27.5.10

SER MODERNO É TUDO

Tenho angariado, com uma velocidade impressionante graças às redes sociais, mais e mais detratores. Gente que, franca e sinceramente, não me tira nem o sono e nem a disposição de seguir em frente apontando meu dedo indicador polemista em direção a tudo aquilo que, mais que me incomodar, fomenta a construção de uma sociedade doentia onde a novidade - a todo custo - é o que todos buscam sem um mínimo de visão crítica capaz de fazer essa gente enxergar o ridículo que protagoniza. Explico. Se eu critico Roberta Sudbrack e sua food experience, se eu digo que acho lastimável que a ex-cozinheira de FHC tenha publicado um livro de alta gastronomia para cães, se eu digo que acho esquizofrênico a dita cuja escrever que batata dança, que pepino canta e que pão ronca e que acho incompreensível que milhares de pessoas delirem por conta disso (tem até quem confesse chorar diante dos pratos preparados por ela), se eu digo que acho lamentáveis os textos de Cora Rónai, a porta-voz de Moacyr Luz (o mesmo que chama Roberta Sudbrack de fada), se eu digo que não é possível admiti-la, mais uma vez, escrevendo no caderno de esportes durante a Copa do Mundo, se eu digo que o ASTOR BAR é só mais um ramo de uma empresa exitosa e lucrativa que nada tem a ver com o Rio de Janeiro e sua melhor tradição no ramo de botequins, se eu mostro, por "a" mais "b", que o Moacyr Luz é uma espécie de girassol de carne e osso (vira-se para o ponto mais iluminado do palco, sempre!) se desdizendo diuturnamente, pronto: aumenta o número dos que me julgam mal sem parar pra pensar (porque se pensassem, veriam o ridículo que é o teor de seus próprios discursos). Repito: não me importo.

E se eu sou mal julgado por essa gente que insiste em não parar pra pensar no que eu vira-e-mexe digo aqui neste balcão, deixo com vocês, hoje, fabuloso texto publicado na revista CARTA CAPITAL, de autoria de Márcio Alemão, por mim grifado:

"Todos mergulham na busca doentia pela novidade, mas estão a 5 centímetros da superfície

Ainda sobre a lista de San Pellegrino, a famosa lista publicada pela famosa revista inglesa The Restaurant. Na semana passada eu perguntei o que teria feito com que publicação se tornasse tão importante para a mídia. Ninguém me respondeu. Continuo acreditando que uma das grandes sacadas é chamar todo mundo de ignorante, mal informado. “O quê? Você nunca foi ao Plavi Podrum, em Volosko, na Croácia? Não comente isso em voz alta.”

Esse hábito, diga-se, é comum entre as elites bem informadas de todo o mundo: passar a noite discutindo sobre um talento obscuro, duvidoso, uma provável mentira, uma inevitável bobagem. Se o assunto for jazz, ninguém deve perder tempo para falar sobre a genialidade de Miles Davis. Deve haver um Zé qualquer oriundo de uma parte remota do planeta que está fazendo um som que realmente interessa.

Sobre a luz das pinturas de Turner vale a pena trocar algumas exclamações e suspiros? Não. Melhor analisar o conceito rompedor do paroxismo da imperfeição urbana das instalações do grupo Stirjsk.- “Não conhece o Stirjsk? Jantam sempre no imperdível Trum, uma joia da cozinha contemporânea do Kafiristão. O chef é o provocativo e ambicioso Daniel Dravot.”

Essa busca doentia pelo “novo” eu não engulo com facilidade. Digo mais fracamente: não engulo de jeito nenhum. Qual o problema em falar sobre uma rabada com polenta e agrião? Com relação à feijoada estão todos satisfeitos? Eu diria que a maioria das feijoadas servidas por aí é bem ruim. Eu diria que muita gente sofisticada, que certamente conhece as melhores espuminhas do mundo, não faz a menor ideia do que venha a ser um bom feijão. Tem muito chef de salto alto tentando fazer feijão e se dando muito mal.

Mas isso na verdade não importa. Os que topam pagar um saco de dinheiro por um prato de feijão, a turma que prefere discutir instalações obscuras e esquecer as pinceladas luminosas, também não faz a menor ideia do que seja um bom feijão. Existe um outro lado? Sempre existe.

Assunto novo. Ninguém aguenta um sujeito que se especializou em clássicos da Borgonha e do Piemonte e adora a comida clássica italiana e a francesa. Não saber citar pelo menos três nomes do mundo do vinho que hoje produzem “vinhos de autor” é o fim da picada. O novo, o moderno, a novidade, alguma imbecilidade para se colocar no Twitter e que atraia a atenção de azêmolas seguidoras é o que se busca neste momento tão exuberante da humanidade.

Sem a eterna novidade estamos condenados a ter de praticar alguns mergulhos. Temo que a maioria se afogaria a 5 centímetros da superfície de tudo. Mas teria um lado bom e não apenas um outro lado? Claro. É praticamente o mesmo. Assunto para festas, coquetéis, convenções da firma, confraternização entre os pais dos amiguinhos de escola de nossos filhos.

Imagine que grande impacto você não causaria na firma ao jogar na mesa a informação de que o melhor restaurante do mundo é o pequeno Noma, na Dinamarca. E, se um pequeno restaurante localizado em um lugar tão distante e sem a menor tradição gastronômica pode ser o melhor do mundo, por que a “nossa firma” de farinha de osso não pode ser a nova Apple?

Na escola, para os pais sempre muito aborrecidos da Joaninha, você pode ir falando, em ordem, todos os nomes dos premiados. E não é que ia esquecendo do mais importante? Quem se lembra de minha experiência nos restaurantes Pierre Gagnaire e L’Astrance há três anos, em Paris?

Todo mundo, né? Mas vou falar mais uma vez. Na época o Gagnaire era o 3º da tal lista e o L’Astrance o 11º.

Eu disse que minha experiência foi muito interessante, mas que, ao lembrar de ambos, nenhuma gota de saliva surgia em minha boca. Para ser bem franco, não via e ainda não vejo o menor motivo para voltar a nenhum deles. Pois certamente os membros da seleta academia San Pellegrino andaram lendo o Refogado. O Pierre Gagnaire não para de cair. Hoje é o 13º. O L’Astrance foi para 16º. E teve gente dizendo, na época, que eu não estava preparado para o novo da gastronomia. Hã, hã."


O texto está aqui, no site da CARTA CAPITAL.

Pequeno exercício: alguém ainda fala dos bares da REDE BELMONTE, queridinhos da imprensa meia-boca, ícones da cidade na opinião de Moacyr Luz? Não. Caíram no ostracimo. Alguém ainda quer saber de temakeria se kebaberia é a onda da vez? Não. Caiu no ostracismo. E eu poderia citar, aqui, dezenas de exemplos. Não o faço para não me tornar enfadonho.

E tem sempre dizendo que eu não estou preparado para o novo, que sou preconceituoso e blá-blá-blá. Arram. Tá bom, então.

Até.

7 comentários:

josé roberto balestra disse...

Caramba, Edu, a chapa aqui hoje tá quente, hem? Dá pra sentir de longe...

Quer meu conselho? Não? Ah, mas vai assim mesmo: põe mais lenha nessa fornalha e fique de longe, escutando o frigir e assistindo o fumaceiro saindo do sobembaixo da peneleira, que o mundo tá muito sem graça...

Afinal, se ninguém incendiar como é que bombeiro vai viver o tempo todo olhando pra mangueira?

abs

Unknown disse...

"Se o assunto for jazz, ninguém deve perder tempo para falar sobre a genialidade de Miles Davis. Deve haver um Zé qualquer oriundo de uma parte remota do planeta que está fazendo um som que realmente interessa."
Edu, esse mudernismo bobo é de transbordar o saco. Se o sujeito não está interessado no Miles - por exemplo - como é que tem ouvidos apurados prá encher a bola do Zé?
Papinho chat, véio. Que eu nem escuto.
Abraço de Niquíti.

Daniel Banho disse...

Esse exemplo do jazz cai muito bem aqui no Brasil em relação ao samba.
Aquela história de roda que só toca música que ninguém conhece, como você descreveu bem no "Lênin vai ao samba".

No futebol tem um troço parecido que me incomoda: sempre tem alguém pra dizer que o craque da família era o que não fez sucesso. Do tipo "o Zico era bom, mas o melhor mesmo era o Edu", ou "quem viu Seu Dondinho jogar sabe que ele era melhor que o Pelé".

Tem um tipo que é recorrente e que não se trata nem de família, mas de jogador que morreu cedo: "O Denner seria o craque da Copa de 94" ou "O Geraldo Assoviador seria muito melhor que o Zico".

No caso não é ser moderno, é ser "cult".

Abraços

Unknown disse...

O Denner nunca aconteceu,de fato, ja estava decadente na juventude... mas o Geraldo, nunca foi melhor que o Zico, ja que era bem diferente, mas era bom demais e se foi num momento em que estava bem

Daniel Banho disse...

Pois é. O Denner já tinha saído da Ponte Preta, rodado pelo Grêmio e estava cambaleando no Vasco.

O Geraldo provavelmente seria um craque (pelo que dizem, já que não vivi a época). Mas tem gente que fala com toda certeza que ele seria maior que o Zico, sendo que o Zico sempre foi considerado a principal promessa da base do Flamengo (tanto que recebeu as chuteiras do Carlinho quando este se aposentou).

Agora imagina se o Denilson tivesse morrido em início de carreira quando ainda atuava pelo São Paulo? Os mesmos o comparariam a Pelé.

Só sei que desvirtuamos o assunto. Virou papo de balcão de buteco mesmo.

Edu, desce uma panqueca (com massa feita com maionese Helmann's, arroz e aipim), recheada com carne seca acebolada coberta com molho de feijão de corda e queijo coalho derretida por cima!

Unknown disse...

Daniel, e permita-me Edu, fugir do tema do post: Denner não foi revelado pela Ponte Preta, mas pela Portuguesa. E estou entre os que achavam o cara um cracaço. Morreu antes de ser negociado com a Europa. E isso, talvez, explique o mito. Morreu como um craque brasileiro -- coisa cada vez mais rara neste mundinho globalizado. Impossível saber o que poderia ter sido. Mas dizer que ele estava decadente é um pouco demais, não acha? Abraço!

Daniel Banho disse...

Bruno, pensei Portuguesa e saiu Ponte Preta, não sei como.
O Denner começou de fato com pinta de cracaço. Só que o futebol dele perdeu fôlego, digamos assim.
Ele foi pro Grêmio e teve uma passagem por lá sem brilho.
Depois foi pro Vasco e estava sendo bem questionado por lá, onde só teve dois momentos marcantes: um amistoso contra o Newells Old Boys e um clássico contra o Fluminense que fez um golaço driblando a zaga toda.
Morreu quando a Portuguesa tentava vendê-lo pra um clube alemão, não lembro agora qual.
Digamos que decadente seja um exagero, mas de fato aquele fenômeno não estava se confirmando.
Tanto é que nem convocado pra seleção ele costumava ser. Ou seja, dificilmente jogaria a Copa de 94.
Eu sinceramente o vejo mais como um possível Denilson do que um Messi, um Ronaldinho Gaúcho, por exemplo.
Mas aí realmente é futurologia.
Abraços