9.4.10

DO DOSADOR

* É impressionante a lucidez do professor, maiúsculo, Luiz Antonio Simas. O bardo da Tijuca, mais precisamente da região do Maracanã, publicou hoje em seu obrigatório blog o texto A OCUPAÇÃO DOS MORROS - O LADO B DO DISCO que pode ser lido aqui. O Simas, dotado de profunda modéstia, faz o alerta logo no começo: "Chego de mansinho, já que em geral uso esse espaço para falar - entre gols e sambas - do cadinho que me forja, para meter o pitaco nas discussões que envolvem o problema da ocupação dos morros cariocas. Sou, como quase todo historiador, de ousar diagnósticos. Honrando ainda os historiadores, meros profetas do que já aconteceu, sou péssimo para sugerir a terapêutica. Faço, portanto, essas reflexões no horizonte do tempo e deconheço as soluções para os problemas sugeridos.". Em apertada síntese: o mestre relata o histórico da cidade no que diz respeito à ocupação dos morros e das encostas, afunda o dedo na ferida da elite carioca - "Tem muita gente que deseja que o pobre more longe, muito longe - e reveste esse bolo, para conforto de sua boa consciência cristã conservadora, com a confeitaria de que temos que afastar os coitados de áreas de risco." -, arranca a máscara demagógica de muita gente - "O outro lado, o discurso permissivo do vale tudo urbano, também não ajuda e resvala na perigosa romantização do que é precário - uma mistura de filosofia de esquerda de grêmio estudantil e livros da série Poliana, a moça." - e é, ele sim, meu porta-voz sobre o assunto. Não a preconceituosa Cora Rónai, porta-voz do compositor Moacyr Luz. Não o vereador Eliomar Coelho, porta-voz da "esquerda de grêmio estudantil", que teve a pachorra de propor em seu blog - aqui - uma enquete oportunista a fim de capitalizar em cima da tragédia de centenas, de milhares de famílias brasileiras. Ele não se arrisca a dar palpites, como vem fazendo a corja que rosna babando de ódio, aproveitando o ensejo para exorcizar e exercitar sua raiva, pura e simples. Sobre o tema, ainda, outro mestre, Diego Moreira, disse muito: "A pressão médio-classista para a remoção de favelas trocou de máscara. Sai a da Proteção Ambiental e entra a da Área de Risco.". O que tenho como certo é que as pessoas que tinham a obrigação de formar opinião e dar informação neste momento estão se valendo da oportunidade para colocarem para fora seus ódios pessoais e seus interesses pessoais acima de tudo. Só uma besta para não reconhecer que a quantidade de chuva que se abateu sobre a cidade do Rio de Janeiro foi a principal responsável pelo cenário de tragédia. Quero saber quem, dentre os críticos de primeira hora, teria feito, em tempo hábil e na medida de suas possibilidades, algo para conter a situação a que chegamos;

* lembrar o episódio, recentíssimo, é bastante ilustrativo. Dentre os mais de 180 mortos entre o Rio de Janeiro e Niterói estão 2 ou 3 moradores (não consegui a informação precisa) do morro do Borel, na Tijuca, coladinho à favela Indiana. Quando, recentemente, a Secretaria Municipal de Habitação anunciou a retirada de cerca de 3.200 pessoas (mais de 400 famílias!) justamente dessas favelas para que fossem morar em uma área, na rua Conde de Bonfim, outrora ocupada por um grande supermercado, a escória (notadamente representada por um grupelho que se intitula GRUPO GRANDE TIJUCA) gritou (leiam o Simas, leiam o Simas!). Basta rememorar todo imbróglio aqui. Hoje, dias depois do caos, voltam a falar em remoção de favelas (leiam Marcos Alvito, leiam Simas!) - mas desde que pra bem longe. Um nojo;

* aos que me escreveram pedindo detalhes sobre o apelo que fiz, aqui, de doações para o primeiro de primeiro grau de Luiz Antonio Simas, tenho a dizer o seguinte... O nome de seu primo é Guilherme Augusto Grosso, CPF 029.497.827-52, e doações em dinheiro podem ser direcionadas para o BANCO DO BRASIL, agência 0576-2 (Penha), conta corrente número 88300135-7. Guilherme - repetindo - perdeu tudo e tem dois filhos, Gabriel e Ana Clara, com 08 e 04 anos respectivamente. Tudo, rigorosamente tudo é útil, ainda que usado, pois eles perderam tudo o que tinham. Se ajudar é bacana, se exercitar a solidariedade é bacana, ainda que a irmãos nossos que sequer conhecemos, ajudar ao primeiro de alguém assim, tão próximo de nós, é mais bacana ainda;

* não posso perder a oportunidade da espetadela. Flamengo e Universidade do Chile empataram ontem em 2 a 2 pela Libertadores, sendo que o gol de empate sofrido pelo Flamengo aconteceu no último minuto. E não é que Marcelo Moutinho, freqüentador do BUTECO e camarada do dono, tricolor (repetindo... tricolor, torcedor do Fluminense...), atualmente em Portugal para onde foi a fim de buscar inspiração para um próximo livro sob "a luz de Lisboa (...) das mais lindas do planeta", deu de provocar (mais uma vez!) os rubro-negros pelo TWITTER? Francamente...;

* o jornal O GLOBO, permitindo comentários como os que vêm sendo publicados nas notícias do jornal online, apenas aumenta o nível preocupante em que já se encontra o preconceito que emburrece e que impede uma visão mais sensata sobre a situação atual. "Quem mora em favela é cego? Mudo? Surdo? Maluco? Mora porque quer. Por que não procura um local mais afastado do centro urbano? Por que não morar no interior do Estado? Por que só culpar o poder público? Alguém forçou eles a morarem lá? E se tentarem tirar, eles querem sair?", é por aí o nível da coisa. Triste, muito triste.

Até.

7 comentários:

Marcelo Moutinho disse...

Só para esclarecer: não vim a Lisboa "me inspirar". Me isolei um pouco, por duas semanas de férias, para poder me dedicar a escrever ficção, a terminar um livro já bem adiantado e aproveitando milhas que acumulei e iriam vencer. Me dedicar aos contos estou em casa, com as coisas do trabalho etc., nem sempre é fácil. Feliz ou infelizmente, preciso trabalhar para pagar minhas contas, não tenho bolsa para escrever, minha família não pode arcar com minhas despesas para que eu possa ficar apenas escrevendo (e eu não quereria isso), nem herdei o suficiente para viver apenas escrevendo ficção. Em suma, vivo do fruto do meu trabalho, e é com o fruto dele que estou aqui, tentando terminar o livro.

caíque disse...

Edu, ainda não li o restante (vou ler). Mas diante da precisão do seu primeiro tópico, principalmente quando você - com precisão cirúrgica - diz: "O que tenho como certo é que as pessoas que tinham a obrigação de formar opinião e dar informação neste momento estão se valendo da oportunidade para colocarem para fora seus ódios pessoais e seus interesses pessoais acima de tudo. Só uma besta para não reconhecer que a quantidade de chuva que se abateu sobre a cidade do Rio de Janeiro foi a principal responsável pelo cenário de tragédia. Quero saber quem, dentre os críticos de primeira hora, teria feito, em tempo hábil e na medida de suas possibilidades, algo para conter a situação a que chegamos", faço questão de te afirmar que você está certíssimo!
Parabéns pela lucidez.
Caíque.

Eduardo Goldenberg disse...

Ei... Moutinho... calma! A informação que me interessou foi sua capacidade de, de longe (a informação da viagem foi apenas pontual e geográfica, a da "luz de Lisboa" foi cenográfica), sacanear os rubro-negros. Nada tenho com o fato da viagem... francamente. Vejo, entretanto, que o isolamento não te deixou mais calmo... hã?! Um forte abraço, aproveite Portugal, uma grande terra.

Unknown disse...

Eu, que trabalho um pouco com essas coisas, penso diferente.

Até os anos 80 uma bandeira da esquerda era a Reforma Urbana (semelhante à Reforma Agrária, só que no meio urbano). Até que a esquerda percebeu que era muito mais negócio transformar favelas em feudos eleitorais e o discurso mudou. Hoje todos os partidos, da esquerda à direita, se beneficiam da carência da população desses locais para fazer demagogia barata.

Para quem não tem nada, alguma coisa, ainda que pequena, já é positivo e gera votos, mas o problema nunca é enfrentado de verdade.

É o velho clientelismo que muito se fala ocorrer no Nordeste por preconceito contra os nordestinos. Em São Paulo, pelo menos, é dez vezes pior.

Seguindo nossa tradição, as leis brasileiras são muito mais avançadas que a prática. Há excelentes instrumentos para a tal "Reforma Urbana", para conter a especulação imobilária que deixa inúmeros imóveis vazios que poderiam ser ocupados por quem precisa morar, e também para conter outras formas de especulação imobiliária que leva ao aumento artificial do preço dos imóveis, o que reflete em toda cidade e impede cidadãos de baixa renda de ter acesso a esses imóveis.

A solução, para mim, é essa reforma urbana e política habitacional, mas isso contrariaria muitos interesses, da elite que especula aos que se elegem explorando favelados. Além disso, não é simples, dá trabalho, requer vontade política, requer recursos e requer prejudicar feudos eleitorais que elegem muita gente e incomoda, pois implica em pobres morando em locais bem urbanizados, bem perto da classe média e dos ricos.

Iniciativas como do Carrefour retratada nesse blog, por exemplo, são extremamente positivas e vão nesse sentido. Política Habitacional séria, como o programa do Governo Federal, também é importantíssimo, muito bem vindo. Nessas linhas vem as soluções.

A urbanização das favelas, sua transformação em bairros, é positiva no caso das favelas localizadas em áreas centrais, próximas de onde já existe infraestrutura. Urbanizar favela onde não tem transporte coletivo, não tem esgoto, não tem escola, não tem creche, não tem posto de saúde, não tem nada, é demagogia barata.

De resto, defender que a população permaneça em área de risco é absurdo. Área de risco quer dizer: "risco de morte".

Para certa esquerda emburrecida e que esconde interesses escusos, quanto mais favela, melhor. Social, para eles, é gente morando em cima do lixo, gente morando na várzea do Rio (aqui em São Paulo, uma favela dentro da várzea do Tietê, o Jardim Pantanal, ficou com as ruas alagadas quase um mês!!!!), gente morando no meio do esgoto e pegando doenças, gente morando no meio da merda.

Discordo quando você diz que a culpa é de São Pedro e, no ano que vem, quando acontecerem outras tragédias, mais ou menos graves, pouco importa, agente pode retomar esse papo. Todo ano acontece.

Abraço,

Marcão

Blog do Pian disse...

Marcus,

O que você faz?

Fiquei curioso como o seu "que trabalho um pouco com essas coisas".

Sua intervenção foi muito boa.

Abs,

R.Pian

Eduardo Goldenberg disse...

Pian: o Marcão - como é conhecido o brilhante profissional Marcus Vinicius Gramegna -, autor dessa aula que você leu, é meu colega: advogado. Um abraço.

Unknown disse...

Edu
Estou trabalhando com o processo de realocacao (eles nao falam remocao, mas no fundo e a mesma coisa) de pessoas em areas de risco ambiental. Especialmente em Bangu na margem do rio. O fato e que o discurso dos moradores e impressionante!! Eu queria que todo mundo tivesse acesso a isso para que essa mania de achar que pobre e alienado tivesse um fim. Obviamente que, de fato, essas pessoas estao MESMO em area de risco, algumas ate com a casa desabando, mas sabe pra onde o INEA esta mandando essas pessoas? SANTA CRUZ. O lugar, confesso, e SUPER digno, uma gracinha. Mas, pq nao manter essas pessoas proximas ao lugar onde ja vivem a anos ? No fundo oq importa mesmo e a obra e esse processo so esta acontecendo pq as pessoas que moram ali vao atrapalhar o andamento dela.
Eu sabia que essa questao dos desabamentos traria a tona a questao da realocacao. A VEJA e O GLOBO ja estavam alimentando essa fogueira quando aconteceram os desabamentos em Angra, agora que eles ocorreram aqui.. Ferrou !
O mais engracado e que ninguem coloca grafico na televisao explicando pro telespectador a politica Estatal de formacao de favelas.. E um absurdo culpar o sujeito que vive em condicoes miseraveis (geralmente as casas mais pobres sao as que ficam mais no alto do morro) de algo no qual, na verdade ele e vitima. Vitima de um Estado que NUNCA teve uma politica habitacional seria e que, ele proprio, foi responsavel pelas ocupacoes nas encostas dos morros e margens dos rios do Rio de Janeiro. Mas uma vez esse cara vai ter que contar com o maldito jeitinho brasileiro para poder sobreviver a mais essa tragedia social...