1.2.11

EXPRESSÕES DE MINHA BISAVÓ

Minha bisavó, minha saudosa bisavó - e como já falei sobre ela aqui - era uma mulher que trazia no bolso do vestido uma enciclopédia de expressões que marcaram, como a marca do ferro em brasa, minha infância. E minha bisavó vive, pra mim, em três cenários: na primeira vila que conheci, na Professor Gabizo, perto da Heitor Beltrão; depois, na vila da São Francisco Xavier, entre o Orsina da Fonseca e a Igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho; e por último, no Lins, seu último endereço. As lembranças da primeira vila são vagas, muito vagas, e dela guardo esparsas passagens. Uma me marcou tremendamente e seria, tenho certeza, prato cheio para um psicanalista. Tinha eu - o quê? - não mais do que cinco anos de idade. Mamãe tinha uma empregada, creio que minha babá (o nome, não lembro). Pois a preta um dia me pôs, certo dia, diante da TV. Na tela, aquelas listras coloridas na horizontal, expediente usado durante anos pelas TVs antes ou após a programação regular. Eu devia estar pintando e bordando, é o que penso hoje. Disse-me a babá:

- Dudu, senta aqui! - e apontou-me o sofá.

Sempre fui obediente.

Mostrou-me a telinha e disse:

- Olha a cortina do circo, olha! Já, já, vão levantar a cortina. E você vai ver palhaços, engolidores de fogo, elefantes, leões...

Lembro-me vagamente desse dia. Mas uma certeza me assola: esperei durante horas pelo circo que, é claro, não veio. E a preta retinta, dulcíssima:

- O adestrador está atrasado. Espere! Espere!

E o palhaço era eu.

Da casa da vila da São Francisco Xavier as memórias são mais sólidas, palpáveis, o cheiro daquela casa, daquela vila, tudo está vivíssimo em mim. Foi ali, e eu nem sei quantos anos tinha, que pus álcool na boca pela primeira vez. Moravam ali minha avó, meu avô, minha bisavó e sua irmã, tia Idinha. Vovô mantinha um bar suntuoso na sala e eu sempre me encantava com a licoreira de cristal verde: era licor de menta. Diversas vezes, quando sozinho, mandava um cálice pra dentro. Era pastilha Garoto líquida! Ali, também, conheci a quiromania. Folheando uma revista AMIGA deparei-me com uma foto da Adele Fátima vestindo um biquini amarelo. Senti uma novidade entre as pernas e uma aguda vontade de ficar escondido. Voei pro banheiro de azulejos amarelos e saí de lá vendo estrelas: a vida mudou dali em diante. Anos depois, muitos anos depois - desconfio que eu já tenha lhes contado essa história aqui - encontrei Adele Fátima, por acaso, infelizmente, num restaurante no Leblon. Corria o ano de 1999 e eu estava saindo da estréia do espetáculo ALDIR BLANC, UM CARA BACANA, no Teatro da Lagoa. Para piorar - no melhor dos sentidos - eu estava na companhia do bardo tijucano. Aldir, que sabia da história, disse-me comovido:

- Ah, mas você não pode perder essa oportunidade...

Depois de algumas doses de Jack Daniel´s, ele voltou à carga:

- Vai lá, vai lá!

Fui.

Aproximei-me dela. A cada passo, um retrocesso no tempo. A cada passo, a transformação. E quando me cheguei ela já estava de biquini amarelo:

- Com licença...

O sorriso mais absurdo de tão bonito, um arremesso agudo em direção ao passado, a voz que eu NUNCA (com a ênfase szegeriana) vou esquecer:

- Pois não, querido...

- Eu preciso te contar uma coisa...

Outro sorriso, Aldir batia palmas da mesa, pus sua mão entre as minhas e disse (o agudo do vexame é que brotavam lágrimas de um menino de tenra idade dos meus olhos às vésperas dos 30 anos):

- Minha primeira punheta foi pra você...

Vejam bem: ela poderia, e não sem razão, lançar o Dry Martini que bebia no meu focinho de inconveniente. Poderia, ainda, clamar por socorro diante daquele imbecil. Dar-me um tapa na cara, fazer o diabo. Nada disso.

À feição da Branca de Neve do inesquecível A HISTÓRIA QUE AS NOSSAS BABÁS NÃO CONTAVAM, Adele Fátima pôs a mão direita em minha nuca e levou-me até seu ombro (e que colo!, que colo!, que colo!). E disse (estou aqui escrevendo e ouço com uma nitidez impressionante sua voz):

- Ô, meu querido... Que bonitinho!

Eu ia lhes contar sobre as expressões que minha bisavó usava. Vai ter de ficar pra amanhã.

Choro de esguichar.

Até.

11 comentários:

Gersinho Rodrigues disse...

Mais um texto sensacional! Parabéns.

Leonardo Azevedo disse...

PQP!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO!

André disse...

Edu,
Que inveja! Poder se declarar para uma mulher que foi um enredo de punheta e receber uma acolhida carinhosa é demais!

Leonor Macedo disse...

GÊNIO! (e lançar um Dry Martini é um desperdício)
Beijos mil

jeanboechat disse...

Espetacular. fico pensando como seria meu encontro com Fafá de Belém, detentora da minha primeira ereção. Eu, uma criancinha. Ela numa banheira de espuma dentro de um labirinto cantando, enquanto Renato Aragão, o Didi, tentava chegar nela. Ai ai. Inesquecível.

Eliana Black disse...

As musas negras povoando o imaginário sexual de jovens meninos brancos...

Vera Mello disse...

Meu amadinho, você escreveu tao bem que eu consegui enxergar toda a cena, inclusive a cara do bardo. Sempre achei a Adele Fátima uma mulher belíssima e doce . Você soube escolher muito bem a sua primeira companhia para o esporte solitário, querido. Consegui ver as suas lágrimas e acabei juntando algumas minhas no final. Comovente Dudu. Que noite feliz você me deu lendo seu texto. Obrigada querido.

Anônimo disse...

Oi. Primeira vez no blog e esse foi o texto q me te apresentou a mim, Edu. (sim, só agora te descobri \o/)

O interessante é q o tema normalmente não teria me atraído, já q cansei de ler/ouvir o qto "a ... (aqueles substantivos lindos) era ... (aqueles adjetivos lindos)", mas sua maneira de descrever o momento foi tão leve, divertida e tocante q me despertou, ao invés de antipatia e irritação, uma ternura imensa por aquele garoto.

Tanto q se algo assim me acontecer um dia, tenho certeza q lembrarei da cena e talvez até ofereça ao "meu garoto" um colo acolhedor.

Belo texto, terminei de ler com um sorriso no rosto...

Um bjo e até a próxima.

Unknown disse...

Grande Edu, tava no twiter da Leticia Castro, curto muito, e vi um comentário sobre a tua aventura que eu já tinha ouvido pessoalmente. Grande barato, como sou muito esquecido ainda vou pensar que fui eu que falei com ela sobre a primeira.
Abração beto ex Cris

Luiz Antonio Simas disse...

Triste confissão: Eu nunca conseguiria conversar sobre isso com Conga, a mulher gorila.

Mafuá do HPA disse...

caro Edu:

Gostei demais.
Declarar isso sem pedantismo ou com a coragem de o fazê-lo, ainda mais ao lado de Aldir Blanc (incentivado por esse, inclusive) via internet é algo de alguém despreendido para com a vida. Pois aproveito para declara a minha primeira homenageada (se não a primeira, uma delas), ALCIONE MAZZEO, de uma fotonovela, numa dessas reviostas tipo Contigo, onde aparecia de um jeito a encantar esse interiorano, fazendo-o recortar e colar a tal foto numa espécie de a´lbum, onde reunia algumas dessas. A da Alcione a minha preferida. Bons tempos.
Em tempo: Nunca cresceu pelo nas minhas mãos, mesmo diante do alerta dos mais velhos de que isso poderia acontecer.

Abraços bauruenses do
Henrique Perazzi de Aquino
www.mafuadophpa.blogspot.com