- Nunca mais piso no Maracanã... Depois daquele Brasil e Uruguai, de 50, nunca mais...
A história era confirmada e ganhava contornos de tragédia com a ciciante ladainha das tias, de minha avó e minha bisavó: meu avô Milton foi literalmente carregado pra casa no final da noite daquele 16 de julho por um de meus tios-avós, seu cunhado, largado e perdido às margens do rio Maracanã, impactado pelo gol que ainda hoje machuca a alma brasileira. E vovô dizia - façam uma idéia do efeito da frase para uma criança - sempre:
- Cuidado com o Maracanã, meu filho...
Pois fui ao jogo levado pelas mãos de meu pai e na companhia de meu irmão do meio. Eu, rubro-negro. Os dois, vascaínos. Seria a disputa do segundo turno do campeonato carioca de 78, o primeiro vencido pelo Flamengo. Um simples empate daria ao Vasco o direito de disputar o título do estadual contra o Flamengo.
Mais de 120.000 pessoas sem NENHUM conforto (com a ênfase szegeriana) aguardavam o apito inicial - o árbitro era o meia-boca José Roberto Wright. Participaram da batalha, pelo Flamengo, Cantarelli, Toninho, Manguito, Rondinelli e Júnior; Caperggiani, Adílio e Zico; Marcinho, Cléber, depois Eli Carlos, e Tita, depois Alberto, os comandados do técnico Cláudio Coutinho. Pelo Vasco da Gama, Leão, Orlando, Abel, Gaúcho e Marco Antônio; Helinho, Guina e Paulo Roberto; Wilsinho, depois Paulo César, Roberto e Ramon, depois Paulinho, comandados pelo legendário treinador Orlando Fantoni.
Guardo - e como lhes provarei que de fato guardo? - as sensações daquele dia em mim. O tumulto pra entrar no estádio, como romanos no Coliseu em dia de combate, os cântigos de guerra sacralizados por palavrões entoados em homilia coletiva, a disputa selvagem pelo melhor lugar ao sol, os milhares de rádios de pilha ligados na voz inconfundível de Valdir Amaral (foi quem narrou o gol), a energia contagiante dos geraldinos, os bares abarrotados de torcedores em busca de cerveja, vendedores de mate em galão, cachorro-quente, filas intermináveis nos banheiros fétidos - quem quer higiene em banheiro de estádio, porra?! -, ambulantes vendendo faixas de campeão para os dois times, e eu - eis a mais aguda confissão que faço - com medo de repetir ali, guardadas as proporções, o drama de meu avô:
- Se o Flamengo perder eu nunca mais venho ao estádio. - e eu imagino o dilema no coração de meu velho pai experimentando uma angústia de filho que eu não vou conhecer.
Pois foi ali, meus poucos mas fiéis leitores, no Maracanã, que vi Antonio José Rondinelli Tobias, o Deus da Raça, saltar como um bólido em direção à bola alçada na área pelo Zico, improvável cobrador daquele escanteio a poucos minutos do final do jogo, pra fazer morrer nas redes minha mais romântica e atrevida jura de torcedor.
O que se segue, é hilário. Meu pai - puto dentro das calças - tomou a direção da saída me arrastando com indisfraçável ódio, não de mim, é claro. Eu gemia:
- Deixa eu ver, deixa eu ver!
E eu nunca - nunca! - vou me esquecer dos gritos de "é, campeão!" que eu não pude acompanhar de perto. Papai, que levava numa das mãos meu irmão do meio e na outra a mim, não me deixou ver a entrega da taça, das faixas, a volta olímpica. Se naquele momento investi-me de raiva contra o velho hoje compreendo que a força-motriz de seu gesto intempestivo é a que move o torcedor que vai à campo pra ver seu time jogar.
Fecho, hoje, esse primeiro texto da série, com uma homenagem a todos os corinthianos que me lêem, na pessoa de Claudio Yida Jr., Julio Vellozo, Leonor Macedo e Stefania Gola, pelo centenário do Corinthians. Falei da lenda que cercava meu avô e preciso lhes contar outra.
Papai, quando eu era criança, sempre com os olhos esbugalhados, dizia com relação à famosa invasão corinthiana de 1976, no Maracanã, contra o Fluminense:
- Você não faz idéia do que fizeram os corinthianos no Rio de Janeiro em 1976...
E danava de contar sobre a festa preto-e-branca que se abateu por aqui.
Até.