6.4.11

VOVÓ FAZ ANOS AMANHÃ

Amanhã, 07 de abril, a 20 dias dos meus 42 anos, minha avó faz anos. Dirão meus mais fiéis leitores, e os de melhor memória, que vovó morreu em dezembro. E eu negarei diante dos devaneios que esta foto, que tantos textos já ilustrou por aqui (é, de fato, uma de minhas preferidas), me provoca. Cá estou eu, de calças curtas e camisa listrada, tendo à minha direita minha mãe, à minha esquerda minha avó e na extrema esquerda (extrema direita da foto, notem minha precisão), minha bisavó - mãe de vovó. Estamos todos diante da mureta que havia na casa da vila onde moravam meus avós (minha bisavó junto, sempre), na Professor Gabizo, bem próximo à Heitor Beltrão, na Tijuca evidentemente. 


Será, de fato, seu primeiro aniversário, em 41 anos de vida, sem sua presença tangível. E eu falei "tangível" e por isso quero dividir com quem me lê um troço que há tempos, hoje mais agudamente, me encasqueta: problema grave na história do homem é a religião. A religiosidade, não. A religiosidade é de uma boniteza que comove.

Explico.

Amanhã vou fazer meu café, pela manhã, e vou servir uma xícara de café com leite, como ela gostava, e vou oferecer a ela - com torradas. Dirão alguns, bradando aos céus, que estou louco. Vovó descansa no reino dos céus, plácida e tranqüila ao som das harpas dos anjos - nem à fórceps! Vovó era agitada que só ela, não dispensava o pôquer com as amigas todas as sextas-feiras, no Méier, andava pra lá e pra cá de ônibus, conhecia os motoristas pelo nome, fazia o supermercado, não perdia uma novela. Não estaria, jamais, no tal reino. Dirão outros que eu devo deixar vovó descansar, que devo contribuir para seu desprendimento, por aí. Ora, meus poucos mas fiéis leitores... o que mais pode desejar uma avó, e que seja no dia de seu aniversário, do que o carinho comovido de um de seus netos? Onde vive minha avó se não em mim? O que pode haver de mais bacana, nessas horas, além da perfeita conjunção de sentimentos de afeto em estado bruto? Como dizer a vocês, com as palavras - que por vezes me fogem - o quanto de alegria e felicidade me proporcionarão os pequenos gestos que a ela dedicarei no dia de seu nascimento? Leve flores ao cemitério, dirão os mais contidos. Ao cemitério? Foi lá, no cemitério - que de certa forma foi cômico, como lhes contei aqui - que vivi um dos mais duros momentos da minha vida (que não tem sido fácil...), vendo descer o caixão que guardava dona Mathilde... Fazer o quê no cemitério? Os céticos, os ateus, balançarão cabeças com dó de tamanha insanidade: vovó acabou, dirão sapateando sobre a memória, sobre a saudade, sobre a religiosidade - e é aqui que eu queria chegar.

Se temos que a religião é um sistema de doutrinas (sistema!!!!!), de crenças, de práticas rituais próprias de um grupo social, estabelecido segundo uma determinada concepção (concepção!!!!!) de divindade e da sua relação com o homem, e se temos que a religiosidade é mera tendência para os sentimentos de religar, e se eu sou um homem movido por sentimentos, desde que nasci, se sou alma e coração em estado bruto, se choro ouvindo os tambores da macumba, se fico atento aos conselhos dos caboclos, se faço comida pra Orixá, se tomo passe em centro espírita, se mal consigo falar seguindo a procissão de meus santos mais afins, se ligo aos prantos, todo segundo domingo de outubro pra falar com minha comadre Railídia, paraense e como toda paraense devota de Nossa Senhora de Nazaré, se chamo São Jorge de Ogum e se deito meu ilekê sobre o cavalo de São Jorge que pertencia ao congá do terreiro de xambá da avó do Simas, se me consulto com um médico que já morreu há anos, como é que alguém pode querer que eu siga determinado sistema de doutrinas?!

Eu quero é festa, eu quero é me emocionar, pombas! Por isso amanhã vou preparar o café da manhã de minha avó, vou enfeitar a casa com rosas brancas, vou chamá-la pra contar a ela as novidades, vou espalhar água de cheiro pela casa, vou pôr Orlando Silva pra cantar, e se me der na telha ainda compro bolo de aniversário pra comer de sobremesa à noite, depois do jantar. Devidamente encerrado com uma dose de vinho do Porto... porque eu vou lhes contar uma coisa... Vovó nunca dispensou as doses (no plural!, no plural!) de vinho do Porto quando ia jantar lá em casa, uma vez por semana.

Era o que eu queria lhes contar. Chama, dona Mathilde, chama!

Até.

pós-escrito às 16h55min:

Impossível não fazer o adendo. Estava eu em Copacabana, por volta das 15h50min, saindo de um compromisso profissional, caminhando pela Nossa Senhora de Copacabana à espera de um táxi. Sinal fechado, fiz o sinal. Parou um Palio Weekend, entrei. No painel, um adesivo da cooperativa Táxi Garibaldi. Vamos ao contexto. A Táxi Garibaldi tem ponto justamente na rua Garibaldi, na Tijuca. Uma transversal da rua General Espírito Santo Cardoso, onde residia minha avó. Achei graça daquilo e fiz a blague:

- A cooperativa que minha avó mais usava...

O motorista:

- É?

- Morreu em dezembro, fará 87 anos amanhã...

Ele virou-se pra mim e disse:

- Dona Mathilde? A baixinha e cheirosa? Morreu?

Nem consegui responder. Eu já guinchava no banco do carona de tanto que chorava. Liguei pra mamãe, contei a história. Liguei pra minha menina, contei a história. O motorista - seu José - já fungava ouvindo tudo. Era, pra mim, sinal evidente de que vovó se fazia presente.

E pra não perder o fio da meada do texto que escrevi hoje pela manhã, vamos lá.

Dirão os céticos: trata-se de apenas uma coincidência. Pois sim! São mais de 35 mil táxis circulando no Rio de Janeiro, e cerca de 5 mil irregulares, num total de 40 mil veículos amarelinhos rodando por aí. E aí, no dia de hoje, véspera do aniversário da dona Mathilde, na tarde do dia em que escrevi, pela manhã, verdadeiro chamamento e prece quase pagã em sua intenção, um táxi justo da cooperativa da qual ela fazia uso freqüente, conduzido por um motorista que a conhecia ("baixinha", "cheirosa", "vaidosa", "serelepe", "elegante"...) e que mora na esquina da rua de vovó dá de me resgatar em Copacabana rumo ao Centro. Tá bom, então.

Eu quero é me emocionar, pombas!

8 comentários:

Craudio disse...

Comentário via e-mail pro Edu e transportado pro balcão:

"Mano, tô em prantos aqui. Já te disse o quanto fazemos igual ao celebrar, ao invés de lamentar, as pessoas que a vida nos levou. Puta injustiça, pois ela podia levar a gente, que não vale nada...

Sei lá que raios me deu lendo a belíssima homenagem à dona Mathilde, mas ela é tão referência pra você quanto minha tia Terezinha - que se foi há coisa de ano e meio - era pra mim. O fato é que essas palavras me emocionaram como um quê e aliviaram um troço enroscado aqui no peito há alguns dias e não sabia o que era. O sinal eu havia recebido, pois sonhei com minha tia domingo retrasado, dois dias depois de ter tomado um pé na bunda no trabalho. Só queria que tu soubesse disso.

Beijo em você e na Dani."

Mari Bellini disse...

Edu, cá estou eu fungando em frente ao monitor e ninguém tá entendendo nada na redação... rsrsrs
Seu texto é perfeito: nele nada falta e nada sobra! Dona Mathilde tá pra lá de orgulhosa docê, bem!

Unknown disse...

Não existem coincidências. Nós, os ocidentais cartesianos, é que insistimos em acreditar nisso. Beijo grande!

Anônimo disse...

Como não acreditamos em coincidência, por causa da entrega dos pães, da forma de pagamento,é que eu pude ter o prazer de entrar no seu blog, eu que não sou da família, tampouco sua conhecida... Que espetáculo o talento de quem sabe escrever bem, pude sentir um pouquinho a energia e a vivacidade da D Mathilde (minha avó tb tinha esse nome). Sinto-me honrada por indiretamente, aliás diretamente fazer parte dessa comemoração tão carinhosa através das minhas criações, os pães do Canto do Pão, o nosso slogan é Prazer com Saúde e é isso que terão nesse café da manhå. Sou cantora, trabalho c/ Roberto Carlos há mais de dez anos, comunicação, sensibilidade, acolhimento me comovem sempre. Gostei muito de poder compartilhar de uns momentinhos familiares tão saborosos! Agradeço muito sua generosidade e elegância. Que D Mathilde receba muita luz onde quer que esteja, a vida continua! Um abraço!

Nelson Borges disse...

É isso aí Edu!
A emoção já possui um fim nela mesma, emocionar-se significa estar vivo.

Abraços

Blog do Pian disse...

eu me emocionei.

Rodrigo disse...

Dirão os pseudo-céticos que o encontro do táxi explica-se pela teoria dos grandes números. Bobagem. Eu, cá em minha religiosidade, bem sei que, após tamanha homenagem, nosso Pai Ogum haveria de direcionar um caminho para o acontecido, como a dizer: o café com torradas foi muito bem recebido.

Diego Moreira disse...

Uma beleza. Acho que sua avó, espírita, também não acreditaria na tal "coincidência". "O acaso não existe" - Allan Kardec. Também fiquei comovido, e tu bem sabes que eu também devolvi minha avó ao Orum há pouco. Nó na garganta. Abraço.