25.8.10

É PRECISO LUTAR CONTRA O ESMALTE

Antes que vocês torçam o nariz pro título do texto que publico hoje, explico: está correndo pela grande rede, no YOUTUBE, um vídeo no qual um outrora amante dos "botequins mais vagabundos" diz, sorrindo:

- O Pirajá pintou as unhas do pé-sujo.

Com esmalte, me parece evidente.

Feito o intróito para explicar o título do texto, vamos ao que tenho a lhes dizer hoje. E quando quero falar algo com um tom um pouco mais ponderado, sem a borduna e as armas feitas de metal que carrego permanentemente no bolso, recorro a quem tem a mesma gana que eu com muito mais elegância, digamos assim. Vocês que me lêem sabem há quanto tempo luto - eu diria que quase sozinho, hoje bem menos, é verdade... - contra esse movimento que não descansa um segundo da tarefa que cumpre com competência: destruir os "botequins mais vagabundos" aos quais eu não resisto. Meu mano Luiz Antonio Simas, certa vez, chamou a coisa de "campanha cívica" - e esse hiperbolismo me comove. O troço começou há muito tempo, e há muito tempo faço deste blog uma trincheira contra essa nojeira. Vejo, hoje, com indisfraçável alegria, o desmoronamento dessas grandes redes de franquia, o que infelizmente não significa ter de volta os estabelecimentos muitos simples adquiridos, derrubados e transformados por esses anti-brasleiros.

Pois bem: em 03 de novembro de 2009, Luiz Antonio Simas, brasileiro máximo, escreveu um tratado sobre o tema, DO PORTO AO BOTEQUIM, UM CHAMADO AO BOM COMBATE, aqui. Escreveu lá, o seguinte:

"Vivemos, e isso não é novidade alguma, tempos de uniformização dos costumes, fruto deste tal de mundo globalizado. Em cada canto desse mundaréu, ligado por redes transnacionais de telecomunicações, as pessoas assistem aos mesmos filmes, vestem as mesmas roupas, ouvem as mesmas músicas, falam o mesmo idioma, cultuam os mesmos ídolos e se comunicam em cento e quarenta toques virtuais."

O que quero lhes dizer é que essa nojeira que fazem com os botequins - e isso é uma luta minúscula, inglória, mas é uma das partes que me cabem nesse latifúndio do bom combate -, fazem também com o carnaval (e Fernando Szegeri é mestre no assunto), fazem também com a culinária brasileira, com a literatura brasileira, fazem - e mais agudamente agora com a aproximação da Copa do Mundo de 2014, um verdadeiro tiro no pé do nosso povo, dos nossos estádios - com o futebol no Brasil.

Mestre Simas - a ele recorro de novo - está cansado de dizer, como disse quando esculhambou o nefasto festival COMIDA DI BUTECO, aqui:

"Entendo cultura como todo o processo humano de criação e recriação de formas de viver. Cultura é o conjunto de padrões de comportamento, elaboração de símbolos, visões de mundo, crenças, hábitos, tradições, anseios e que tais que caracterizam e distinguem um determinado grupo social.

É nesse sentido que a própria economia deve ser vista como um cadinho do processo cultural que caracteriza os povos. As relações econômicas também são elementos constitutivos do modo de ser de um grupo - e aí podemos refletir sobre uma pá de coisas, dentre elas a maneira como diferentes grupos socias encaram os atos de consumir, trocar, vender, comprar, se desfazer de um bem, valorizar ou não um objeto, etc... Tudo isso é elemento constitutivo de cultura, feito comer, dançar, rezar, enterrar os mortos e acordar as crianças."


Pois o que quero lhes dizer hoje é o seguinte: recomendo vivamente os blogs de três brasileiros que, à minha moda, sentam o cacete nessa canalhada que luta, incansavelmente (em benefício econômico próprio e em detrimento do que é nosso!), contra uma de nossas mais caras tradições: o futebol e o hábito de ver o futebol, de ir aos estádios, e de torcer como manda a nossa cultura.

Restringir-me-ei, aqui, por exemplo, ao que vêm fazendo com o Maracanã, que é aqui, na minha aldeia.

Eduardo Goldenberg no colo de Isaac Goldenberg, Maracanã, 1969
O Maracanã, que conheci com meses de idade levado no colo por meu amado pai (a foto acima é de 1969), o Maracanã que vovô Milton defenestrou de sua vida em 1950 depois da tragédia assistida in loco, que foi a final contra o Uruguai, o Maracanã que me viu, menino de calças curtas, delirar com o gol de Rondinelli, contra o Vasco, em 1978 - meu primeiro título -, esse Maracanã não existe mais. Não existe mais depois das inúmeras reformas que enriqueceram empreiteiros de merda, marqueteiros de merda, dirigentes de merda e que transformaram o "maior do mundo" num epíteto mentiroso. E não existirá mais nem seu espectro, salvo na alma de quem o conheceu fervendo, depois da reforma recém-iniciada visando a adaptação do estádio ao tal padrão FIFA, essa matrona vagabunda que, guardadas as devidas proporções, faz com os estádios do mundo inteiro o que as grandes redes de franquia fazem com nossos "botequins mais vagabundos". E há quem sorria valendo-se da patética imagem do "esmalte nas unhas".

A reforma do Maracanã começou e um tal consórcio (o nome é perfeito para ilustrar a reunião dos ladravazes) composto por empresas que roubam dinheiro público sem pudor algum já deu início ao assassinato lento do gigante de concreto, que culminará com o enterro definitivo do Estádio Mário Filho quando ali acontecer a primeira partida da Copa do Mundo de 2014.

Mas enfim... recomendo vivamente a leitura de PAPO NA COLINA (aqui), FORZA PALESTRA (aqui) e CHUTA QUE É MACUMBA (aqui). O primeiro é escrito por João Medeiros, um vascaíno (como papai, como meu irmão do meio, como meu vô Oizer...), o segundo por diversos membros de um grupo que tenho chamado de tropa palestrina (Barneschi, Felipe Giocondo, entre outros) e o terceiro por Claudio Yida Jr., um corinthiano japonês, comunista, anti-nipônico e amante confesso da Tijuca (façam vocês uma idéia do que seja isso...).

Às armas!

Até.

10 comentários:

Craudio disse...

Lutemos contra o esmalte, mano! Há tempos a gente vem alertando sobre essa palhaçada que estão fazendo com o futebol do povo, uma tentativa desgraçada de elitizar uma das grandes paixões dos brasileiros.

Em especial o Maracanã, por quem nutro uma devoção gigantesca, causa-me profunda tristeza seu assassinato. Frio e calculado. Já haviam exterminado a geral e seus lendários habitantes; agora radicalizaram, expulsando nós torcedores, que fomos trocados pelos "clientes".

Tua luta é nossa, nossa luta é tua, pois os fins são os mesmos: acabar e denunciar a palhaçada dessa massa cheirosa que, não contente em usurpar nosso suor, agora deu para invadir nossos espaços com sua modernidade, com sua limpeza e civilidade.

E viva a Tijuca, talvez um dos maiores focos de resistência desse Brasil que a gente precisa manter vivo!

Eduardo Goldenberg disse...

Japonês: em 41 anos de vida vi apenas UMA obra ser passível de comemoração no Maracanã. Adivinha? Leonel Brizola, para o bem do povo mais humilde do Rio de Janeiro, mandou elevar o piso da geral para que os "geraldinos", que não existem mais graças a esses almofadinhas de merda, pudessem ver o jogo com mais dignidade e visibilidade! Forte abraço.

Daniel Banho disse...

É realmente lamentável que a "modernidade" tenha que vir acompanhada da descaracterização.

Mas o pior de tudo, pra mim, foi o fim da cerveja (o que, aliás, contraria o que acontece nas competições oficiais da FIFA). Se beber tornasse os frequentadores de estádios mais violentos, as torcidas FlaManguaça e BotaChopp, por exemplo, seriam formadas por autênticos hooligans.

Abraços

Rodrigo Barneschi disse...

Valeu, Edu!
Já perdi a conta de quantos posts escrevi sobre o Maracanã. Seja por minha devoção a este monumento do futebol, seja pelas seguidas tentativas de reduzi-lo a um espaço que pareça mais adequado aos tempos modernos, seja até em virtude de declarações estapafúrdias como a de um certo canalha que ousou sugerir a sua demolição. Sempre que o tema desponta, eu penso em buscar esses textos todos e fazer uma compilação, mas aí sobe o sangue, eu leio coisas absurdas e é preciso começar um novo texto. É uma luta inglória, tanto quanto a sua, e o desafio no caso do futebol acaba sendo maior devido aos tantos pilantras que tentam se aproveitar da paixão do brasileiro pelo assunto. São incontáveis, e, por mais que a gente resista, sempre haverá um marqueteiro calhorda, um empreiteiro safado ou um político oportunista para se aproveitar do futebol e do torcedor.
Aí somos classificados de rebeldes, de retrógrados, de pessoas contra o progresso. Neste mundo atual, é mais fácil ser alienado e defender as modernidades, como se elas fossem efetivamente para o bem de todos. O que ninguém parece querer enxergar é que, no caso específico das Copas do Mundo, a postura da FIFA cerceia os direitos individuais, as manifestações culturais e impõe um preço muito caro a se pagar por quase nada. Estádios são destruídos e outros são construídos sem necessidade, e quem paga a conta é a população local. Duas vezes: no bolso e com a destruição de seus patrimônios históricos.
Abraços,
Barneschi

Eduardo Goldenberg disse...

Daniel: verdade. E dá ainda mais ódio saber que no camarote desses filhosdasputas a bebida alcóolica serve para brindar à roubalheira e aos acertos! Abração.

Barneschi: acompanho a luta de vocês faz tempo. Só que ontem - veja que honra! - o Szegeri despertou em mim a vontade de indicá-los mais abertamente, quando enviou-me por e-mail alguns textos mais recentes de vocês. E brindemos, então, em brevíssimo, na Tijuca, rumo ao Maracanã para o duelo entre palestrinos e rubro-negros. E vamos forjar uma porrada na arquibancada pra dar merda dentro do estádio. Você me garante no meio da porcada?! Abração!

Rodrigo Barneschi disse...

Opa, garanto sim. Pode deixar comigo. E obrigado pela indicação. A luta é de todos nós. Estamos sozinhos, é verdade, mas vão ter que se esforçar muito para nos derribar. Resistência sempre. ÓDIO ETERNO AO FUTEBOL MODERNO!

P.S.: Te ligo antes do dia 1º, quando chego aí para ver Flu x Palmeiras.

Unknown disse...

Edu, no Mengão x Vasco de 78 eu tava lá, com meus vinte e sete anos de idade e até hoje me vem lágrimas nos olhos quando lembro da festa, da enorme multidão, da nossa torcida enlouquecida de felicidade com o gol do "Deus da Raça", com o nosso título, num Maraca que está paulatinamente deixando de existir...
Que pena, irmão...
Um abraço de Niterói, de um Flamenguista de quatro costados.
Caíque.

Unknown disse...

Caro Edu, realmente é um crime o que eles vem fazendo com o Maraca. Me lembro das vezes que ainda garoto fui com meu Pai e como ficava assustado na entrada das roletas com o tamanho da multidão...Fui a 2 jogos ainda com a geral e a capacidade antiga, Bra x Uruguai, com direito a golaço do Romário e na estréia do Romário no Fla x Flu em 95, ambos os jogos com mais de 100 mil pessoas!!!
Há pouco tempo vivi uma experiencia incrivel, levar meu sobrinho pela primeira vez ao Maraca, e ver um menino de 7 anos que não ligava para futebol, se transformar em mais um apaixonado Tricolor!! Infelizmente, creio que não poderei viver isso com meu filho...

Abraços,
Diogo Barros

Alex Carneiro disse...

Edu, parabéns pelo texto, sinto uma enorme tristeza ao pensar na destruição do nosso amado Maracanã. Lembro quando ia com meu pai desde o final dos anos 70 assistir aquele timaço do Fla, eu muleke com uma camisa que guardo até hoje, lembro do velho (falecido a pouco) falando para mim quando descíamos a rampa da arquibancada por cima, ainda não era fechada pela merda dos camarotes: Mija ali! hehehehe era aquele espaço largo onde por fora está escrito o nome do nosso gigante "Estadio Mario Filho". Hoje estarei lá acompanhando o nosso mengão e aproveitando o que ainda nos restou de Maracanã. Esta reforma para a copa será sim a pá de cal que faltava para enterrar de vez o maior do mundo. Eles venceram, não demoliram como queriam muitos, mas o mudaram de tal maneira que na verdade o demoliram.
Abraços. Alex Carneiro.

Dudu Santos disse...

Edu, sobre a morte do nosso querido Maracanã, recomendo também o belíssimo texto do Lúcio de Castro - no blog que ele mantêm no site da ESPN. Um cara que também admiro ler por essa postura critica que você, Simas e poucos outros mantem nesse mundo virtual.

Vida longa sempre ao Buteco.