18.1.10

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

Vocês que me lêem sabem: há anos - eu disse anos! - eu grito daqui do balcão virtual do BUTECO que o jornal O GLOBO, salvo raríssimas exceções, se transformou num balaio de conteúdo pernicioso. Vejam vocês o caso do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos. Ele é responsável pela coluna GENTE BOA, diariamente publicada no SEGUNDO CADERNO do jornal, e pela crônica publicada às segundas-feiras, no mesmíssimo caderno. A coluna - as provas são cabais e incessantemente expostas aqui - é péssima, fomenta o que há de pior e de mais fútil e joga contra a cidade e suas melhores tradições. A crônica das segundas-feiras, embora muita gente vira-e-mexe bata palma pro troço, é, evidentemente, assinada por Joaquim Ferreira dos Santos. Sendo assinada por Joaquim Ferreira dos Santos espelha - dizer obviedades às vezes cansa - o pensamento de Joaquim Ferreira dos Santos. E seu pensamento (a coluna e a crônica deixam isso claríssimo) é rançoso, pernicioso, perigoso, nocivo à cidade e - como nos ensina hoje o historiador Luiz Antonio Simas - primário.

Como me sobra disposição para demonstrar efetiva decisão no sentido de meter o pau na canalha e me falta o talento, a sobriedade e a clareza de Luiz Antonio Simas, um de meus ídolos particulares, transcrevo, na íntegra, o texto-borduna que o bardo da Tijuca, mais precisamente do Maracanã, cravou em seu imprescindível HISTÓRIAS BRASILEIRAS na manhã de hoje. É no mínimo patético que centenas de milhares de brasileiros paguem para ler Joaquim Ferreira dos Santos enquanto Luiz Antonio Simas está aí, dando lições de graça, todos os dias, para quem quiser ver e ouvir. Eis o texto MALANDRAGEM É CULTURA OU A LEGALIDADE SEGUNDO O SEU JOAQUIM, que pode ser lido aqui:

"O título dessa postagem é uma provocação. Explico. O jornalista Joaquim Ferreira dos Santos escreveu um texto, em O Globo de hoje, descendo a borduna na decisão da prefeitura do Rio de Janeiro de voltar a permitir a venda do mate de latão nas praias cariocas.

O argumento do texto é primário: A liberação do mate em latão é a senha para a capitulação do poder público diante do vale tudo e do salve-se quem puder em que se transformou a cidade do Rio de Janeiro.

O jornalista, em certo momento do arrazoado, exercita uma irônia rasteira e lança duas pérolas dignas de sambadinhas do Rubinho Barrichello no pódium. A primeira: Abaixo a depressão dos falsos civilizados e consagre-se no poder o viés africano que nos vai na veia. A segunda: A malandragem, foi dito na reunião da secretaria, é cultura.

A primeira sentença é um primor. A bandalheira é ironizada como a supremacia criadora do viés africano que nos vai na veia e o sabichão alfineta os que ressaltam a importância das áfricas que forjaram boa parte da cidade. Joaquim exerce aqui duas lições que andam fazendo a cabeça de muitos jornalistas - sabem um pouco de tudo e não entendem profundamente de nada e são incapazes de pensar o presente com uma perspectiva mais reflexiva sobre o passado que o gerou.

Não custa repetir: A exclusão social no Brasil foi um projeto de Estado. A República fechou as portas, após a abolição da escravatura no final do Império, a qualquer projeto de integração dos descendentes de escravos no mercado formal de trabalho e no exercício pleno da cidadania. A cultura da informalidade, portanto, é decorrente em larga medida da falta de alternativa. Se é boa ou ruim é outro papo. O que interessa é que ela existe e não é fruto de viés que vai na veia - é estratégia de sobrevivência, fonte de crimes [inúmeros] e salvações [muitas]. O jornalista Joaquim acha bonito e muito inteligente fazer ironia com um povo que foi escorraçado nos navios negreiros [a frase é dele, tentando fazer gracinha reacionária com os quatro séculos de escravidão no Brasil].

Aproveito o mote do parágrafo acima para dizer com toda a convicção: Malandragem é cultura.

Ou o jornalista ainda confunde cultura com evento? É mesmo essa a visão de cultura de um homem que escreve no jornal de maior circulação da cidade? Cultura não é coisa naturalmente boa ou ruim, caceta. Cultura é a maneira como um grupo cria ou reelabora formas de [re]invenção da vida e estabelece significados sobre a realidade que o cerca. As maneiras de falar, vestir, comer, rezar, punir, matar, nascer, enterrar os mortos, chorar, festejar, envelhecer, dançar, não dançar, fazer música, silenciar, gritar... tudo isso é componente da cultura de um grupo.

Há no Rio de Janeiro uma cultura da informalidade [podem chamar de malandragem, jeitinho brasileiro...] absolutamente arraigada, para o bem e para o mal, ao cotidiano do carioca. Essa cultura se estabeleceu entre as frestas deixadas por um poder público que historicamente se preocupou mais em reprimir do que em incluir. E que pode ser modificada, é claro, já que as elaborações de significados são dinâmicas, jamais estáticas.

Há os que acham que, por conta dessa reflexão, defendo a bandalheira, o cada um por si, a barbárie. Jamais. Sou plenamente favorável a um poder público atuante e garantidor de um espaço urbano que possa ser usufruido de forma saudável pelo cidadão. Faço, apenas, algumas considerações:

1- Há que se fundamentar um sentido de civilidade urbana que não se contente com a ideia fácil de que a repressão é o único caminho que leva à ordem.

2- A tensão criadora entre o que é legal e o ilegal exige do poder público mais do que o controle de um forte aparato de segurança [que em geral só funciona contra o andar de baixo] - é necessário o bom senso de se separar o joio do trigo e perceber que o mercador de flores da esquina, o livreiro de rua e o bebedor de ceveja no Maracanã são muito diferentes do flanelinha que extorque o motorista ou do garotão de condomínio que sai de noite para espancar putas e pobres.

3- Não há ordem possível por aqui sem o vigoroso engajamento em projetos de inclusão social. Exemplifico. Reprimir a máfia das vans é rigorosamente necessário, mas pensar em formas de transporte dignas e legais para a massa urbana é de extrema urgência e deve ser o primeiro passo nesse processo. Arrumem primeiro uma forma do trabalhador conseguir se deslocar dignamente e depois coloquem no xilindró essa malta que explora o transporte ilegal. Ou façam as duas coisas ao mesmo tempo [a melhor alternativa, é claro]. Ou que tal adotar a solução mais fácil: Vamos prender todo mundo e acabar hoje com as vans. A empregada doméstica carioca vai acabar dando um jeitinho [olha ele aí!] de chegar ao trabalho na casa da madame. Basta sair de casa duas horas antes, lá pelas três da manhã, e descer a Avenida Brasil correndo. Podemos até dizer que é um programa de saúde pública, já que correr faz bem pro coração. Colocar no mesmo liquidificador o dono da van, o motorista da van, o trocador da van e o passageiro da van é sacanagem das grossas. É coisa de quem cresceu soltando pipa no ventilador e tem a sorte de trabalhar em casa.

4- O samba urbano surgiu no Rio de Janeiro e foi tremendamente perseguido, como até o Cristo Redentor sabe. Desde a Era Vargas o processo de legitimação do samba se impôs e quebrou as bordunas e cacetes da polícia. Candeia, entretanto, sabia que não era suficiente legitimar o samba como manifestação maior da cultura carioca. O dia de graça só virá mesmo quando o sambista conseguir cantar o samba na universidade, na condição de aluno ou professor.

5- O texto do jornalista Joaquim presta um péssimo serviço ao debate fecundo que se trava hoje sobre o Rio de Janeiro que queremos. Não tenho nenhuma procuração para defender a prefeitura, mas a disposição de recuar, errar e acertar nesse processo é importante. É desonestidade intelectual colocar no mesmo vatapá flanelinhas, assassinos de plantão, motoristas que falam no celular, camelôs, grafiteiros, garotos de programa, policiais corruptos, jogadores de frescobol, torcedores do Flamengo, sofredores do Botafogo, madames, poodles na coleira, big brother Brasil, apontadores do bicho, vendedores de camarão frito e o escambau. Denota, também, uma visão simplista e perigosamente moralista da cidade e de sua gente.

6- A Revolta da Chibata faz cem anos em 2010. Os marujos liderados por João Candido se rebelaram contra a legalidade. O que era legal na época? Punir a marujada com um código disciplinar dos tempos da escravatura, com destaque para as chibatas com navalhas nas pontas que lanhavam os corpos dos marinheiros sem voz e sem patente. Na visão tosca dos legalistas de plantão, os marujos não passavam de bandidos que se levantaram contra a lei estabelecida. Pau neles! Nunca a distinção entre o que é legal e o que é justo foi tão aviltante na nossa história. Se vivo fosse naquele ano em que o Botafogo papou o campeonato carioca, e na toada do texto de hoje, o Seu Joaquim provavelmente escreveria um indignado artigo contra os baderneiros que fizeram o charivari na Baía de Guanabara e demostraria toda a indignação com o governo que concordou com o fim da chibata, esse fundamental objeto de controle público. A chibata tá na lei; viva a chibata!

Termino reafirmando o que desde o início dessa prefeitura defendo com veêmencia. O tal choque de ordem [o nome é péssimo, já que remete a batalhão de choque, ordem do cheque, choque elétrico e os cacetes...] deve ser fundamentado no bom senso, que dispensa os arroubos e convida ao diálogo entre o poder público, a cidade, seus habitantes, seu passado e suas projeções de futuro. E que encare a informalidade, sim senhor, como um traço constituidor [dentre outros] da cultura do Rio de Janeiro, nosso inferno cotidiano e nossa possibilidade de redenção. Aqui prevaleceu a sabedoria da escassez - nada mais do que a forma de inventar, com um quase nada, a vida que foi negada. Deus e o diabo na Guanabara.

Essa nossa cidade, feito árvore frondosa, deu e dá muitos frutos bons e muita coisa podre. Reprimir, dialogar, incluir, escutar, ponderar, ordenar, ceder, marcar posição, abrir mão... tudo isso faz parte de um processo que não é mole. Vale aqui o velho alerta da piada: O risco de se colocar tudo no mesmo saco, seu Joaquim, é jogar fora, depois do banho necessário, a água suja da banheira com o bebê dentro."


Até.

6 comentários:

Tuca Zamagna disse...

O mais grave nisso tudo, Edu, é que o virus Joequinus Ferreirum já de há muito está disseminado por toda a grande mídia. Tentei contar nos dedos os que se salvam, e não gastei nem todos os da mão esquerda. E esses, os que se salvam, não são lá muito apreciados pela manada de bonecos de posto que hoje constitui a maioria dos compradores de jornais diários e revistas semanais.

O que me salva - e creio que a toda gente que tem mais de dois neurônios funcionais - é a fartura de gente boa escrevendo na net. Esses, para contá-los, eu teria de recorrer a todos os meus (se me permite a licenciosidade poética) 21 dedos, e ainda precisaria pegar emprestado, no mínimo, a dedalhada do meu prédio inteiro!

Abraço

P.S.: Avisei que eu era desses que não param de dar pitaco nos blogs alheios...

Carlos Andreazza disse...

21 dedos, é?

Que cousa...

(E essa "dedalhada do prédio inteiro", Tuca!?; que pesadelo)...

Tuca Zamagna disse...

Que "cousa", Carlos? Não, não é tão grande assim.

Quando à dedalhada, eu ia dizer como na minha terra, "dedaiada", justamente para evitar que alguém confundisse com dedada ou com dedilhada. Mas tudo bem. Por mim, qualquer interpretação é válida, mesmo as equivocadas. Se há uma coisa que não tenho é nome a zelar.

Eduardo Goldenberg disse...

Tuca: vê-se. Aquele abraço.

Daniel Banho disse...

O Simas é, de fato, um craque. Abraços

implacavel disse...

Esse Joaquim é um pústula!!!!