7.12.10

VOVÓ (1924-2010)

Eis que vovó, minha avó materna, dona Mathilde, personagem de tantas histórias contadas aqui neste blog, personagem de tantas histórias que vi e vivi ao longo de meus 41 anos de vida, foi oló na noite de domingo. Estava eu em São Paulo quando o telefone tocou às 23h15min com a notícia. Vovó estava internada há pouco mais de duas semanas e confesso a vocês, publicamente, que não consegui receber a tristeza como companheira diante da notícia: vovó viveu intensamente seus 86 anos de vida, dos quais 41 comigo como testemunha, seu primeiro neto, sempre norteada pelo intenso amor herdado do exemplo de vida de sua mãe, minha bisavó, Mathilde também, o mesmíssimo amor que igualmente norteia a vida de mamãe, sua filha única. Na foto abaixo, que já ilustrou tantos textos aqui publicados, sou o menino de calças curtas e camisa listrada com a mão direta na mão de mamãe, com a mão esquerda nas mãos de vovó, ao lado também de minha bisa, que foi pro Orum em 1982, e tinha eu só 13 anos de idade (o que é, convenhamos, um privilégio... conviver 13 anos com a bisavó é um presente!).


Quem a conheceu - e refiro-me aqui a meus amigos mais próximos - por ela se encantou. Doce, pose e porte de rainha, cheirosa que só ela, vaidosa que só ela, vovó era um encanto de pessoa (escrevo "era um encanto de pessoa" e já me corrijo, vovó é um encanto de pessoa). A foto abaixo, de setembro de 2008, mostra vovó ao lado da minha menina e de sua menina, minha mãe. Vovó estava - como se vê, e como esteve até o último dia - elegante para receber, no Rio, na casa de meus pais, o portentoso Fernando Szegeri, meu irmão e também seu neto. Vou lhes contar, ao longo dos próximos dias, histórias bacanas da dona Mathilde, cujo velório, ontem, recebeu um público de Fla x Flu.

E é justo sobre o velório - rodrigueano - que quero lhes contar hoje, seguindo o princípio de que é preciso erguer o copo ao humor, sempre!


Chegamos de SP, eu e minha menina, por volta do meio-dia. Lá estavam suas amigas do pôquer - vovó jogava pôquer no Méier todas as sextas-feiras em uma mesa na qual era a caçula! -, dos centros espíritas que freqüentava, da "costura" - vovó costurava fraldas, lençóis, cobertores e mantinhas para os pobres - primas e primos, sobrinhas e sobrinhos, vizinhos e vizinhas, enfim... como lhes falei, um público de Fla x Flu.

E foi, meus poucos mas fiéis leitores, um velório tijucano e rodrigueano.

Logo na entrada da capelinha, uma coroa de flores gigantesca enviada por Gilberto Braga, sua irmã Rosa Maria e seu irmão Ronaldo. Vovó era amicíssima da Ieda, mãe dos três. Sua melhor amiga, contam. Os três a chamavam "tia Tida" e por ela tinham um carinho sem tamanho. Pois vamos à cena no melhor estilo Tijuca. As velhotas que se acotovelavam em volta do caixão vez por outra apontavam na direção da tal coroa de flores. Havia um alarido (apud Nelson Rodrigues) de vozes acompanhando aquele apontar de dedos. Até que deu-se a cena de cinema.

Uma das velhas tomou a direção da coroa de flores arrastando outra velhota pela mão. Estacou diante da coroa equilibrada no cavalete, pouco depois de estender uma câmera fotográfica para sua amiga. Postou-se ao lado da bóia de flores, esticou a faixa com os dizeres "saudades eternas", apontou pro nome do autor de novelas e disse pra outra:

- Tira! Tira! Vai!

Foi então que formou-se uma pequena fila para a mesmíssima fotografia.

Mas não ficou aí, apenas, o tijucanismo do momento.

À certa altura adentra a capelinha Dayse Lúcidi, prima da vovó. A radialista e atriz, hoje fazendo o papel de uma avó e cafetina na novela das oito, causou um furor de velhas no salão. Cochichos, fotografias, explosão de flashes, autógrafos.

E lá estava vovó vivendo o drama tantas vezes retratado por Nelson Rodrigues.

"A dor tem, ao fundo, um alarido de xícaras e de pires", disse o mestre.

Ontem, diante da ausência do bar da capela e da presença da modernidade, o alarido foi de flashes e do automático das câmeras portáteis.

Até.

11 comentários:

Juliana Freitas disse...

Lendo seu texto me lembrei do velório de um amigo, que morreu aos 18 de acidente de carro (minto: morreu de bobo, estava num pega à beira de um lindo, mas perigoso precipício - aquele tipo de morte que a gente diz: 'se não tivesse mrrido, eu matava', de tão besta). Então, esse meu amigo era lindo, cobiçado por todas as meninas da escola, mas namorava uma moça do inteiror de Minas e era fidelíssimo, para a desgraça das moças do colégio. Teve ferimentos por todo o corpo, mas seu rosto ficou praticamente intocado, exceto por um corte no supercílio. Lá pelas tantas, todas as meninas apaixonadíssimas por ele fizeram fila em frente ao seu caixão e deram-lhe um beijo na testa, na bochecha, até que uma beijou-lhe a boca e, quando chegou na roda de amigas, comemorou: eu consegui!

Rodrigueano também, não?

Beijos grandes pra ti!

Anônimo disse...

Mas que dureza hein seu Edu? Não consigo nem imaginar um velório desses. Abraço.

Samia Helena disse...

Eduardo,
Não me conheces..nem eu a ti..a não ser pelo twitter...encontrei-o fazendo uma crítica à celeuma midiática criada em torno do Complexo do Alemão..gostei do que li..virei sua seguidora..
Desde ontem acompanhei a notícia do falecimento de sua avó...
E hoje me deparei com o texto em seu blog (nem sabia que tinhas um)...
Gostei do seu texto..recheado de ternura e da alegria com a vida vivida tão intensamente por sua avó...fica a sensação de que era uma mulher que não deixou de fazer nada nesta longa vida que teve...e mais..creio que nem o Gilberto Braga conseguiria criar cena tão rodriguineana como a que descreveu...ri só de imaginar as velhinhas "atropleadas" pelo orgulho e pela ponta de vaidade...muito bom mesmo...
É isso..que sua avó esteja bem ou não (para os que acreditam)..o que importa realmente hoje é o que ela foi e sempre será..
Abraços cordiais
ah..ia minha esquecendo..sou apaixonada pela Cidade Maravilhosa e adoro a Tijuca...he..he..

ione disse...

Edu,
Realmente, deve ter sido uma cena inesquecível, digna de roteiro de cinema!
Aliás, já pensaste em escrever o segundo livro?!
Bjs

Vanessa Dantas disse...

Querido Edu,

algumas colocações:

1. Fiquei impressionada ao ver que você só cresceu. A cara é a mesmíssima do menino de calças curtas. Que belezura!

2. Lindas e elegantes, as três meninas da segunda foto.

3. Texto gostoso, afetivo.

4. Perdi um grande amigo nesse ano. Penso nele, com enorme saudade, muito mais do que supunha. E quando estou junto com os amigos em comum, nos referimos a ele como "filho da puta", "corinthiano safado", "que largou a gente aqui" e por aí vai. Cada vez que um de nós solta uma dessa, todos riem, e a ausência vira presença.

5. Um brinde aos 86 anos muito bem vividos de Dona Mathilde!

Um beijo e um forte abraço.

mari disse...

Perdi a notícia na TL, estava no Rio, sem essa máquina de fazer doido. Desculpe. Forte abraço.

Bom partir assim, em meio ao alarido. E com o amor do neto.

Mari disse...

Eu tive a honra de conhecer Vovó Mathilde, em seu aniversário, aí na Tijuca. Linda, maquiada, muito simpática e carinhosa, e a última lembrança que tenho é dela cantando as músicas que a certa altura começou a ser cantarolada pelos presentes. Muita luz pra sua nova vida!

Vera Mello disse...

Querido Edu, começo pelo beijo carinhoso e depois falarei de Matilde.
Estive no velório até as 13 horas e não me conformo de não ter encontrado você para um abraço e de ter perdido essa cena da fotografia.
Conheci Matilde pouco depois de conhecer você, ou seja, lá se vão muitos anos. Nunca vi ninguém entardecer com tanta dignidade, alegria e bom humor. Só a vi com lágrimas nos olhos uma vez, quando conversou comigo sobre o ex-marido e a saudade que sentia dele. Exceto esse dia, as nossas conversas giravam sempre sobre poesia, sobre a última peça de teatro que ela tinha ido ver com as colegas de van, o último filme , show etc e, é claro , Matilde estava sempre muito mais atualizada do que eu.
Deixo aqui hoje, em homenagem a ela, uma poesia que sei que ela gostava e sempre me pedia pra falar.

Beijo querido, o texto está lindo e digno de você e da encantadora família que escolheu para nascer e que eu aprendi a amar .

Verinha Mello

SE EU FOSSE UM PADRE
Mario Quintana

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
Não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
um belo poema sempre leva a Deus!

Lucia Helena disse...

Edu!
Sei muito bem o que é ter avó e bisavó! Nós fazemos parte de um grupo de privilegiados!
Com a bisavó Biúda convivi 27 anos (minha filha conviveu apenas 3 anos com a trisavó), já com a vó Hilda filha da Biúda, sigo junto há 43 anos!
Vó Hilda, mora em Sete Lagoas é fã de carteirinha de Paulinho da Viola e João Nogueira e tem a mesma idade de sua vó Mathilde. Segue firme, forte e corajosa!Teve 10 filhos (alguns dos 09 vivos a apurrinham até hoje), 18 netos e aguarda a chegada do bisneto número 5!!!
Vó Mathilde certamente já está iluminada e cercada de bons companheiros na nova fase da vida e sendo uma rara figura não poderia ter uma cerimônia de despedida comum!
Soube escolher bem a família e as amizades que lhe garantiram/ão alegrias e bons momentos pela eternidade da vida!
Um beijo!

Adelino P. Silva disse...

Edu, não o conheço pessoalmente. Alguém perguntou num comentário anterior, quando lançaria o seu segundo livro, permitindo-nos pressupor que já houve o lançamento do "primeiro". Qual o nome, Editora etc. Gostaria de adquiri-lo. Seus textos são maravilhosos. E temos algo em comum: tijucanos.
Abraços.
PS - Sentimos pela partida de uma pessoa tão participativa quanto foi a sua avó, como relata.

Eduardo Goldenberg disse...

Adelino: obrigado. O livro se chama "Meu Lar é o Botequim", editora Casa Jorge. Saudações tijucanas!