar como exemplo o Joel Silveira (acho que não há dúvidas de que ele foi um puta repórter). Ele cobriu uma guerra, entrevistou ministros e presidentes, mas quais são as duas grandes reportagens pelas quais ele é mais frequentemente lembrado? "Grã-Finos em São Paulo" e "A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista". Em uma delas, o Joel descreveu o dia-a-dia dos grã-finos de São Paulo, na outra ele fez a cobertura do casamento da filha do Matarazzo.

E o Gay Talese? Ele escreveu a história do jornal mais influente do mundo, fez um retrato da revolução sexual nos EUA (resultado de alguns anos de apuração), mas é sempre lembrado por ter escrito um texto sobre um resfriado de Frank Sinatra (em um puta trabalho de apuração, por sinal). O New Journalism é cheio de exemplos do tipo. E não adianta querer jogar os caras pro lado da literatura. Fazer isso seria se ater apenas à forma como o texto era escrito que, segundo Tom Wolfe, tomava quatro características emprestadas do romance realista: a construção cena a cena, a existência de diálogos, o ponto de vista em terceira pessoa e o status social (“trata-se do registro dos gestos, hábitos, maneiras, costumes, estilos de mobília, roupas, decoração, maneiras de viajar, comer, manter a casa, modo de se comportar com os filhos, com os criados, com os superiores, com os inferiores, com os pares...”). Agora, a forma que eles apuravam é o ideal de qualquer reportagem – seja qual for a pauta.

“Eles tinham desenvolvido o hábito de passar dias, às vezes semanas, com as pessoas sobre as quais escreviam. Tinham de reunir todo o material que o jornalista convencional procurava – e ir além. Parecia absolutamente importante estar ali quando ocorressem cenas dramáticas, para captar o diálogo, os gestos, as expressões faciais, os detalhes do ambiente. A idéia era dar a descrição objetiva completa, mais alguma coisa que os leitores sempre tiveram de procurar em romances e contos: especificamente, a vida subjetiva ou emocional dos personagens.” (WOLFE, Tom, 2005, p. 37)

E se desse pra definir toda a complexidade e as possibilidades do jornalismo em uma frase (ou em um gênero), acabar com o diploma seria pouco. O negócio seria nos deixar a todos (profissionais e estudantes) de quatro urrando no bosque e bebendo água em uma cuia de queijo Palmira – como dizia aquele grande jornalista que nunca escreveu uma reportagem.

Eduardo Goldenberg disse...

Maravilha, Daniel! Entre sempre de sola, sem pedir licença - a casa é sua! Abração, beijo na Camila.

José Sergio Rocha disse...

Com noticiabilidade eu não brinco. Vou lá na esquina e já volto. Aqui me despeço.

Luiz Antonio Simas disse...

Com noticiabilidade eu não brinco. Vou lá na esquina e já volto. Aqui me despeço.

Daniel disse...

Opa! Aproveita pra avisar o Millôr que ele não é jornalista. O velhinho pode ficar um pouco chateado, mas acredito que não vai querer discutir.

José Sergio Rocha disse...

Não confunda os Fernandes. Hélio é o jornalista. Millôr é o (senhor) artista, o que, aliás, só depõe a favor dele.

jb disse...

opa!

bela discussão por aqui!

é necessária a menção que jornalistas e blogueiros que aceitam e até procuram cortesias em botequins e restaurantes para depois escrever "bem" sobre o lugar, em uma espécie de texto institucional que funciona como uma moderna e asquerosa assessoria de imprensa não é privilégio carioca.

em são paulo é bem parecido.

com muita saudade do rio de janeiro!

e nos devemos uma cerveja com a katita, amiga querida!

também estou curioso pra saber o que você achou do rango da sudbrack, restaurante onde ainda não fui.

se vier pra são paulo, me dê um toque que aqui tem bastante lugar bacana!

abração!

Luiz Carlos Fraga disse...

Curioso ver por aqui uma gente que outrora tratava os negócios do Kadu [Braca, Seu Tomé, Será o Benedito, etc] como espetaculares, verdadeiras pérolas butiquinistas cariocas, mas que depois, sabe-se bem o porquê [!], passou a meter-lhe o malho...

Seria da mesma turma da boquinha? Quanto à relação com o Jacarepaguá, estou certo que sim, correspondem-se diariamente ...

Saravá!

Eduardo Carvalho disse...

Assino embaixo, sem tirar nem pôr (porque jamais faria - escreveria - melhor), o comentário inicial de José Sérgio Rocha.

É isso aí. Aliás, Edu, tenho uma teoria muito particular - e sou antipático e ranzinza, muitas vezes (quem me conhece sabe), mas não tenho problema em lidar com isso - de que o jornalismo, já tem um tempo, foi ali comprar cigarro e nunca mais voltou (com raríssimas exceções).

Um abraço.

Daniel disse...

Quem diria, o velhinho é escritor, artista plástico, humorista, dramaturgo, tradutor e foi mentir logo dizendo que era jornalista.

“15 de março: início da profissão de jornalista”

http://www2.uol.com.br/millor/aberto/biografia/index.htm

Mas tudo bem, já me convenceu. Voto no José Sergio Rocha pra porteiro da Fenaj. A partir de agora, só ganha carteirinha quem apresentar uma “reportagem bem feita sobre assunto de interesse público, com apuração caprichada e edição correta”. Ao seu lado, um caboclo vai permanecer em plantão permanente para receber as entidades que definirão o grau de interesse público de cada reportagem (não me venham falar em critérios). E não adiantar vir dizer que criou O PIF-PAF, foi editor de O Pasquim e outras milongas. Ah, e também nem vem querer apresentar charge, crônica, editorial e entrevista, porque esse negócio de gênero jornalístico é coisa dos nefelibatas da academia. Pô, daqui a pouco vão inventar que foto é jornalismo!

José Sergio Rocha disse...

Caro Daniel, foto é jornalismo, quando ilustrar matéria jornalística. Foto de bife suculento é parte do servição. Pergunte ao Nilson Lage ou o cite às páginas tantas, capítulo tal, versículo tal. Sobre o Millôr, a quem eu chamei de artista e você de velhinho, creio que o gênio ficaria muito mais puto com a segunda observação. Pif-Paf, Pasquim, humor, cartum, genialidade, literatura. Millôr é muito mais do que jornalista. Aliás, vou te dar outras más notícias: Chico Caruso, Ziraldo, Jaguar, Ique, Aroeira, Fortuna, Claudius, para citar alguns poucos e ótimos, também não exercem ou exerciam função jornalística. Eles trabalham ou trabalharam em jornais, num nicho merecidamente valorizado que no passado o pessoal chamava, de sacanagem, Museu do Inconsciente. Eles "agregam ou agregavam valor", como dizem os mudernos, enteeende? E bota valor nisso. Seguindo esta sua lógica, o senador Hélio Costa, para dar um exemplo ruim, nunca deixou de ser jornalista. Quanto a mim, agradeço sua indicação para a Fenaj. Apesar do cargo inferior ao meu potencial de noticiabilidade, seria minha estreia numa boquinha. Mas, porteiro?, convenhamos. Me arruma algo melhor. Eu seria muito mais legal contigo: te indico diretor da Associação dos Jornais do Interior. Topas?

José Sergio Rocha disse...

Não é impossível que um gênio do humor, do cartum, etc., tenha no jornalismo sua profissão inicial. Millôr (tá lá na biografia resumida que você mesmo citou) cobriu uma campanha presidencial. Cassio Loredano, outro gênio, a quem você certamente conhece - pessoalmente ou não - foi reporter do Estadão no início da carreira. E hoje, com certeza, está se lixando se alguém não o considera mais jornalista. Pois o mais importante da vida dele é que, há décadas, é um dos artistas gráficos da nata do planeta. Eu já fui entregador de remédios da farmácia Elzy, na rua Francisco Sá, posto 6. E já fui auditor de circulação de jornais, no IVC, quando ainda nem estava na escola de jornalismo (onde, aliás, tempo da ditadura, só tive dois grandes professores de jornalismo - Nilson Lage e Teodoro de Barros). Hoje faço frilas, raramente jornalísticos. Sendo assim, sou jornalista por formação e (30 anos de) carreira, mas só exerço eventualmente a profissão. A Fenaj não gosta disso, mas o que faço como assessor de imprensa não é jornalismo. Se quiser, não precisa me chamar de jornalista que eu não fico puto.

Daniel disse...

1) Coletânea do Pasquim, volume 1, página 187, entrevista com o Millôr, março de 71, não mais um garoto, ainda não um velhinho (foi uma sacanagem carinhosa, não achei que precisaria explicar).

“MILLÔR Eu sou jornalista e o Herbert Marcuse não é.”

2) Mas vamos deixar o velhinho em paz. O que você me diz então do saudoso Fausto Wolff? Ele foi crítico de teatro e TV (serviço?). Nos últimos anos, passou por Bundas, OPasquim21 e JB. Em nenhum deles ele escreveu uma reportagem que fosse, mas se apresentava sempre como jornalista (e ainda dizia que o jornalismo era a profissão mais linda do mundo).

3) Uma amiga que tem um blog de gastronomia (nunca se identifica e sempre paga a conta) estava mesmo comentando esses dias que as fotos no jornalismo especializado em gastronomia são muito mais publicitárias do que jornalísticas. A culpa, no entanto, não pode ser do bife. A piauí fez uma puta reportagem sobre o biscoito Globo (“O império global da mandioca”, vale a leitura) e nela há uma foto de página inteira de um pacote. Acredite, não tem cara de publicidade. Já alguns jornais e revistas fotografam os personagens das matérias em caras e bocas montadas, às vezes até em fotos de estúdio. Insisto: a culpa não é do bife.

4) E no fotojornalismo como gênero próprio, você acredita? Ou ele precisa sempre ilustrar uma reportagem?

5) Pô, José Sergio, eu cito os velhinhos justamente porque não tenho trinta anos de jornalismo. E nos poucos que tenho (como estudante), nunca vi um professor, pesquisador ou profissional dizer que a reportagem é a única forma de jornalismo. Ou ainda que existam assuntos que não podem ser pauta de uma reportagem (essa mesmo, só na época da redentora).

José Sergio Rocha disse...

Daniel, pra começar: só entrei nessa história para opinar, não para pontificar. Você não faz ideia da minha admiração pelo Fausto Wolff, que foi muito mais cronista e escritor do que jornalista. O jornalismo que ele com certeza praticou não teve a dimensão de outras coisas que o cara fez na vida. Fotojornalismo é jornalismo, claro, e aí sim você quase me derrubou, pois realmente independe de texto, e não fui claro aí. Cinejornalismo ou videojornalismo, idem. As imagens de um general vietnamita dando um tiro na cabeça do vietcong ou do Berlusconi levando estatuetada nos cornos ou aquelas nunca assaz tanto copiadas do Cristo Redentor visto pelo Custódio Coimbra não precisam de texto? Precisaram, sim, de legenda. Um texto mínimo. Ou seja, uma pequena/grande reportagem. Mas, é claro, mesmo sem legenda, com muito menos de mil palavras, quase todos entenderiam a covardia do general, a execração do mafioso e a exaltação do maior símbolo do Rio de Janeiro. A reportagem, nesses casos, é aquele texto mínimo. Sim, li, leio sempre a Piauí e acho que a ilustração do pacote do biscoito fez parte da história. Era a foto. Não tinham que colocar ali o boneco do dono do biscoito Globo. Fotojornalismo é jornalismo, claro. Fotojornalismo é REPORTAGEM. Uma legendinha, por menor que seja, ajuda muito. Não é a-toa que existe a categoria dos repórteres fotográficos, um pessoal marrento que faz questão de se diferenciar dos lambe-lambes justamente por isso. O que não impede um lambe-lambe de fazer uma foto jornalístico e nem de um craque do fotojornalismo como Evandro Teixeira ter ficado tão conhecido pelas fotos de moda ou do Vinicius, Tom e Chico de porre, como pelas fotos da passeata dos 100 mil. Não me goze por meus 30 anos de jornalismo (eu não conto os últimos dez de vida), você chega lá e mais rápido do que imagina. Finalmente, tudo pode virar reportagem? Mas o bife-photoshop, concordo com sua amiga, é publicidade. Se estiver no garfo a caminho do estômago de um vegetariano famoso, forçado a isso para não fazer feio numa solenidade em que foi alvo da pegadinha, é jornalismo. Há quem ache diferente? Cada um com seu cada qual.